Desencontos
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Book preview
Desencontos - Airton Paschoa
Airton Paschoa
DESENCONTOS
À Rita,
mestra e amiga
Índice
Bemol
Condor
Piquenique (com nus) na praia
Natalina [ready-made, 2003, RJ/Brazil]
Assombração
Toninha
Apendicite
Chiquinha
Cordas
Vanguarda
O eu é o id
Insidioso
Nome-do-pai
Lutulento
Tisânia
Recursos Humanos
Carrefour
Décimo terceiro
Robes & Hobbies
Bordado
Sonhódromo
Zunzum
Bálticos
Em conserva (ou conversa e com serva)
Selfie
Quem sabe
Jordão
Violência urbana (poética)
Borralheira
Parênteses
Aspirina
Má-criação
Isolda (prelúdio e morte de amor)
Instituto biológico
Chegada
A Gerência
Glossonanismo
Figuras de linguagem
Franco atirador
B.P.
B.O.
Conto do vigário
Necessidade histórica
Metamorfoses
Papo furado
Cabeçudo
Dadivina
O abolicionista
Cobertura
Seleção sobrenatural
Orgulho e Melancolia
Antipoética
O mínimo
Papai Noel
Coroa de cristo
Roque e meus primos
Tonico e Tinoco
Contramão
Geminado
Sobre o autor defunto
Bemol
Vinha de tempos em tempos, como o temporal, e chegou pingando. O vestido longo e largo, levemente malvado, drapeado por olhos d’água, insinuava nuas elevações suaves, palpitantes, debaixo da cachoeira de cachos. Agasalhei-a logo, menos por ela que por mim, e ficamos no sofá, enrolados em coberta e conversa mole, — eu, o velho escritor e confessor; ela, a aprendiz que não aprendia, nem queria, ria, raiava. Mal tocamos em literatura, tema que, atentava ela, evitava feito a cruz, o diabo. Falamos de coisas à toa, pra variar, de tudo e nada, de amores gorados e gozados, à beira do devaneio, do tempo e do vento, que esbofeteava a estufa e dava vontade de plagiar. A tarde caiu, a noite desceu, a conversa descia e subia, entre calados cálidos da respiração próxima, opressa. Cheguei a pensar que havia vindo se entregar e veio apenas se despedir. Ou que havia vindo se despedir e veio apenas se entregar. Nunca soube, nunca mais, nem dela, nem de Schubert. A chuva, a tormenta, era mais um improviso.
Condor
A igrejinha, tão ao-de-lá da infância, quem sabe toca o sino. Ao fundo brincam montes de escond’esconde com nuvens de trança. Sempre foram vaporosas, as meninas, azul-aladas. Não é só a terra que treme, ou a gente, o ar também. O rio — não, parado e pardo, o molho que quando soube sobe-lhe à nuca o arrepio/ a guilhotina do vento, sorriu, rolando a cabeça até topar as embaixadinhas e a bomba certeira na caçamba, puta sem-pulo. Por que que tem pulo, tem coisa que não tem explicação. Igual cocuruto, o estádio, ou caçamba. De cima fica tudo bonito. Fábrica, banco, moinho, cemitério? e prédio prédio prédio, prédio de tudo que é altura e tontura, abriu os olhos. A casinha com homem e cachorro, espremida, que nem um quadro caído, não sabia se via ou variava, latindo um