Educação Jurídica e Acesso à Justiça: a necessária superação de paradigmas para consolidação do modelo de justiça multiportas
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Book preview
Educação Jurídica e Acesso à Justiça - Solange Pissolato
Dedico este livro, primeiramente, à minha família, que é a base e a estrutura da minha existência. Agradeço ao meu esposo, Valdemar, e a meus filhos, Franthiesco (in memoriam), Norton e Neto Pizzolato, pela paciência e amorosidade comigo. São os grandes responsáveis por minha evolução em minha jornada temporariamente humana.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, Divino Criador, fonte criadora de tudo que É, e à minha centelha divina, pela sabedoria, inteligência e minha jornada no planeta Terra em tempos de pandemia e em momentos tão desafiadores e de tantas perdas, mas diria também de tantos ganhos, pois, se estou viva e me encontro aqui agora, não poderia ter ganho maior. Agradeço aos meus pais, pela semente fecunda da vida, o maior presente que alguém poderia dar-me. Sou eternamente grata à minha mãe, portadora do dispositivo perfeito, o útero materno, verdadeiro portal que permitiu minha experiência humana na Terra.
Parabenizo o Programa de Pós-Graduação da Universidade de Marília – UNIMAR pela excelência de ensino oferecida aos seus alunos, pelo profissionalismo, competência e, acima de tudo, pela amorosidade dos professores da instituição de ensino. Sou grata por todo o aprendizado proporcionado, com excelentes professores, a quem também externo profundo agradecimento.
Agradeço à minha família, amigos e colegas de trabalho, pelo incentivo, pela compreensão por minha ausência e pela paciência durante estes dois anos de estudos e pesquisa, pois me conhecem de longa data e sabem do meu amor pelo conhecimento.
Minha gratidão às queridas professoras e ao querido professor que colaboraram na leitura crítica de minha dissertação: Doutora Silvia Meri Carvalho, do Programa de Pós-graduação – Geografia – UEPG-PR; Doutora Lúcia Cortes da Costa, do Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas – UEPG- PR; Mestra Jane Cleide Alves Hir, da SEED – PR; e Doutor Everton Neves dos Santos, coordenador do curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso – Campus Rondonópolis.
Por fim, e de forma especial, agradeço ao meu orientador, Doutor Bruno Bastos de Oliveira, e à Banca Examinadora, na pessoa do Doutor Francisco José Nicolau Domingos, do ISCAL de Portugal.
Il nostro condizionamento cuturale ci porta dunque automaticamente a percepire il conflito in un’ottica defensiva (due distinti problemi, uma sola parte vittoriosa) e ci impedisce invecedi pensare e concepire il conflito in termini cooperativi (um problema comune da risolvere insieme).
Angelo Monoriti e Rachele Gabellini.
Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.
Fernando Pessoa.
LISTA DE ABREVIATURAS
ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade
AVA - Ambiente Virtual de Aprendizagem
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CC - Código Civil
CC - Câmeras Cíveis
CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania
CF - Constituição Federal do Brasil
CPC - Código de Processo Civil
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
CNE - Conselho Nacional de Educação
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
CSE - Câmara Superior de Educação
CR - Colégio Recursal
DO - Diário Oficial
EaD - Ensino a Distância
EC - Emenda Constitucional
ERE - Ensino Remoto Emergencial
IN - Instrução Normativa
JE - Juizado Especial
MASC - Métodos adequados para solução de conflitos
MEC - Ministério da Educação e Cultura
NUGEP - Núcleo de Gerenciamento de Precedentes
NUPEMEC - Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
OCDE - Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico
PL - Projeto de Lei
PPC - Projeto Pedagógico do Curso
SENACON - Secretaria Nacional do Consumidor
STJ - Superior Tribunal de Justiça
STF - Supremo Tribunal Federal
SUS - Sistema Único de Saúde
TDIC -Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação
UAB - Universidade Aberta do Brasil
PREFÁCIO
É com imensa alegria que apresentamos à comunidade acadêmica a obra intitulada Educação Jurídica e Acesso à Justiça – A Necessária Superação de Paradigmas para Consolidação do Modelo de Justiça Multiportas
, de autoria de Solange Pissolato, resultado da dissertação de mestrado defendida com junto à Universidade de Marília, no ano de 2021. A alegria é ainda maior por ter, na condição de orientador, acompanhado o desenvolvimento da autora e a construção desse importante pesquisa.
