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Lira
dos
Vinte Anos
Álvares de Azevedo
Fonte: AZEVEDO, Álvares de. "Lira dos Vinte Anos". São Paulo
Martins Fontes, 1996. (ColeçãoPoetas do Brasil)
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Lira dos Vinte Anos
ÍNDICE
À MINHA MÃE ............................................................................................................................ 4
PRIMEIRA PARTE ..................................................................................................................... 5
NO MAR ..................................................................................................................................... 6
SONHANDO ............................................................................................................................... 6
CISMAR...................................................................................................................................... 7
AI JESUS!................................................................................................................................... 7
ANJINHO .................................................................................................................................... 7
ANJOS DO MAR......................................................................................................................... 8
[Tenho um seio que delira] ................................................................................................................. 8
A CANTIGA DO SERTANEJO .................................................................................................... 8
[Quando, à noite, no leito perfumado] .................................................................................................... 9
O POETA.................................................................................................................................... 9
[Fui um doudo em sonhar tantos amores...] .......................................................................................... 10
[Quando falo contigo, no meu peito].................................................................................................... 10
NA MINHA TERRA ................................................................................................................... 11
ITÁLIA....................................................................................................................................... 12
A T............................................................................................................................................ 13
CREPÚSCULO DO MAR .......................................................................................................... 13
CREPÚSCULO NAS MONTANHAS.......................................................................................... 14
DESALENTO ............................................................................................................................ 14
PÁLIDA INOCÊNCIA ................................................................................................................ 15
SONETO [Pálida, à luz da lâmpada sombria,] ..................................................................................... 15
ANIMA MEA.............................................................................................................................. 15
A HARMONIA ........................................................................................................................... 16
VIDA ......................................................................................................................................... 17
C............................................................................................................................................... 17
EPITÁFIO no túmulo de Silva Pereira Junior ............................................................................ 18
O PASTOR MORIBUNDO ........................................................................................................ 18
TARDE DE VERÃO .................................................................................................................. 18
TARDE DE OUTONO ............................................................................................................... 19
CANTIGA.................................................................................................................................. 20
SAUDADES .............................................................................................................................. 20
ESPERANÇAS ......................................................................................................................... 21
VIRGEM MORTA...................................................................................................................... 21
HINOS DO PROFETA .............................................................................................................. 22
I Um canto do século ............................................................................................................. 22
II Lágrima de sangue.............................................................................................................. 23
III A tempestade..................................................................................................................... 24
LEMBRANÇA DE MORRER ..................................................................................................... 25
SEGUNDA PARTE ................................................................................................................... 27
UM CADÁVER DE POETA ....................................................................................................... 28
IDÉIAS ÍNTIMAS....................................................................................................................... 31
BOÊMIOS................................................................................................................................. 33
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PRIMEIRA
PARTE
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Lira dos Vinte Anos
NO MAR SONHANDO
Les étoiles s’allument au ciel, et la brise du soir erre doucement Hier, la nuit d’été, que nous prêtait ses voiles,
parmi les fleurs: rêvez, chantez et soupirez. Était digne de toi, tant elle avait d’étoiles!
GEORGE SAND VICTOR HUGO
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Lira dos Vinte Anos
Não era um sonho mentido: Foi mais uma ilusão! de minha fronte
Meu coração iludido Rosa que desbotou
O sentiu e não sonhou... Uma estrela de vida e de futuro
E sentiu que se perdia Que riu... e desmaiou!
Numa dor que não sabia... Meu triste coração, é tempo, dorme,
Nem ao menos a beijou! Dorme no peito meu!
Soluçou o peito ardente, Do último sonho despertei e n’alma
Sentiu que a alma demente Tudo! tudo morreu!
Lhe desmaiava a tremer, Meus Deus! por que sonhei e assim por ela
Embriagou-se de enleio, Perdi a noite ardente...
No sono daquele seio Se devia acordar dessa esperança,
Pensou que ele ia morrer! E o sonho era demente?...
Que divino pensamento, Eu nada lhe pedi: ousei apenas
Que vida num só momento Junto dela, à noitinha,
Dentro do peito sentiu... Nos meus delírios apertar tremendo
Não sei!... Dorme no passado A sua mão na minha!
Meu pobre sonho doirado...
Esperança que mentiu... Adeus, pobre mulher! no meu silêncio
Sinto que morrerei...
Sabem as noites do céu Se rias desse amor que te votava,
E as luas brancas sem véu Deus sabe se te amei!
Os prantos que derramei!
Contem do vale as florinhas Se te amei! se minha alma só queria
Esse amor das noite minhas! Pela tua viver,
Elas sim... que eu não direi! No silêncio do amor e da ventura
Nos teus lábios morrer!
E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora Mas vota ao menos no lembrar saudoso
Lembrar-vos o sonho meu, Um ai ao sonhador...
Com a fronte descorada Deus sabe se te amei!... Não te maldigo,
E com a voz sufocada Maldigo o meu amor!...
Dizer-vos baixo: - Sou eu! Mas não... inda uma vez... Não posso ainda
Sou eu! que não esqueci Dizer o eterno adeus
A noite que não dormi, E a sangue frio renegar dos sonhos
Que não foi uma ilusão! E blasfemar de Deus!
Sou eu que sinto morrer Oh! Fala-me de amor!... - eu quero crer-te
A esperança de viver... Um momento sequer...
Que o sinto no coração! E esperar na ventura e nos amores,
Riríeis das esperanças, Num olhar de mulher!
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo Só um olhar por compaixão te peço,
Choraríeis em segredo Um olhar.... mas bem lânguido, bem terno...
Uma lágrima por mim! ...........................................................................
Quero um olhar que me arrebate o siso,
Me queime o sangue, m’escureça os olhos,
Me torne delirante!
Dorme, meu coração! Em paz esquece
ALMEIDA FREITAS
Tudo, tudo que amaste neste mundo!
Sonho falaz de tímida esperança Sur votre main jamais votre front ne se pose,
Não interrompa teu dormir profundo! Brûlant, chargé d’ennuis, ne pouvant soutenir
Tradução do Dr. Octaviano Le poids d’un douloureux et cruel souvenir;
Votre coeur virginal en lui-même repose.
Fui um doudo em sonhar tantos amores... Th. Gautier
Que loucura, meu Deus! Ricorditi di me...............
Em expandir-lhe aos pés, pobre insensato, DANTE, Purgatório
Todos os sonhos meus!
Quando falo contigo, no meu peito
E ela, triste mulher, ela tão bela, Esquece-me esta dor que me consome:
Dos seus anos na flor, Talvez corre o prazer nas fibras d’alma:
Por que havia de sagrar pelos meus sonhos E eu ouso ainda murmurar teu nome!
Um suspiro de amor?
Que existência, mulher! se tu souberas
Um beijo - um beijo só! eu não pedia A dor de coração do teu amante,
Senão um beijo seu E os ais que pela noite, no silêncio,
E nas horas do amor e do silêncio Arquejam no seu peito delirante!
Juntá-la ao peito meu!
E quando sofre e padeceu... e a febre
_____ Como seus lábios desbotou na vida...
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Lira dos Vinte Anos
E sua alma cansou na dor convulsa Amo o vento da noite sussurrante
E adormeceu na cinza consumida! A tremer nos pinheiros
Talvez terias dó da mágoa insana E a cantiga do pobre caminhante
Que minh’alma votou ao desalento... No rancho dos tropeiros;
E consentirás, ó virgem dos amores, E os monótonos sons de uma viola
Descansar-me no seio um só momento! No tardio verão,
Sou um doudo talvez de assim amar-te, E a estrada que além se desenrola
De murchar minha vida no delírio... No véu da escuridão;
Se nos sonhos de amor nunca tremeste, A restinga d’areia onde rebenta
Sonhando meu amor e meu martírio... O oceano a bramir,
E não pude, febril e de joelhos, Onde a lua na praia macilenta
Com a mente abrasada e consumida, Vem pálida luzir;
Contar-te as esperanças do meu peito E a névoa e flores e o doce ar cheiroso
E as doces ilusões de minha vida! Do amanhecer na serra,
Oh! quando eu te fitei, sedento e louco, E o céu azul e o manto nebuloso
Teu olhar que meus sonhos alumia, Do céu de minha terra;
Eu não sei se era vida o que minh’alma E o longo vale de florinhas cheio
Enlevava de amor e adormecia! E a névoa que desceu,
Oh! nunca em fogo teu ardente seio Como véu de donzela em branco seio,
A meu peito juntei que amor definha! As estrelas do céu.
A furto apenas eu senti medrosa II
Tua gélida mão tremer na minha!... Não é mais bela, não, a argêntea praia
Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta Que beija o mar do sul,
Num beijo esta minh’alma enlouquecer Onde eterno perfume a flor desmaia
E que eu viva de amor nos teus joelhos E o céu é sempre azul;
E morra no teu seio o meu viver! Onde os serros fantásticos roxeiam
Sou um doudo, meu Deus! mas no meu peito Nas tardes de verão
Tu sabes se uma dor, se uma lembrança E os suspiros nos lábios incendeiam
Não queria calar-se a um beijo dela, E pulsa o coração!
Nos seios dessa pálida criança! Sonho da vida que doirou e azula
Se num lânguido olhar no véu de gozo A fada dos amores,
Os olhos de Espanhola a furto abrindo Onde a mangueira ao vento que tremula
Eu não tremia... o coração ardente Sacode as brancas flores...
No peito exausto remoçar sentindo!
E é saudoso viver nessa dormência
Se no momento efêmero e divino Do lânguido sentir,
Em que a virgem pranteia desmaiando Nos enganos suaves da existência
E a c’roa virginal a noiva esfolha, Sentindo-se dormir...
Eu queria a seus pés morrer chorando!
Mais formosa não é, não doire embora
Adeus! Rasgou-se a página saudosa O verão tropical
Que teu porvir de amor no meu fundia, Com seus rubores... a alvacenta aurora
Gelou-se no meu sangue moribundo Da montanha natal...
Essa gota final de que eu vivia!
Nem tão doirada se levante a lua
Adeus, anjo de amor! tu não mentiste! Pela noite do céu,
Foi minha essa ilusão e o sonho ardente: Mas venha triste, pensativa e nua
Sinto que morrerei... tu, dorme e sonha Do prateado véu...
No amor dos anjos, pálido inocente!
Que me importa? se as tardes purpurinas
Mas um dia... se a nódoa da existência E as auroras dali
Murchar teu cálix orvalhoso e cheio, Não deram luz às diáfanas cortinas
Flor que respirei, que amei sonhando, Do leito onde eu nasci?
Tem saudade de mim, que eu te pranteio!
Se adormeço tranqüilo no teu seio
E perfuma-se a flor,
NA MINHA TERRA Que Deus abriu no peito do poeta,
Laisse-toi donc aimer! Oh! l’amour c’est la vie! Gotejante de amor?
C’est tout ce qu’on regrette et tout ce qu’on envie,
Minha terra sombria, és sempre bela,
Quand on voit sa jeunesse au couchant décliner!
............................................................................... Inda pálida a vida
La beauté c’est le front, l’amour c’est la couronne: Como o sono inocente da donzela
Laisse-toi couronner! No deserto dormida!
V. HUGO
No italiano céu nem mais suaves
I São da noite os amores,
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Não tem mais fogo o cântico das aves Minh’alma exalarei no céu da Itália!
Nem o vale mais flores! Ver a Itália e morrer!... Entre meus sonhos
III Eu vejo-a de volúpia adormecida...
Quando o gênio da noite vaporosa Nas tardes vaporentas se perfuma
Pela encosta bravia E dorme, à noite, na ilusão da vida!
Na laranjeira em flor toda orvalhosa E, se eu devo expirar nos meus amores,
De aroma se inebria... Nuns olhos de mulher amor bebendo,
No luar junto à sombra recendente Seja aos pés da morena Italiana,
De um arvoredo em flor, Ouvindo-a suspirar, inda morrendo.
Que saudades e amor que influi na mente Lá na terra da vida e dos amores
Da montanha o frescor! Eu podia viver inda um momento,
E quando, à noite no luar saudoso Adormecer ao sol da primavera
Minha pálida amante Sobre o colo das virgens de Sorrento!
Ergue seus olhos úmidos de gozo II
E o lábio palpitante... A Itália! sempre a Itália delirante!
Cheia da argêntea luz do firmamento, E os ardentes saraus, e as noites belas!
Orando por seu Deus, A Itália do prazer, do amor insano,
Então... eu curvo a fronte ao sentimento Do sonho fervoroso das donzelas!
Sobre os joelhos seus... E a gôndola sombria resvalando
E quando sua voz entre harmonias Cheia de amor, de cânticos e flores...
Sufoca-se de amor E a vaga que suspira à meia-noite
E dobra a fronte bela de magias Embalando o mistério dos amores!
Como pálida flor... Ama-te o sol, ó terra da harmonia,
E a alma pura nos seus olhos brilha Do levante na brisa te perfumas:
Em desmaiado véu, Nas praias de ventura e primavera
Como de um anjo na cheirosa trilha Vai o mar estender seu véu d’escumas!
Respiro o amor do céu! Vai a lua sedenta e vagabunda
Melhor a viração uma por uma O teu berço banhar na luz saudosa,
Vem as folhas tremer, As tuas noites estrelar de sonhos
E a floresta saudosa se perfuma E beijar-te na fronte vaporosa!
Da noite no morrer... Pátria do meu amor! terra das glórias
E eu amo as flores e o doce ar mimoso Que o gênio consagrou, que sonha o povo...
Do amanhecer da serra Agora que murcharam teus loureiros
E o céu azul e o manto nebuloso Fora doce em teu seio amar de novo...
Do céu da minha terra! Amar tuas montanhas e as torrentes
E esse mar onde bóia alcion dormindo,
ITÁLIA Onde as ilhas se azulam no ocidente,
Ao meu amigo o Conde de Fé
Como nuvens à tarde se esvaindo...
Veder Napoli e poi morir. Aonde à noite o pescador moreno
I Pela baía no batel se escoa...
Lá na terra da vida e dos amores E murmurando, nas canções de Armida,
Eu podia viver inda um momento... Treme aos fogos errantes da canoa...
Adormecer ao sol da primavera Onde amou Rafael, onde sonhava
Sobre o colo das virgens de Sorrento ! No seio ardente da mulher divina,
Eu podia viver - e porventura E talvez desmaiou no teu perfume
Nos luares do amor amar a vida, E suspirou com ele a Fornarina...
Dilatar-se minh’alma como o seio E juntos, ao luar, num beijo errante
Do pálido Romeu na despedida! Desfolhavam os sonhos da ventura
Eu podia na sombra dos amores E bebiam na lua e no silêncio
Tremer num beijo o coração sedento... Os eflúvios de tua formosura!
Nos seios da donzela delirante Ó anjo de meu Deus, se nos meus sonhos
Eu podia viver inda um momento! A promessa do amor me não mentia,
Ó anjo de meu Deus! se nos meus sonhos Concede um pouco ao infeliz poeta
Não mentia o reflexo da ventura, Uma hora da ilusão que o embebia!
E se Deus me fadou nesta existência Concede ao sonhador, que tão-somente
Um instante de enlevo e de ternura... Entre delírios palpitou d’enleio,
Lá entre os laranjais, entre os loureiros, Numa hora de paixão e de harmonia
Lá onde a noite seu aroma espalha, Dessa Itália do amor morrer no seio!
Nas longas praias onde o mar suspira Oh! na terra da vida e dos amores
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Eu podia sonhar inda um momento, Como da noite o bafo sobre as águas
Nos seios da donzela delirante Que o reflexo da tarde incendiava,
Apertar o meu peito macilento Só a idéia de Deus e do infinito
Maio, 1851. - S. Paulo No oceano boiava!
Como é doce viver nas longas praias
A T... Nestas ondas e sol e ventania!
No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus. Como ao triste cismar encanto aéreo
PROPÉRCIO Nas sombras preludia!
Amoroso palor meu rosto inunda, O painel luminoso do horizonte
Mórbida languidez me banha os olhos, Como as cândidas sombras alumia
Ardem sem sono as pálpebras doridas, Dos fantasmas de amor que nós amamos
Convulsivo tremor meu corpo vibra... Na ventura de um dia!
Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejos... Como voltam gemendo e nebulosas,
E nos meus sonhos desmaiando passa Brancas as roupas, desmaiado o seio,
A imagem voluptuosa da ventura: Inda uma vez a murmurar nos sonhos
Eu sinto-a de paixão encher a brisa, As palavras do enleio!...
Embalsamar a noite e o céu sem nuvens; Aqui nas praias, onde o mar rebenta
E ela mesma suave descorando E a escuma no morrer os seios rola,
Os alvacentos véus soltar do colo, Virei sentar-me no silêncio puro
Cheirosas flores desparzir sorrindo Que o meu peito consola!
Da mágica cintura.
Sonharei... lá enquanto, no crepúsculo,
Sinto na fronte pétalas de flores,
Como um globo de fogo o sol se abisma
Sinto-as nos lábios e de amor suspiro...
E o céu lampeja no clarão medonho
Mas flores e perfumes embriagam...
De negro cataclisma...
