Objetos e Coisas: Livros, Decoração e a Antropologia do Consumo (A Vida Social do Livro)
By Joana Beleza
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Objetos e Coisas: livros, decoração e a antropologia do consumo, trazendo o livro para uma análise para além de seu conteúdo literário, observa as relações entre pessoas e coisas a partir dos símbolos, percebe o livro como objeto e reflete acerca das relações contemporâneas de consumo, iluminando as camadas de significado que carregam os bens. A obra oferece uma revisão bibliográfica cuidadosa no campo do consumo, ilustrada por representações midiáticas e atuações do livro nos mais diversos espaços sociais. A Casa Cor Rio, os testemunhos de arquitetos, leitores e não leitores, e a mídia, são as fontes preciosas dessa linha investigativa.
"[...] cada um de nós traz uma mistura de referências que fazem do objeto livro algo bastante complexo [...]. Tudo vai depender da nossa trajetória pessoal, mas também do que assistimos nas novelas brasileiras, nos filmes, séries, nos comerciais televisivos... Já pensou o motivo de procurar outra coisa para apoiar o pé da mesa que está capenga? Há mais camadas de significado em um livro do que páginas. E é isso que Joana Beleza, de forma sensível e profunda, nos propõe em "Objetos e Coisas...". Por meio de teorias da antropologia do consumo, e
outras mais, a autora desvela as inúmeras possibilidades de percebermos o livro no mundo. E, ao fazer isso, nos faz refletir sobre esse aspecto do consumo que, para a grande maioria das pessoas, passa desapercebido: o sistema de classificação que ele elabora na nossa vida social. Depois de ler essas páginas, talvez você se surpreenda com o poder simbólico que as coisas têm sobre nós, como indivíduos e como parte de grupos sociais".
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Book preview
Objetos e Coisas - Joana Beleza
Sumário
CAPA
1.
INTRODUÇÃO
1.1 O espaço consagrado do livro
1.2 Caminhos e métodos
2.
A ANTROPOLOGIA DO CONSUMO E O LIVRO
2.1. Cultura e Consumo
2.1.1. Consumo como sistema de classificação: princípio organizador da sociedade
2.2. A importância dos objetos nos estudos do consumo
2.3. O livro como objeto
3.
AS REPRESENTAÇÕES DO LIVRO NA MÍDIA
3.1. O livro como marcador social: luxo, sofisticação, transformação
3.1.1. Livro, um elemento em cena
: a caracterização dos espaços
3.2 Relações de identidade na contemporaneidade
3.3 O mercado do livro na mídia
4.
O OBJETO NA COMPOSIÇÃO SIMBÓLICA DOS ESPAÇOS
4.1 Os valores do livro na decoração
4.2 Apelo estético (forma) ou funcionalidade (função)?
Funcionalidade: prevalência do conteúdo
Apelo estético: prevalência da forma
4.3 A Casa Cor Rio: tendências, funcionalidade e criatividade
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E MAIS...
5.1 Pensando a neutralidade do livro
REFERÊNCIAS
SOBRE A AUTORA
SOBRE A OBRA
CONTRACAPA
Objetos e Coisas
livros, decoração e a antropologia do consumo
(A vida social do livro)
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Joana Beleza
Objetos e Coisas
livros, decoração e a antropologia do consumo
(A vida social do livro)
Para meus queridos filhos, Manu e Hugo!
Esse amor tão grande.
AGRADECIMENTOS
À minha avuela querida, Maruguita, que, aos 92 anos, continua sendo um dos nossos principais braços direitos, a base forte de todos os nossos valores, nosso principal modelo de amor e cumplicidade. Aos meus pais, Lúcio e Lola, pelas trajetórias de vida, parceria, pelo amor quentinho, e por despertarem a sensibilidade e o carinho pelos livros. Ao Bruno, meu marido, carinhoso, feliz, sempre atento aos cuidados da gente, por tudo de lindo que construímos com amor. Aos nossos filhos, Manu e Hugo, tesourinhos da vida, donos de todo nosso amor, que renovam minha energia e alegria todos os dias, com beijos, dengos e abraços apertados, cheiros demorados e carinhos tão sinceros. Aos meus irmãos, Diego e Pedro, pelo amor e a alegria de tê-los comigo nessa vida! Aos meus avós - Santinha, Manolo e Túlio -, em memória! Aos meus tios, sobrinhos, primos, cunhados e amigos, pelo alegrar de tudo. A vocês e por vocês - minha família -, todo o amor do mundo!
