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A Assembleia do Povo de Deus e o Projeto Pastoral Construir a Esperança da Arquidiocese de Belo Horizonte (1996-2003): contribuições para a prática da sinodalidade na Igreja de Belo Horizonte
A Assembleia do Povo de Deus e o Projeto Pastoral Construir a Esperança da Arquidiocese de Belo Horizonte (1996-2003): contribuições para a prática da sinodalidade na Igreja de Belo Horizonte
A Assembleia do Povo de Deus e o Projeto Pastoral Construir a Esperança da Arquidiocese de Belo Horizonte (1996-2003): contribuições para a prática da sinodalidade na Igreja de Belo Horizonte
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A Assembleia do Povo de Deus e o Projeto Pastoral Construir a Esperança da Arquidiocese de Belo Horizonte (1996-2003): contribuições para a prática da sinodalidade na Igreja de Belo Horizonte

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Este livro apresenta as Assembleias do Povo de Deus e o Projeto Pastoral Construir a Esperança da Arquidiocese de Belo Horizonte no período de 1966 a 2003, identificando as contribuições para a prática sinodal nessa igreja particular. A obra nos permite afirmar que as Assembleias e o Projeto Pastoral Construir a Esperança foram modos particulares em que a sinodalidade aconteceu nessa Arquidiocese e na sua recepção e concordância plena com o Concílio Vaticano II. A sinodalidade é apresentada como base da prática pastoral da igreja belo-horizontina no recorte temporal do estudo. As Assembleias podem ser consideradas as mais concretas e importantes expressões da práxis sinodal, no que se refere à ação pastoral na Arquidiocese de Belo Horizonte. Procura demonstrar também como a Igreja de Belo Horizonte desenvolveu projetos pastorais que colaboraram na estruturação do serviço de evangelização.
LanguagePortuguês
Release dateFeb 13, 2023
ISBN9786525272535
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    A Assembleia do Povo de Deus e o Projeto Pastoral Construir a Esperança da Arquidiocese de Belo Horizonte (1996-2003) - Evaldo Apolinário

    1. O CONCÍLIO VATICANO II: IGREJA CATÓLICA E AUTOCOMPREENSÃO

    A Igreja vive o processo de transformação e de mudança com o Concílio Ecumênico Vaticano II, que abre suas portas para o diálogo com o mundo moderno. Ou, em outras palavras, exige da Igreja a criação de uma nova estrutura, uma época de reajustamento pastoral para o nascimento de uma nova eclesiologia.

    Acolher a novidade trazida pelo Concílio Vaticano II significa a readaptação dos velhos costumes às propostas que emergem da nova organização de evangelização da Igreja Católica, o aggiornamento, a meta principal do concílio, a atualização da Igreja diante das questões postas pela sociedade moderna.

    No presente capítulo pretende-se apresentar o Concílio Vaticano II e sua nova eclesiologia, identificar qual é o lugar do leigo dentro da Igreja e conhecer como o concílio é recepcionado na Igreja do Brasil.

    1.1 MODELO DE IGREJA: O CONCÍLIO VATICANO II E SUA NOVA ECLESIOLOGIA

    Passados 54 anos do encerramento do Concílio Vaticano II, que transformou a estrutura pastoral da Igreja Católica no século XX, com a finalidade de colocar a Igreja em diálogo com a sociedade moderna e com atualizações oportunas para responder às exigências do nosso tempo, percebe-se que não se esgotou o debate sobre o seu significado e sobre a sua aplicação, nos diversos aspectos, seja no seu relacionamento com as outras Igrejas e no diálogo com o mundo moderno.

    Com a Constituição Humanae Salutis, de 25 de dezembro de 1961, o papa João XXIII convoca o Concílio Ecumênico Vaticano II, apresentando a finalidade que almeja com a sua realização, abertura ao diálogo com outras religiões, uso das línguas de cada país nos ritos litúrgicos e um novo modo da Igreja se posicionar diante da sociedade moderna (PAPA JOÃO XXIII - CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA HUMANAE SALUTIS, 1961).

