O último dos róis: Ascensão de Azira - Livro I
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João Pedro Leal
Escritor e poeta brasileiro
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O último dos róis - João Pedro Leal
O HERDEIRO DA LUZ
Santiago Ânsel era apenas um jovem normal; mas ao contrário da maioria, o garoto não tem espinhas. Como todos os outros da sua idade, no entanto, ele se encaixa perfeitamente em um armário de vassouras. Seus cabelos rebeldes e ondulados eram seu rótulo de esquisitão
na escola. Ânsel é o típico sobrenome que passa despercebido em tudo, inclusive no orfanato em que o garoto mora.
Sua rotina, além de estudar é ajudar na limpeza da instituição, o único lugar que ele conhece mais do que ninguém. A situação do adolescente de dezesseis anos é crítica, nunca houve uma família interessada em adotá-lo e agora com a recente crise, suas chances foram para o espaço.
Com óculos de gato e lentes absurdamente grossas, a Sra. Morgan - como é chamada - é quem dirige o orfanato. A velha assumiu o controle desde que Ânsel, foi deixado à mercê da própria sorte em um canteiro de flores ao lado do prédio ainda bebê. Sra. Morgan tinha um grande carinho por ele, sempre esteve ao seu lado quando o menino mais precisou, até em situações estranhas. O adolescente sempre teve certa fama no orfanato de se meter em confusões e de vez em quando, em situações que acabavam saindo do controle. A Sra. Morgan sempre o acobertou, mas não deixava de pedir mais cuidado. Digamos que ele era o preferido dela.
Em uma manhã gélida e com cheiro de malícia, Santiago ainda na cama não escondia a ansiedade deixando um sorriso escapar pelo canto da boca. Era dia da inspeção sanitária no orfanato e o seu trabalho seria avaliado à risca. A Sra. Morgan, como de costume foi ao seu quarto para avisá-lo dos inspetores. Depois de receber seu caloroso beijo matinal, Santiago começou a se aprontar enquanto compartilhava o estranho sonho que teve na noite anterior. Mas quem era seu ouvinte? Um enorme rato. Sim um rato o qual Santiago cuida escondido em seu armário, cujo nome era Queijão
.
Queijão ouvia silenciosamente o sonho de Santiago que está se tornando mais frequente á alguns meses.
—Será um aviso Queijão? —Perguntava Ânsel mirando os olhos no bicho.
Santiago deixou um pedaço de queijo dormido para Queijão e foi para o refeitório. Em seu caminho, encontrou um amigo de velha data, o gato gordo, lento e bigodudo do zelador, o senhor Barnabé. No café da manhã, Santiago sentou-se sozinho afastado dos demais. Depois do pão e da gelatina de morango, ele foi rápido para conferir se os corredores estavam limpos, mas foi esbarrando num corpo alto e gordo. Vitor mais uma vez. Desde que havia aprendido a andar, Santiago foi atazanado por Vitor, que sentia um estranho prazer em apelidar e provocar a todos. Santiago estava cansado de ouvir piadas a seu respeito. Na semana passada foi apelidado de Alien, mas não por sua cabeça, e sim por sua anormalidade
.
—Estou interrompendo? — Disse a Sra. Morgan surgindo de repente. Assustados com sua aparição, ambos hesitaram a falar, mas já sabendo quem tinha provocado, a diretora pediu para que Vitor se dispensasse dali. Olhou profundamente para Santiago e lhe deu outro beijo na testa antes de sair.
Momentos depois; o inspetor sanitário chegou para mais uma inspeção um tanto suspeita. Foram necessários apenas dez minutos para vasculhar a dependências da instituição, e como sempre, o trabalho de Santiago havia brilhado mais que o dos outros.
Durante o dia muitas coisas estranhas aconteciam a todo o momento. No noticiário, a moça do tempo, anunciava estranhos acontecimentos celestes. Luzes vindas do espaço segundo algumas testemunhas. Raios foram flagrados por toda cidade durante a madrugada, o intrigante é que não havia previsões de temporais. O dia de Santiago, no entanto, progrediu de forma normal, a não ser pelos arrepios que sentia ao se lembrar do sonho que tivera. Por alguns instantes, Santiago jurava ter visto uma sombra alta o seguir pelos corredores. Foi então que passando em frente à sala da direção, ele parou para ouvir os murmúrios. A porta entreaberta deixou Santiago ouvir a estranha reação da diretora que, mais preocupada do que nunca, não parava de sussurrar uma frase que não aparentava fazer qualquer sentido para Santiago.
— O que será daquele povo sem um protetor? A luz corre perigo, a profecia irá se cumprir! — Dizia ela, andando de um lado ao outro.