E no fogo da febre, e em meu delírio
Embebem na minh’alma enamorada Enquanto a ventania se levanta
Delicioso veneno. E no ocidente o arrebol se ateia
No cinábrio do empíreo derramando
Estrela de mistério! em tua fronte
A nuvem que roxeia...
Os céus revela e mostra-me na terra,
Como um anjo que dorme, a tua imagem Hora solene das idéias santas
E teus encantos, onde amor estende Que embala o sonhador nas fantasias,
Nessa morena tez a cor de rosa. Quando a taça do amor embebe os lábios
Meu amor, minha vida, eu sofro tanto! Do anjo das utopias!
O fogo de teus olhos me fascina, Oceano de Deus! Que moribundo,
O langor de teus olhos me enlanguece, A cantiga do nauta mais sentida
Cada suspiro que te abala o seio Tão triste suspirou nas tuas ondas,
Vem no meu peito enlouquecer minh’alma! Como um adeus à vida?
Ah! vem, pálida virgem, se tens pena Que nau cheia de glória e d'esperanças,
De quem morre por ti, e morre amando, Floreando ao vento a rúbida bandeira,
Dá vida em teu alento à minha vida, Na luz do incêndio rebentou bramindo
Une nos lábios meus minh’alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo Na vaga sobranceira?
Na tu’alma infantil; na tua fronte Por que ao sol da manhã e ao ar da noite
Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros Essa triste canção, eterna, escura,
Sentir as virações do paraíso... Como um treno de sombra e de agonia,
E a teus pés, de joelhos, crer ainda Nos teus lábios murmura?
Que não mente o amor que um anjo inspira,
É vermelho de sangue o céu da noite,
Que eu posso na tu’alma ser ditoso,
Que na luz do crepúsculo se banha:
Beijar-te nos cabelos soluçando
Que planeta do céu do roto seio
E no teu seio ser feliz morrendo!
Golfeja luz tamanha?
Dezembro, 1851.
Que mundo em fogo foi bater correndo
Ao peito de outro mundo; - e uma torrente
CREPÚSCULO DO MAR De medonho clarão rasgou no éter
Que rêves-tu plus beau sur ces lointaines plages E jorra sangue ardente?
Que cette chaste mer qui baigne nos rivages?
Que ces mornes couverts de bois silencieux, Onde as nuvens do céu voam dormindo,
Autels d’où nos parfurns s'élèvent dans les cieux? Que doirada mansão de aves divinas
LAMARTINE Num véu purpúreo se enlutou rolando
No céu brilhante do poente em fogo Ao vento das ruínas?
Com auréola ardente o sol dormia,
Do mar doirado nas vermelhas ondas
Purpúreo se escondia.
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Foram anjos de amor, que vagabundos
CREPÚSCULO NAS MONTANHAS Com saudades do céu vagam gemendo
Pálida estrela, casto olhar da noite, E as lágrimas de fogo dos amores
diamante luminoso na fronte azul do Sobre as nuvens pranteiam?
crepúsculo, o que vês na planície?
OSSIAN Criaturas da sombra e do mistério,
I
Ou no purpúreo céu doureis a tarde,
Além serpeia o dorso pardacento
Ou pela noite cintileis medrosas,
Da longa serrania,
Estrelas, eu vos amo!
Rubro flameia o véu sanguinolento
Da tarde na agonia. E quando, exausto o coração no peito
Do amor nas ilusões espera e dorme,
No cinéreo vapor o céu desbota
Diáfanas vindes-lhe doirar na mente
Num azulado incerto,
A sombra da esperança!
No ar se afoga desmaiando a nota
Do sino do deserto... Oh! quando o pobre sonhador medita
Do vale fresco no orvalhado leito
Vim alentar meu coração saudoso
Inveja às águias o perdido vôo
No vento das campinas,
Para banhar-se no perfume etéreo...
Enquanto nesse manto lutuoso
E, nessa argêntea luz, no mar de amores
Pálida te reclinas
Onde entre sonhos e luar divino
E morre em teu silêncio, ó tarde bela, A mão do Eterno vos lançou no espaço,
Das folhas o rumor... Respirar e viver!
E late o pardo cão que os passos vela
Do tardio pastor!
II DESALENTO
Pálida estrela! o canto do crepúsculo Por que havíeis passar tão doces dias?
Acorda-te no céu: A. F. DE SERPA PIMENTEL
Ergue-te nua na floresta morta Feliz daquele que no livro d’alma
Do teu doirado véu! Não tem folhas escritas
Ergue-te!... eu vim por ti e pela tarde E nem saudade amarga, arrependida,
Pelos campos errar, Nem lágrimas malditas!
Sentir o vento, respirando a vida Feliz daquele que de um anjo as tranças
E livre suspirar. Não respirou sequer
É mais puro o perfume das montanhas E nem bebeu eflúvios descorando
Da tarde no cair... Numa voz de mulher...
Quando o vento da noite agita as folhas E não sentiu-lhe a mão cheirosa e branca
É doce o teu luzir! Perdida em seus cabelos,
Estrela do pastor, no véu doirado Nem resvalou do sonho deleitoso
Acorda-te na serra, A reais pesadelos...
Inda mais bela no azulado fogo Quem nunca te beijou, flor dos amores,
Do céu da minha terra! Flor do meu coração,
III E não pediu frescor, febril e insano
Estrela d’oiro, no purpúreo leito Da noite à viração!
Da irmã da noite, branca e peregrina Ah! feliz quem dormiu no colo ardente
No firmamento azul derramas dia Da huri dos amores,
Que as almas ilumina! Que sôfrego bebeu o orvalho santo
Abre o seio de pérola, transpira Das perfumadas flores...
Esse raio de luz que a mente inflama! E pôde vê-la morta ou esquecida
Esse raio de amor que ungiu meus lábios Dos longos beijos seus,
No meu peito derrama! Sem blasfemar das ilusões mais puras
IV E sem rir-se de Deus!
Lo bel pianeta he ad amar conforta Mas, nesse doloroso sofrimento
Faceva tutto rider l’oriente
DANTE, Purgatório Do pobre peito meu,
Sentir no coração que à dor da vida
Estrelinhas azuis do céu vermelho, A esperança morreu!...
Lágrimas d’oiro sobre o véu da tarde,
Que olhar celeste em pálpebra divina Que me resta, meu Deus? aos meus suspiros
Vos derramou tremendo? Nem geme a viração...
E dentro, no deserto do meu peito,
Quem, à tarde, crisólitas ardentes, Não dorme o coração!
Estrelas brancas, vos sagrou saudosas
Da fronte dela na azulada c’roa
Como auréola viva?
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E os raios d’oiro, cintilando vivos,
PÁLIDA INOCÊNCIA Como chuva encantada se gotejam
Cette image du cíel - innocence et beauté! Nas folhas do arvoredo recendente,
LAMARTINE Parece que de afã dorme a natura
Por que, pálida inocência, E as aves silenciosas se mergulham
Os olhos teus em dormência No grato asilo da cheirosa sombra.
A medo lanças em mim? E que silêncio então pelas campinas!...
No aperto de minha mão A flor aberta na manhã mimosa
Que sonho do coração E que os estos do sol d’estio murcham
Tremeu-te os seios assim? Cerra as folhas doridas e procura
E tuas falas divinas Da grama no frescor doentio leito.
Em que amor lânguida afinas É doce então das folhas no silêncio
Em que lânguido sonhar? Penetrar o mistério da floresta,
E dormindo sem receio Ou reclinado à sombra da mangueira
Por que geme no teu seio Um momento dormir, sonhar um pouco!
Ansioso suspirar? Ninguém que turve os sonhos de mancebo,
Ninguém que o indolente adormecido
Inocência! quem dissera Roube das ilusões que o acalentam
De tua azul primavera E do mole dormir o chame à vida!
As tuas brisas de amor!
Oh! quem teus lábios sentira E é tão doce dormir! é tão suave
E que trêmulo te abrira Da modorra no colo embalsamado
Dos sonhos a tua flor! Um momento tranqüilo deslizar-se!
Criaturas de Deus se peregrinam
Quem te dera a esperança Invisíveis na terra, consolando
De tua alma de criança, As almas que padecem... certamente
Que perfuma teu dormir! Que são anjos de Deus que aos seios tomam
Quem dos sonhos te acordasse, A fronte do poeta que descansa!
Que num beijo t’embalasse
Desmaiada no sentir! Ó floresta! ó relva amolecida,
A cuja sombra, em cujo doce leito
Quem te amasse! e um momento É tão macio descansar nos sonhos!
Respirando o teu alento Arvoredos do vale! derramai-me
Recendesse os lábios seus! Sobre o corpo estendido na indolência
Quem lera, divina e bela, O tépido frescor e o doce aroma!
Teu romance de donzela E quando o vento vos tremer nos ramos
Cheio de amor e de Deus! E sacudir-vos as abertas flores
Em chuva perfumada, concedei-me
SONETO Que encham meu leito, minha face, a relva...
Onde o mole dormir a amor convida!
Pálida, a luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada, E tu, Ilná, vem pois! deixa em teu colo
Como a lua por noite embalsamada, Descanse teu poeta: é tão divino
Entre as nuvens do amor ela dormia! Sorver as ilusões dos sonhos ledos,
Sentindo à brisa teus cabelos soltos
Era a virgem do mar! na escuma fria Meu rosto encherem de perfume e gozo!
Pela maré das água embalada...
- Era um anjo entre nuvens d’alvorada Tudo dorme, não vês? dorme comigo,
Que em sonhos se banhava e se esquecia! Pousa na minha tua face bela
E o pálido cetim da tez morena...
Era mais bela! o seio palpitando... Fecha teus olhos lânguidos... no sono
Negros olhos as pálpebras abrindo... Quero sentir os túmidos suspiros
Formas nuas no leito resvalando... No teu seio arquejar, morrer nos lábios...
Não te rias de mim, meu anjo lindo! E no sono teu braço me enlaçando!
Por ti - as noites eu velei chorando Ó minha noiva, minha doce virgem,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! No regaço da bela natureza,
Anjo de amor, reclina-te e descansa!
ANIMA MEA Neste berço de flores tua vida
Límpida e pura correrá na sombra,
E como a vida é bela e doce e amável!
Não presta o espinhal a sombra ao leito Como gota de mel em cálix branco
Do pastor do rebanho vagaroso, Da flor das selvas que ninguém respira.
Melhor que as sedas do lençol noturno
Onde o pávido rei dormir não pode? Além, além nas árvores tranqüilas
SHAKESPEARE, Henrique VI, 3ª p. Uma voz acordou como um suspiro...
São ais sentidos de amorosa rola
Quando nas sestas do verão saudoso
Que nos beijos de amor palpita e geme?
A sombra cai nos laranjais do vale,
Ah! nem tão doce a rola suspirando
Onde o vento adormece e se perfuma...
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Modula seus gemidos namorados, Ó santa Malibran! fora tão doce
Não trina assim tão longa e molemente... Pelas noites suaves do silêncio
Em argentinas pérolas o canto Nas lágrimas de amor, nos teus suspiros,
Se exala como as notas expirantes Na agonia de um beijo, ouvir gemendo
De uma alma de mulher que chora e canta... Entre meus sonhos tua voz divina!
É a voz do sabiá: ele dormia Ó Paganini! quando moribundo
Ebrioso de harmonia e se embalava Inda a rabeca ao peito comprimias,
No silêncio, na brisa e nos eflúvios Se o hálito de Deus, essa alma d’anjo
Das flores de laranja... Ilná, ouviste? Que das fibras do peito cavernoso
É o canto saudoso da esperança, Arquejava nas cordas entornando
É dos nossos amores a cantiga Murmúrios d’esperança e de ventura,
Que o aroma que exalam teus cabelos, Se a alma de teu viver roçou passando
Tua lânguida voz... talvez lhe inspiram! Nalgum lábio sedento de poesia,
Vem, Ilná, dá-me um beijo: adormeçamos... Numa alma de mulher adormecida,
A cantilena do sabiá sombrio Se algum seio tremeu ao concebê-lo...
Encanta as ilusões, afaga o sono... Esse alento de vida e de futuro
Ó! minha pensativa, descuidosa, - Foi o teu seio, Malibran divina!
Eu sinto a vida bela em teu regaço, Ah! se nunca te ouvi, se teus suspiros,
Sinto-a bela nas horas do silêncio Desdêmona sentida e moribunda,
Quando em teu colo me reclino e durmo... Nunca pude beber no teu exílio...
E ainda os sonhos meus vivem contigo! Nos sonhos virginais senti ao menos
Ah! vem, ó minha Ilná: sei harmonias Tua pálida sombra vaporosa
Que a noite ensina ao violão saudoso Nesta fronte que a febre encandecera
E que a lua do mar influi na mente; Depor um beijo, suspirar passando!
E quando eu vibro as cordas tremulosas, Meu Deus! e, outrora, se um momento a vida
Como alma de donzela que respira, De poesia orvalhou meus pobres sonhos,
Coa nas vibrações tanta saudade, Foi nuns suspiros de mulher saudosa,
Tanto sonho de amor esvaecido... Foi abatida, a forma desmaiada,
Que o terno coração acorda e geme Uma pobre infeliz que descorando
E os lábios do poeta inda suspiram! Fazia os prantos meus correr-me aos olhos!
Anjo do meu amor! se os ais da virgem Pobre! pobre mulher! esses mancebos
Têm doçuras, têm lágrimas divinas, Que choravam por ti... quando gemias,
É quando, no silêncio e no mistério, Quando sentias a tua alma ardente
Sobre o peito do amante se derramam No canto esvaecer, pálida e bela,
No sufocado alento os moles cantos... E teu lábio afogar entre harmonias
- Cantos de amor, de sede e d’esperanças - Almas que de tua alma se nutriam!
Que nos lábios febris lhe afoga um beijo! Que davam-te seus sonhos, e amorosas
Ouves, Ilná?... meu violão palpita: Desfolhavam-te aos pés a flor da vida...
Quero lembrar um cântico de amores... Ai quantas não sentiste palpitantes,
Fora doce ao poeta, teu amante, Nem ousando beijar teu véu d’esposa,
Nos ais ardentes das maviosas fibras Nas longas noites nem sonhar contigo!
Ouvir os teus alentos de mistura E hoje riem de ti! da criatura
E as moles vibrações da cantilena Que insana profanou as asas brancas!...
Este meu peito remoçar um pouco! Que num riso sem dó, uma por uma,
Virgem do meu amor vem dar-me ainda Na torrente fatal soltava rindo,
Um beijo! um beijo longo, transbordando E as sentia boiando solitárias...
De mocidade e vida; e nos meus sonhos As flores da coroa, como Ofélia!...
Minh’alma acordará - sopro errabundo Que iludida do amor vendeu a glória
Da alma da virgem tremerá meus seios... E deu seu colo nu a beijo impuro...
E a doce aspiração dos meus amores Eles riem de ti!... mas eu, coitada,
No condão da harmonia há de embalar-se! Pranteio teu viver e te perdôo.
Fada branca de amor, que sina escura
A HARMONIA Manchou no teu regaço as roupas santas?
Por que deixavas encostada ao seio
Meu Deus! se às vezes, na passada vida, A cabeça febril do libertino?
Eu tive sensações que emudeciam Por que descias das regiões doiradas
Essa descrença que me dói na vida E lançavas ao mar a rota lira
E, como orvalho que a manhã vapora, Para vibrar tua alma em lábios dele?
Em seus raios de luz a Deus me erguiam Por que foste gemer na orgia ardente
Foi quando às vezes a modinha doce A santa inspiração de teus poetas...
Ao sol de minha terra me embalava Perder teu coração em vis amores?
E quando as árias de Bellini pálido Anjo branco de Deus, que sina escura
Em lábios de Italiana estremeciam! Manchou no teu regaço as roupas santas?
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Lira dos Vinte Anos
Pálida Italiana! hoje esquecida. E terei tua imagem mais formosa
O escárnio do plebeu murchou teus louros! Nas vigílias do val:
Tua voz se cansou nos ditirambos... - Será da vida meu suave aroma
E tu não voltas com as mãos na lira Teu lírio virginal.
Vibrar nos corações as cordas virgens IV
E ao gênio adormecido em nossas almas Que importa que o anátema do mundo
Na fronte desfolhar tuas coroas!... Se eleve contra nós,
............................................................................ Se é bela a vida num amor imenso
Na solidão - a sós?
VIDA Se nós teremos o cair da tarde
E o frescor da manhã:
Oh! laisse-moi t’aimer pour que j’aime la vie!
Pour ne point au bonheur dire un dernier adieu
E tu és minha mãe e meus amores
Pour ne point blasphémer les biens que l’homme envie E minh’alma de irmã?
Et pour ne pas douter de Dieu!
Se teremos a sombra onde se esfolham
ALEXANDRE DUMAS
I As flores do retiro...
Oh! fala-me de ti! eu quero ouvir-te E a vida além de ti - a vida inglória -
Murmurar teu amor... Não me vale um suspiro?
E nos teus lábios perfumar do peito Bate a vida melhor dentro do peito
Minha pálida flor. Do campo na tristeza
De tua carta nas queridas folhas E o aroma vital, ali, do seio
Eu sinto-me viver... Derrama a natureza...