    De acordo com o pontífice João XXIII, a Igreja se via diante da grave crise da sociedade moderna. Para a humanidade, surge um novo período de grandes descobertas científicas e tecnológicas, ao passo que pesam sobre a Igreja obrigações de colocar o anúncio do evangelho em diálogo com o mundo moderno (PAPA JOÃO XXIII, 1962).

    A proposta do papa com o concílio é viabilizar a Igreja a buscar seguir firmemente o seu caminho sem afastar-se do mundo que muda velozmente. As consequências dessas velozes mudanças, com suas muitas exigências e desafios, também exigem profundamente que a Igreja dê resposta aos novos sinais, mostrando sua vitalidade. Giuseppe Alberigo (1996, p. 400) argumenta que evocada a centralidade dos concílios na vida da Igreja, o Vaticano II coloca-se frente aos desvios, às exigências e às oportunidades da Idade Moderna.

    Assim, ia manifestando dentro da assembleia conciliar as propostas para que a Igreja se tornasse mais próxima do povo comum. A abertura para a adoção das línguas vernáculas, ao menos para algumas partes das celebrações litúrgicas foi a inovação mais rumorosa, senão a mais importante (ALBERIGO, 2006, p. 55).

    O Concílio Vaticano II ao ser anunciado provocou, por todo o mundo, um estado de perplexidade e de grandes indagações. O papa João XXIII reunido com cardeais no mosteiro beneditino causou surpresa e admiração. Na opinião pública mundial, católica e leiga levantou-se a expectativa do combate das desigualdades raciais e sociais, além de fortalecer a esperança da unidade dos cristãos. Conforme salienta José Oscar Beozzo (2005, p. 10), a esperança e otimismo pelo anúncio teve o propósito de buscar, num mundo dilacerado por divisões políticas e religiosas, a unidade dos cristãos e, um horizonte mais amplo, a unidade de toda a família humana.

    O papa João XXIII, com um gesto de humildade, faz o anúncio do concílio com convicção e determinação, quer proporcionar em todo âmbito da Igreja uma profícua discussão e transformação de sua ação pastoral. Além disso, o papa também ressalta o desejo de que espera alcançar com o concílio não só a edificação do povo cristão, mas também chegar até as comunidades separadas.

    O concílio quis ser desde o início um ponto de chegada para que todos, dentro ou fora da Igreja, sentissem esperança de uma nova caminhada de aproximação das novidades que se abrem para o mundo moderno. É uma proposta para a Igreja revisar como entendia sua fé, antes de qualquer decisão de renovar sua ação litúrgica e pastoral.

    O papa João XXIII, ao anunciar para o mundo o concílio, expressa a necessidade da doutrina católica ser transmitida de um novo jeito, com o intuito de aproximar mais a Igreja do mundo moderno. Um tempo em que tradição e renovação se encontram. Momento em que as atualizações e renovação que a Igreja precisa fazer sem a ruptura com a tradição. Argumenta o papa:

    Iluminada pela luz deste Concílio, a Igreja, como esperamos confiadamente engrandecerá em riquezas espirituais e, recebendo a força de novas energias, olhará intrépida para o futuro. Na verdade, com atualizações oportunas e com a prudente coordenação da colaboração mútua, a Igreja conseguirá que os homens, as famílias e os povos voltem realmente a alma para as coisas celestiais. (PAPA JOÃO XXIII, 1962).

    A partir do primeiro anúncio do papa João XXIII, a Igreja adapta fortemente todos os seus setores que possuem a missão de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo. Dessa forma, Beozzo (1985, p. 20) afirma que é necessário estarmos atentos aos sinais dos tempos se quisermos, como Igreja, anunciar o Evangelho de Jesus Cristo [...] encontrar uma expressão adequada para tornar esta mensagem inteligível para a humanidade de hoje. Prossegue o autor em sua análise ao falar de uma nova eclesiologia como proposta do concílio anunciado pelo papa João XXIII: a abertura ao mundo moderno, a unidade dos cristãos, a Igreja dos pobres (BEOZZO, 1985, p. 23).

    Na perspectiva dos novos anúncios de evangelização, a Igreja, com atualizações oportunas, anuncia a colaboração mútua como antídoto diante dos problemas enfrentados pelos homens, mulheres e pelas famílias. Essa proposta oferecida pelo concílio proporciona à Igreja elementos que reforçam sua presença e atuação na sociedade moderna. A Igreja não pode continuar sustentando o discurso de condenação e reprovação do mundo. É preciso dialogar com a modernidade.