Santiago ignorou a cena e continuou andando, com o desejo de terminar a história que encontrou em uma prateleira esquecida na biblioteca. Ele caminhava, mas seus pensamentos ainda estavam presos em seu sonho. Ele sentia calafrios só em se lembrar do que havia visto.
Já era quase noite, e Santiago saia da biblioteca do orfanato levando consigo um exemplar de O Século Das Luzes, ao que tudo indicava, o garoto desejava explorar um novo mundo. Depois do excelente jantar, Santiago seguiu para sua cama, abriu o livro e começou a lê-lo vorazmente.
Cada página lida era familiar para ele. Em seus sonhos, Santiago sempre imaginou pertencer a outro mundo, sentia lá no fundo que este universo não era seu habitat. Bem que ele queria pertencer a outro mundo, onde não fosse tratado como um completo estranho.
O orfanato inteiro já dormia naquela noite, quando uma forte ventania assolava os arredores do prédio. Seria um início de uma tempestade? Enquanto Ânsel dormia, no campo, um raio flamejante caiu queimando o gramado criando um círculo de estranhos desenhos. De repente, surgiu um ser estranho, alto, com um brilho próprio, cabelos reluzentes e um rosto angelical.
Vestia uma túnica dourada, parecia ter sido feita com linho puro, a sua estranheza estava nas orelhas pontudas como de um elfo e seus olhos eram prateados como a lua. Sua velhice se notava pela enorme barba que batia em sua cintura. Era um mensageiro de outro mundo, a criatura trazia uma mensagem importante, para alguém que já o aguardava no campo. Era a Sra. Morgan que se aproximava com toda serenidade, mas com certo ar de preocupação. Em passos pequenos e apressados, aproximava-se do campo, um rastro de migalhas de queijo, denunciava um rato que caminhava seguindo em direção ao Mensageiro.
—Revele-se! — Disse aquela criatura estranha, e como um efeito mágico, a Sra. Morgan deixou de existir, deixando em seu lugar um reflexo do ser a sua frente, uma criatura alta e muito reluzente. — O senhor também, Mestre Persalhes. — Disse o Mensageiro, olhando para o enorme rato, que roía um queijo dormido. Uma luz incandescente o envolveu, a transformação revelou um homem alto e velho. Era um mago, o Mestre Persalhes de Azira. Morgan curvou-se juntamente com o Mensageiro, em sinal de respeito ao Mestre. E reveladas suas verdadeiras aparências, a Sra. Morgan foi intimada.
— Celeste. Guardiã e protetora do herdeiro. É evidente o colapso do nosso mundo, após a doença ter abatido o Rói. Como guardiã do herdeiro, você deve enviá-lo à Azira. — Dizia o Mensageiro. — O fim de cem reinados terminará e a profecia deve se cumprir, a eleição do 101º Rói do planeta será em breve. — Completou o Mestre Persalhes. Aquelas palavras ditas com muita clareza, fez com que Celeste, outrora Sra. Morgan, entristecesse com a notícia da breve morte do Rói de Azira. De alguma forma aquilo a abalou profundamente. O que seria daquele povo sem um imperador? Então, apressou-se em buscar o herdeiro, a quem o mensageiro procurava. Em um passe de mágica, lá estava ela, ao lado da cama do adolescente Santiago Ânsel. Sim. Ele, o garoto que era diferente dos demais.
— É chegado seu dia querido. A profecia deve ser cumprida. Hoje retornará ao seu verdadeiro lar Santiago. — Disse Celeste, com sua carinhosa voz. Ela então sussurrou palavras estranhas e o corpo de Santiago flutuou como uma pena dentro do quarto apertado. A porta se abriu ao som de palavras pronunciadas pela Guardiã e saíram lentamente, passando pelos corredores até chegarem ao campo, onde o Mensageiro já ansioso aguardava o garoto. Embalado em lençóis brancos, Santiago foi entregue ao mensageiro pela sua guardiã. Um último beijo foi dado por Celeste. Nesse instante, o Mensageiro conjurou um portal ligando este mundo à outra dimensão e Santiago Ânsel, o Herdeiro da Luz, foi levado deste mundo para Azira.
A PROFECIA
Seus olhos se abriam lentamente e vislumbraram uma cúpula dourada, era um ambiente muito peculiar. Diferente. Santiago pensava que ainda era um de seus sonhos.
—Aahh! — Santiago gritou ao levar um grande susto ao se deparar com um sorriso de galhos, dado por uma estranha criatura. Desta vez não era o angelical e dourado como o mensageiro, esta nova criatura, era de baixa estatura, de uma pele como de árvore com musgo, que aparentava ser uma planta falante e de fato, era uma. Tinha ramificações no que pareciam pés, cabelos de folhas com certas flores coloridas e cheirava a terra molhada.
— Olá! — Ele se inclina para falar com Santiago que com medo, recua para trás.