E as páginas do amor sobre meu peito E, aonde as flores no deserto dormem
E, quando, à noite, delirante durmo, Com mais viço e frescor,
Deito-as no peito meu... Abre linda também a flor da vida
Nos delíquios de amor, ó minha amante, Da lua no palor.
Eu sonho o seio teu...
C...
A alma que as inspirou, que lhes deu vida Oh! não tremas! que este olhar, este
E o fogo da paixão... abraço te digam quanto é inefável - o de
E derramou as notas doloridas abandono sem receio, os inebriamentos de
Do virgem coração! uma voluptuosidade que deve ser eterna.
GOETHE, Fausto
Eu quero-as no meu peito, como sonho
Teu seio de donzela, Sim! coroemos as noites
Para sonhar contigo o céu mais puro Com as rosas do himeneu...
E a esperança mais bela! Entre flores de laranja
Serás minha e serei teu!
II
A nós a vida em flor, a doce vida Sim! quero em leito de flores
Recendente de amor, Tuas mãos dentro das minhas...
Cheia de sonhos, d’esperança e beijos Mas os círios dos amores
E pálido langor... Sejam só as estrelinhas.
Página 17
Lira dos Vinte Anos
Dá-me um beijo, abre teus olhos
Por entre esse úmido véu:
TARDE DE VERÃO
Se na terra és minha amante, Viens!...
Que l’arbre pénétré de parfums et de chants,
És a minh’alma no céu!
.....................................................................
Et l’o,bre et le soleil, et l’onde et la verdure,
NO TÚMULO DO MEU AMIGO Et le rayonnement de toute la nature
JOÃO BAPTISTA DA SILVA PEREIRA JÚNIOR Fassent épanouir comme une double fleur
La beauté sur ton front, et l’amour dans ton coeur!
EPITÁFIO V. HUGO
Perdão, meu Deus, se a túnica da vida... Como cheirosa e doce a tarde expira!
Insano profanei-a nos amores! De amor e luz inunda a praia bela...
Se da c’roa dos sonhos perfumados E o sol já roxo e trêmulo desdobra
Eu próprio desfolhei as róseas flores! Um íris furta-cor na fronte dela.
No vaso impuro corrompeu-se o néctar, Deixai que eu morra só! enquanto o fogo
A argila da existência desbotou-me... Da última febre dentro em mim vacila,
O sol de tua gloria abriu-me as pálpebras, Não venham ilusões chamar-me à vida,
Da nódoa das paixões purificou-me! De saudades banhar a hora tranqüila!
E quantos sonhos na ilusão da vida! Meu Deus! que eu morra em paz! não me coroem
Quanta esperança no futuro ainda! De flores infecundas a agonia!
Tudo calou-se pela noite eterna... Oh! não doire o sonhar do moribundo
E eu vago errante e só na treva infinda... Lisonjeiro pincel da fantasia!
Alma em fogo, sedenta de infinito, Exaurido de dor e d’esperança
Num mundo de visões o vôo abrindo, Posso aqui respirar mais livremente,
Como o vento do mar no céu noturno Sentir ao vento dilatar-se a vida,
Entre as nuvens de Deus passei dormindo! Como a flor da lagoa transparente!
A vida é noite! o sol tem véu de sangue... Se ela estivesse aqui! no vale agora
Tateia a sombra a geração descrida!... Cai doce a brisa morna desmaiando:
Acorda-te, mortal! é no sepulcro Nos murmúrios do mar fora tão doce
Que a larva humana se desperta à vida! Da tarde no palor viver amando!
Quando as harpas do peito a morte estala, Uni-la ao peito meu - nos lábios dela
Um treno de pavor soluça e voa... Respirar uma vez, cobrando alento;
E a nota divinal que rompe as fibras A divina visão de seus amores
Nas dulias angélicas ecoa! Acordar o meu peito inda um momento!
Fulgura a minha amante entre meus sonhos,
O PASTOR MORIBUNDO Como a estrela do mar nas águas brilha,
CANTIGA DE VIOLA Bebe à noite o favônio em seus cabelos
A existência dolorida Aroma mais suave que a baunilha.
Cansa em meu peito: eu bem sei Se ela estivesse aqui! jamais tão doce
Que morrerei... O crepúsculo o céu embelecera...
Contudo da minha vida E a tarde de verão fora mais bela,
Podia alentar-se a flor Brilhando sobre a sua primavera!
No teu amor!
Da lânguida pupila de seus olhos
Do coração nos refolhos Num olhar de desdém entorna amores,
Solta um ai! num teu suspiro Como à brisa vernal na relva mole
Eu respiro... O pessegueiro em flor derrama flores.
Mas fita ao menos teus olhos
Árvore florescente desta vida,
Sobre os meus... eu quero-os ver
Que amor, beleza e mocidade encantam,
Para morrer!
Derrama no meu seio as tuas flores
Guarda contigo a viola Onde as aves do céu à noite cantam!
onde teus olhos cantei...
Vem! a areia do mar cobri de flores,
E suspirei!
Perfumei de jasmins teu doce leito;
Só a idéia me consola
Podes suave, ó noiva do poeta,
Que morro como vivi...
Suspirosa dormir sobre meu peito!
Morro por ti!
Não tardes, minha vida! no crepúsculo
Se um dia tu’alma pura
Ave da noite me acompanha a lira...
Tiver saudades de mim,
É um canto de amor... Meu Deus! que sonhos!
Meu serafim!
Era ainda ilusão - era mentira!
Talvez notas de ternura
Inspirem o doudo amor
Do trovador!
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Lira dos Vinte Anos
A SAUDADE
TARDE DE OUTONO Sonha, poeta, sonha! Ali sentado
No tosco assento da janela antiga,
Un souvenir heureux est peut-être sur terre
Plus vrai que le bonheur. Apóia sobre a mão a face pálida,
ALFRED DE MUSSET Sorrindo - dos amores à cantiga.
O POETA O POETA
Ó musa, por que vieste Minh’alma triste se enluta,
E contigo me trouxeste Quando a voz interna escuta
A vagar na solidão? Que blasfema da esperança...
Tu não sabes que a lembrança Aqui tudo se perdeu,
De meus anos de esperança Minha pureza morreu
Aqui fala ao coração? Com o enlevo de criança!
A SAUDADE Ali, amante ditoso,
De um puro amor a lânguida saudade Delirante, suspiroso,
É doce como a lágrima perdida, Eflúvios dela sorvi,
Que banha no cismar um rosto virgem: No seu colo eu me deitava...
Volta o rosto ao passado e chora a vida. E ela tão doce cantava!
De amor e canto vivi!
O POETA
Não sabes o quanto dói Na sombra deste arvoredo
Uma lembrança que rói Oh! quantas vezes a medo
A fibra que adormeceu?... Nossos lábios se tocaram!
Foi neste vale que amei, E os seios, onde gemia
Que a primavera sonhei, Uma voz que amor dizia,
Aqui minh’alma viveu. Desmaiando me apertaram!
A SAUDADE Foi doce nos braços teus,
Pálidos sonhos do passado morto Meu anjo belo de Deus,
É doce reviver mesmo chorando: Um instante do viver...
A alma refaz-se pura. Um vento aéreo Tão doce, que em mim sentia
Parece que do amor nos vai roubando. Que minh’alma se esvaía...
E eu pensava ali morrer!
O POETA
Eu vejo ainda a janela A SAUDADE
Onde, à tarde, junto dela É berço de mistério e d’harmonia
Eu lia versos de amor... Seio mimoso de adorada amante:
Como eu vivia d’enleio A alma bebe nos sons que amor suspira
No bater daquele seio, A voz, a doce voz de uma alma errante.
Naquele aroma de flor! Tingem-se os olhos de amorosa sombra,
Creio vê-la inda formosa, Os lábios convulsivos estremecem;
Nos cabelos uma rosa, E a vida foge ao peito... apenas tinge
De leve a janela abrir... As faces que de amor empalidecem.
Tão bela, meu Deus, tão bela! Parece então que o agitar do gozo
Por que amei tanto, donzela, Nossos lábios atrai a um bem divino:
Se devias me trair? Da amante o beijo é puro como as flores
A SAUDADE E dela a voz é doce como um hino.
A casa está deserta. A parasita Dizei-o vós, dizei, ternos amantes,
Nas paredes estampa negra cor, Almas ardentes que a paixão palpita,
Os aposentos o ervaçal povoa, Dizei essa emoção que o peito gela
A porta é franca... Entremos, trovador! E os frios nervos num espasmo agita.
O POETA Vinte anos! como tens doirados sonhos!
Derramai-vos, prantos meus! E como a névoa de falaz ventura
Dai-me mais prantos, meu Deus! Que se estende nos olhos do poeta
Eu quero chorar aqui... Doira a amante de nova formosura!
Em que sonhos de ebriedade
No arrebol da mocidade O POETA
Eu nesta sombra dormi! Que gemer! não me enganava!
Era o anjo que velava
Passado, por que murchaste? Minha casta solidão?
Ventura, por que passaste São minhas noites gozadas
Degenerando em saudade? E as venturas choradas
Do estio secou-se a fonte, Que vibram meu coração?
Só ficou na minha fronte
A febre da mocidade. É tarde, amores, é tarde:
Uma centelha não arde
Na cinza dos seios meus...
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Lira dos Vinte Anos
Por ela tanto chorei, Vinte anos! derramei-os gota a gota
Que mancebo morrerei... Num abismo de dor e esquecimento...
Adeus, amores, adeus! De fogosas visões nutri meu peito...
Vinte anos!... sem viver um só momento!
CANTIGA Contudo, no passado uma esperança
Tanto amor e ventura prometia...
I E uma virgem tão doce, tão divina,
Em um castelo doirado Nos sonhos junto a mim adormecia!
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo .................................................................
- Dorme tudo junto dela. Quando eu lia com ela... e no romance
Adormeceu-a, sonhando, Suspirava melhor ardente nota...
Um feiticeiro condão, E Jocelyn sonhava com Laurence
E dormem no seio dela Ou Werther se morria por Carlota...
As rosas do coração. Eu sentia a tremer e a transluzir-lhe
Dorme a lâmpada argentina Nos olhos negros a alma inocentinha...
Defronte do leito seu; E uma furtiva lágrima rolando
Noite a noite a lua triste Da face dela umedecer a minha!
Vem espreitá-la do céu. E quantas vezes o luar tardio
Voam os sonhos errantes Não viu nossos amores inocentes?
Do leito sob o dossel Não embalou-se da morena virgem
E suspiram no alaúde No suspirar, nos cânticos ardentes?
As notas do menestrel. E quantas vezes não dormi sonhando
E no castelo, sozinha, Eterno amor, eternas as venturas...
Dorme encantada donzela... E que o céu ia abrir-se... e entre os anjos
Nasceu; e vive dormindo Eu ia despertar em noites puras?
- Dorme tudo junto dela. Foi esse o amor primeiro! requeimou-me
Dormem cheirosas, abrindo, As artérias febris de juventude,
As roseiras em botão... Acordou-me dos sonhos da existência
E dormem no seio dela Na harmonia primeira do alaúde.
As rosas do coração. .......................................................................
II Meu Deus! e quantas eu amei... Contudo
A donzela adormecida Das noites voluptuosas da existência
É a tua alma, santinha, Só restam-me saudades dessas horas
Que não sonha nas saudades Que iluminou tua alma d’inocência.
E nos amores da minha.
Foram três noites só... três noites belas
- Nos meus amores que velam De lua e de verão, no val saudoso...
Debaixo do teu dossel Que eu pensava existir... sentindo o peito
E suspiram no alaúde Sobre teu coração morrer de gozo.
As notas do menestrel.
E por três noites padeci três anos,
Acorda, minha donzela, Na vida cheia de saudade infinda...
Foi-se a lua, eis a manhã Três anos de esperança e de martírio...
E nos céus da primavera Três anos de sofrer - e espero ainda!
É a aurora tua irmã.
A ti se ergueram meus doridos versos,
Abriram no vale as flores Reflexos sem calor de um sol intenso,
Sorrindo na fresquidão: Votei-os à imagem dos amores
Entre as rosas da campina Pra velá-la nos sonhos como incenso.
Abram-se as do coração.
Eu sonhei tanto amor, tantas venturas,
Acorda, minha donzela, Tantas noites de febre e d’esperança...
Soltemos da infância o véu... Mas hoje o coração parado e frio,
Se nós morrermos num beijo, Do meu peito no túmulo descansa.
Acordaremos no céu.
Pálida sombra dos amores santos!
Passa quando eu morrer no meu jazigo,
SAUDADES Ajoelha ao luar e entoa um canto...
‘ Tis vain to struggle - let me perish young
Que lá na morte eu sonharei contigo.
BYRON 12 de setembro, 1852.
Foi por ti que num sonho de ventura
A flor da mocidade consumi...
E às primaveras disse adeus tão cedo
E na idade do amor envelheci!
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Lira dos Vinte Anos
No leito mole da molhada areia
ESPERANÇAS Deitem o corpo da beleza morta.
Oh! si elle m’eût aimé...
Irmã chorosa a suspirar desfolhe
ALFRED DE VIGNY, Chatterton
No seu dormir da laranjeira as flores,
Se a ilusão de minh’alma foi mentida Vistam-na de cetim, e o véu de noiva
E, leviana, da árvore da vida, Lhe desdobrem da face nos palores.
As flores desbotei...
Se por sonhos do amor de uma donzela Vagueie em torno, de saudosas virgens
Imolei meu porvir e o ser por ela Errando à noite, a lamentosa turma...
Em prantos esgotei... E, entre cânticos de amor e de saudade,
Junto às ondas do mar a virgem durma.
Se a alma consumi na dor que mata
E banhei de uma lágrima insensata Às brisas da saudade soluçantes
A última esperança, Aí, em tarde misteriosa e bela,
Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda, Entregarei as cordas do alaúde
Como dos mares pela noite infinda E irei meus sonhos prantear por ela!
A estrela da bonança! Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe
Como nas folhas do Missal do templo E de amorosos prantos perfumá-la...
Os mistérios de Deus em ti contemplo E a essência dos cânticos divinos
E na tu’alma os sinto! No túmulo da virgem derramá-la.
Às vezes, delirante, se eu maldigo Que importa que ela durma descorada
As esperanças que sonhei contigo, E velasse o palor a cor do pejo?
Perdoa-me, que minto! Quero a delícia que o amor sonhava
Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda, Nos lábios dela pressentir num beijo.
Como do peito a aspiração infinda Desbotada coroa do poeta!
Que me influi o viver... Foi ela mesma quem prendeu-te flores!
E como a nuvem de azulado incenso... Ungiu-as no sacrário de seu peito
Como eu amo esse afeto único, imenso Inda virgem do alento dos amores!...
Que me fará morrer! Na minha fronte riu de ti, passando,
Rompeste a alva túnica luzente Dos sepulcros o vento peregrino...
Que eu doirava por ti de amor demente Irei eu mesmo desfolhar-te agora
E aromei de abusões... Da fronte dela no palor divino!...
Deste-me em troco lágrimas aspérrimas... E contudo eu sonhava! e pressuroso
Ah! que morreram a sangrar misérrimas Da esperança o licor sorvi sedento!
As minhas ilusões! Ai! que tudo passou!... só resta agora
Nos encantos das fadas da ventura O sorriso de um anjo macilento!
Podes dormir ao sol da formosura ..........................................................................
Sempre bela e feliz! Ó minha amante, minha doce virgem,
Irmã dos anjos, sonharei contigo: Eu não te profanei, tu dormes pura:
A alma a quem negaste o último abrigo No sono do mistério, qual na vida,
Chora... não te maldiz! Podes sonhar ainda na ventura.
Chora e sonha e espera: a negra sina Bem cedo, ao menos, eu serei contigo
Talvez no céu se apague em purpurina - Na dor do coração a morte leio...
Alvorada de amor... Poderei amanhã, talvez, meus lábios
E eu acorde no céu num teu abraço Da irmã dos anjos encostar no seio...
E repouse tremendo em teu regaço
Teu pobre sonhador! E tu, vida que amei! pelos teus vales
Com ela sonharei eternamente...
Nas noites junto ao mar e no silêncio,
VIRGEM MORTA Que das notas enchi da lira ardente!...
Oh! make her a grave where the sun-beams rest, Dorme ali minha paz, minha esperança,
When they promise a glorious morrow! Minha sina de amor morreu com ela,
They’ll shine o’er sleep, like a smile from the West, E o gênio do poeta, lira eólia
From her own lov’d island of sorrow. Que tremia ao alento da donzela!
TH. MOORE Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora
Se inunda em tanto sol no céu da tarde!
Lá bem na extrema da floresta virgem, Acorda, coração!... Mas no meu peito
Onde na praia em flor o mar suspira... Lábio de morte murmurou: - É tarde!
Lá onde geme a brisa do crepúsculo É tarde! e quando o peito estremecia
E mais poesia o arrebol transpira... Sentir-me abandonado e moribundo!?...
Nas horas em que a tarde moribunda É tarde! é tarde! ó ilusões da vida,
As nuvens roxas desmaiando corta, Morreu com ela da esperança o mundo!...