    João XXIII apresenta sua preocupação ao anunciar o Concílio Vaticano II. Ele não deveria ser repetição dos concílios anteriores, mas poderia apresentar uma releitura pastoral da doutrina do passado abrindo novas propostas para o anúncio do Evangelho ao mundo de hoje. O papa queria um concílio de transição de época que fizesse a Igreja passar para uma fase nova de testemunho e de evangelização, que indicasse aos vindouros que a tarefa de atualização continuaria e deveria prosseguir para que a Igreja continuasse sendo o sacramento da salvação de Jesus Cristo ao longo da história.

    A Igreja assiste, hoje, à grave crise da sociedade. Enquanto para a humanidade surge uma era nova, obrigações de uma gravidade e amplitude imensas pesam sobre a Igreja, como nas épocas mais trágicas da sua história. Trata-se, na verdade, de pôr em contato com as energias vivificadoras e perenes do evangelho o mundo moderno: mundo que se exalta por suas conquistas no campo da técnica e da ciência, mas que carrega também as consequências de uma ordem temporal que alguns quiseram reorganizar prescindindo de Deus. Por isso, a sociedade moderna se caracteriza por um grande progresso material a que não corresponde igual progresso no campo moral. Daí enfraquecer-se o anseio pelos valores do espírito e crescer o impulso para a procura quase exclusiva dos gozos terrenos, que o avanço da técnica põe, com tanta facilidade, ao alcance de todos; e mais ainda - um fato inteiramente novo e desconcertante - a existência do ateísmo militante, operando em plano mundial. (PAPA JOÃO XXIII - CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA HUMANAE SALUTIS, 1961).

    Ao apresentar para a Igreja um caminho para resolução da crise da modernidade, João XXIII apontou que a sociedade moderna se caracteriza por um grande avanço material que não condiz igualmente com o progresso no campo moral. O apego às novidades tecnológicas leva ao enfraquecimento do anseio da busca de Deus. Nesse sentido, cabe à Igreja a tarefa de examinar no seu interior e nas suas relações com um novo modelo de sociedade.

    É relevante destacar que para a realização desse evento os padres conciliares desenvolveram os trabalhos em três fases: preparação, abertura e debates e aprovação dos textos. Deve-se ressaltar também que cada fase realizada era uma forma de delinear alguns traços da fisionomia do concílio, sobretudo quanto à projeção de alcance às Igrejas.

    A primeira fase de preparação que vai de 1960 a1962 foi dedicada exclusivamente à elaboração de textos que deveriam ser analisados e aprovados pelo concílio. Esse trabalho durou dois anos. A equipe preparatória produziu 70 estruturas extensas e concentradas em assuntos mais disparatados. O encerramento dessa fase se dá no dia 2 de fevereiro de 1962, com o moto-próprio Concilium. João XXIII decretou para o dia 11 de outubro do mesmo ano o começo dos trabalhos conciliares.

    Antes da abertura, o papa enviou aos bispos sete esquemas que o concílio discutiria, sobre as fontes da revelação, sobre o depósito da fé, sobre a ordem moral, sobre a liturgia, sobre a família, sobre as comunicações sociais e sobre a unidade da igreja (ALBERIGO, 1995, p. 397). Essas indicações causaram enorme insatisfação entre os bispos. Muitos relatórios foram enviados à Roma enfatizando a defasagem entre as propostas indicadas pelo papa e a sugestão dos esquemas. Houve somente ressalva para a proposta da liturgia que obteve consenso.

    A segunda fase consistiu na abertura solene e início dos debates dos trabalhos conciliares, no dia de 11 de outubro de 1962, com a alocução inaugural pronunciada pelo papa João XXIII. Na primeira parte do discurso apresentou as convicções pelas quais convocou o concílio. Segundo o papa, frente aos desvios, às exigências e às oportunidades da idade moderna o concílio é a celebração solene da união de Cristo e da sua Igreja (PAPA JOÃO XXIII, 1962).

