Perfil de litigiosidade da saúde pública em face do município de Goiânia (2016-2020): judicialização e solução consensual
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Perfil de litigiosidade da saúde pública em face do município de Goiânia (2016-2020) - Eliane Pires Araújo
Dedico essa dissertação a Manuela, que há cinco anos
faz os meus dias mais felizes. Que ela veja na madrinha o
exemplo da educação que transforma a realidade.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por sempre me acompanhar em todas as lutas e provações e, especialmente, por ter escolhido o tempo certo para que eu pudesse realizar esta pesquisa.
Ao apoio incondicional da minha família, que compartilhou das minhas angústias e foi abundantemente paciente com todas as minhas ausências.
Aos amigos Alexandre, Gabriela, Mateus e Rovhenna que auxiliaram nas inúmeras revisões do texto e que, com gentileza, sempre responderam às várias do tipo estou me fazendo entender
?
A cada um dos discentes da turma IV do PPGDGP/UFG, a quem tive a honra de representar durante essa jornada e que se tornaram verdadeiros amigos.
Por fim, agradeço a Larissa, secretária deste programa, tão atenciosa e dedicada à árdua missão de nos auxiliar nas burocracias, e a todos os professores do PPGDFP/UFG, por tantos ensinamentos, especialmente, ao meu orientador, Professor Cleuler, pelo tempo dedicado às minhas dúvidas e inquietações no decorrer da pesquisa.
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
1 POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA À LUZ DO FEDERALISMO DE COPARTICIPAÇÃO E DEVER DE DEFERÊNCIA PARA COM AS DECISÕES ADMINISTRATIVAS CUNHADAS NA VIA TÉCNICO-JURÍDICA
1.1 DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SAÚDE
1.2 POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): BREVÍSSIMO HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E DIRETRIZES
1.3 POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA À LUZ DO FEDERALISMO DE COPARTICIPAÇÃO
1.4 PROTOCOLOS CLÍNICOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS (PCDT), COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SUS (CONITEC) E A PROCESSUALIZAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA
1.5 DEVER DE DEFERÊNCIA PARA COM AS DECISÕES ELABORADAS SOB A ÉGIDE DO DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO
2 POLÍTICA PÚBLICA DE CONSENSUALIDADE COMO PARADIGMA PARA A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA: REFLEXÕES SOBRE O INTERESSE PÚBLICO E A PREFERÊNCIA DA SOLUÇÃO CONSENSUAL NOS CONFLITOS QUE ENVOLVAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1 A CONSENSUALIDADE COMO POLÍTICA PÚBLICA
2.2 INTERESSE PÚBLICO E A RESTRUTURAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO SOB O PRIMADO DA CONSENSUALIDADE
2.3 ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA CONSENSUAL: EXISTE DEVER DE CONSENSUALIDADE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?
2.4 SOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS DE SAÚDE PÚBLICA: ESPETACULARIZAÇÃO DO CONSENSO OU ALTERNATIVA VIÁVEL À JUDICIALIZAÇÃO?