A educação jurídica no Brasil se depara com um momento bastante importante de mudança de paradigmas. Abandonar a litigiosidade excessiva em busca da consensualidade se mostra um grande desafio.
E, a partir desse desafio, a autora se debruça, em tal obra, sobre questões de extrema relevância, passando pela análise dos principais aspectos que são inerentes a uma sociedade de conflito, pela expansão dos métodos adequados de solução de conflitos na perspectiva do sistema multiportas e chegando até uma primorosa análise da estrutura curricular dos cursos de graduação em direito no Brasil, com enfoque na perspectiva da consensualidade.
A autora, de forma bastante coerente, utiliza referencial teórico sólido, alcançando importante grau de interdisciplinaridade na medida que traz para o leitor a aspectos jurídicos e pedagógicos que circundam o tema principal desenvolvido.
É inegável que o livro possui alto valor científico, representando importante contribuição para que possamos refletir, com maior responsabilidade, os rumos da educação jurídica no Brasil, incorporando, cada vez mais, mecanismos que permitam a expansão de uma sociedade pacífica e consensual.
Ao final, cabe apenas parabenizar o autor, a Editora, o Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UNIMAR, e recomendar a obra aos mais diversos leitores que busquem uma referência sobre o tema.
Boa leitura!
Marília - SP, 17 de janeiro de 2023.
Bruno Bastos de Oliveira
Advogado, Consultor Jurídico e Professor. Mestre e Doutor em Direito pelo PPGCJ – UFPB.
Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Marília – PPGD UNIMAR
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
1.1. DA ESTRUTURA CURRICULAR DOS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL E A CONSOLIDAÇÃO DA JUSTIÇA MULTIPORTAS: RUPTURA DE PARADIGMAS E ACESSO À JUSTIÇA
1.2. OS PROBLEMAS ENFRENTADOS NESTA OBRA
1.3. METODOLOGIA APLICADA
1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
2. O CONFLITO NA SOCIEDADE DE RISCO E A INEFICIÊNCIA ESTATAL
2.1. CONFLITO E SUA GÊNESE: AS TRANSFORMAÇÕES DA SOCIEDADE E A AMPLIFICAÇÃO DOS CONFLITOS
2.1.1. Mutações sociais no âmbito da sociedade em rede: digitalização da sociedade
2.1.2. O conflito na sociedade de risco, um novo olhar sobre o conflito
2.2. INEFICIÊNCIA ESTATAL NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS
2.2.1. Esgotamento dos métodos clássicos de resolução de conflitos entre as pessoas
2.2.2. Os números do Poder Judiciário brasileiro e a necessidade de quebra de paradigmas
3. O SISTEMA MULTIPORTAS E O CONTEXTO DOS MÉTODOS ADEQUADOS PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS
3.1. ACESSO À JUSTIÇA EM UMA ABORDAGEM ATUAL DO PROCESSO
3.2. O JURISDICIONADO E A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL: BUSCA PELA EFICIÊNCIA DO ACESSO À JUSTIÇA
3.3. AS ONDAS RENOVATÓRIAS DE ACESSO À JUSTIÇA E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARÂMETRO PELOS MEIOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
3.4. MUTAÇÕES LEGISLATIVAS NO BRASIL E A INCORPORAÇÃO DO SISTEMA DE MÚLTIPLAS PORTAS DE ACESSO À JUSTIÇA
3.5. O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
4. ESTRUTURA CURRICULAR DOS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL E O SISTEMA DE MÚLTIPLAS PORTAS DE ACESSO À JUSTIÇA
4.1. ACESSO À JUSTIÇA, UMA NOVA FORMA DE EDUCAÇÃO JURÍDICA EDUCANDO PARA O CONSENSO
4.2. A ANÁLISE DAS ESTRUTURAS CURRICULARES DOS CURSOS DE DIREITO E A CONEXÃO CORRESPONDENTE À JUSTIÇA MULTIPORTAS
4.3. NOVOS PARADIGMAS PARA A FORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA, EDUCANDO PARA O CONSENSO