    Nesse clima de expectativa, o papa João XXIII ressaltou: nós esperamos deste concílio, que quer ser revigoramento de fé, de doutrina, de disciplina eclesiástica, de vida religiosa e espiritual (KLOPPENBURG, 1962, p. 18). E continuou o discurso marcado por um espírito de confiança e esperança ao afirmar que o concílio é uma grande contribuição para a reafirmação daqueles princípios de orientação cristã nos quais se inspira e se orienta também o desenvolvimento da vida civil, econômica, política e social (KLOPPENBURG, 1962, p. 18).

    A terceira fase que compreendeu a aprovação dos textos teve a primeira sessão em 1962 e a última em 1965. O ritmo dos trabalhos conciliares foi se tornando cada vez mais intenso pelo enorme volume de textos para examinar. Ao todo, os documentos aprovados e promulgados pelo concílio foram um total de 16 documentos assim classificados: quatro constituições, nove decretos e três declarações. É o que se pode ver no Quadro 1:

    Quadro 1 – Documentos aprovados e promulgados pelo concílio

    Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos de Campos (1966, p. 17-19).

    Nesse conjunto de 16 documentos promulgados pelo concílio, conforme apresentado no Quadro 1, percebe-se que alguns recebem a categoria de constituições por apresentarem assuntos com certa autonomia e forte valor doutrinário. Os que recebem a denominação de decreto são aqueles que apresentam as normas práticas da Igreja, em geral a doutrina. As declarações os que tratam de pensamento da Igreja sobre assuntos ligados à humanidade.

    O’Malley (2014) salienta que esses 16 documentos apresentados pelo concílio constituem o legado que nos ajuda a compreender o que o Vaticano II aponta. Ele tem um jeito peculiar de olhar e refletir sobre os documentos produzidos pelo concílio, apontando suas divergências, mas apresentando as maneiras pelas quais estão interligados.

    Esses dezesseis documentos divergem não só em categoria, mas também, de maneira mais evidente, em impacto e importância. As constituições conseguiram consolidar sua importância teórica pela atenção, pelo escrutínio e, na maior parte, pela apreciação positiva que, de maneira consciente, receberam dos estudiosos. Mas a distinção entre decretos e declarações, seja o que for que significasse originalmente, tornou-se inexpressiva, com os decretos sobre os meios de comunicação social, por exemplo, e sobre a liberdade religiosa e sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs continuam tão importantes quanto eram durante o Concílio. Mesmo admitindo essa diferença em autoridade e impacto, todos os dezesseis documentos estão interligados de muitas maneiras. Formam um corpus coerente e assim devem ser interpretados. (O’MALLEY, 2014, p. 15).

    O autor resgata a dimensão eclesial-comunitária dos documentos, a importante consideração do respeito que o concílio faz sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs. Resgata também os diferentes ministérios nas ações litúrgicas e a centralidade do mistério pascal na vida da Igreja. Mais ainda, resgata a verdade da presença real de Cristo na totalidade da celebração litúrgica, na pessoa do presidente da celebração e na assembleia orante.

    Sendo assim, no dia 8 de dezembro se deu o encerramento do concílio pelo papa Paulo VI, sucessor de João XXIII, que faleceu no dia 3 de julho de 1963, no intervalo do primeiro e segundo período dos trabalhos conciliares. Paulo VI com sua carta apostólica In Spiritu Santcto pronunciou o encerramento do concílio,conforme destaca Alberigo (1995, p. 440), renovando a plena aprovação de tudo o que fora decidido sinodalmente e apelando para sua religiosa observância por parte de todos os fiéis.

    O concílio apresentou uma comunhão de ideias e uma proposta de renovação da liturgia, da unidade da Igreja. As características apresentadas pelo Vaticano II tiveram a pretensão de colaborar para que a Igreja encontrasse um novo modo de se relacionar com o mundo moderno, para que o Evangelho de Jesus Cristo fosse vivido e anunciado com amor e verdade. E, mais ainda, a novidade do Vaticano II foi desenvolver na Igreja a consciência de sua identidade de Povo de Deus, povo de batizados.