2.5 A MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS DE SAÚDE PÚBLICA QUE ENVOLVAM A ADMINISTRAÇÃO E O CEJUSC DA SAÚDE COMO UM DOS SEUS INSTRUMENTOS
3 PERFIL DE LITIGIOSIDADE DA SAÚDE PÚBLICA EM FACE DO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA ENTRE OS ANOS DE 2016 E 2020
3.1 ANÁLISE PANORÂMICA DA LITIGIOSIDADE DA SAÚDE PÚBLICA EM FACE DO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA ENTRE OS ANOS DE 2016 E 2020
3.1.1 METODOLOGIA E PROTOCOLO DE COLETA DE DADOS
3.1.2 DISCUSSÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS
3.2 ANÁLISE DA LITIGIOSIDADE DO DIREITO DE ACESSO A MEDICAMENTOS EM FACE DO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA ENTRE OS ANOS DE 2016 E 2020
3.2.1 METODOLOGIA E PROTOCOLO DE PESQUISA
3.2.2 DISCUSSÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS
3.3 ANÁLISE DOS PROCESSOS NOS QUAIS O MUNICÍPIO DE GOIÂNIA ERA PARTE SUBMETIDOS À CONCILIAÇÃO NO CEJUSC DA SAÚDE DO TJGO ENTRE OS ANOS DE 2019 (INSTITUIÇÃO) E 2020
3.3.1 METODOLOGIA E PROTOCOLO DE PESQUISA
3.3.2 DISCUSSÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE A – PEDIDOS DE ACESSO A INFORMAÇÕES E RESPOSTA DO TJGO
APÊNDICE B – PEDIDO DE ACESSO A INFORMAÇÕES E RESPOSTA DO SDP/NDP/PGM-GYN, COM LISTA INICIAL DE PROCESSOS
APÊNDICE C – DOCUMENTOS RELACIONADOS A PRIMEIRA COLETA DE DADOS (FORMULÁRIO 1) – ANÁLISE GERAL
APÊNDICE D – DOCUMENTOS RELACIONADOS A SEGUNDA COLETA DE DADOS (FORMULÁRIO 2) – ANÁLISE MEDICAMENTOS
APÊNDICE E – DOCUMENTOS RELACIONADOS A TERCEIRA COLETA DE DADOS (FORMULÁRIO 3) – ANÁLISE CEJUSC DA SAÚDE
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
O Estado Democrático e Social de Direito, consagrado pela Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, concretiza-se a partir da garantia dos direitos fundamentais, que dependem de políticas públicas para se realizarem no dia a dia do cidadão. No arranjo constitucional, a incumbência da elaboração e da implementação dessas políticas insere-se nas competências dos Poderes Legislativo e Executivo. Nada obstante, o Poder Judiciário tem se imiscuído na matéria sob pretexto da materialização daqueles direitos e da adequação hermenêutica do texto constitucional (VALLE, 2008).
A positivação do direito à saúde no artigo 196 do diploma constitucional implica a possibilidade de exigi-lo perante qualquer dos poderes constituídos. Dessume-se dessa ideia a opção do constituinte pela escolha de políticas públicas como principal instrumento de sua efetivação, a fim de, desde o início, fomentar a cooperação entre os Poderes para a efetivação daquele direito fundamental.
As demandas judiciais para tutelar os direitos fundamentais sociais, em especial o direito à saúde, aumentaram nos últimos anos. De acordo com pesquisa encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e realizada pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), verificou-se um crescimento ano a ano de aproximadamente 130% no número de ações judiciais relativas à matéria de 2008 para 2017 (CNJ/INSPER, 2019).
Implica reforçar que as discussões de saúde apresentam um viés individual ao lado de marcantes características coletivas, uma vez que tutelas de urgência para internação de um determinado conjunto de pacientes podem impactar numa falta de leitos disponíveis na rede pública local que poderia encontrar-se adequadamente dimensionada, por exemplo.
Ao ensejo da questão, os debates de saúde quando afastados de seu campo próprio, que é o político coletivo, acabam por mitigar o amadurecimento da cidadania e, em última análise, da própria democracia naquela região específica.
Convém ressaltar que uma pacificação jurisprudencial acerca da legitimidade do Poder Judiciário para o controle das políticas públicas não minorou a discussão sobre os parâmetros de controle e a busca pela racionalidade das decisões judiciais. Assim, a discussão sobre a judicialização dos problemas político-econômico-sociais encontra-se ainda acesa.
Tanto sob o enfoque individual de garantia da prestação em si, como direito subjetivo de titularidade do demandante, quanto sob o enfoque coletivo, cuja análise remete à natureza das políticas públicas que o circunda, o debate acarreta complexas discussões sobre formas de controle formal e substancial.
Em análise dos comportamentos sociais, a grande quantidade de decisões judiciais favoráveis às pretensões dos cidadãos contribui para o fortalecimento da cultura demandista, criando-se uma impiedosa relação de dependência com o Poder Judiciário.
Do ponto de vista do usuário do sistema público de saúde, a efetivação de seu direito seria garantida apenas através de ações judiciais; do ponto de vista do gestor do sistema, não há atividade criativa, deixa-se de planejar e de gerir políticas públicas para apenas se cumprir decisões.
