Compilado moderno de assuntos eternos
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Book preview
Compilado moderno de assuntos eternos - Lucas Pedro do Nascimento
Apresentação
"Meu jovem, a vida é boa, e você cantando o cântico
da mocidade pode fazê-la melhor".
Cora Coralina in Recados de Aninha I
Para fazer jus às palavras da poetisa goiana, um grupo de jovens irreverentes (alguns até mesmo inconsequentes), em Compilado moderno de assuntos eternos, une suas vozes para cantar, em boa melodia, sob o ritmo de palavras bem orquestradas, as cadências da vida, suas auguras e também suas conquistas, evocando, assim, um cântico da mocidade que não lhe pertence apenas, mas é comum a muitos jovens (de corpo e de espírito) mundo a fora. Com isto, embala a leitora ou o leitor pelos becos, labirintos e saídas que tantas vezes conduziram a humanidade e a juventude ao encontro de si mesmas: a procura incansável pelo eu, e o resultado é a obra que se segue. Aliás, é com habilidade e técnica que esta obra, subdividida em partes (uma para cada autor), construirá aos poucos uma trajetória discursiva e temática espiralada, cujos interstícios recordarão, aos poucos, que o sentido da vida é viver, viver até mesmo quando os escombros e as ruínas dos próprios sonhos pressionam o sonhador contra o chão a ponto de travar sua respiração. Este livro é sobre resistência, fraternidade, sororidade e resiliência.
Assim, cada autora e autor, como você constatará a seguir, circunscreve um pouco de si nas páginas deste livro e se revela, desmedidamente, para fazer vibrar as cordas do coração humano sob a toada da saudade daquilo que nunca se teve, da gratidão pelo que se tem ou da revivescência das coisas boas vividas. Ainda, recordar que é preciso sonhar, sorrir, amar e viver intensamente enquanto se tem tempo, pois se vida é um sopro, a nossa existência se resumirá sempre a instantes. Dito isto, desejo a você uma excelente leitura e uma maravilhosa viagem sob o cântico desta mocidade e as vozes destes meus queridos jovens.
Anápolis, julho de 2022.
Lucas Pedro do Nascimento
Dedicatória
Cada momento
é formado por segundos,
por isso a gente espera
que cada um seja eterno.
A Anna Clara Hammes, que continua iluminando todos que tiveram a graça de conhecê-la, e aos escritores eclipsados, que não tardarão a expor tudo o que precisa ser dito.
Maria
Maria Ludwig nasceu em Novembro de 2001, em Nova Friburgo, uma cidade tão pequena quanto fria, na serra do Rio de Janeiro. Teve seu primeiro contato com a literatura ainda pequena, quando sentava na poltrona de seu avô e assistia fascinada enquanto ele lia seus jornais. Mas foram os livros de Harry Potter, que leu pela primeira vez aos 7, que a trouxeram de vez para esse universo (com um favoritismo nada velado pela Sonserina).
Através dos livros, desenvolveu sua habilidade de escrita, algo que a proporcionou não apenas conquistas acadêmicas, mas a liberdade de voar sem asas, com apenas um lápis e uma folha. Não demorou a escrever suas próprias histórias e poemas, descobrindo em fim o quê a fazia feliz: passar sua imaginação para o papel. E assim o faz, através de sua poesia - hora ácida e mordaz, hora suave e melódica.
Hoje Maria cursa Direito e nos tempos livres gosta de produzir escritos, assistir filmes e séries (com um apreço especial pelos de terror e de ficção científica), jogar e passar tempo com sua família.
Em suas obras, busca trazer à vida uma de suas palavras favoritas, hiraeth, expressão gaélica que significa a saudade de algo que nunca se teve.
Ela espera estar fazendo um bom trabalho.
S
upernova
Como reluzia, sozinha no universo
Os astros se curvavam diante de sua voz
Seu riso iluminava as estrelas já brilhantes
Sua luz era coroa, mas seu olhar era distante
A rainha de tantos mundos
De bondade ofuscante
Ascendeu tão rápido ao céu
E tornou-se faísca errante
Pelo seu povo, brilhou mais que o Sol
Escondeu feridas tão antigas quanto o tempo
Queimou-se várias vezes em sua própria luz
Ser a estrela que mais reluz... Era benção? Era cruz?