4.4. EDUCAÇÃO JURÍDICA NÃO ADVERSARIAL: O ACESSO À JUSTIÇA E O PERFIL ALMEJADO DO EGRESSO DO CURSO DE DIREITO
4.5. TEORIAS PSICOPEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO E SUAS REVERBERAÇÕES NO ENSINO JURÍDICO
4.5.1. Breves considerações sobre as teorias psicopedagógicas
4.6. ENSINO JURÍDICO - COMENTÁRIOS ÀS RESOLUÇÕES Nº 9/2004, Nº 5/2018, Nº 2/2021 E OS HORIZONTES PARA A CONCRETUDE DA JUSTIÇA MULTIPORTAS
5. CONCLUSÃO
RECOMENDAÇÕES
REFERÊNCIAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
Sob a égide do arcabouço legislativo estartado com a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, como ponto fulcral exnunc, positivou-se, no ordenamento jurídico brasileiro, uma legislação robusta para ancorar a Justiça Multiportas, materializada pela Lei de Mediação, pelo Código de Processo Civil de 2015 e pela Lei da Arbitragem, guardando uma intersecção direta com o processo civil, capilarizado com vários outros institutos que, em certa medida, já vinham contribuindo para a desjudicialização de vários institutos do direito.
A conexão com o tema certamente foi suscitada pela crise no desempenho do Judiciário Brasileiro e pela busca de mudança no olhar que norteia o agir profissional na abordagem do conflito: Isso demanda visão acurada e mudança de paradigma na formação profissional nas instituições de ensino jurídico, transmutando um perfil marcado pela litigiosidade para uma educação não adversarial, de maneira a propiciar o fortalecimento e a efetividade da aplicação dos métodos adequados de solução de controvérsias e da justiça multiportas. O ponto de influxo está em deixar de olhar para o conflito de forma negativa, como tradicionalmente ocorre, e adotar um olhar que se configura como um subsunçor, para a construção de novas possibilidades.
Este estudo tem como tema central O ensino Jurídico e acesso à justiça: a necessária superação de paradigmas para consolidação do modelo de justiça multiportas. Ancora-se em uma análise doutrinária sobre o tema, aportada em vertentes teóricas, principalmente sob a ótica do direito. Tem como objetivo geral apontar a formação acadêmica no direito como ferramenta para a consolidação da justiça multiportas; o objetivo específico é discorrer sobre Justiça Multiportas, com ênfase na inversão do paradigma jurídico do acesso à justiça e na mudança de olhar para o conflito.
Inaugurando este estudo, guarda prudência a abordagem das percepções do termo conflito, posto que é a gênese da criação e desenvolvimento dos métodos adequados para sua solução. Se não houvesse o conflito
, não haveria a demanda de criar mecanismos para se chegar à tão almejada pacificação social.
Para dar sustentação ao estudo, alavancou-se a ótica da justiça multiportas e seus conceitos, passando pelas relevantes considerações das Ondas Renovatórias do acesso à justiça, ancoradas na teoria de Mauro Cappelletti e Bryan Garth, e do Sistema Multiportas ou Multidoor Courthouse System, inspirado na teoria de Frank Sander, restando claro que o processo será tão mais efetivo quanto mais pacificadora for a solução encontrada. Aponta-se o recorte para Diretrizes Curriculares Nacionais, demandando uma visão acurada nas instituições de ensino jurídico para formação profissional, posto que tais resoluções norteiam toda a formação do futuro profissional, com vistas a fortalecer e efetivar a aplicação dos métodos adequados para solução de controvérsias, bem como para prevenção e redução da litigiosidade. Isso reverbera no descongestionamento do judiciário, marcado pelo ajuizamento elevado de ações judiciais envolvendo temas recorrentes, questões que exigem um novo olhar e soluções adequadas.