    O Vaticano II, porém, fiel à impostação pastoral recebida de João XXIII, não impunha à Igreja normas rígidas, comportamentos uniformes, nem previa sanções disciplinares; ele exortava o catolicismo a se renovar num confronto sincero com o evangelho, à luz da fé e sob o impulso dos sinais dos tempos; com o pós-concílio abria-se o longo período da recepção por parte das Igrejas. (ALBERIGO, 1995, p. 440).

    De acordo com Alberigo (1995), o Concílio Vaticano II não foi normativo impondo sanções, mas apresentou abertura de diálogo com o desejo de proporcionar à Igreja atualizações pastorais diante das exigências do mundo moderno, sem perder a identidade eclesial. Quer colaborar no aperfeiçoamento de um catolicismo mais presente e atuante para ajudar os fiéis guiados pelo Espírito para serem no mundo sinal de Cristo.

    Conforme ilustra o arcebispo emérito de Aparecida – São Paulo, dom Aloísio Lorscheider, ilustre participante do Concílio Vaticano II, o evento introduziu um novo modo de fazer e pensar teologia (LORSCHEIDER et al., 2005, p. 42). Antes com a Escolástica e a Neoescolástica, a Teologia estava mais voltada para o raciocínio. Dessa forma, concebiam a revelação sempre como premissa maior da qual, por meio de silogismos, iam se deduzindo novos aspectos da revelação e, com o Vaticano II, a nova visão foi a de que a revelação passou a ser a fonte dinamizadora e esclarecedora dos acontecimentos mundiais (LORSCHEIDER et al., 2005, p. 42).

    O Vaticano II despertou na Igreja uma nova visão eclesiológica em sua pastoral, que compreende uma pastoral eclesial-comunitária e que reconhece a importância da participação de todos (povo sacerdotal, corpo de Cristo). Como ressalta Dom Aloísio Lorscheider et al. (2005, p. 43), não é uma pastoral de segregação, mas de coparticipação profunda da condição humana na qual estão inseridos todos os membros da Igreja.

    Outra abordagem que merece destaque é a do teólogo José Comblin (2005) ao se referir sobre o Vaticano II. Ele recupera sete palavras-chaves desse concílio: homem, liberdade, Povo de Deus, colégio episcopal, diálogo, serviço e missão. O autor considera que elas são fundamentais para a compreensão da estrutura desse concílio ecumênico. Para cada uma das palavras, apresenta o significado e o nível de colaboração para compreender o evento conciliar. Ele desenvolve uma crítica e exprime os limites existentes em cada uma delas.

    Ao se referir à palavra homem, Comblin (2005) destaca o discurso do papa Paulo VI que apontou para a compreensão do sentido da palavra humanidade completa e não se restringiu ao sentido da palavra como pessoas do sexo masculino. Segundo Comblin (2005), a preocupação do concílio foi atingir o ser humano contemporâneo. Ele afirma que a preocupação pela humanidade estava subjacente em todos os documentos porque sempre houve o interesse de apresentar as realidades da Igreja como resposta às necessidades ou às aspirações do homem moderno (COMBLIN, 2005, p. 53).

    Ao tratar da liberdade, recorda o documento Dignitatis humanae, que causou dificuldade de aceitação em boa parte do episcopado para ser aprovado. Conforme ressalta Comblin (2005, p. 54), boa parte do episcopado ainda não havia percebido que a cristandade já pertencia ao passado. Agora é um novo tempo para a Igreja em uma sociedade moderna que exige mudanças. O autor salienta que a adoção da palavra liberdade foi decisiva, pois inaugurou nova época. Essa palavra foi até aplicada à vida dentro da Igreja. Isso significou mudança de clima (COMBLIN, 2005, p. 56).

    A missão da Igreja consiste em evangelizar, portanto, o papa João XXIII fez essa exortação: o concílio tem em vista fazer com que o clero se revista de novo fulgor e santidade; o povo seja eficazmente instruído nas verdades da fé e da moral cristã; as novas gerações, que crescem como esperança de tempos melhores, sejam educadas retamente (KLOPPENBURG, 1962, p. 18).

    No que diz respeito à expressão povo de Deus, o concílio explicitamente destacou o tema escolhido como prioritário, e o aborda como comunhão e participação. Ressaltou a todo o custo o princípio de participação consciente, ativa e frutuosa do leigo dentro da Igreja. Não poderiam ser vistos com cristãos de segunda classe, mas como fiéis pelo batismo incorporados a Cristo para exercerem sua parte na missão da Igreja e no mundo.