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Lira dos Vinte Anos
No leito virginal de minha noiva Meu amor foi o sonho dos poetas
Quero, nas sombras do verão da vida, - O belo, o gênio, de um porvir liberto
Prantear os meus únicos amores, A sagrada utopia!...
Das minhas noites a visão perdida... E, à noite, pranteei como os profetas,
Quero ali, ao luar, sentir passando Dei lágrimas de sangue no deserto
Por alta noite a viração marinha, Dos povos à agonia!...
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro, Meu amor!?... foi a mãe que me alentava,
Os sonhos de su’alma inocentinha. Que viveu, esperou por minha vida
E quando a mágoa devorar meu peito... E pranteia por mim...
E quando eu morra de esperar por ela... E a sombra solitária que eu sonhava
Deixai que eu durma ali e que descanse, Lânguida como vibração perdida
Na morte ao menos, sobre o seio dela! De roto bandolim...
E agora o único amor!... o amor eterno,
HINOS DO PROFETA Que no fundo do peito aqui murmura
E acende os sonhos meus,
I UM CANTO DO SÉCULO Que lança algum luar no meu inverno,
Spiritus meus attenuabitur, dies mei Que minha vida no penar apura,
Breviabuntur, et solum mihi superest - É o amor de meu Deus!
Sepulchrum.
JOB É só no eflúvio desse amor imenso
Que a alma derrama as emoções cativas
Debalde nos meus sonhos de ventura
Em suspiros sem dor...
Tento alentar minha esperança morta
E no vapor do consagrado incenso
E volto-me ao porvir:
Que as sombras da esperança redivivas
A minha alma só canta a sepultura
Nos beijam o palor...
E nem última ilusão beija e conforta
Meu suarento dormir... Eu vaguei pela vida sem conforto,
Esperei minha amante noite e dia
Debalde! que exauriu-me o desalento:
E o ideal não veio...
A flor que aos lábios meus um anjo dera
Farto de vida, breve serei morto...
Mirrou na solidão...
Nem poderei ao menos na agonia
Do meu inverno pelo céu nevoento
Descansar-lhe no seio...
Não se levantará nem primavera,
Nem raio de verão! Passei como Don Juan entre as donzelas,
Suspirei as canções mais doloridas
Invejo as flores que murchando morrem,
E ninguém me escutou...
E as aves que desmaiam-se cantando
Oh! nunca à virgem flor das faces belas
E expiram sem sofrer...
Sorvi o mel, nas longas despedidas...
As minhas veias inda ardentes correm...
Meu Deus! ninguém me amou!
E na febre da vida agonizando
Eu me sinto morrer! Vivi na solidão, odeio o mundo...
E no orgulho embucei meu rosto pálido
Tenho febre! meu cérebro transborda...
Como um astro nublado...
Eu morrerei mancebo, inda sonhando
Ri-me da vida - lupanar imundo,
Da esperança o fulgor...
Onde se volve o libertino esquálido
Oh! cantemos ainda: a última corda
Na treva... profanado
Inda palpita... morrerei cantando
O meu hino de amor! Quantos hei visto desbotarem frios,
Manchados de embriaguez da orgia em meio
Meu sonho foi a glória dos valentes,
Nas infâmias do vício!
De um nome de guerreiro a eternidade
E quantos morreram inda sombrios,
Nos hinos seculares,
Sem remorso dos negros devaneios...
Foi nas praças, de sangue ainda quentes,
Sentindo o precipício!
Desdobrar o pendão da liberdade
Nas frontes populares! Quanta alma pura... e virgem menestrel,
Que adormeceu no tremedal sem fundo,
Meu amor foi a verde laranjeira,
No lodo se manchou!
Cheia de sombra, à noite abrindo as flores,
Que liras estaladas no bordel!
Melhor que ao meio-dia,
E que poetas que perdeu o mundo
A várzea longa... a lua forasteira
Em Bocage e Marlowe!
Que pálida, como eu, sonhando amores,
De névoa se cobria. Morrer! ali na sombra, na taverna,
A alma que em si continha um canto aéreo
Meu amor foi o sol que madrugava,
No peito solitário!
O canto matinal dos passarinhos
Sublime como a nota obscura, eterna,
E a rosa predileta...
Que o bronze vibra em noites de mistério
Fui um louco, meu Deus! quando tentava
No escuro campanário!
Descorado e febril manchar no vinho,
Meus louros de poeta! O meus amigos, deve ser terrível
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Lira dos Vinte Anos
Sobre as tábuas imundas, inda ebrioso, II LÁGRIMAS DE SANGUE
Na solidão morrer! Taedet animam meam vitae meae.
Sentir as sombras dessa noite horrível JOB
Surgirem dentre o leito pavoroso... Ao pé das aras, ao clarão dos círios,
Sem um Deus para crer! Eu te devera consagrar meus dias...
Sentir que a alma, desbotado lírio, Perdão, meu Deus! perdão...
Dum mundo ignoto vagará chorando Se neguei meu Senhor nos meus delírios
Na treva mais escura... E um canto de enganosas melodias
E o cadáver sem lágrimas, nem círio, Levou meu coração!
Na calçada da rua, desbotando, Só tu, só tu podias o meu peito
Não terá sepultura... Fartar de imenso amor e luz infinda
Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida E uma saudade calma!
Nas artérias inflama o sangue em lava Ao sol de tua fé doirar meu leito
E o cérebro varia... E de fulgores inundar ainda
O século na vaga enfurecida A aurora na minh’alma.
Mergulha a geração que se acordava... Pela treva do espírito lancei-me,
E nuta de agonia. P’ras esperanças suicidei-me rindo...
São tristes deste século os destinos!... Sufocando-as sem dó...
Seiva mortal as flores que despontam No vale dos cadáveres sentei-me
Infecta em seu abrir... E minhas flores semeei sorrindo
E o cadafalso e a voz dos Girondinos Dos túmulos no pó.
Não falam mais na glória e não apontam Indolente Vestal, deixei no templo
A aurora do porvir... A pira se apagar! na noite escura
Fora belo talvez, em pé, de novo, O meu gênio descreu...
Como Byron, surgir, ou na tormenta Voltei-me para a vida... só contemplo
O homem de Waterloo! A cinza da ilusão que ali murmura:
Com sua idéia iluminar um povo, Morre! - tudo morreu!
Como o trovão da nuvem que rebenta Cinzas, cinzas... Meu Deus! só tu podias
E o raio derramou... À alma que se perdeu bradar de novo:
Fora belo talvez sentir no crânio - Ressurge-te ao amor!
A alma de Goethe e resumir na fibra Macilento, das minhas agonias
Milton, Homero e Dante, Eu deixaria as multidões do povo
Sonhar-se, num delírio momentâneo, Para amar o Senhor!
A alma da criação e o som que vibra Do leito aonde o vício acalentou-me
A terra palpitante... O meu primeiro amor fugiu chorando...
Mas ah! o viajor nos cemitérios Pobre virgem de Deus!
Nessas nuas caveiras não escuta Um vendaval sem norte arrebatou-me,
Vossas almas errantes... Acordei-me na treva... profanando
Do estandarte medonho nos impérios Os puros sonhos meus!
A morte, leviana prostituta, Oh! se eu pudesse amar!... - É impossível!
Não distingue os amantes!... Mão fatal escreveu na minha vida...
Eu, pobre sonhador! eu, terra inculta A dor me envelheceu...
Onde não fecundou-se uma semente, O desespero pálido, impassível,
Convosco dormirei... Agoirou minha aurora entristecida,
E dentre nós a multidão estulta De meu astro descreu...
Não vos distinguirá a fronte ardente Oh! se eu pudesse amar! Mas não: agora
Do crânio que animei... Que a dor emurcheceu meus breves dias,
Ó morte! a que mistério me destinas? Quero na cruz sanguenta
Esse átomo de luz, que inda me alenta, Derramá-los na lágrima que implora,
Quando o corpo morrer, Que mendiga perdão pela agonia
Voltará amanhã!... aziagas sinas!... Da noite lutulenta!
À terra numa face macilenta Quero na solidão... nas ermas grutas
Esperar e sofrer? A tua sombra procurar chorando
Meu Deus! antes, meu Deus! que uma outra vida, Com meu olhar incerto...
Com teu braço eternal meu ser esmaga As pálpebras doridas nunca enxutas
E minh’alma aniquila: Queimarei... teus fantasmas invocando
A estrela de verão no céu perdida No vento do deserto.
Também, às vezes, seu alento apaga De meus dias a lâmpada se apaga,
Numa noite tranqüila!... Roeram meu viver mortais venenos,
Curvo-me ao vento forte:
Teu fúnebre clarão que a noite alaga,
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Lira dos Vinte Anos
Como a estrela oriental, me guie ao menos Que falam em morrer...
‘ Té ao vale da morte! Aqui dormem sagradas esperanças,
No mar dos vivos o cadáver bóia, Almas sublimes que o amor erguia...
A lua é descorada como um crânio, E gelaram tão cedo!
Este sol não reluz... Meu pobre sonhador! aí descansas,
Quando na morte a pálpebra se engóia, Coração que a existência consumia
O anjo desperta em nós e subitânio E roeu em segredo!
Voa ao mundo da luz! Quando o trovão romper as sepulturas,
Do val de Josafá pelas gargantas Os crânios confundidos acordando
Uiva na treva o temporal sem norte No lodo tremerão...
E os fantasmas murmuram... No lodo pelas tênebras impuras
Irei deitar-me nessas trevas santas, Os ossos estalados tiritando
Banhar-me na friez lustral da morte, Dos vales surgirão!
Onde as almas se apuram! Como rugindo a chama encarcerada
Mordendo as clinas do corcel da sombra, Dos negros flancos do vulcão rebenta
Sufocado, arquejante passarei Golfejando nos céus,
Na noite do infinito... Entre nuvem ardente e trovejada
Ouvirei essa voz que a treva assombra, Minh’alma se erguerá, fria, sangrenta,
Dos lábios de minh’alma entornarei Ao trono de meu Deus...
O meu cântico aflito! Perdoa, meu Senhor! O errante crente
Flores cheias de aroma e de alegria, Nos desesperos em que a mente abrasas
Por que na primavera abrir cheirosas Não o arrojes p’lo crime!
E orvalhar-vos abrindo? Se eu fui um anjo que descreu demente
As torrentes da morte vêm sombrias, E no oceano do mal rompeu as asas,
Hão de amanhã nas águas tenebrosas Perdão! arrependi-me!
Vos arrastar bramindo. III - A TEMPESTADE - FRAGMENTO
Morrer! morrer! - É voz das sepulturas! Profeta escarnecido pelas turbas
Como a lua nas salas festivais Disse-lhes rindo - adeus!
A morte em nós se estampa! Vim adorar na serrania escura
E os pobres sonhadores de venturas A sombra de meu Deus!
Roxeiam amanhã nos funerais
O céu enegreceu: lá no ocidente
E vão rolar na campa!
Rubro o sol se apagou;
Que vale a glória, a saudação que enleva E galopa o corcel da tempestade
Dos hinos triunfais na ardente nota Nas nuvens que rasgou...
E as turbas devaneia?
Da gruta negra a catarata rola,
Tudo isso é vão e cala-se na treva...
Alaga a serra bronca,
- Tudo é vão, como em lábios de idiota
Esbarra pelo abismo, escuma uivando
Cantiga sem idéia.
E pelas trevas ronca...
Que importa? quando a morte se descarna,
O chão nu e escarvado p’las torrentes
A esperança do céu flutua e brilha
Trêmulo se fendeu...
Do túmulo no leito:
Da serrania a lomba escaveirada
O sepulcro é o ventre onde se encarna
O raio enegreceu.
Um verbo divinal que Deus perfilha
E abisma no seu peito! Cede a floresta ao arquejar fremente
Do rijo temporal,
Não chorem! que essa lágrima profunda
Ribomba e rola o raio, nos abismos
Ao cadáver sem luz não dá conforto...
Sibila o vendaval.
Não o acorda um momento!
Quando a treva medonha o peito inunda, Nas trevas o relâmpago fascina,
Derrama-se nas pálpebras do morto A selva se incendeia...
Luar de esquecimento! Chuva de fogo pelas serras hirtas
Fantástica serpeia...
Caminha no deserto a caravana,
Numa noite sem lua arqueja e chora... Amo a voz da tempestade,
O termo... é um sigilo! Porque agita o coração...
O meu peito cansou da vida insana, E o espírito inflamado
Da cruz à sombra, junto aos meus, agora, Abre as asas no trovão!
Eu dormirei tranqüilo! A minh’alma se devora
Dorme ali muito amor... muitas amantes, Na vida morta e tranqüila...
Donzelas puras que eu sonhei chorando Quero sentir emoções,
E vi adormecer... Ver o raio que vacila!
Ouço da terra cânticos cânticos errantes Enquanto as raças medrosas
E as almas saudosas suspirando Banham de prantos o chão,
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Lira dos Vinte Anos
Eu quero erguer-me na treva, Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Saudar glorioso trovão! Se um suspiro nos seios treme ainda,
Jeová! derrama em chuva É pela virgem que sonhei!... que nunca
Os teus raios incendidos! Aos lábios me encostou a face linda!
Tua voz na tempestade Ó tu, que à mocidade sonhadora
Reboa nos meus ouvidos! Do pálido poeta deste flores...
É quando as nuvens ribombam Se vivi... foi por ti! e de esperança
E a selva medonha está, De na vida gozar de teus amores.
Que no relâmpago surge Beijarei a verdade santa e nua,
A face de Jeová! Verei cristalizar-se o sonho amigo...
A tuba da tempestade Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Rouqueja nos longos céus, Filha do céu! eu vou amar contigo!
De joelhos na montanha Descansem o meu leito solitário
Espero agora meu Deus! Na floresta dos homens esquecida,
O caminho rasgou-se: mil torrentes À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
Rebentam bravejando, - Foi poeta, sonhou e amou na vida. -
Rodam na espuma as rochas gigantescas Sombras do vale, noites da montanha,
Pelo abismo tombando. Que minh’alma cantou e amava tanto,
Como em noite do caos, os elementos Protejei o meu corpo abandonado,
incandescentes lutam. E no silêncio derramai-lhe um canto!
Negra - a terra, o céu - rubro, o mar - vozeia Mas quando preludia ave d’aurora
- E as florestas escutam... E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Tudo se escureceu e pela treva, Arvoredos do bosque, abri as ramas...
No chão sem sepultura, Deixai a lua pratear-me a lousa!
Os mortos se revolvem tiritando
Na longa noite escura.
..............................................................................
Profeta escarnecido pelas turbas
Disse-lhes rindo - adeus!
Vim fitar ao clarão da tempestade
- A sombra de meu Deus!
LEMBRANÇA DE MORRER
No more! O never more!
SHELLEY
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Lira dos Vinte Anos
Cuidado, leitor, ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira
ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o
Sganarello de D. João Tenório: - a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare.
Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.
A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia: - duas almas que moram nas
cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de
duas faces.
Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado ao
menos que o sentimentalismo tão fasbionable desde Werther até René.
Por um espírito de contradição, quando os homens se vêem inundados de páginas amorosas preferem um
conto de Bocaccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare, um
provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset, a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de
arremedo que anda na moda e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ao troco de cobre,
divisível até ao extremo, dos liliputianos poetastros. Antes da Quaresma há o Carnaval.
Há uma crise nos séculos como nos homens. É quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se no
misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro.
O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem: Homo sum, como dizia o célebre Romano. Vê, ouve,
sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem
artérias - isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E, digam o que
quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia.
O que acontece? Na exaustão causada pelo sentimentalismo, a alma ainda trêmula e ressoante da febre
do sangue, a alma que ama e canta, porque sua vida é amor e canto, o que pode senão fazer o poema dos
amores da vida real? Poema talvez novo, mas que encerra em si muita verdade e muita natureza, e que
sem ser obsceno pode ser erótico, sem ser monótono. Digam e creiam o que quiserem: - todo o vaporoso
da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos.
O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo, brilhando sobre a vida como a tarde
sobre a terra. A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua.
Depois a doença da vida, que não dá ao mundo objetivo cores tão azuladas como o nome britânico de blue
devils, descarna e injeta de fel cada vez mais o coração. Nos mesmos lábios onde suspirava a monodia
amorosa, vem a sátira que morde.
É assim. Depois dos poemas épicos, Homero escreveu o poema irônico. Goethe depois de Werther criou o
Faust. Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Cain e Don Juan - Don Juan que começa como Cain
pelo amor e acaba como ele pela descrença venenosa e sarcástica.
Agora basta.
Ficarás tão adiantado agora, meu leitor, como se não lesses essas páginas, destinadas a não serem lidas.
Deus me perdoe! assim é tudo!... até prefácios!
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SEGUNDA
PARTE
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Lira dos Vinte Anos
Quando é gelada a fronte sonhadora
UM CADÁVER DE POETA Por que há de o vivo, que despreza rimas,
Levem ao túmulo aquele que parece um cadáver! Cansar os braços arrastando um morto,
Tu não pesaste sobre a terra: a terra te seja leve!
Ou pagar os salários do coveiro?
L. UHLAND
A bolsa esvaziar por um misérrimo,
I Quando a emprega melhor em lodo e vício? ...