Demonstrada a relevância do tema em estudo no trabalho, utiliza-se o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica, qualitativa, trazendo-se a indicação do arcabouço legislativo sobre a matéria contido no ordenamento jurídico brasileiro.
Para se chegar à discussão específica da pesquisa pertinente ao acesso à justiça, passou-se pelo estudo de temas introdutórios e das teorias de origem, de primordial importância para a compreensão do tema justiça multiportas.
Apesar da relação de distância que predomina em passado recente, há que se considerar um avanço gigantesco a comunicação entre cidadão e judiciário, devendo assegurar-se o acesso à justiça consolidado. Cabe à justiça incorporar e valorizar formas de solução de conflitos que permitam maior aproximação das partes e melhor equacionamento dos conflitos.
É certo, ainda, que a Constituição de 1988, no inciso XXXV de seu art. 5º, prescreve que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito
. Também o decesso à justiça implica afronta a esse princípio, sendo este fundamento para ancorar as inúmeras ações judiciais. Reporta-se, assim, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, atualmente trazendo mecanismos legais específicos ao tratamento adequado dos conflitos, o que também se estudou brevemente neste trabalho.
Apontadas essas questões sobre o tema, inegavelmente, não se devem atribuir ao método adversarial a condição de rota essencial para resolução das lides, buscando-se outras vias de solução pautadas no diálogo. O acesso à justiça carece de um olhar horizontalizado/alargado, demandando soluções extrajudiciais que privilegiem a autocomposição. Verifica-se a existência de legislação específica para a prevenção e tratamento de conflitos, em uma análise profissional prática, e, no caso concreto, o que se constata é que essa prevenção cresce exponencialmente e assume diversas facetas.
1.1. DA ESTRUTURA CURRICULAR DOS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL E A CONSOLIDAÇÃO DA JUSTIÇA MULTIPORTAS: RUPTURA DE PARADIGMAS E ACESSO À JUSTIÇA
Este estudo é apresentado em um cenário, conforme argumenta Dias Toffolli, prefaciando o livro do Ministro Fux, projetando luz na noção de que a resolução de controvérsias mediante um processo judicial contencioso é apenas uma possibilidade dentre várias disponíveis, sejam elas autocompositivas, a exemplo da conciliação e da mediação, ou heterocompositivas, como a arbitragem
(ARABI, 2021). Nesse contexto, ganha protagonismo a justiça multiportas, que, na sua evolução histórica, respirando ares do seu tempo, manteve uma dinâmica constante, ainda que em slow motion¹. Voltada a um olhar mais alargado das portas que dão acesso à justiça e impulsionada a evoluir forçosamente, é trazida à luz pelas vias de um fórceps², em decorrência de uma realidade pandêmica avassaladora, sendo convocada a acompanhar a contemporaneidade.
O sistema multiportas ganhou maior concretude com o impulso da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário, que teve como ponto focal a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), embrião e ponto de origem da transmutação paradigmática da legislação e sistemática processual pátrias. Tais mudanças foram consagradas a partir do Código de Processo Civil Brasileiro, Lei 13.105/2015, revestido por um arsenal legislativo, municiado pela Lei da Mediação 13.140/2015 e Lei da Arbitragem 13.129/2015, capilarizando, assim, o Direito Processual Civil brasileiro, para a Justiça Multiportas.
De fato, em passado recente, presenciamos uma disrupção em vários setores, não ficando imune o Poder Judiciário, dentre outros, em que as variáveis tempo-espaço parecem não mais guardar o mesmo conceito de outras décadas. É como se o tempo estivesse a correr mais rápido, e a velocidade das mudanças ganhou significativas proporções; pode-se utilizar, talvez, a metáfora da velocidade da luz, em que tudo é instantâneo, e a sensação que se tem é como a do título do livro de Marshall Berman: Tudo que é sólido se desmancha no ar.