    Pela expressão povo de Deus, os Padres conciliares queriam afirmar o papel ativo de todos os batizados, particularmente dos leigos. Os leigos têm participação ativa em todas as obras de evangelização da Igreja e têm formas de participação nos ministérios da hierarquia. Não são cristãos de segunda categoria, pois todos são chamados à mesma santidade, todos têm vocação missionária. (COMBLIN, 2005, p. 57).

    Nessa perspectiva da expressão povo de Deus, pode-se considerar o significativo reconhecimento do concílio pela valiosa presença do leigo nos trabalhos pastorais da Igreja. É o que destaca o decreto conciliar Ad Gentes ao apontar sobre a missão do leigo na Igreja:

    A Igreja não está fundada verdadeiramente, nem vive plenamente, nem é sinal perfeito de Cristo entre os homens se um laicado autêntico não se junta e trabalha com a hierarquia. De fato, sem a presença ativa dos leigos, o Evangelho não pode gravar-se profundamente nos espíritos, na vida e na atividade de um povo. [...] Os fiéis leigos pertencem, ao mesmo tempo, ao povo de Deus e à sociedade civil: pertencem primeiramente, à nação em que nasceram [...], mas pertencem também a Cristo, porque foram regenerados na Igreja pela fé e pelo batismo, a fim de serem de Cristo pela renovação da vida e ação. (PAPA PAULO VI - DECRETO AD GENTES, 1965, n. 21).

    A proposta eclesial é um anúncio para que todos assumam a sua missão recebida no batismo e saibam acolher e valorizar o outro em sua ação evangelizadora. Desse modo, o Evangelho de Cristo torna-se ponto de unidade entre todos. Além disso, a proposta apresentada pelo Concílio Vaticano II avança com a ideia de que a evangelização é missão de todos.

    [...] compete a todo Povo de Deus, principalmente aos pastores e teólogos, com o auxílio do Espírito Santo auscultar, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo e julgá-las à luz da palavra divina, para que a Verdade revelada possa ser percebida sempre mais profundamente, mais bem entendida e proposta de modo mais adequado. (PAPA PAULO VI - DECRETO AD GENTES, 1965, 35s, 38).

    Diante da desafiadora tarefa da missão da Igreja na sociedade moderna, o decreto sobre a atividade missionária da Igreja, Ad Gentes, apresenta as diretrizes enfocando a tarefa de todo o cristão sobre a luz do Espírito Santo. Ao chamar a nossa atenção para a Igreja como o povo de Deus, significando toda categoria de pessoas dentro da Igreja, o concílio advertiu que é preciso conhecer, acolher e discernir as diversas linguagens do nosso tempo, para que o evangelho seja anunciado com mais clareza. Dessa forma, será mais eficaz a missão de todo o batizado que recebe o compromisso de evangelizar.

    O Vaticano II em suas discussões não tratou diretamente sobre o tema da colegialidade. Segundo Comblin (2005), mesmo que a expressão colegialidade não tenha sido usada pelos escritos do concílio, é utilizada com frequência nos comentários dos textos conciliares. Isso porque a colegialidade é inerente ao ser da Igreja e se manifesta em diversos níveis para o fortalecimento da comunhão que é o objetivo último de todo o mistério de salvação.

    O Concílio Vaticano II, ao apresentar a doutrina sobre o episcopado, situa-se no conceito de colegialidade episcopal, não como algo insignificante para o ministério eclesial dos bispos, mas como realidade fundamental. Portanto, o Vaticano II, ao propor a discussão sobre a doutrina do episcopado, a fez dando ênfase à importância sacramental dele. Essa valorização da comunhão colegial entre os bispos é a característica principal do episcopado.

    Essa fase de discussão sobre o episcopado vivida pelo concílio propôs um sinal de comunhão entre os bispos. Desse modo, o Vaticano II despertou no colégio dos bispos um compromisso em levar a Igreja a conservar o espírito de unidade e partilha. "Os bispos são sacramentalmente ordenados no espírito colegial, mas juridicamente pensados

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