De tanta inspiração e tanta vida, E que venham aí falar-me em Tasso!
Que os nervos convulsivos inflamava Culpar Afonso d’Est - um soberano,
E ardia sem conforto... Por não lhe dar a mão da irmã fidalga!
O que resta? - uma sombra esvaecida, Um poeta é um poeta: apenas isso...
Um triste que sem mãe agonizava... Procure para amar as poetisas.
- Resta um poeta morto! Se na França a princesa Margarida,
Morrer! E resvalar na sepultura, De Francisco primeiro irmã formosa,
Frias na fronte as ilusões! no peito Ao poeta Alain Chartier adormecido
Quebrado o coração! Deu nos lábios um beijo... é que esta moça,
Nem saudades levar da vida impura Apesar de princesa, era uma douda...
Onde arquejou de fome... sem um leito! E a prova é que também rondós fazia.
Em treva e solidão! Se Riccio, o trovador, teve os amores
- Novela até bastante duvidosa -
Tu foste como o sol; tu parecias Dessa Maria Stuart formosíssima,
Ter na aurora da vida a eternidade É que ela - sabe-o Deus! - fez tanta asneira...
Na larga fronte escrita... Que não admira que a um poeta amasse!
Porém não voltarás como surgias!
Apagou-se teu sol da mocidade Por isso adoro o libertino Horácio:
Numa treva maldita! Namorou algum dia uma parenta
Do patrono Mecenas? Parasita...
Tua estrela mentiu. E do fadário Só pedia dinheiro, no triclínio
De tua vida a página primeira Bebia vinho bom... e não vivia
Na tumba se rasgou... Fazendo versos às irmãs de Augusto.
Pobre gênio de Deus, nem um sudário!
Nem túmulo nem cruz! como a caveira E quem era Camões? Por ter perdido
Que um lobo devorou!... Um olho na batalha e ser valente,
Às esmolas valeu. Mas quanto ao resto,
II Por fazer umas trovas de vadio,
Morreu um trovador! morreu de fome... Deveriam lhe dar, além de glória,
Acharam-no deitado no caminho: - E essa deram-lhe à farta! - algum bispado?
Tão doce era o semblante! Sobre os lábios Alguma dessas gordas sinecuras
Flutuava-lhe um riso esperançoso; Que se davam a idiotas fidalguias?
E o morto parecia adormecido.
Deixem-se de visões, queimem-se os versos:
Ninguém ao peito recostou-lhe a fronte O mundo não avança por cantigas.
Nas horas da agonia! Nem um beijo Creiam do poviléu os trovadores
Em boca de mulher! nem mão amiga Que um poema não val meia princesa.
Fechou ao trovador os tristes olhos!
Ninguém chorou por ele... No seu peito Um poema, contudo, bem escrito,
Não havia colar nem bolsa d’oiro: Bem limado e bem cheio de tetéias,
Tinha até seu punhal um férreo punho... Nas horas do café lido, fumando...
Pobretão! não valia a sepultura... Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Quando se quer dormir e não há sono,
Todos o viram e passavam todos. Tem o mesmo valor que a dormideira.
Contudo era bem morto desde a aurora.
Ninguém lançou-lhe junto ao corpo imóvel Mas não passe dali do vate a mente.
Um ceitil para a cova!... nem sudário! Tudo o mais são orgulhos, são loucuras...
O mundo tem razão, sisudo pensa... Faublas tem mais leitores do que Homero.
E a turba tem um cérebro sublime! Um poeta no mundo tem apenas
De que vale um poeta?... um pobre louco O valor de um canário de gaiola...
Que leva os dias a sonhar?... insano É prazer de um momento, é mero luxo.
Amante de utopias e virtudes Contente-se em traçar nas folhas brancas
E, num templo sem Deus, ainda crente? De algum Álbum da moda umas quadrinhas:
Nem faça apelações para o futuro.
A poesia é decerto uma loucura: O homem é sempre o homem. Tem juízo.
Sêneca o disse, um homem de renome. Desde que o mundo é mundo assim cogita.
É um defeito no cérebro... Que doUdos!
É um grande favor, é muita esmola Nem há negá-lo: não há doce lira,
Dizer-lhes - bravo! à inspiração divina... Nem sangue de poeta ou alma virgem
E, quando tremem de miséria e fome, Que valha o talismã que no oiro vibra!
Dar-lhes um leito no hospital dos loucos... Nem músicas nem santas harmonias
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Igualam o condão, esse eletrismo, No vagaroso coche madornado
A ardente vibração do som metálico... Depois de bem jantar fazendo a sesta,
..................................................................... Roncava um nédio, um barrigudo frade...
Meu Deus! e assim fizeste a criatura? Bochechas e nariz, em cima uns óculos
Amassaste no lodo o peito humano? Vermelho solidéu... enfim um bispo,
Ó poeta, silêncio! - é este o homem? E um bispo, senhor Deus! da idade média,
A feitura de Deus! a imagem dele! Em que os bispos - como hoje e mais ainda -
O rei da criação!... Sob o peso da cruz bem rubicundos,
Que verme infame! Dormindo bem, e a regalar bebendo,
Não Deus, porém Satã no peito vácuo Sabiam engordar na sinecura!
Uma corda prendeu-te - o egoísmo! Papudos santarrões, depois da missa,
Oh! miséria, meu Deus! e que miséria! Lançando ao povo a bênção - por dinheiro!
III O cocheiro ia bêbado por certo:
Passou El-Rei ali com seus fidalgos: Os cavalos tocou p’lo bom caminho
Iam a degolar uns insolentes Mesmo em cima das pernas do cadáver...
Que ousaram murmurar da infâmia régia, Refugou a parelha, mas o sota
Das nódoas de uma vida libertina! - Que ao sol da glória episcopal enchia
Iam em grande gala. O Rei cismava De orgulho e de insolência o couro inerte,
Na glória de espetar no pelourinho Cuspindo o poviléu, como um fidalgo
A cabeça de um pobre degolado. Que em falta de miolo tinha vinho
Era um Rei bon-vivant e Rei devoto; Na cabeça devassa - deu de esporas...
E, como Luís XI, ao lado tinha Como passara sobre a vil carniça
O bobo, o capelão... e seu carrasco. Raléu de corvos negros, foi por cima...
O cavalo do Rei, sentindo o morto, Mas desgraça! maldito aquele morto!
Tremente de terror parou nitrindo, Desgraça!... não porque pisasse o coche
Deu d’esporas leviano o cavaleiro Aqueles magros ossos, mas a roda
E disse ao capelão: Na humana resistência abalroando...
E acorda o fradalhão...
“E não enterram
Esse homem que apodrece, e no caminho “O que sucede?
Assusta-me o corcel?” - Pergunta bocejando, é algum bêbado?
Em que bicho pisaram?”
Depois voltou-se
E disse ao camarista de semana: “Senhor bispo,
“Conheces o defunto? Era inda moço, - Triunfante responde o bom cocheiro
Daria certamente um bom soldado. Ao vigário de Cristo, ao santo Apóstolom
A figura é esbelta! Forte pena! Rebento da fidalga raça nova
Podia bem servir para um lacaio.” Que não anda de pé como S. Pedro,
Nem estafa os corcéis de S. Francisco -
Descoberto, o faceiro fidalgote
“Perdoe Vossa Excelência Eminentíssima,
Responde-lhe fazendo a cortesia:
É um pobre diabo de poeta...
“Pelas tripas do Papa! eu não me engano,
Um homem sem miolo e sem barriga
Leve-me Satanás se este defunto
Que lembrou-se de vir morrer na estrada!”
Ontem não era o trovador Tancredo!”
“Abrenúncio! rouqueja o santo bispo,
“Tancredo!” murmurou erguendo os óculos
Leve o Diabo essa tribo de boêmios!
Um anfíbio, um barbaças truanesco,
Não há tanto lugar onde se morra?
Alma de Triboulet, que além de bobo
Maldita gente! inda persegue os Santos
Era o vate da corte! bem nutrido,
Depois que o Diabo a leva!...”
Farto de sangue, mas de veia pobre,
Caidos beiços, volumoso abdoômen, E foi caminho.
Grisalha cabeleira esparramada, Leve-te Deus! Apóstolo da crença,
Tremendo narigão, mas testa curta, Da esperança e da santa caridade!
Em suma um glosador de sobremesas. Tu, sim, és religioso e nos altares
“Tancredo! - repetiu imaginando - Vem cada sacristão, e cada monge
Um asno! só cantava para o povo! Agita a teus pés o seu turíbulo!
Uma língua de fel, um insolente! E o sangue do Senhor no cálix d’oiro
Orgulho desmedido... e quanto aos versos Da turba na oração te banha os lábios...
Morava como um sapo n’água doce! Leve-te Deus, Apóstolo da crença!
Não sabia fazer um trocadilho...” Sem padres como tu que fora o mundo?
O rei passou - com ele a companhia! É por ti que o altar apóia o trono!
Só ficou ressupino e macilento É teu olhar que fertiliza os vales,
Da estrada em meio o trovador defunto! Fecunda a vinha santa do Messias!
IV Leve-te Deus... ou leve-te o Demônio!
Ia caindo o sol. Bem reclinado
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V Com o óbolo dos ricos! Pobre corpo,
Caiu a noite do azulado manto, És o templo deserto, onde habitava
Como gotas de orvalho, sacudindo O Deus que em ti sofreu por um momento!
Estrelas cintilantes. Veio a lua, Dorme, pobre Tancredo! eu tenho braços:
Banhando de tristeza o céu profundo, Na cova negra dormirás tranqüilo...
Trazer aos corações melancolia, Tu repousas ao menos!”.
E no éter cheiroso derramar ..............................................
Cerúlea chama! - Dia incerto e pálido ..............................................
Que ao lado da floresta as sombras junta No entanto sofreando a custo a raiva,
E golfa pelas águas das campinas Mordendo os lábios de soberba e fúria,
Alvacentos clarões que as flores bebem! Solfier da bainha arranca a espada,
A galope, de volta do noivado, Avança ao moço e brada-lhe:
Passa o Conde Solfier e a noiva Elfrida:
Seguem fidalgos que o sarau reclama. “Insolente!,
Cala-te, doudo! Cala-te, mendigo!
Elfrida Não vês quem te falou? Curva o joelho,
- Não vês, Solfier, ali da estrada em meio Tira o gorro, vilão...”
Um defunto estendido? O Desconhecido
Solfier “Tu vês: não tremo!
- Ó minha Elfrida, Tu não vales o vento que salpica
Voltemos desse lado: outro caminho Tua fronte de pó. Porque és fidalgo,
Se dirige ao castelo. É mau agouro Não sabes que um punhal vale uma espada
Por um morto passar em noites destas. Dentro do coração?”
Mas Elfrida aproxima o seu cavalo. Mas logo Elfrida:
“Acalma-te, Solfier! O triste moço
Elfrida
Desespera, blasfema e não me insulta.
“Tancredo!... Vede!?... é o trovador Tancredo! Perdoa-me também, mancebo triste!
Coitado! assim morrer! um pobre moço... Não pensei ofender tamanho orgulho:
Sem mãe e sem irmã! E não o enterram? Tua mágoa respeito. Só te imploro
Neste mundo não teve um só amigo! Que sobre a fronte ao trovador desfolhes
“Ninguém, senhora! respondeu da sombra Essas flores, as flores do noivado
Uma dorida voz. Eu vim, há pouco, De uma triste mulher... E quanto às jóias,
Ao saber que do povo no abandono Lança-as no lago... Mas quem és? teu nome?”
Jazia como um cão, eu vim... e eu mesmo O Desconhecido
Cavei junto do lago a cova dele.”
“Quem sou? um doudo, uma alma de insensato
Elfrida Que Deus maldisse e que Satã devora!
“Tendes um coração: tomai, mancebo, Um corpo moribundo em que se nutre
Tomai essa pulseira... Em ouro e jóias Uma centelha de pungente fogo!
Tem bastante pra erguer-lhe um monumento Um raio divinal que dói e mata,
E para longas missas lhe dizerem Que doira as nuvens e amortalha a terra!...
Pelo repouso d’alma...” Uma alma como o pó em que se pisa!
Um bastardo de Deus! um vagabundo
O moço riu-se. A que o gênio gravou na fronte - anátema!
O Desconhecido Desses que a turba com o seu dedo aponta...
Mas não; não hei de sê-lo! eu juro n’alma,
“Obrigado: guardai as vossas jóias. Pela caveira, pelas negras cinzas
Tancredo o trovador morreu de fome! De minha mãe o juro!... Agora há pouco,
Passaram-lhe no corpo frio e morto, Junto de um morto reneguei do gênio,
Salpicaram de lodo a face dele, Quebrei a lira à pedra de um sepulcro...
Talvez cuspissem nesta fronte santa, - Eu era um trovador, sou um mendigo...”
Cheia outrora de eternas fantasias,
De idéias a valer um mundo inteiro!... Ergueu do chão a dádiva d’Elfrida,
Por que lançar esmolas ao cadáver? Roçou as flores aos trementes lábios,
Leva-as, fidalga, tuas jóias belas: Beijou-as. Sobre o peito de Tancredo
O orgulho do plebeu as vê sorrindo... Pousou-as lentamente...
Missas?... bem sabe Deus se neste mundo “Em nome dele,
Gemeu alma tão pura como a dele! Agradeço estas flores do teu seio,
Foi um anjo! e murchou-se como as flores Anjo que sobre um túmulo desfolhas
Morreu sorrindo, como as virgens morrem... Tuas últimas flores de donzela!”
Alma doce que os homens enjeitaram,
Lírio, que a turba imunda profanou Depois vibrou na lira estranhas mágoas,
Oh! não te mancharei, nem a lembrança Carpiu à longa noite escuras nênias,
Cantou: banhou de lágrimas o morto.
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Lira dos Vinte Anos
De repente parou: vibrou a lira Vou ficando blasé: passeio os dias
Co’as mãos iradas, trêmulas... e as cordas Pelo meu corredor, sem companheiro,
Uma por uma rebentou cantando... Sem ler, nem poetar... Vivo fumando.
Tinha fogo no crânio, e sufocava: Minha casa não tem menores névoas
Passou a fria mão nas fontes úmidas, Que as deste céu d’inverno... Solitário
Abriu a medo os lábios convulsivos, Passo as noites aqui e os dias longos...
Sorriu de desespero; e sempre rindo Dei-me agora ao charuto em corpo e alma:
Quebrou as jóias e as lançou no abismo... Debalde ali de um canto um beijo implora,
VI Como a beleza que o Sultão despreza,
No outro dia na borda do caminho, Meu cachimbo alemão abandonado!
Deitado ao pé de um fosso aberto apenas, Não passeio a cavalo e não namoro,
Viu-se um mancebo loiro que morria... Odeio o lasquenet... Palavra d’honra!
Semblante feminil, e formas débeis, Se assim me continuam por dois meses
Mas nos palores da espaçosa fronte Os diabos azuis nos frouxos membros,
Uma sombria dor cavara sulcos. Dou na Praia Vermelha ou no Parnaso.
Corria sobre os lábios alvacentos II
Uma leve umidez, um ló d’escuma, Enchi o meu salão de mil figuras.
E seus dentes a raiva constringira... Aqui voa um cavalo no galope,
Tinha os punhos cerrados... Sobre o peito Um roxo dominó as costas volta
Acharam letras de uma língua estranha... A um cavaleiro de alemães bigodes,
E um vidro sem licor - fora veneno!... Um preto beberrão sobre uma pipa,
Ninguém o conheceu: mas conta o povo Aos grossos beiços a garrafa aperta...
Que, ao lançá-lo no túmulo, o coveiro Ao longo das paredes se derramam
Quis roubar-lhe o gibão, despiu o moço... Extintas inscrições de versos mortos,
E viu... talvez é falso... níveos seios... E mortos ao nascer!... Ali na alcova
Um corpo de mulher de formas puras... Em águas negras se levanta a ilha
Romântica, sombria, à flor das ondas
VII De um rio que se perde na floresta...
Na tumba dormem os mistérios d’ambos: - Um sonho de mancebo e de poeta,
Da morte o negro véu não há erguê-lo! El-Dorado de amor que a mente cria,
Romance obscuro de paixões ignotas, Como um Éden de noites deleitosas...
Poema d’esperança e desventura, Era ali que eu podia no silêncio
Quando a aurora mais bela os encantava, Junto de um anjo... Além o romantismo!
Talvez rompeu-se no sepulcro deles! Borra adiante folgaz caricatura
Não pode o bardo revelar segredos Com tinta de escrever e pó vermelho
Que levaram ao céu as ternas sombras: A gorda face, o volumoso abdômen,
- Desfolha apenas nessas frontes puras E a grossa penca do nariz purpúreo
Da extrema inspiração as flores murchas... Do alegre vendilhão entre botelhas,
Metido num tonel... Na minha cômoda
IDÉIAS ÍNTIMAS Meio encetado o copo, inda verbera
As águas d’oiro do Cognac ardente:
Fragmento
La chaise où je m’assieds, la natte où je me couche,
Negreja ao pé narcótica botelha
La table ou je t’écris ...................... Que da essência de flores de laranja
Mes gros souliers ferrés, mon baton, mon chapeau, Guarda o licor que nectariza os nervos.