A concretude é materializada pela linguagem de bites, M2M, tecnologia 4.0 e 5.0, o que para muitos se convencionou denominar de Quarta Revolução Industrial, em que a comunicação digital predomina, e tudo está em fluxo contínuo, capilarizado em redes globais. O ser humano está em constante evolução, e, em razão disto, é necessário que ele se adapte às inúmeras mudanças sofridas no mundo para que não sucumba e se torne obsoleto
(CARVALHO; ARAÚJO, 2021, p. 308).
Para ancorar a educação não adversarial, é preciso subverter a lógica que vigora, "da noção da jurisdição estatal como prima ratio, jamais como última ratio, e a precedência da jurisdição estatal em detrimento de quaisquer outros mecanismos extrajudiciais de solução de litígios (HILL, 2020, p. 17).
O descompasso entre o Direito ensinado nos bancos escolares e os reais desafios enfrentados pelo profissional do Direito levam a uma descrença generalizada no Direito como meio de resolução de conflitos" (FERRARI, 2020, p. 10), vez que a matriz curricular deixa lacunas no ensino jurídico, não guardando consonância com as demandas da realidade presente a serem supridas.
A formação dos professores universitários, inclusa nesse contexto, ganha relevo por serem esses profissionais essenciais para a melhoria da qualidade de ensino e, sobretudo, para atender ao previsto em lei, como prescrito na LDB 9.394∕96, e inexoravelmente para a mudança do paradigma da justiça multiportas e sua efetivação, com mira no futuro.
1.2. OS PROBLEMAS ENFRENTADOS NESTA OBRA
No elã de mudanças na legislação em passado recente, o Brasil vem consolidando uma série de mecanismos para um tratamento adequado de conflitos. Isso foi impulsionado pela elaboração de políticas públicas e pela entrada em vigor de um arcabouço legal robusto, responsável por regular e incentivar os meios adequados para solução de conflitos, acionado pelo CNJ com a Resolução 125 de 2010 e posteriormente amalgamado pela Lei da Mediação, Código de Processo Civil de 2015 e Lei da Arbitragem, somando-se à atuação do próprio Judiciário na institucionalização e na promoção desses instrumentos.
Constata-se a demanda de uma mudança de paradigma do acesso à justiça. Essa mudança de paradigma importa na concepção de que, pelos meios alternativos e adequados de solução de conflitos, o acesso à Justiça seja oportunizado aos cidadãos com dignidade, liberdade e efetiva participação das partes. Contudo, tal mudança não ocorre somente pela positivação legislativa das formas consensuais de solução de controvérsias. Mostra-se necessário problematizar e repensar a formação jurídica para uma atuação voltada à promoção de direitos.
O modelo de justiça Multiportas destaca-se por pluralizar as vias de tutela de direitos; por esse motivo, está intimamente ligado à ampliação do acesso à justiça. É de suma importância a relação que há entre o acesso à justiça e o sistema multiportas, pois sua união constitui uma das inovações mais atuais de nosso ordenamento jurídico.
Tais situações demandam uma nova arquitetura, não só do sistema judiciário brasileiro, como já vem ocorrendo ao longo da última década. Requerem, concomitantemente, a mudança de paradigma na formação dos operadores do direito. Daí a necessidade de encontrar formas efetivas para que essa transição cultural ocorra, tendo em vista uma formação não adversarial.
A moderna teoria do conflito traz a possibilidade de perceber-se o conflito de forma positiva, posto que, a prima facie, a impressão que se tem é que o conflito é algo negativo por natureza.
Para enfrentar tais problemas, propõe-se discorrer sobre as teorias de origem, advindas das Ondas Renovatórias do Projeto Florença, de Mauro Cappelletti e Garth, e da Justiça Multiportas, de Frank Sander. Parte-se de um novo olhar para o conflito – um olhar voltado para a cultura da paz –, tendo-se a formação dos operadores do Direito como instrumento e caminho para a consolidação da Justiça Multiportas.