Acrescente-se que a cultura demandista pouco ou nada incentiva os demais sistemas de controle das políticas públicas, desvalorizando as formas de participação social, cujo incentivo decorre diretamente de previsão no texto constitucional.
A complexidade da sociedade pós-moderna implica alteração das formas de agir do administrador público, o qual deve tomar decisões racionais, qualificadas e motivadas, sobretudo em ambiente de risco e em curtos espaços de tempo.
A pandemia da COVID-19 intensificou essas decisões administrativas em situações limítrofes e a demanda pelas ações e serviços de saúde pública no país implicaram rediscussão de seus aspectos básicos, bem como reascenderam as consequências práticas da judicialização das políticas de saúde pública no Brasil, notadamente quando em debate jurídico-político a validade daquelas nos casos em que baseadas em evidência científica.
Nessa linha, a atual complexidade do Direito Administrativo, assim como a configuração do Estado Democrático, que reclama a participação popular, têm, há um tempo, colocado em debate a legitimação da atuação unilateral da Administração Pública perante situações que, por exigirem respostas e decisões binárias, melhor seriam tomadas mediante um acordo entre administrador e administrado (PALMA, 2010, p.10).
Assim, a consensualidade é entendida como paradigma para a atuação administrativa e sobre ela devem ser lançadas as bases da solução dos conflitos que envolvam a Administração Pública, notadamente quando eles envolvem políticas públicas.
Sob o aspecto infraconstitucional, o Código de Processo Civil reservou uma seção inteira à solução consensual dos conflitos, como forma de dar sobrevida útil ao diploma diante das tendências futuras da sociedade brasileira.
Do mesmo modo, a Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, traduz o ideal conciliatório e, ainda, consolida expressamente em texto de lei, a mediação, conciliação e autocomposição pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 32).
Diante desse contexto, o CNJ expediu a Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, que instituiu a política judiciária nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses. Além disso, expediu, no mesmo ano, a Recomendação nº 31, de 30 de março, com recomendações para o aperfeiçoamento da prestação judicial em matéria de assistência à saúde, em atenção ao diálogo interinstitucional e à valorização das formas alternativas de solução de conflitos.
Ainda no mesmo ano, o Conselho instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, conforme se vê na Resolução nº 107, de 06 de abril. Frise-se que ambos os atos normativos foram subsidiados pela Audiência Pública nº 04, promovida pelo Supremo Tribunal Federal nos dias 27, 28 e 29 de abril, e nos dias 4, 6 e 7 de maio de 2009.
A Resolução nº 238, de 06 de setembro de 2016, do CNJ, que inaugurou os Comitês Estaduais de Saúde pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais, também acentuou o diálogo crítico e plural a respeito da matéria e, sobretudo, privilegiou e incentivou medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à definição de estratégias nas questões de direito sanitário. Além disso, determinou a especialização de varas em matéria de saúde pública.
Em 16 de junho de 2021, por intermédio da Recomendação nº 100, o órgão expressamente indicou o uso de métodos consensuais de solução de conflitos em demandas que versem sobre o direito à saúde, incluindo a implementação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos de Saúde (CEJUSC), para o tratamento adequado dessas questões.
Põe-se, nesse cenário, a dicotomia entre as consequências indesejadas das decisões judiciais na seara da saúde e, noutro sentido, as recomendações normativas modernas acerca da autocomposição na esfera pública federal, municipal e estadual.
Emerge desse contexto-problema a necessidade de investigar o estado da judicialização do direito fundamental social à saúde, para que seja realizado diagnóstico da situação local. À vista da exequibilidade, como recorte metodológico, propõe-se o seu estudo apenas na Justiça Estadual e Comarca de Goiânia-GO, entre os anos de 2016 (para que se faça o diálogo com a consensualidade prevista pelo CPC e pelas resoluções específicas expedidas pelo CNJ) e 2020.
Além disso, relativamente ao direito de acesso a medicamentos, a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a execução de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
A Política Nacional de Assistência Farmacêutica, que tutela aquele direito, aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Saúde e publicada na Resolução nº 338, de 06 de maio de 2004, é campo fértil para a análise mais minuciosa da dinâmica e da complexidade da política pública de saúde objeto de judicialização (e de posterior tentativa de sua desjudicialização).