Aos professores Cláudia Pereira (orientadora e parceira de tantos projetos), Everardo Rocha e José Carlos Rodrigues, pelas trocas estimulantes, e as sugestões que conduziram a novos rumos essa pesquisa. Cláudia e Everardo, também pelas palavras bonitas que agora marcam este livro. A todos os funcionários, professores e alunos da PUC-Rio, instituição que me acolhe e acolheu por toda uma vida.
Aos amigos do curso e de toda a vida, pela cumplicidade dos afetos.
Aos entrevistados, por abrirem suas casas e suas vidas, ampliando ideias.
À Infoglobo e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos pelo Programa de Estudos de Comunicação e Consumo (Pecc).
Apresentação
Imagine-se numa cidade brasileira em que você é turista. Sem querer recorrer ao celular, precisa só de alguma boa alma que explique direitinho onde fica o mercado municipal. Andando pela rua, você está prestes a escolher alguém a quem pedir a informação. À sua frente, surge uma pequena fila de banco. Há três pessoas: um rapaz com fones de ouvido, um idoso distraído e uma mulher lendo um livro. Quem você escolhe?
Vamos agora imaginar outra situação: sua casa está uma bagunça e, no fim de semana, você vai receber um casal de amigos que não vê há muito tempo. Há muitos livros na sua vida e, nesse momento, vários estão espalhados pela sala, porque você estava estudando para o seu curso de pós-graduação. Aliás, os dois amigos são professores universitários – ela, renomada. Dentre os livros espalhados, você tem também alguns romances lidos na adolescência, que vieram junto com uma pilha trazida sem muito critério da estante que fica no seu quarto. Na hora de organizar a sua sala para receber o casal, você deixa livros à vista ou esconde todos? Ou, então, como você seleciona os livros que ficarão à mostra nos ambientes em que eles vão circular? Quais você esconderia?
Para terminar, uma terceira possibilidade: conversando com sua vizinha, ela descreve em detalhes os apartamentos cheios de livros
de duas amigas que você não conhece. Segundo ela, uma é muito séria e envolvida com esse pessoal de Direitos Humanos
, enquanto a outra é uma pessoa divertida, mas que também é meio fútil e esnobe
. Se você tivesse que arriscar descrever como os livros entram nos dois ambientes, como seria?
Os livros, presentes nas três cenas que acabo de descrever, são objetos que extrapolam a sua utilidade: talvez, o livro seja um dos objetos universalmente mais simbólicos entre os quais inventamos, até o momento. Por quê?
Entre um rapaz com fones de ouvido, um idoso distraído e uma mulher lendo o livro, talvez você, como eu, tenha escolhido a mulher que lê o livro para pedir a sua informação. Poderia ser porque ela passa confiabilidade, serenidade, atenção e sensibilidade? Talvez...
Quando recebemos alguém em nossa casa, queremos sempre oferecer conforto e hospitalidade, mas também desejamos impressionar, transformando o nosso lar em um lugar organizado, limpo e cheio de personalidade. Os livros imprimem uma aparência inteligente ao lugar que habitam, junto com outros objetos. Porém, quando estão arranjados de uma forma displicente, denotam que são muito usados, que fazem parte da rotina de uma casa – algo que impressionaria aqueles que alçam o livro a um lugar quase sagrado, o do Saber.
Mas os livros também são usados como objetos decorativos. No apartamento da amiga de sua vizinha, aquela dos Direitos Humanos
, o que você acha que prevalece no modo como os livros são expostos, o conteúdo ou a forma? São os títulos ou as capas que se dão mais ao olhar? E no apartamento da outra mulher, divertida e esnobe, como e onde estariam dispostos os livros: numa estante ou em cima da mesa de centro? E qual seriam os temas? Desigualdades de gênero no Brasil ou grandes nomes da moda?
Seja como for, cada um de nós traz uma mistura de referências que fazem do objeto livro algo bastante complexo. Tudo vai depender da nossa trajetória pessoal, do tempo ao qual fomos expostos a ele desde a infância, mas também do que assistimos nas novelas brasileiras, nos filmes, nos comerciais de televisão, nos programas político-eleitorais, nas séries por assinatura dedicados à decoração. Isso porque o livro é mais símbolo que coisa – embora a sua materialidade seja também um traço complexo. Ou você seria capaz de usar um livro como calço para uma mesa que está desnivelada? Teria essa coragem? Já pensou o motivo de procurar outra coisa para apoiar o pé da mesa que está capenga?