As questões que tecem o fio condutor da pesquisa são: em que medida a formação acadêmica e o novo perfil dos operadores do direito no direito contribuirão para a consolidação da Justiça Multiportas? Os currículos dos cursos de direito já atuam para a formação profissional com o olhar para a aplicação dos meios adequados para a solução de conflitos. A formação profissional voltada para os meios adequados da solução de conflitos contribuirá na redução da judicialização das lides
? Um profissional com perfil voltado ao não litígio atuará em prol da consolidação da justiça multiportas?
A obra foi construída com aporte nas questões norteadoras acima elencadas, discorrendo sobre a formação acadêmica no direito como ferramenta para a consolidação da justiça multiportas. Discorrer sobre Justiça Multiportas com ênfase na inversão do paradigma jurídico do acesso à justiça e do mecanismo do conflito. Descrever, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e resoluções emanadas do Conselho Nacional de Educação (CNE), os efeitos da formação acadêmica com o emprego da cultura da paz (mecanismo consensual) na redução da judicialização das lides.
Há que se considerar, ainda, a pandemia de Covid-19, a qual vem causando grave crise econômica, política, social e sanitária, principalmente em virtude das sérias restrições impostas pelo Poder Público para conter seu avanço.
1.3. METODOLOGIA APLICADA
Quando chamados à produção de um trabalho científico, algumas cautelas devem ser tomadas e formalidades precisam ser adotadas. Cabe, ainda, proceder à escolha de metodologia, métodos, técnicas e procedimentos, de forma a tangenciar com maior assertividade a construção do conhecimento, dando margem para que seja aferido, replicado e dotado de maior cientificidade.
Toda pesquisa sustenta-se em um conjunto de procedimentos, sistematizados com respaldo em métodos científicos para a construção de novos conhecimentos. Esta pesquisa científica tem sua própria classificação em termos de abordagem, natureza, objetivos e procedimentos.
No tocante à abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, construída a partir da compreensão subjetiva dos dados pela pesquisadora, coletados dedutivamente. Discorre-se sobre a justiça multiportas, adotada pelo sistema judiciário nacional, e as demandas de um novo paradigma para formação dos operadores do direito.
A metodologia, quanto aos objetivos, é de caráter descritivo. O interesse está em levantar informações constantes em fontes de dados secundários para reconhecer e caracterizar as Diretrizes Curriculares Nacionais e as Resoluções emanadas do Conselho Nacional de Educação (CNE) para os cursos de Direito quanto à presença ou não de conteúdo correspondente ao objeto desta pesquisa.
Amparado pela pesquisa qualitativa, ancorada nos ensinamentos de Marconi e Lakatos, preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc.
(2017, p. 268).
A pesquisa bibliográfica, por sua vez, é elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de [...] livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na Internet; utiliza-se também do levantamento: considera a interrogação direta das pessoas cujo comportamento ou situação se deseja conhecer
(SILVA; MENEZES, 2006, p. 21).
Esta pesquisa, buscando também esclarecer conceitos jurídicos, como os de justiça multiportas e acesso à justiça, é também descritiva, pois, além de apresentar o conceito de conflito, procura métodos adequados para sua solução. Descreve, ainda, suas características e sua importância para a mudança de cultura da litigância para uma formação não adversarial.
Quanto à escolha do método dedutivo, nesse raciocínio, se as premissas são verdadeiras e a forma é correta, a conclusão será verdadeira. Na indução, mesmo que todas as proposições do antecedente sejam verdadeiras, a conclusão pode não o ser (MARCONI; LAKATOS, 2017, p. 270). Nesse método, parte-se da observação dos fatos ou fenômenos cujas causas se deseja conhecer. Tem-se que este permeia toda a pesquisa, analisando-se as premissas obtidas com os estudos doutrinários e legislativos, os quais se somam à base doutrinária, a fim de alcançar os objetivos propostos.
Por fim, quanto aos procedimentos, esta é uma pesquisa bibliográfica, subsidiada por levantamento de informações em livros e artigos científicos publicados em sítios acadêmicos, dentre outros, e ainda documental, por ocupar-se de conteúdos