O escuro a caçava, sedento por sua presa
E as sombras clamavam seu corpo, por fim
Lutou em silêncio e forjou seu sorriso com maestria
Ao invés de forjar a lâmina que talvez a salvaria
Rachaduras pela sua superfície reluzente
E tudo teve fim com a mais cegante luz
Iluminaria universos por séculos adiante
Mas sua alma agora era história distante
Um astro tão marcante
De ascensão monumental
Um brilho tão ofuscante
Era esperado o seu final
Belo, majestoso e fatal
Supernova, a rainha
Amada, e caída
O centro do universo
O vazio sem vida
Estilhaços da minha estrela outrora tão querida
Alegórico e Colérico
Sorrisos reluzentes, suaves e felinos
Cabelos impecáveis e rosto em harmonia
Por trás dos cordeiros, corações viperinos
Estilhaçam-me de noite e me deixam em agonia
Abaixem as cortinas e tirem as fantasias
Sussurros comedidos de ódio e desdém
Não são lágrimas, são alergias
Quando termina o espetáculo, acabo-me também
Os aplausos inebriantes te deixam extasiado
Rosas vermelhas, centenas, aos teus pés
Teu personagem é deveras amado
Mas poucos sequer o olharam através
Através das luzes cegantes do teu palco antigo
Através da máscara tão bela que em ti costurou
Milhares de fãs, sequer um amigo
Se tiras a aparência, o que lhe sobrou?
Como me perfura, por trás das telas
Enquanto me abraça durante o horário nobre
Como me destrói ao longo dos intervalos
Tanto ouro em suas mãos, mas sua alma é pobre
Sorrio em fotos ao seu lado, polida e tradicional
Tão belos artistas, que venusta exibição
Bravo! Belíssimo! Excepcional!
Dos palcos do Brasil para sua televisão
Outrora dessa trupe, hoje sairei de cena
Fique com meus adornos, e o perfume francês
Embriagou-se em ganância estúpida e plena
Quando as lágrimas são verdadeiras, não agradam o freguês
Em outra época, talvez, eu ficaria
Enganada pelo seu canto doce e o som de mil liras
Sua vida nada mais é que alegoria
E seu silêncio grita mais que suas mentiras
Meu Céu
Meu céu vazio e azul
Tão morno e tranquilo
Calmo, mas sozinho
Eu mal podia ouvi-lo
E apareceste como nuvem
Tímida e transparente
E levantaste o véu
\Tornaste-me tua gente
Cativou meus oceanos
Criou ondas imparáveis
E me deu também a noite
Com estrelas incontáveis
Foste neve congelante
E furacão impiedoso
Sendo brisa confortável
Sendo espinho impetuoso
Ah, meu céu parado
Me deste tantas cores
Mas para meu azar
Marcou-me com tuas dores
Hoje amanhece vasto
O universo que criaste
Nesse mundo pequeno
No qual me deixaste
Jardins
Tenho um jardim onde as rosas dançam
Pelo alvorecer dourado que o céu presenteia
Tenho flores enraizadas tão antigas quanto o tempo
E suas memórias me abraçam como intrínseca teia
Tive árvores de frutos doces e efêmeros
Alimentaram minha alma e seguiram sua jornada
Tive sementes que me prometeram um banquete
E na hora da colheita, deixaram-me com nada
Rodeei o jardim com farpas enfeitadas
Cortei os espinhos das rosas, por fim
Outrora tão fértil, hoje ressecada
A terra quebrava embaixo de mim
Mas algo nasceu, sem que eu plantasse
Deveria permitir que ali se instalasse?
Poderia partir, poderia me envenenar...
Mas e se pudesse me curar?