Há mais camadas de significado em um livro do que páginas. E é isso que Joana Beleza, de forma sensível e profunda, nos propõe em Objetos e Coisas: livros, decoração e a antropologia do consumo
. Por meio de teorias da Antropologia do Consumo, e outras mais, a autora desvela as inúmeras possibilidades de percebermos o livro no mundo. E, ao fazer isso, nos faz refletir sobre esse aspecto do consumo que, para a grande maioria das pessoas, passa desapercebido: o sistema de classificação que ele elabora na nossa vida social. Os objetos classificam as pessoas exatamente porque as pessoas classificam os objetos. Resta-nos perguntar se, nesse jogo de classificação mútua, qual dos dois detém mais o poder. Depois de ler as próximas páginas, talvez você se surpreenda com o poder simbólico que as coisas têm sobre nós, como indivíduos e como parte de grupos sociais.
Ah, sim! Uma boa dica para quem quer impressionar: saia pela rua lendo Objetos e Coisas: livros, decoração e a antropologia do consumo
sempre que der e depois deixe-o descansar displicentemente na mesa de algum café no centro da cidade. Não tem erro.
Cláudia Pereira
Doutora em Antropologia
Pesquisadora e Professora Associada do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio
O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incluído no chão que nem uma pedra um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o pente.
(Manoel de Barros, Desobjeto
, 2003)
O mundo é um livro a ser decifrado.
(Miguel Alberto, 1997)
Nota da Autora
Com algumas alterações, o texto deste livro faz parte de minha pesquisa de mestrado, defendida em setembro de 2013, no departamento de Comunicação da PUC-Rio, sob o título de A vida social do livro: um estudo sobre representações sociais, cultura material e consumo. Desta obra nasce depois, como continuação e complemento, um segundo movimento de pesquisa, publicado sob o título de Objetos e Coisas: arte, liberdades, e as sensibilidades.
1.
Introdução
Para mim, livro é vida; desde que eu era pequena, os livros me deram casa e comida. Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo, em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro.¹
(Lygia Bojunga Nunes)
O aumento da circulação de bens, motivado pelo avanço das técnicas industriais, foi identificado por Edgar Morin (1984) e Jean Baudrillard (1995) como um dos principais fatores responsáveis pelas significativas transformações nas relações humanas com os objetos, que deixam de servir apenas em suas utilidades práticas para se envolverem nas mais diversas interações sociais. O livro multiplica suas funções a partir do final do século XV, quando, impresso pela prensa de Gutenberg, é transformado em um bem portátil e acessível (CHARTIER, 1998a). Enquanto no século XVIII a Revolução do Consumo
(MCCRACKEN, 2003) intensifica essas mudanças relacionais dos bens, à medida que utiliza suas simbologias para transformá-los em veículos de comunicação e, por isso, legítimos marcadores de status, paralelamente ocorre a proliferação dos book clubs (CHARTIER, 1998a) em países como a Inglaterra, multiplicando as interações cotidianas do livro.
Por meio da força ideológica e da versatilidade de sua materialidade, o livro, como produto cultural de massa, emancipa-se do controle da Igreja, da escola e da biblioteca; desvincula-se do lugar do sacrário e passa a circular livremente por novos espaços (CHARTIER, 2001). Lido sobretudo como mídia de mensagens simbólicas, intensifica sua função de "reivindicador de status (MCCRACKEN, 2003) − do saber, da cultura, do conhecimento −, fato que reforça a participação nas esferas sociais mais variadas, produzindo, além de novas leituras, novos
leitores" (e consumidores, em geral). ² Sustentado pela forma física, o objeto vem se reafirmando como recurso importante na projeção de imagens sociais − um dos reflexos mais evidentes da mobilidade física e funcional proporcionada pela prensa e, posteriormente, intensificada por estratégias culturais de massa. Considerando que o alto valor de culturalidade do livro está muitas vezes acima de sua função primordial, a proposta aqui é analisar, interpretar e classificar as atuações que transcendem a prática da leitura nos ambientes sociais, partindo da premissa de estarmos observando um símbolo ativo de significações sociais.