Para isso, realizar-se-á, também, um diagnóstico mais específico, a partir do levantamento de dados em autos de processos judiciais, a respeito da judicialização do direito de acesso a medicamentos no município de Goiânia entre os anos de 2016 e 2020.
Ainda, considerando os instrumentos da política pública de consensualidade que buscam equacionar o problema da judicialização do direito à saúde, bem como tendo em vista o esforço interinstitucional para o desenvolvimento de uma cultura que favoreça o diálogo e a construção do consenso a partir de esforços múltiplos, incrementando-se a participação e minimizando interferências diretas no sistema de políticas públicas adotado, serão investigados acordos realizados pela Administração Pública, incluindo-se os conflitos que envolvam o direito à saúde pública. Serão analisados, também, os processos submetidos ao CEJUSC da Saúde.
Assim, para os problemas i) Qual é o estado da judicialização do direito fundamental social à saúde na Comarca de Goiânia-GO (apenas na Justiça Estadual), entre os anos de 2016 e 2020? e ii) Qual é o estado da judicialização do direito de acesso a medicamentos nos mesmos recortes propostos? foram pormenorizadas categorias de análises, de acordo com a complexidade da questão.
No que se refere ao terceiro e último problema de pesquisa proposto (a consensualidade pode ser entendida como paradigma para a atuação administrativa? Existe poder-dever de consenso? Quais e quantas foram as demandas submetidas ao CEJUSC da Saúde?), duas são as hipóteses testadas: a) o princípio da indisponibilidade do interesse público não constitui óbice para a autocomposição de litígios pela Administração Pública e as utilidades materiais/prestações do direito à saúde pública podem ser transacionadas pela Administração Pública Municipal, desde que os parâmetros utilizados nos acordos sejam razoáveis e objetivos; b) a criação do CEJUSC da Saúde no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás não contribuiu estatística e significativamente para a redução numérica de ações judiciais que envolvam o direito de acesso a medicamentos e que tenham como parte o município de Goiânia/GO, mas é uma solução adequada à resolução daqueles conflitos.
A presente pesquisa, de natureza quali-quantitativa, pretende-se aplicada e busca descrever e explicar os problemas propostos a partir de pesquisa bibliográfica e documental, por intermédio do levantamento de dados em autos de processos judiciais e da estatística descritiva.
A abordagem Direito e políticas públicas proposta por Maria Paula Dallari Bucci (2019) é o ponto de partida da presente investigação.
Parte-se dos pressupostos conceituais de direito fundamental à saúde, de assistência farmacêutica, de interesse público e de consensualidade administrativa, isso à luz do Direito Administrativo Social (RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, 2015) e do Direito Fundamental à Boa Administração Pública (VALLE, 2011; e FREITAS, 2014).
A pesquisa está dividida em três capítulos, dois com enfoque teórico e um de natureza empírica.
O primeiro capítulo aborda aspectos conceituais e teóricos do direito fundamental social à saúde e, a partir de breve histórico e da enunciação principiológica, almeja identificar o estado das políticas de saúde pública no Brasil, base teórica da discussão aqui proposta.
Além disso, identifica o estado da arte e discute os pontos de reflexão do dever de deferência dos órgãos controladores para com as decisões elaboradas sob à égide do devido processo administrativo, notadamente com foco nas alterações promovidas no Direito Administrativo a partir de uma leitura constitucionalmente adequada.
O capítulo também discute a política pública de assistência farmacêutica à luz do federalismo de coparticipação e a sua processualização, por intermédio dos protocolos clínicos e da CONITEC.
O segundo capítulo pretende, inicialmente, analisar a compreensão da consensualidade enquanto política pública, o que será feito mediante revisão do estado da arte e da constatação de esforços dos diversos Poderes no sentido de trazer efetividade aos mecanismos de consensualidade na atuação estatal.
Posteriormente, a despeito da sua instituição enquanto política pública, emerge a necessidade de confrontar as críticas direcionadas à possibilidade