Mês libres pêle-mêle entassés sur leur planche. Ali mistura-se o charuto havano
....................................
Ao mesquinho cigarro e ao meu cachimbo...
De cet espace étroit sont tout l’ameublement.
LAMARTINE, Jocelyn A mesa escura cambaleia ao peso
Do titâneo Digesto, e ao lado dele
I Childe-Harold entreaberto... ou Lamartine
Ossian - o bardo é triste como a sombra Mostra que o romantismo se descuida
Que seus cantos povoa. O Lamartine E que a poesia sobrenada sempre
É monótono e belo como a noite, Ao pesadelo clássico do estudo.
Como a lua no mar e o som das ondas...
Mas pranteia uma eterna monodia, III
Tem na lira do gênio uma só corda, Reina a desordem pela sala antiga,
- Fibra de amor e Deus que um sopro agita! Desce a teia de aranha as bambinelas
Se desmaia de amor... a Deus se volta, À estante pulvurenta. A roupa, os livros
Se pranteia por Deus... de amor suspira. Sobre as poucas cadeiras se confundem.
Basta de Shakespeare. Vem tu agora, Marca a folha do Faust um colarinho
Fantástico alemão, poeta ardente E Alfredo de Musset encobre, às vezes
Que ilumina o clarão das gotas pálidas De Guerreiro, ou Valasco, um texto obscuro.
Do nobre Johannisberg! Nos teus romances Como outrora do mundo os elementos
Meu coração deleita-se... Contudo, Pela treva jogando cambalhotas,
Parece-me que vou perdendo o gosto, Meu quarto, mundo em caos, espera um Fiat!
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Lira dos Vinte Anos
IV Não encheste minh’alma de ventura,
Na minha sala três retratos pendem: Quando louco, sedento e arquejante
Ali Victor Hugo. - Na larga fronte Meus tristes lábios imprimi ardentes
Erguidos luzem os cabelos louros, No poento vidro que te guarda o sono!
Como c’roa soberba. Homem sublime! VIII
O poeta de Deus e amores puros! O pobre leito meu, desfeito ainda,
Que sonhou Triboulet, Marion Delorme A febre aponta da noturna insônia.
E Esmeralda - a Cigana... E diz a crônica Aqui lânguido à noite debati-me
Que foi aos tribunais parar um dia Em vãos delírios anelando um beijo...
Por amar as mulheres dos amigos E a donzela ideal nos róseos lábios,
E adúlteros fazer romances vivos. No doce berço do moreno seio
V Minha vida embalou estremecendo...
Aquele é Lamennais - o bardo santo, Foram sonhos contudo! A minha vida
Cabeça de profeta, ungido crente, Se esgota em ilusões. E quando a fada
Alma de fogo na mundana argila Que diviniza meu pensar ardente
Que as harpas de Sion vibrou na sombra, Um instante em seus braços me descansa
Pela noite do século chamando E roça a medo em meus ardentes lábios
A Deus e à liberdade as loucas turbas. Um beijo que de amor me turva os olhos...
Por ele a George Sand morreu de amores, Me ateia o sangue, me enlanguece a fronte...
E dizem que... Defronte, aquele moço Um espírito negro me desperta,
Pálido, pensativo, a fronte erguida, O encanto do meu sonho se evapora...
Olhar de Bonaparte em face austríaca, E das nuvens de nácar da ventura
Foi do homem secular as esperanças: Rolo tremendo à solidão da vida!
No berço imperial um céu de agosto IX
Nos cantos de triunfo despertou-o... Oh! ter vinte anos sem gozar de leve
As águias de Wagram e de Marengo A ventura de uma alma de donzela!
Abriam flamejando as longas asas E sem na vida ter sentido nunca
Impregnadas do fumo dos combates Na suave atração de um róseo corpo
Na púrpura dos Césares, guardando-o... Meus olhos turvos se fechar de gozo!
E o gênio do futuro parecia Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
Predestiná-lo à glória. A história dele?... Passam tantas visões sobre meu peito!
Resta um crânio nas urnas do estrangeiro... Palor de febre meu semblante cobre,
Um loureiro sem flores nem sementes... Bate meu coração com tanto fogo!
E um passado de lágrimas... A terra Um doce nome os lábios meus suspiram,
Tremeu ao sepultar-se o Rei de Roma Um nome de mulher... e vejo lânguida
Pode o mundo chorar sua agonia No véu suave de amorosas sombras
E os louros de seu pai na fronte dele Seminua, abatida, a mão no seio,
Infecundos depor... Estrela morta, Perfumada visão romper a nuvem,
Só pode o menestrel sagrar-te prantos! Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
VI O alento fresco e leve como a vida
Junto a meu leito, com as mãos unidas, Passar delicioso... Que delírios!
Olhos fitos no céu, cabelos soltos, Acordo palpitante... inda a procuro:
Pálida sombra de mulher formosa Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Entre nuvens azuis pranteia orando. Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
É um retrato talvez. Naquele seio Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!
Porventura sonhei douradas noites, Só o leito deserto, a sala muda!
Talvez sonhando desatei sorrindo Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Alguma vez nos ombros perfumados Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
Esses cabelos negros e em delíquio Nunca virás iluminar meu peito
Nos lábios dela suspirei tremendo, Com um raio de luz desses teus olhos?
Foi-se a minha visão... E resta agora X
Aquele vaga sombra na parede Meu pobre leito! eu amo-te contudo!
- Fantasma de carvão e pó cerúleo! -
Tão vaga, tão extinta e fumacenta Aqui levei sonhando noites belas;
Como de um sonho o recordar incerto. As longas horas olvidei libando
Ardentes gotas de licor dourado,
VII Esqueci-as no fumo, na leitura
Em frente do meu leito, em negro quadro, Das páginas lascivas do romance...
A minha amante dorme. É uma estampa
De bela adormecida. A rósea face Meu leito juvenil, da minha vida
Parece em visos de um amor lascivo És a página d’oiro. Em teu asilo
De fogos vagabundos acender-se... Eu sonho-me poeta e sou ditoso...
E como a nívea mão recata o seio... E a mente errante devaneia em mundos
Oh! quanta s vezes, ideal mimoso, Que esmalta a fantasia! Oh! quantas vezes
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Lira dos Vinte Anos
Do levante no sol entre odaliscas O condão que abre o mundo das magias!
Momentos não passei que valem vidas! Vem, fogoso Cognac! É só contigo
Quanta música ouvi que me encantava! Que sinto-me viver. Inda palpito,
Quantas virgens amei! que Margaridas, Quando os eflúvios dessas gotas áureas
Que Elviras saudosas e Clarissas, Filtram no sangue meu correndo a vida,
Mais trêmulo que Faust, eu não beijava... Vibram-me os nervos e as artérias queimam,
Mais feliz que Don Juan e Lovelace Os meus olhos ardentes se escurecem
Não apertei ao peito desmaiando! E no cérebro passam delirosos
Ó meus sonhos de amor e mocidade, Assomos de poesia... Dentre a sombra
Porque ser tão formosos, se devíeis Vejo num leito d’ouro a imagem dela
Me abandonar tão cedo... e eu acordava Palpitante, que dorme e que suspira,
Arquejando a beijar meu travesseiro? Que seus braços me estende...
XI Eu me esquecia:
Junto do leito meus poetas dormem Faz-se noite; traz fogo e dois charutos
- O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron E na mesa do estudo acende a lâmpada...
Na mesa confundidos. Junto deles
Meu velho candeeiro se espreguiça BOÊMIOS
E parece pedir a formatura. ATO DE UMA COMÉDIA NÃO ESCRITA
Ó meu amigo, ó velador noturno,
Totus mundus,agit histríonem.
Tu não me abandonaste nas vigílias, Provérbio do tempo de SHAKESPEARE
Quer eu perdesse a noite sobre os livros,
Quer, sentado no leito, pensativo A cena passa-se na Itália, no século XVI. Uma
Relesse as minhas cartas de namoro... rua escura e deserta. Alta noite. Numa esquina
Quero-te muito bem, ó meu comparsa uma imagem de Madona em seu nicho alumiado
Nas doudas cenas de meu drama obscuro! por uma lâmpada.
E num dia de spleen, vindo a pachorra, Puff dorme no chão abraçando uma garrafa.
Hei de evocar-te dum poema heróico Nini entra tocando guitarra. Dão 5 horas.
Na rima de Camões e de Ariosto, NINI
Como padrão às lâmpadas futuras! Olá! que fazes, PufF? dormes na rua?
............................................................
PUFF, acordando
XII Não durmo... Penso.
Aqui sobre esta mesa junto ao leito
NINI
Em caixa negra dois retratos guardo:
Estás enamorado?
Não os profanem indiscretas vistas.
E deitado na pedra acaso esperas
Eu beijo-os cada noite: neste exílio
O abrir de uma janela? Estás cioso
Venero-os juntos e os prefiro unidos...
E co’a botelha em vez de durindana
- Meu pai e minha mãe! Se acaso um dia,
Aguardas o rival?
Na minha solidão me acharem morto,
Não os abra ninguém. Sobre meu peito PUFF
Lancem-os em meu túmulo. Mais doce Ceei à farta
Será certo o dormir da noite negra Na taverna do Sapo e das Três-Cobras...
Tendo no peito essas imagens puras. Faço o quilo... ao repouso me abandono.
Como o Papa Alexandre ou como um Turco,
XIII
Me entrego ao far niente e bem a gosto
Havia uma outra imagem que eu sonhava
Descanso na calçada imaginando.
No meu peito, na vida e no sepulcro,
Mas ela não o quis... rompeu a tela, NINI
Onde eu pintara meus dourados sonhos. Embalde quis dormir. Na minha mente
Se posso no viver sonhar com ela, Fermenta um mundo novo que desperta.
Essa trança beijar de seus cabelos Escuta, Puff: eu sinto no meu crânio,
E essas violetas inodoras, murchas, Como em seio de mãe, um feto vivo...
Nos lábios frios comprimir chorando, Na minha insônia vela o pensamento:
Não poderei na sepultura, ao menos, Os poetas passados e futuros
Sua imagem divina ter no peito. Vou todos ofuscar... Aqui no cérebro
Tenho um grande poema. Hei de escrevê-lo...
XIV
É certa a glória minha!
Parece que chorei... Sinto na face
Uma perdida lágrima rolando... PUFF
Satã leve a tristeza! Olá, meu pagem, A idéia é boa:
Derrama no meu copo as gotas últimas Toma dez bebedeiras... são dez cantos.
Dessa garrafa negra... Quanto a mim, tenho fé que a poesia
Eia! bebamos! Dorme dentro do vinho.
És o sangue do gênio, o puro néctar Os bons poetas
Que as almas de poeta diviniza, Para ser imortais beberam muito.
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Lira dos Vinte Anos
XIII XVII
Enquanto vem a campo a fidalguia, Loriolo suspira. O povo espera.
Armada pied en cap, espada em punho, Pela face do Bobo corre a furto
Uma lágrima trêmula. É desgraça
Loriolo sem fala, nos apertos...
Tendo subido a Rei voltar...
Nas adegas se esconde.
Nem ousa
Embalde o chamam,
O nome proferir de sua infâmia.
Embalde corre voz que dos Normandos
Emissário de paz o Rei procura, De repente uma idéia o ilumina...
El-Rei suou de susto a roupa inteira! Deu uma das antigas gargalhadas,
Nem era de pasmar que a Reis e povo, Inda em trajes de Rei graceja e pula.
Como ao bicho da seda a trovoada, Foi uma dança cômica, fantástica,
Camisas de onze varas apavorem Um riso que doía - tão gelado
E façam frio aparições de forca! Coava ao coração!... Estava doudo...
XIV Dançou a gargalhar... caiu exausto,
Um soldado normando, que buscava Caiu sem movimento sobre o lodo...
Nas adegas reais alguma pinga, Escutaram-lhe o peito. Estava morto.
Mete a verruma numa velha pipa: Ora, o pirata, o invasor normando,
Um grito sai dali, mas não licores... Era filho da nossa conhecida,
O soldado feroz destampa o nicho, Que, posto não pudesse com acerto
Agarra um vulto dentro, mas somente Dizer quem era o pai do seu boêmio,
Sente nas mãos vazia cabeleira... Afirmava contudo afoutamente
Desembainha a torva durindana, Que, em todo o caso, tinha jus ao trono.
Nas cavernas da pipa e nas cavernas
Do coração do Rei reboa o golpe. Reina pela cidade a bebedeira...
Estala-se o tonel de meio a meio. E bebendo-se à saúde do bastardo
Entretanto o bom Rei que não falava, O Bobo que foi Rei ninguém sepulta...”
Sujo da lia da inosa pipa, ***
Mais morto do que vivo (já pensando
Que seu reino acabava num espeto Bem vês, amigo Puff, que neste conto
Como o reino do galo), às cambalhotas Em poucos versos digo histórias longas:
Rola aos pés do soldado, chora e treme, - Amores, mortes e no trono um Bobo
Gagueja de pavor nos calafrios E sobre o lodo um Rei que não se enterra.
E pelo amor de Deus perdão implora. Muito embora a mulher as roupas façam,
Eu provo que o burel não faz o monge,
XV E um Bobo é sempre um Bobo. Mostro ainda
O soldado, maroto e bom gaiato, De meu estro no vário cosmorama
Agarra às costas o real trambolho, Um Rei que numa pipa o trono perde
Como um vilão que à feira leva um porco... E um bastardo que o pai dizer não pode
E no meio do pátio, entre despojos, E em nome de dois pais, ambos em dúvida,
De pernas para o ar e cara suja Vem na sangueira reclamar seu nome.
Atira o Bobo...
Um outro só com isso dera a lume
- El-Rei! clama um fidalgo. Um poema em dez cantos. Sou conciso,
XVI Não ouso tanto: dou somente idéias,
Porém o Rei não fala... Sua e treme. Esboço aqui apenas meu enredo.
“Singofredo o pirata aqui me envia: Mas... Puff olá, meu Puff, estás dormindo,
Diz ao Rei o pacífico Mercúrio Prosaico beberrão! Acorda um pouco!
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Bebeu todo o meu vinho, a empada foi-se... Aretino! essa incríivel criatura,
Não resta-me esperança! Este demônio Poeta sem pudor, onda de lodo
De um poeta como eu nem vale um murro! Em que do gênio profanou-se a pérola...
UM HOMEM DA PLATÉIA Vaso d’oiro que um óxido sem cura
Silêncio! fora a peça! que maçada! Azinhavrou de morte... homem terrível
Até o ponto dorme a sono solto! Que tudo profanou co’as mãos imundas,
Que latiu como um cão mordendo um século!
Levanta-se o pano até o meio. E, como diz um epitáfio antigo,
Passa por debaixo e vem até a rampa o Só em Deus não mordeu, porque o não vira...
PRÓLOGO, Como ele, foi devasso todo o século:
Os contos de Boccaccio e de Brantôme
velho de cabeça calva, camisola branca, carapuça São mais puros que a história desses tempos...
frígia coroada de louros. Tem um ramo de oliveira Tasso enlouquece. O Rei que se diverte
na mão. Faz as cortesias do estilo e fala: - O herói de Marignan e de Pavia
Dom Quixote, sublime criatura! Que num vidro escrevera do palácio
Tu sim! foste leal e cavaleiro, “Femme souvent varie”, mas leviano
O último herói, o paladim extremo Com mais amantes que um Sultão vivia -
De Castela e do mundo. Se teu cérebro Mandava ao Aretino amáveis letras,
Toldou-se na loucura, a tua insânia Um colar d’oiro com sangrentas línguas
Vale mais do que o siso destes séculos E dava-lhe pensões. O Vaticano
Em que a infâmia, Dagon cheio de lodo, Viu o Papa beijando aquela fronte.
Recebe as orações, mirras e flores... Carlos V o nomeia cavaleiro,
E a louca multidão renega o Cristo! Abraça-o e - inda mais! - lhe manda escudos.
Tua loucura revelava brio: O Duque João Médici, o adora,
No triste livro do imortal Cervantes Dorme com ele a par no mesmo leito...
Não posso crer um insolente escárnio É um tempo de agonias: a arte pálida,
De cavaleiro andante aos nobres sonhos, Suarenta, moribunda, desespera
Ao fidalgo da Mancha, cuja nódoa E aguarda o funeral de Miguel Ângelo,
Foi só ter crido em Deus e amado os homens Para com ele abandonar o mundo
E votado seu braço aos oprimidos. E angélica voltar ao céu dos Anjos.
Aquelas folhas não me causam riso, Agora basta. Revelei minh’alma.
Mas desgosto profundo e tédio à vida. A cena descrevi onde correra
Soldado e trovador, era impossível Inteira uma comédia, em vez de um ato
Que Cervantes manchasse um valeroso Se o poeta, mais forte, se atrevesse
Em vil caricatura! e desse à turba, A erguer nos versos a medonha Sombra
Como presa de escárnio e de vergonha, Da loucura fatal do mundo inteiro.
