Laços De Sangue E Ossos
By A. L. Deus
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Laços De Sangue E Ossos - A. L. Deus
Laços de Sangue e Ossos
Crônica I
A. L. Deus
Laços de Sangue e Ossos - Chronica I
A. L. Deus
Copyright © 2022
Todos os direitos reservados.
Vanessa
A chuva caía pesada, mas silenciosamente. O único som prevalente no meio do matagal era da pá que entrava e saía da terra, arrancando pedaços do solo firme. Vanessa secou a testa com as costas da mão e deslizou para a bochecha, como se fosse aliviar a corrente de água que escorria por seu rosto, que mais pareciam lágrimas. Ela ajeitou o capuz encharcado sobre a cabeça e retomou o trabalho, levando o metal frio e sujo de encontro com o solo lamacento. A garota continuou cavando, até que um som oco reverberou em seus ossos. Havia batido em algo duro. Vanessa largou a pá e se ajoelhou, sentindo a água que havia acumulado nas dobras do casaco escorrerem para seu jeans, mas nada importava. Com as próprias mãos, começou a tirar a terra do buraco, afastando e jogando longe tudo que estivesse entre ela e seu objetivo.
— Está ali…
— ela prometera. — Bem ali.
Suas mãos frias e doloridas encontraram a caixa que estivera procurando. Os nós dos dedos se enrolaram no objeto e o puxaram da terra com tanta força — como se temesse que estivesse preso por correntes ou raízes —, que Vanessa caiu para trás. A chuva açoitou seu rosto e ela tomou algumas goladas de ar e água, apertando a caixa contra o peito ofegante, a abraçando como se sua vida dependesse disso. A franja comprida verde grudou em seu rosto e escorreu para sua boca, então Vanessa se pôs de pé novamente, afastando a lama de suas calças. As mãos trêmulas desembrulharam o pacote com agressividade, alcançando a madeira polida da caixa, que era quase do tamanho de sua cabeça, embora quase nada pesasse. Vanessa dedilhou as palavras entalhadas na tampa, sentindo os sulcos da madeira.
— É isso… - murmurou, para si mesma. — Finalmente.
Sua avó, Armana, havia lhe contado algumas histórias sobre o passado de sua família. Mas sempre que era questionada sobre a veracidade dos casos, dizia para Vanessa que as respostas para suas perguntas estavam perdidas no quintal da antiga casa dos Toremimenon em Belo Prado, enterradas a sete palmos embaixo do velho olmo. Curiosa pelo desfecho dos acontecimentos, Vanessa partiu em busca do segredo da família da avó, que estavam lacrados e muito bem escondidos.
— Para o bem de todos
— prometera a vovó Diná. — Existem coisas que você não precisa saber. Nem você, nem ninguém.
Vanessa não precisava, mas ela queria. Queria mais que tudo entender o porquê do êxodo de sua família, que viveu por muitas gerações na pequena cidade do interior de São Paulo; o porquê de todos os mistérios não-resolvidos que anuviavam a história da avó; o que aconteceu para tudo ser tão secreto e para que todos os integrantes da família tenham entrado em consenso, fingindo que nada havia acontecido. Agora, as respostas estavam em suas mãos.
Mais duas horas de viagem de carro e logo Vanessa estava de volta em seu apartamento que dividia com o irmão mais velho, no centro de Cinco Rios. Júlio deixara um bilhete na geladeira, avisando que retornaria às 22h. Vanessa olhou o relógio da cozinha, vendo que ainda eram 20h e teria tempo para revirar o conteúdo da caixa. Ela deixou a caixa em cima da escrivaninha em seu quarto junto com o material da faculdade e partiu para o banho, deixando as roupas sujas de molho na água da banheira. Quando terminou, se sentou em sua escrivaninha e abriu o trinco da caixa com cuidado, sentindo o coração disparado pela ansiedade do que estava por vir.
Como se para concretizar a cena assustadora, um raio cortou o ar com um estrondo, fazendo as janelas de seu quarto vibrarem e a garota quase sair da própria pele. Vanessa respirou fundo três vezes e secou as mãos na toalha que estava enrolada em sua cabeça. A tampa se abriu com um nheq
oco das dobradiças desgastadas pelo tempo. Vanessa observou atentamente as quatro fitas e o toca-fitas de mão que tinha ali dentro. Marcações feitas com fita adesiva possuíam algumas palavras ou frases que provavelmente descreviam a situação em que a fita foi gravada.
Vanessa tirou o aparelho mais velho primeiro, vendo que embaixo havia uma foto de Armana no auge dos seus 15 anos sentada em um dos galhos do olmo, com um livro no colo e a expressão entediada nos olhos azuis-escuros frios — nada iguais aos de Vanessa, que eram de um profundo verde, quente como o verão. Ela deslizou o dedão pelos botões, procurando o que ligava, já que as marcações estavam apagadas demais para ver. Após a terceira tentativa, o aparelho começou a reproduzir uma voz infantil e aguda, insegura.
— Alô, alô… aqui quem fala é Armana Alves Souza Toremimenon e esse é o meu primeiro diário
— a voz foi interrompida por um baque surdo e então o som de algo arrastando. — Ai, desculpa diário… eu vou ser mais cuidadosa. Minha tia disse que eu tenho que falar mais, então estou aqui testando meu novo gravador, embora eu saiba que nunca vou mostrar para ninguém… ainda estou falando! E ela não vai poder reclamar!
— uma risada nervosa ecoou pelo alto falante. — "Hoje eu vou contar sobre o primeiro fantasma que eu vi, para um dia no futuro ouvir isso e