Roger Chartier (1998b) observa que, embora o livro tenha sempre buscado colocar ordens − de decifração e compreensão −, nunca impediu a construção de novas significações e usos a partir de sua forma material. Em tempos em que ainda muito se discute acerca do fim da materialidade do objeto,³ é curioso observar sua intensa participação em diversas ocasiões e ambiências contemporâneas.
O discurso de Lygia Bojunga ao se referir ao livro poeticamente como elemento essencial de suas construções imaginárias de moradia intelectual e afetiva não só abrange esse interesse em perceber o deslocamento do livro a relações independentes de seu conteúdo – o que chamo de vida social do livro −, como também ressalta parte importante deste estudo, que encontra, no campo da decoração (um dos novos meios sociais por ele conquistados), um caminho singular de contemplá-lo, observando valores e significados culturais vigentes. Aqui trago como objeto de estudo um dos artefatos simbólicos de maior força e expressão na contemporaneidade, um bem carregado de significados culturais nobres e com forte apelo social, para uma análise à luz da Antropologia do Consumo e da abordagem da cultura material.⁴ Observo o livro impresso⁵ como parte de um sistema simbólico de significação e classificação − de comunicação e expressão de distinções sociais −, que rege a sociedade contemporânea, no sentido de extrair mensagens legíveis
a partir daquilo que se faz visível
– sua forma material.
Aqui, pretendo acompanhá-lo em suas andanças sociais e observá-lo para além dos espaços tradicionais e das incansáveis análises de seu conteúdo literário, e é fundamental, por consequência dessa escolha, pesquisá-lo a partir da especificidade, da materialidade e da simbologia que os envolvem. Observado como importante código já no Antigo Regime (CHARTIER, 2001), atribuindo valores positivos às imagens dos governantes⁶ em decorrência do conhecimento que lhe é intrínseco, observo que o livro, ainda que participando de um novo conjunto coerente e um novo sistema de linguagem por meio do consumo (LÉVI-STRAUSS, 1970), ainda assim se mantém na era da informação como o principal representante físico do saber
e da cultura
(o fetiche entre os fetiches
− BOURDIEU, 2011, p. 234). Luciano Cânfora (2003) identifica o período do Renascimento como origem da atuação da força simbólica do livro no imaginário social:
a partir do Renascimento que o "livro, pela primeira vez, foi socialmemte percebido como uma necessidade [...]’. A atração pelo livro, a esperança no livro já não pertenciam a esta ou àquela vida intelectual, mas possuíam [do Renascimento em diante] aquele caráter anônimo, impessoal, próprio de toda esperança coletiva. (Cânfora, 2003, p.56).
Carregando tantos significados culturais cristalizados
(BARBOSA, 2006), observo que a materialidade do livro, e o respeitado valor conceitual da sua função original, constituem os principais motivadores dessa transcendência de contextos: por parte do objeto e da atuação na classificação dos sujeitos, definindo, a partir de sua trajetória social, tipos como o culto, o inteligente e o informado, diminuindo o relativismo intrínseco a esses termos tão abstratos. Considerando o fato de a leitura constituir uma das metas atuais de política nacional, suponho haver, a partir dessa importância, uma extensão natural
do valor das obras canônicas – consideradas representantes legítimas da prática intelectual − a todo o universo livresco, valorizando de forma positiva toda e qualquer aparição do livro, independentemente de se apresentar via forma ou conteúdo. Chartier (2001, p. 39) aponta que:
[...] a tendência para a generalização está inscrita no próprio princípio da disposição para reconhecer as obras legítimas, propensão e aptidão para reconhecer sua legitimidade e percebê-las como dignas de serem admiradas em si mesmas.
Considerando não haver correspondência idêntica dos simbolismos em culturas diferentes (MAUSS, 1974), o consumo cultural do livro suscita ainda reflexões práticas acerca da nossa sociedade e dos valores sociais vigentes. A partir da análise das relações de consumo − nas quais conceitos como prestígio, distinção, gosto de classe, classificação, afetividade e identidade possuem expressão −, é possível produzir material de reflexão social. Estabelecer e definir parte da biografia do livro (KOPYTOFF, 2008), encontrando os valores sociais sinalizados nas interações, os significados culturais envolvidos e as expectativas culturais que