Esse homem que à virtude, amor e cantos
Abria o coração!... Boas noites! platéia e camarotes:
O ponto já me diz que deixe o campo,
Estas idéias O primeiro galã todo empoado,
Servem para desculpa do poeta. Cheio de vermelhão, já dentro fala...
Apesar de bom moço o autor da peça Estão cheios de luz os bastidores.
Tem uns laivos talvez de Dom Quixote...
E nestes tempos de verdade e prosa Uma última palavra: o autor da peça,
- Sem Gigantes, sem Mágicos medonhos Puxando-me da túnica romana,
Que velavam nas torres encantadas Diz-me da cena que eu avise às Damas
As donzelas dormidas por cem anos - Que desta feita os sais não são precisos...
Do seu imaginar esgrime as sombras Não há de sarrabulho haver no palco.
E dá botes de lança nos moinhos. É uma peça clássica. O perigo
Que pode ter lugar é vir o sono;
Mas não escreve sátiras: apenas Mas dormir é tão bom, que certamente
Na idade das visões dá corpo aos sonhos, Ninguém por esse dom fará barulho.
Faz trovas e não talha carapuças,
Nem rebuça no véu do mundo antigo, O assunto da Comédia e do Poema
Pra realce maior, presentes vícios, Era digno sem dúvida, Senhores,
Não segue Juvenal e não embebe De uma pena melhor; mas desta feita
Em venenoso fel a pena escura Não fala Shakespeare, nem Gil Vicente.
Para nódoas pintar no manto alheio. O poeta é novato, mas promete:
O tempo em que se passa agora a cena Posto que seja um homem barrigudo
É o século dos Bórgias. O Ariosto E tenha por Tália o seu cachimbo
Depôs na fronte a Rafael gelado Merece aplausos e merece glória.
Sua c’roa divina e o segue ao túmulo.
Ticiano inda vive. O rei da turba
É um gênio maldito - o Aretino,
Que vende a alma e prostitui as crenças.
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Lira dos Vinte Anos
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
“SPLEEN” E CHARUTOS Mas tenho na viola uma riqueza:
I Solidão Canto à lua de noite serenatas...
Nas nuvens cor de cinza do horizonte E quem vive de amor não tem pobreza.
A lua amarelada a face embuça; Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Parece que tem frio e, no seu leito, Nas cavernas do peito, sufocante,
Deitou, para dormir, a carapuça. Quando, à noite, na treva em mim se entornam
Ergueu-se... vem da noite a vagabunda Os reflexos do baile fascinante.
Sem xale, sem camisa e sem mantilha, Namoro e sou feliz nos meus amores,
Vem nua e bela procurar amantes... Sou garboso e rapaz... Uma criada
- É doida por amor da noite a filha. Abrasada de amor por um soneto,
As nuvens são uns frades de joelhos, Já um beijo me deu subindo a escada...
Rezam adormecendo no oratório... Oito dias lá vão que ando cismando
Todos têm o capuz e bons narizes Na donzela que ali defronte mora...
E parecem sonhar o refeitório. Ela ao ver-me sorri tão docemente!
As árvores prateiam-se na praia, Desconfio que a moça me namora...
Qual de uma fada os mágicos retiros... Tenho por meu palácio as longas ruas,
Ó lua, as doces brisas que sussurram Passeio a gosto e durmo sem temores...
Coam dos lábios teus como suspiros! Quando bebo, sou rei como um poeta,
Falando ao coração... que nota aérea E o vinho faz sonhar com os amores.
Deste céu, destas águas se desata? O degrau das igrejas é meu trono,
Canta assim algum gênio adormecido Minha pátria é o vento que respiro,
Das ondas mortas no lençol de prata? Minha mãe é a lua macilenta
Minh’alma tenebrosa se entristece, E a preguiça a mulher por quem suspiro.
É muda como sala mortuária...
Deito-me só e triste sem ter fome Escrevo na parede as minhas rimas,
Vendo na mesa a ceia solitária. De painéis a carvão adorno a rua...
Como as aves do céu e as flores puras
Ó lua, ó lua bela dos amores, Abro meu peito ao sol e durmo à lua.
Se tu és moça e tens um peito amigo,
Não me deixes assim dormir solteiro, Sinto-me um coração de lazzaroni,
À meia-noite vem ceiar comigo! Sou filho do calor, odeio o frio,
II Meu Anjo Não creio no diabo nem nos santos...
Meu anjo tem o encanto, a maravilha, Rezo a Nossa Senhora e sou vadio!
Da espontânea canção dos passarinhos... Ora, se por aí alguma bela
Tem os seios tão alvos, tão macios Bem dourada e amante da preguiça,
Como o pêlo sedoso dos arminhos. Quiser a nívea mão unir à minha
Triste de noite na janela a vejo Há de achar-me na Sé, domingo, à missa.
E de seus lábios o gemido escuto.,, IV A Lagartixa
É leve a criatura vaporosa A lagartixa ao sol ardente vive
Como a frouxa fumaça de um charuto. E fazendo verão o corpo espicha:
Parece até que sobre a fronte angélica O clarão de teus olhos me dá vida,
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo... Tu és o sol e eu sou a lagartixa.
Formosa a vejo assim entre meus sonhos Amo-te como o vinho e como o sono,
Mais bela no vapor do meu cachimbo. Tu és meu copo e amoroso leito...
Como o vinho espanhol, um beijo dela Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Entorna ao sangue a luz do paraíso... Travesseiro não há como teu peito.
Dá morte num desdém, num beijo vida Posso agora viver: para coroas
E celestes desmaios num sorriso! Não preciso no prado colher flores,
Mas quis a minha sina que seu peito Engrinaldo melhor a minha fronte
Não batesse por mim nem um minuto,... Nas rosas mais gentis de teus amores.
E que ela fosse leviana e bela Vale todo um harém a minha bela,
Como a leve fumaça de um charuto! Em fazer-me ditoso ela capricha...
III Vagabundo Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Eat, drink, and love; what can the rest avail us? Como ao sol de verão a lagartixa.
BYRON, DON JUAN.
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano, V Luar de Verão
Fumando meu cigarro vaporoso, O que vês, trovador? - Eu vejo a lua
Nas noites de verão namoro estrelas, Que sem lavor a face ali passeia...
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso... No azul do firmamento inda é mais pálida
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Que em cinzas do fogão uma candeia. Ora! e forcem um’alma qual a minha,
O que vês, trovador? - No esguio tronco Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça,
Vejo erguer-se o chinó de uma nogueira... A cantar ladainha eternamente
Além se entorna a luz sobre um rochedo, E por mil anos ajudar a missa!
Tão liso como um pau de cabeleira.
Nas praias lisas a maré enchente É ELA! É ELA!
S’espraia cintilante d’ardentia... É ela! é ela! - murmurei tremendo,
Em vez de aromas as douradas ondas E o eco ao longe murmurou - é ela!...
Respiram efluviosa maresia! Eu a vi... minha fada aérea e pura,
O que vês, trovador? - No céu formoso A minha lavadeira na janela!
Ao sopro dos favônios feiticeiros Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu vejo - e treino de paixão ao vê-las - Eu a vejo estendendo no telhado
As nuvens a dormir, como carneiros. Os vestidos de chita, as saias brancas...
E vejo além, na sombra do horizonte, Eu a vejo e suspiro enamorado!
Como viúva moça envolta em luto, Esta noite eu ousei mais atrevido
Brilhando em nuvem negra estrela viva Nas telhas que estalavam nos meus passos
Como na treva a ponta de um charuto. Ir espiar seu venturoso sono,
Teu romantismo bebo, ó minha lua, Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
A teus raios divinos me abandono, Como dormia! que profundo sono!...
Torno-me vaporoso... e só de ver-te Tinha na mão o ferro do engomado...
Eu sinto os lábios meus se abrir de sono. Como roncava maviosa e pura!
VI O poeta moribundo Quase caí na rua desmaiado!
Poetas! amanhã ao meu cadáver Afastei a janela, entrei medroso:
Minha tripa cortai mais sonorosa!... Palpitava-lhe o seio adormecido...
Façam dela uma corda e cantem nela Fui beijá-la... roubei do seio dela
Os amores da vida esperançosa! Um bilhete que estava ali metido...
Cantem esse verão que me alentava... Oh! De certo ... (pensei) é doce página
O aroma dos currais, o bezerrinho Onde a alma derramou gentis amores!...
As aves que na sombra suspiravam São versos dela... que amanhã decerto
E os sapos que cantavam no caminho! Ela me enviará cheios de flores...
Coração, por que tremes? Se esta lira Trem de febre! Venturosa folha!
Nas minhas mãos sem força desafina, Quem pousasse contigo neste seio!
Enquanto ao cemitério não te levam, Como Otelo beijando a sua esposa,
Casa no marimbau a alma divina! Eu beijei-a a tremer de devaneio...
Eu morro qual nas mãos da cozinheira É ela! é ela! - repeti tremendo,
O marreco piando na agonia... Mas cantou nesse instante uma coruja...
Como o cisne de outrora... que gemendo Abri cioso a página secreta...
Entre os hinos de amor se enternecia. Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Coração, por que tremes? Vejo a morte, Mas se Werther morreu por ver Carlota
Ali vem lazarenta e desdentada... Dando pão com manteiga às criancinhas,
Que noiva!... E devo então dormir com ela? Se achou-a assim mais bela... eu mais te adoro
Se ela ao menos dormisse mascarada! Sonhando-te a lavar as camisinhas!
Que ruínas! que amor petrificado! É ela! é ela! meu amor, minh’alma,
Tão antediluviano e gigantesco! A Laura, a Beatriz que o céu revela...
Ora, façam idéia que ternuras É ela! é ela! - murmurei tremendo,
Terá essa lagarta posta ao fresco! E o eco ao longe suspirou - é ela!
Antes mil vezes que dormir com ela,
Que dessa fúria o gozo, amor eterno
Se ali não há também amor de velha
Dêem-me as caldeiras do terceiro Inferno!
No inferno estão suavíssimas belezas,
Cleópatras, Helenas, Eleonoras...
Lá se namora em boa companhia,
Não pode haver inferno com Senhoras!
Se é verdade que os homens gozadores,
Amigos de no vinho ter consolos,
Foram com Satanás fazer colônia,
Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
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TERCEIRA
PARTE
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Lira dos Vinte Anos
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Lira dos Vinte Anos
- Essa flor que ainda murcha tem perfumes,
PANTEÍSMO Esse momento que suaviza os lábios,
MEDITAÇÃO Que eterniza na vida um céu de enleio...
O amor primeiro das donzelas tristes.
O dia descobre a terra: a noite descortina os céus.
MARQUÊS DE MARICÁ São idéias talvez... Embora riam
Eu creio, amigo, que a existência inteira Homens sem alma, estéreis criaturas,
É um mistério talvez: mas n’alma sinto, Não posso desamar as utopias,
De noite e dia respirando flores, Ouvir e amar, à noite, entre as palmeiras,
Sentindo as brisas, recordando aromas Na varanda ao luar o som das vagas,
E esses ais que ao silêncio a sombra exala Beijar nos lábios uma flor que murcha,
E enchem o coração de ignota pena, E crer em Deus como alma animadora
Como a íntima voz de um ser amigo... Que não criou somente a natureza,
Que essas tardes e brisas, esse mundo Mas que ainda a relenta em seu bafejo,
Que na fronte do moço entorna flores, Ainda influi-lhe no sequioso seio
Que harmonias embebem-lhe no seio, De amor e vida a eternal centelha!
Têm uma alma também que vive e sente... Por isso, ó meu amigo, à meia-noite
Eu deito-me na relva umedecida,
A natureza bela e sempre virgem, Contemplo o azul do céu, amo as estrelas,
Com suas galas gentis na fresca aurora, Respiro aromas... e o arquejante peito
Com suas mágoas na tarde escura e fria... Parece remoçar em tanta vida,
E essa melancolia e morbideza Parece-me alentar-se em tanta mágoa,
Que nos eflúvios do luar ressumbra, Tanta melancolia! e nos meus sonhos,
Não é apenas uma lira muda Filho de amor e Deus, eu amo e creio!
Onde as mãos do poeta acordam hinos
E a alma do sonhador lembranças vibra.
DESÂNIMO
Por essas fibras da natura viva,
Nessas folhas e vagas, nesses astros, Estou agora triste. Há nesta vida
Nessa mágica luz que me deslumbra Páginas torvas que se não apagam,
E enche de fantasia até meus sonhos, Nódoas que não se lavam... se esquecê-las
Palpita porventura um almo sopro, De todo não é dado a quem padece...
- Espírito do céu que as reanima! Ao menos resta ao sonhador consolo
E talvez lhes murmura em horas mortas No imaginar dos sonhos de mancebo!
Estes sons de mistério e de saudade, Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto!
Que lá no coração repercutidos Meus sonhos, consolai-me! distraí-me!
O gênio acordam que enlanguesce e canta! Anjos das ilusões, as asas brancas
Eu o creio, Luís! também às flores As névoas puras, que outro sol matiza.
Entre o perfume vela uma alma pura, Abri ante meus olhos que abraseiam
Também o sopro dos divinos anjos E lágrimas não tem que a dor do peito
Anima essas corolas setinosas! Transbordem um momento...
No murmúrio das águas no deserto, E tu, imagem,
Na voz perdida, no dolente canto Ilusão de mulher, querido sonho,
Da ave de arribação das águas verdes, Na hora derradeira, vem sentar-te,
No gemido das folhas na floresta, Pensativa e saudosa no meu leito!
Nos ecos da montanha, no arruído O que sofres? que dor desconhecida
Das folhas secas que estremece o outono, Inunda de palor teu rosto virgem?
Há lamentos sentidos, como prantos Por que tu’alma dobra taciturna,
Que exala a pena de subida mágoa. Como um lírio a um bafo d’infortúnio?
E Deus? - eu creio nele como a alma Por que tão melancólica suspiras?
Que pensa e ama nessas almas todas, Ilusão, ideal, a ti meus sonhos,
Que as ergue para o céu e que lhes verte, Como os cantos a Deus se erguem gemendo!
Como orvalho noturno em seus ardores, Por ti meu pobre coração palpita...
O amor, sombra do céu, reflexo puro Eu sofro tanto! meus exaustos dias
Da auréola das virgens de seu peito! Não sei por que logo ao nascer manchou-os
Essa terra, esse mundo, o céu e as ondas, De negra profecia um Deus irado.
Flores, donzelas - essas almas cândidas, Outros meu fado invejam... Que loucura!
Beija-as o senhor Deus na fronte límpida, Que valem as ridículas vaidades
Arreia-as de pureza e amor sem nódoa... De uma vida opulenta, os falsos mimos
E à flor dá a ventura das auroras, De gente que não ama? Até o gênio
Os amores do vento que suspira... Que Deus lançou-me à doentia fronte,
Ao mar a viração, o céu às aves, Qual semente perdida num rochedo,
Saudades à alcion, sonhos à virgem Tudo isso que vale, se padeço!
E ao homem pensativo e taciturno,
À criatura pálida que chora Nessas horas talvez em mim não pensas:
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Lira dos Vinte Anos
Pousas sombria a desmaiada face Só para erguer meus olhos suspirando
Na doce mão e pendes-te sonhando A minha namorada na janela...
No teu mundo ideal de fantasia... Todo o meu ordenado vai-se em flores
Se meu orgulho, que fraqueia agora, E em lindas folhas de papel bordado...
Pudesse crer que ao pobre desditoso Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Sagravas uma idéia, uma saudade... Algum verso bonito... mas furtado.
Eu seria um instante venturoso!
Morro pela menina, junto dela
Mas não... ali no baile fascinante, Nem ouso suspirar de acanhamento...
Na alegria brutal da noite ardente, Se ela quisesse eu acabava a história
No sorriso ebrioso e tresloucado Como toda a comédia - em casamento...
Daqueles homens que, pra rir um pouco,
Encobrem sob a máscara o semblante, Ontem tinha chovido... Que desgraça!
Tu não pensas em mim. Na tua idéia Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Se minha imagem retratou-se um dia Mas lá vai senão quando... uma carroça
Foi como a estrela peregrina e pálida Minhas roupas tafuis encheu de lama...
Sobre a face de um lago... Eu não desanimei. Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
O LENÇO DELA Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...
Quando, a primeira vez, da minha terra
Deixei as noites de amoroso encanto, Mas eis que no passar pelo sobrado,
A minha doce amante suspirando Onde habita nas lojas minha bela,
Volveu-me os olhos úmidos de pranto. Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...
Um romance cantou de despedida,
Mas a saudade amortecia o canto! O cavalo ignorante de namoro,
Lágrimas enxugou nos olhos belos... Entre dentes tomou a bofetada,
E deu-me o lenço que molhava o pranto. Arrepia-se, pula e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada...
Quantos anos, contudo, já passaram!
Não olvido porém amor tão santo! Dei ao diabo os namoros. Escovado
Guardo ainda num cofre perfumado Meu chapéu que sofrera no pagode...
O lenço dela que molhava o pranto... Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.
Nunca mais a encontrei na minha vida,
Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto! Circunstância agravante. A calça inglesa
Oh! quando eu morra estendam no meu rosto Rasgou-se no cair de meio a meio,
O lenço que eu banhei também de pranto! O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...