Um grão tão pequeno, que aguentou tempestades
Não dei abrigo, mas tampouco o arranquei
Deixei que vivesse nas terras abandonadas
Que um dia eu já tanto amei
Não me atrevo a tocar em suas folhas
Mas algo me impede de largá-lo à deriva
Esperarei que cresça, e me mostre sua intenção
De reviver meu jardim
Ou rasgar meu coração
Translúcido
O brilho dourado que te cativou
Foi por essa luz que o mundo se apaixonou
Sem qualquer esforço, encantou multidões
Com tanta facilidade se instalou em corações
Era o dia, o verão, queimando em brasa morna
Era amor, era leão, tão puro que entorna
O Sol que aquecia planícies sem fim
Cujos raios incandescentes jamais tocaram a mim
Como lua, tentei vestir-me ouro
Copiei sua luz e roubei seu tesouro
Pratiquei seu sorriso por horas infinitas
Ouvi músicas de amor para ti escritas
Mas nunca terei luz áurea assim
Jamais deixarei que se queimem por mim
Não serei a estrela das canções
Não estarei em todos os corações
Não sou dia, não sou calor
Sequer provei tamanho amor
Não sou leve, não sou brisa
Não sou a aurora que teu povo precisa
Não trago o verão, tampouco a euforia
Mas trago o luar e toda sua calmaria
Sou escuro, sou lua, mas não aclamam minha beleza
Sou a noite, tão longa e repleta de incerteza
Salpicada de estrelas, estendo-me ao infinito
Se tivesse olhos sábios veria como é bonito
Embalo o teu sono e o abraço com o céu
Vejo-te tão distante sob meu translúcido véu
Meu brilho não é de ouro, e sim prata que derrama
Para os poucos ouvirem, minha imensidão os chama
Jamais serei o Sol
Mas jamais serei menor
Entrego-te meu conforto, minha noite de veludo
Estrelas de diamante e meu limitado tudo
Mas se destarte escolher o Sol que o seduz
Deixarei que o queime com tão bela e mortal luz
Borboletas
Quantas borboletas se atraem pela luz
E buscam refúgio sob o brilho fraco do céu
Salpicado de estrelas, escondidas pelo dia
Como lágrimas cristalizadas de um anjo em agonia
Uma delas abre suas asas majestosas de marfim
Cria brisa leve, voa apressada e passa por mim
Encontrou fogo convidativo para se aquecer
Hipnotizada, entrega a ele todo seu ser
Outra depositou esperanças no que reluz em demasia
Mas era brilho fantasmagórico e em nada a acolhia
Cega pela alegria, causou seu próprio final
Deu por inteiro seu amor a uma lâmpada artificial
E elas seguiram vagalumes aos montes, que as deixavam
perdidas em escuras florestas
Congelaram ao se contentarem com faíscas pelas frestas
Pereceram sozinhas envoltas em tristeza
Pela promessa ilusória vinda de falsa clareza
Borboletas coloridas, belas e cheias de vida
Chegam tão perto da luz, mas sempre voltam feridas
Poderiam algum dia, enfim, aprender?
Que mesmo a chama mais majestosa está destinada a esvaecer?
E junto dela, o amor que jamais chegaram a ter.
Hiraeth
Sinto falta do quê jamais tive
Do amor que sequer recebi
De dançar sob a lua, livre
História tão bela que eu não vivi
Sinto falta dos campos... verdes, planos
Das flores de seda banhadas em luz
Do pensar leve, feliz e leviano
Da harpa do anjo que minha alma conduz
Nostalgia de quando secava minhas lágrimas
Ou do fogo crepitante em que aquecia minhas mãos
De tocar-te pelas noites sob as estrelas pálidas
Da beleza, entrega e devoção
Saudade amarga da casa que nunca pisei
Onde há afeto, calor e carinho
Nas molduras, pessoas que não abracei
Mesmo o pássaro mais livre já teve um ninho
Cachoeiras cristalinas, brilhando em mil cores tocadas
pelo sol
Gramados verdes como esmeraldas, em riqueza
De abraços quentes que não me deixam só
Das aventuras e do belo que há na incerteza
Sinto falta de lugares que não visitei
De pessoas que não tive ou há anos perdi
Do universo, do tudo, do nada, e tentei...
Mas sinto falta de cada pedaço de ti
Hiraeth:
Palavra gaélica para saudade de algo que nunca lhe pertenceu
Hiraeth...
