Blockchain e Smart Contracts: as inovações no âmbito do direito
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Blockchain e Smart Contracts - Karina Kaehler Marchesin
Sobre a autora
Karina Bastos Kaehler Marchesin é advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduada em Direito Empresarial e Econômico pela UFJF. Formação em DPO pela FGV-RIO. Cursando CS50L Harvard/EDX e especialização Blockchain para empresas INSEAD.
Introdução
Um espectro está emergindo no mundo moderno, o espectro da anarquia criptográfica. A computação está prestes a fornecer a capacidade de indivíduos e grupos se comunicarem e interagirem de forma completamente anônima. Duas pessoas podem trocar mensagens, fazer negócios e negociar contratos eletrônicos, sem saber o nome autêntico ou a identidade legal do outro. As interações de rede serão intratáveis, graças ao amplo uso do roteamento de pacotes criptografados em máquinas à prova de violações que implementam protocolos criptográficos com garantias quase perfeitas contra tentativas de violação. As reputações serão de importância crucial, muito mais importantes em transações do que as classificações de crédito atuais. Esses desenvolvimentos alterarão completamente a natureza da regulamentação governamental, a capacidade de tributar e controlar as interações econômicas, a capacidade de manter as informações em segredo e até mesmo a natureza da confiança e da reputação.
Timothy May – O Manifesto Cripto-Anarquista (1992).
Estamos, hoje, na Era Digital. Na medida em que a Quarta Revolução Industrial¹ se desenha, fronteiras se tornam cada vez mais flexíveis ao sabor dos interesses políticos e econômicos envolvidos.
A palavra revolução
denota mudança abrupta e radical. Cada revolução tecnológica traz uma nova definição de princípios que desencadeiam uma alteração profunda nas estruturas da sociedade e nos sistemas econômicos.
Guiada por novos paradigmas tecnológicos e caracterizada por uma internet mais ubíqua e móvel, a Indústria 4.0 vem produzindo mudanças e transformações digitais na economia. E essa mudança requer novas habilidades e novos conhecimentos, alterando a forma como os negócios se estruturam e trazendo uma gama de novas oportunidades.
Com o avanço tecnológico e dos meios de comunicação, a informação é, hoje, instantânea e tende a encurtar distâncias. Em um mundo altamente conectado, estamos todos de certa forma interligados e somos membros dessa aldeia global².
Mais do que nunca, a evolução da sociedade tem migrado para um horizonte sem fronteiras na forma de se relacionar. A globalização, como processo de integração social, econômica e cultural entre as diferentes regiões do planeta, é reflexo disso e tem provocado disrupção nas relações jurídicas, negociais e financeiras vivenciadas até o momento.
Até o surgimento da Internet, as comunicações eram embasadas principalmente no telégrafo e no telefone. Os computadores, usados para fins científicos e governamentais, eram verdadeiras ilhas isoladas de armazenamento de informação, conectadas por uma complexa rede de cabos. Isso tudo mudou ao final da década de 1950, período da Guerra Fria, com o lançamento pelos soviéticos da nave Sputnik ao espaço.
Em razão desse conflito, que alçou contornos ideológicos, econômicos, políticos, militares e tecnológicos, os Estados Unidos começaram a explorar um novo paradigma da computação, com o intuito de desenvolver um sistema que fosse capaz de proteger as informações e comunicações em caso de um ataque nuclear soviético.
Após anos de pesquisa, em 1964, Paul Baran, pesquisador da Rand Corporation, reportou um avanço. Baseado em uma tecnologia chamada comutação de pacotes
, Baran foi capaz de enviar fragmentos de informação de um computador a outro, transportada por pacotes por meio de uma rede de nós, posteriormente reunidos em seu local de destino. De posse da pesquisa de Baran³, o departamento de Defesa dos Estados Unidos (DARPA) criou a primeira rede de computadores, a ARPAnet, cujo escopo era permitir e viabilizar o compartilhamento de arquivos e recursos por pesquisadores e acadêmicos.
Por meio de um sistema de comunicação, computadores conectados a uma rede descentralizada puderam se tornar imunes à ataques externos, uma vez que, se um ou mais nós fossem destruídos, os outros poderiam continuar funcionando. Surge, assim, a ideia de uma rede galáctica, conceito abstrato que teve como um dos pioneiros J.C.R. Licklider⁴, do Instituto Tecnológico de Massachussets (MIT), um sistema que concentraria todos os computadores do planeta em uma única forma de compartilhamento, permitindo acesso rápido aos dados em qualquer lugar do mundo.
Ao longo das próximas décadas, o poder dessa nova rede cresceu. Camadas adicionais de tecnologia – como a criação, na década de 1970, do TCP/IP⁵, um protocolo padrão, aberto e descentralizado para transmissão de dados e o sistema de nome de domínio (DNS) – foram adicionadas para facilitar a identificação de computadores na rede e assegurar que a informação fosse corretamente encaminhada. Para viabilizar a comunicação entre duas partes, tornou-se desnecessária a existência de uma conexão dedicada, bastando, apenas, o uso de códigos. Computadores não mais estavam isolados.
As inovações e pesquisas que se seguiram levaram ao que conhecemos hoje como Internet, uma das maiores invenções do século XX.
Nos anos 1990, a Internet se tornou acessível ao público por meio da World Wide Web (WWW). A geografia não era mais uma limitação, e muitos negócios, serviços e tecnologias começaram a despontar nesse ambiente que se supunha mais aberto e acessível.
Não somente os serviços financeiros, a Internet facilitou várias outras formas de intercâmbio e comércio, abriu as portas para novos desenvolvimentos tecnológicos e transformou o modo como vivemos e nos relacionamos. No entanto, por ter sido construída para armazenar informações, pouco foi feito para mudar a forma como negócios eram realizados.
A Quarta Revolução Industrial, com as tecnologias emergentes e suas convergências, acelera a transformação digital e acaba por criar um novo cenário social, mudando a forma como interagimos com a tecnologia e desenvolvemos nossos negócios.
A Blockchain é uma dessas tecnologias emergentes, e se mostra fundamental na construção de um ambiente integrador dentro de novos modelos descentralizados, trazendo maior transparência e democratização aos processos de negócios, governança e interação social.
A partir de agora, com a tecnologia Blockchain, é possível a transação de ativos digitais entre pessoas que não se conhecem e não possuem motivos para confiar uns nos outros. Funcionando como um banco de dados distribuído, o consenso é garantido entre os vários computadores da rede, em qualquer lugar do mundo, de ponta a ponta
, sem a necessidade de intermediários para estabelecer a identidade e preservar a integridade da negociação, mas sim por meio da confiança em seus protocolos⁶, baseado em colaboração em massa, criptografia e código inteligente.
Confiança descentralizada por meio de código. Esse é o mais importante efeito desse novo modelo.
Levará tempo para que a ideia de confiança descentralizada por meio de computação se torne tendência dominante. Tal como observamos com a Internet, gradualmente a confiança descentralizada será aceita como um novo e efetivo modelo. Até então, essa ideia servirá para criar um pensamento dissonante àqueles acostumados com os sistemas tradicionais centralizados.
1. A Internet da Informação
Em seus anos iniciais, a Internet inspirou noções de anarquia e ilegalidade. O Cripto-Anarquismo, ideologia que defende o uso da criptografia para manter a liberdade de expressão e impedir o controle e a regulamentação do governo na