Pois o teu coração jamais fora meu
Equilibrista
Era de amor que batia meu coração
Afeto agridoce que envolveu como seda
Mas rasgou-me em retalhos, cortados
Almejo o dia em que serão remendados
Era minha alma que o queria
Deixava rastro de luz ao ouvir teu nome
E encolhia, enegrecida
Ao escutar o silêncio que nos consome
Eram memórias que me alimentavam
Criavam esperança onde o vazio me aguardava
Não teríamos tão impiedoso fim
, dizia
E consolava-me com voz embargada
Era sonho febril
De paixão ardente e pesadelo
Dançava sob o luar em seus braços
Acordava ao afogar-me em teu gelo
Era nostalgia antes mesmo que acabasse
Eu já havia o perdido, mas negava sua partida
Tentamos consertar algo demasiado quebrado
Jamais houve cura para tal ferida
Éramos jovens, afinal
Equilibrando em uma linha tão frágil que enfim cedeu
Caímos de mãos dadas, no começo
Até que a sua se desprendeu
E naquele dia, nosso amor pereceu
Nacional
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo oprimido, uma força hesitante.
Lágrimas que descem, ácidas.
Pela face de esperança errante.
Se o penhor dessa igualdade
Ainda não foi conquistado,
Como encontro liberdade?
Nesse seio mal amado.
Idolatro glória ausente.
Salve, antro de injustiça!
No teu ouro reluzente.
Tua bela Corte omissa.
E o teu futuro espelha avareza,
De céu escuro e mar profundo.
A terra seca de pobreza,
Nosso velho Novo Mundo.
Verás que um filho teu não foge à luta,
Por falta de escolha e concordância.
Dessa deplorável conduta.
Dessa pútrida ignorância.
Dos filhos deste solo
És mãe febril!
Pátria rasa,
Brasil.
Arranha-Céu
Prédios modernos que tocavam as nuvens
Luzes coloridas e som constante
Poucas estrelas e lua tímida
Vento suave que abraça e recua
No último andar, eu dancei sobre a rua
Meu vestido voava como se fosse de fumaça
O brilho pálido da lâmpada era minha coroa
E você, lá embaixo, era minha esperança
Pois seu amor me seguraria, certo?
Ia amparar minha queda, aterrissaria em seus braços
Olhava-me do chão com sorriso e olhos claros
Eu o amava, e eu confiava
Pule
, disse-me, e eu cairia por ti
Seu amor era incondicional, como me prometeu
E viveríamos em comunhão bela e eterna
Sequer hesitei antes de encontrá-lo
Dei um passo para frente, e o vento me engoliu
Caí por metros, sem desviar o olhar de ti
Durante a queda só pensei no calor dos teus braços, tão
próximos de mim
Estava tão perto quando vi
Seu sorriso se alargou, e deu um passo para trás
Meus olhos arregalados entregaram meus sentimentos
O êxtase da queda tornou-se puro terror
Encontrei duro asfalto, ao invés do teu amor
A selva de pedra me clamou
E o luar sereno embalou meu fim
Tão tola, pensei ser querida
Mas encontrei-me no chão
Ferida, traída
E sem vida
Água Salgada
Eu ansiava pelo dia em que saberia meu futuro. Acordava todas as manhãs e abria as amplas janelas de madeira rústica do meu quarto, nas quais, ao longo dos anos, cravei minha história. Desenhos, palavras, trechos de músicas... a tinta branca descascada com as vinhas marcadas que a contornavam. Cada vez que o sol surgia, eu corria para o jardim, na esperança de finalmente poder sentir o aroma das flores ou o cheiro de grama cortada.
Mas eu não sentia nada. Sabia que o perfume das rosas era doce, pois assim minha mãe o descreveu. Sabia que, quando minha hora chegasse, eu sentiria todas as essências do mundo, experiência que ela descrevia como assustadora, inebriante e inesquecível. Eu só precisava esperar, mesmo que cada dia sem viver de verdade me matasse aos poucos. Não estava sozinha, no entanto. Milhares de crianças, jovens e até mesmo adultos estavam tão impacientes quanto eu, aguardando ansiosamente seu momento de epifania.
Geralmente, eram amores. Foi assim com mamãe. Como o resto, ela jamais havia sentido fragrância alguma, até que conheceu meu pai, que havia caído como um saco de farinha após uma tentativa falha de roubar maçãs do vizinho. O cheiro de madeira, folhas e o metálico do sangue de seu machucado recente dominaram seus sentidos, e após se recuperar do choque, estava