RELÓGIOS E BEIJOS
- TRADUZIDO DE HENRIQUE HEINE -
PÁLIDA IMAGEM
- J’ai cru que j’oublierais; mais j’avais mal sondé
Quem os relógios inventou? Decerto Les abîmes du coeur que remplit un seul rêve:
Algum homem sombrio e friorento: Le souvenir est là, le souvenir se lève
Numa noite de inverno, tristemente Flot toujours renaissant et toujours débordé.
Sentado na lareira ele cismava, TURQUÉTY
Ouvindo os ratos a roer na alcova No delírio da ardente mocidade
E o palpitar monótono do pulso. Por tua imagem pálida vivi!
Quem o beijo inventou? Foi lábio ardente, A flor do coração no amor dos anjos
Foi boca venturosa, que vivia Orvalhei-a por ti!
Sem um cuidado mais que dar beijinhos... O expirar de teu canto lamentoso
Era no mês de maio. As flores cândidas Sobre teus lábios que o palor cobria,
A mil abriam sobre a terra verde, Minhas noites de lágrimas ardentes
O sol brilhou mais vivo em céu d’esmalte E de sonhos enchia!
E cantaram mais doce os passarinhos.
Foi por ti que eu pensei que a vida inteira
Não valia uma lágrima... sequer,
NAMORO A CAVALO Senão num beijo trêmulo de noite...
Eu moro em Catumbi: mas a desgraça, Num olhar de mulher!
Que rege minha vida maldada, Mesmo nas horas de um amor insano,
Pôs lá no fim da rua do Catete Quando em meus braços outro seio ardia,
A minha Dulcinéia namorada. A tua imagem pálida passando
Alugo (três mil réis) por uma tarde A minh’alma perdia.
Um cavalo de trote (que esparrela!) Sempre e sempre teu rosto! as negras tranças,
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Lira dos Vinte Anos
Tua alma nos teus olhos se expandindo! Quantos encantos sonhados
E o colo de cetim que pulsa e geme Sinto estremecer velados
E teus lábios sorrindo! Por teu cândido vestido!
Nas longas horas do sonhar da noite Sem ver teu seio, donzela,
No teu peito eu sonhava que dormia; Suas delícias revela
Pousa em meu coração a mão de neve...... O poeta embevecido!
Treme... como tremia. Donzela, feliz do amante
Como palpita agora se afogando que teu seio palpitante
Na morna languidez do teu olhar... Seio d’esposa fizer!
Assim viveu e morrerá sonhando Que dessa forma tão pura
Em teus seios amar! Fizer com mais formosura
Se a vida é lírio que a paixão desflora, Seio de bela mulher!
Meu lírio virginal eu conservei... Feliz de mim... porém não!...
Somente no passado tive sonhos Repouse teu coração
E outrora nunca amei! Da pureza no rosal!
Foi por ti que na ardente mocidade Tenho no peito um aroma
Por uma imagem pálida vivi! Que valha a rosa que assoma
E a flor do coração no amor dos anjos No teu seio virginal?...
Orvalhei... só por ti!
MINHA MUSA
SEIO DE VIRGEM Minha musa é a lembrança
Quand on te voit, il vient à maints Dos sonhos em que eu vivi,
Une envie dedans tes mains É de uns lábios a esperança
De te tâter, de te tenir... E a saudade que eu nutri!
CLÉMENT MAROT É a crença que alentei,
O que sonho noite e dia, As luas belas que amei
E à alma traz-me poesia E os olhos por quem morri!
E me torna a vida bela... Os meus cantos de saudade
O que num brando roçar São amores que eu chorei,
Faz meu peito se agitar, São lírios da mocidade
É o teu seio, donzela! Que murcham porque te amei!
Oh! quem pintara o cetim As minhas notas ardentes
Desses limões de marfim, São as lágrimas dementes
Os leves cerúleos veios Que em teu seio derramei!
Na brancura deslumbrante Do meu outono os desfolhos,
E o tremido de teus seios? Os astros do teu verão,
Quando os vejo... de paixão A languidez de teus olhos
Sinto pruridos na mão Inspiram minha canção...
De os apalpar e conter... Sou poeta porque és bela,
Sorriste do meu desejo? Tenho em teus olhos, donzela,
Loucura! bastava um beijo A musa do coração!
Para neles se morrer! Se na lira voluptuosa
Minhas ternuras, donzela, Entre as fibras que estalei
Voltei-as à forma bela Um dia atei uma rosa
Daqueles frutos de neve... Cujo aroma respirei...
Ai!... duas cândidas flores Foi nas noites de ventura,
Que o pressentir dos amores Quando em tua formosura
Faz palpitarem de leve. Meus lábios embriaguei!
Mimosos seios, mimosos, E se tu queres, donzela,
Que dizem voluptuosos: Sentir minh’alma vibrar,
“Amai, poetas, amai! Solta essa trança tão bela,
Que misteriosas venturas Quero nela suspirar!
Dormem nessas rosas puras E dá repousar-me teu seio...
E se acordarão num ai!” Ouvirás no devaneio
A minha lira cantar!
Que lírio, que nívea rosa,
Ou camélia cetinosa
Tem uma brancura assim?
Que flor da terra ou do céu,
Que valha do seio teu
Esse morango ou rubim?
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Lira dos Vinte Anos
Beijando-a a sonhar contigo
MALVA-MAÇÃ E desmaiar de ventura!
De teus seios tão mimosos A folha que tens no seio
Dá que eu goze o talismã! De joelhos pedirei...
Dá que ali repouse a fronte Se posso viver sem ela
Cheia de amoroso afã! Não o creio! bem o sei...
E louco nele respire Dá-ma pelo amor de Deus,
A tua malva-maçã! Que sem ela morrerei!...
Dá-me essa folha cheirosa Pelas estrelas da noite,
Que treme no seio teu! Pelas brisas da manhã,
Dá-me a folha... hei de beijá-la Por teus amores mais puros,
Sedenta no lábio meu! Pelo amor de tua irmã,
Não vês que o calor do seio Dá-me essa folha cheirosa...
Tua malva emurcheceu?... - A tua malva-maçã!
A pobrezinha em teu colo
Tantos amores gozou, PENSAMENTOS DELA
Viveu em tanto perfume
Que de enlevos expirou! Talvez, à noite, quando a hora finda
Quem pudera no teu seio Em que eu vivo de tua formosura,
Morrer como ela murchou! Vendo em teus olhos... nessa face linda
A sombra de meu anjo da ventura,
Teu cabelo me inebria, Tu sorrias de mim porque não ouso
Teu ardente olhar seduz, Leve turbar teu virginal repouso,
A flor de teus olhos negros A murmurar ternura.
De tu’alma raia à luz...
E sinto nos lábios teus Eu sei. Entre minh’alma e tua aurora
Fogo do céu que transluz! Murmura meu gelado coração.
Meu enredo morreu. Sou triste agora,
O teu seio que estremeceme Estrela morta em noite de verão!
Enlanguesce-me de gozo: Prefiro amar-te bela no segredo!
Há um quê de tão suave Se foras minha tu verias cedo
No colo voluptuoso... Morrer tua ilusão!
Que num trêmulo delíquio
Faz-me sonhar venturoso! Eu não sou o ideal, alma celeste,
Vida pura de lábios recendentes,
Descansar nesses teus braços Que teu imaginar de encantos veste
Fora angélica ventura... E sonhas nos teus seios inocentes!...
Fora morrer... nos teus lábios Flor que vives de aromas e luar,
Aspirar tu’alma pura! Oh! nunca possas ler do meu penar
Fora ser Deus dar-te um beijo As páginas ardentes!
Na divina formosura!
Se em cânticos de amor a minha fronte
Mas o que eu peço, donzela, Engrinaldo por ti, amor cantando,
Meus amores, não é tanto! Com as rosas que amava Anacreonte,
Basta-me a flor do seio É que alma dormida, palpitando...
Para que eu viva no encanto No raio de teus olhos se ilumina,
E em noites enamoradas Em ti respira inspiração divina
Eu verta amoroso pranto! E ela sonha cantando!
Oh! virgem dos meus amores, Não a acordes contudo. A vida nela
Dá-me essa folha singela! Como a ave no mar suspira e cai...
Quero sentir teu perfume Às vezes, teu alento de donzela
Nos doces aromas dela... E de teus lábios o morrer de um ai,
E nessa malva-maçã Tua imagem de fada, num instante
Sonhar teu seio, donzela! Estremecem-na, embalam-na expirante
Uma folha assim perdida E lhe dizem: “sonhai!”
De um seio virgem no afã Mas quando o teu amante fosse esposo
Acorda ignotas doçuras E tu, sequiosa e lânguida de amor,
Com divino talismã! O embalasses ao seio voluptuoso
Dá-me do seio esta folha E o beijasses dos lábios no calor,
A tua malva-maçã! Quando tremesses mais, não te doera
Quero apertá-la a meu peito Sentir que nesse peito que vivera
E beijá-la com ternura... Murchou a vida em flor?
Dormir com ela nos lábios
Desse aroma na frescura...
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Lira dos Vinte Anos
Há nesse ardente olhar que gela e vibra,
POR MIM? Na voz que faz tremer e que apaixona
Teus negros olhos uma vez fitando O gênio de Satã que transverbera,
Senti que luz mais branda os acendia, E o langor pensativo da Madona!
Pálida de langor, eu vi, te olhando, É formosa, meu Deus! Desde que a vi
Mulher do meu amor, meu serafim, Na minh’alma suspira a sombra dela...
Esse amor que em teus olhos refletia... E sinto que podia nesta vida
Talvez! - era por mim? Num seu lânguido olhar morrer por ela.
Pendeste, suspirando, a face pura,
Morreu nos lábios teus um ai perdido...
Tão ébrio de paixão e de ventura!
MORENA
Mulher de meu amor, meu serafim, Ó Teresa, um outro beijo! e abandona-me
a meus sonhos e a meus suaves delírios.
Por quem era o suspiro amortecido?
JACOPO ORTIS
Suspiravas por mim?...
É loucura, meu anjo, é loucura
Mas... eu sei!... ai de mim? Eu vi na dança
Os amores por anjos... bem sei!
Um olhar que em teus olhos se fitava...
Foram sonhos, foi louca ternura
Ouvi outro suspiro... d’esperança!
Esse amor que a teus pés derramei!
Mulher do meu amor, meu serafim,
Teu olhar, teu suspiro que matava... Quando a fronte requeima e delira,
Oh! não eram por mim. Quando o lábio desbota de amor,
Quando as cordas rebentam na lira
Que palpita no seio ao cantor...
LÉLIA
Quando a vida nas dores é morta,
Passou talvez ao alvejar da lua, Ter amores nos sonhos é crime?
Como incerta visão na praia fria... E loucura: eu o sei! mas que importa?
Mas o vento do mar não escutou-lhe Ai! morena! és tão bela!... perdi-me!
Uma voz a seu Deus!...ela não cria!
Quando tudo, na insônia do leito,
Uma noite, aos murmúrios do piano No delírio de amor devaneia
Pálida misturou um canto aéreo... E no fundo do trêmulo peito
Parecia de amor tremer-lhe a vida Fogo lento no sangue se ateia...
Revelando nos lábios um mistério!
Quando a vida nos prantos se escoa
Porém, quando expirou a voz nos lábios, Não merece o amante perdão?
Ergueu sem pranto a fronte descorada, Ai! morena! és tão bela! perdoa!
Pousou a fria mão no seio imóvel, Foi um sonho do meu coração!
Sentou-se no divã... sempre gelada!
Foi um sonho... não cores de pejo!
Passou talvez do cemitério à sombra Foi um sonho tão puro!... ai de mim!
Mas nunca numa cruz deixou seu ramo, Mal gozei-lhe as frescuras de um beijo!
Ninguém se lembra de lhe ter ouvido Ai! não cores, não cores assim!
Numa febre de amor dizer: “eu amo!”
Não suspires! por que suspirar?
Não chora por ninguém... e quando, à noite, Quando o vento num lírio soluça,
Lhe beija o sono as pálpebras sombrias E desmaia no longo beijar,
Não procura seu anjo à cabeceira E ofegante de amor se debruça...
E não tem orações, mas ironias!
Quando a vida lhe foge, lhe treme,
Nunca na terra uma alma de poeta, Pobre vida do seu coração,
Chorosa, palpitante e gemebunda Essa flor que o ouvira, que geme,
Achou nessa mulher um hino d’alma Não lhe dera no seio o perdão?
E uma flor para a fronte moribunda.
Mas não cores! se queres, afogo
Lira sem cordas não vibrou d’enlevo, No meu seio o fogoso anelar!
As notas puras da paixão ignora, Calarei meus suspiros de fogo
Não teve nunca n’alma adormecida E esse amor que me há de matar!
O fogo que inebria e que devora!
Morrerei, ó morena, em segredo!
Descrê. Derrama fel em cada riso, Um perdido na terra sou eu!
Alma estéril não sonha uma utopia... Ai! teu sonho não morra tão cedo
Anjo maldito salpicou veneno Como a vida em meu peito morreu!
Nos lábios que tressuam de ironia.
É formosa contudo. Há dessa imagem
No silêncio da estátua alabastrina
Como um anjo perdido que ressumbra
Nos olhos negros da mulher divina.
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Meu Deus! ninguém me amou!
12 DE SETEMBRO
IX
I Vivi na solidão!... odeio o mundo
O sol oriental brilha nas nuvens, E no orgulho embucei meu rosto pálido
Mais docemente a viração murmura Como um astro na treva...
E mais doce no vale a primavera Senti a vida um lupanar imundo:
Saudosa e juvenil é toda em rosa... Se acorda o triste profanado, esquálido
Como os ramos sem folhas - A morte fria o leva...
Do pessegueiro em flor.
X
Ergue-te, minha noiva, ó natureza! E quantos vivos não caíram frios,
Somos sós - eu e tu: - acorda e canta Manchados de embriaguez da orgia em meio
No dia de meus anos! Nas infâmias do vício!
II E quantos morreram inda sombrios,
Debalde nos meus sonhos de ventura Sem remorsos dos loucos devaneios...
Tento alentar minha esperança morta - Sentindo o precipício!...
E volto-me ao porvir... XI
A minha alma só canta a sepultura Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida
E nem última ilusão beija e conforta Nas artérias ateia o sangue em lava
Meu ardente dormir... E o cérebro varia...
III O século na vaga enfurecida
Tenho febre... meu cérebro transborda. Levou a geração que se acordava
Eu morrerei mancebo, inda sonhando E nuta de agonia...
Da esperança o fulgor... XII
Oh! cantemos ainda: a última corda São tristes deste século os destinos!
Treme na lira... morrerei cantando Seiva mortal as flores que despontam
O meu único amor! Infecta em seu abrir...
IV E o cadafalso e a voz dos Girondino
Meu amor foi o sol que madrugava Não falam mais na glória e não apontam
O canto matinal da cotovia A aurora do porvir!
E a rosa predileta... XIII
Fui um louco, meu Deus, quando tentava Fora belo talvez, em pé, de novo,
Descorado e febril nodoar na orgia Como Byron surgir, ou na tormenta
Os sonhos de poeta... O herói de Waterloo...
V Com sua idéia iluminar um povo,
Meu amor foi a verde laranjeira Como o trovão nas nuvens que rebenta
Que ao luar orvalhoso entreabre as flores, E o raio derramou!
Melhor que ao meio-dia, XIV
As campinas, a lua forasteira, Fora belo talvez sentir no crânio
Que triste, como eu sou, sonhando amores A alma de Goethe e reunir na fibra,
Se embebe de harmonia. Byron, Homero e Dante;
VI Sonhar-se num delírio momentâneo
Meu amor!... foi a mãe que me alentava, A alma da criação e o som que vibra
Que viveu e esperou por minha vida A terra palpitante...
E pranteia por mim... XV
E a sombra solitária que eu sonhava Mas ah! o viajor nos cemitérios
Lânguida como vibração perdida Nessas nuas caveiras não escuta
De roto bandolim... Vossas almas errantes,
VII Do estandarte da sombra nos impérios
Eu vaguei pela vida sem conforto, A morte - como a torpe prostituta -
Esperei o meu anjo noite e dia Não distingue os amantes.
E o ideal não veio... XVI
Farto de vida, breve serei morto... Eu pobre sonhador... em terra inculta,
Não poderei ao menos na agonia Onde não fecundou-se uma semente,
Descansar-lhe no seio... Convosco dormirei...
VIII E dentre nós a multidão estulta
Passei como Don Juan entre as donzelas, Não vos distinguirá a fronte ardente
Suspirei as canções mais doloridas Do crânio que animei...
E ninguém me escutou...! XVII
Oh! nunca à virgem flor das faces belas Ó morte! a que mistério me destinas?
Sorvi o mel nas longas despedidas... Esse átomo de luz que inda me alenta,
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Lira dos Vinte Anos
Quando o corpo morrer, E o peito emudecer...
Voltará amanhã... aziagas sinas!... No vinho queimador, no golo extremo,
Da terra sobre a face macilenta Num riso... à vida brindarei zombando
Esperar e sofrer? E dormirei contigo!
XVIII II
Meu Deus, antes, meu Deus, que uma outra vida Mas não: não veio na mortalha envolto
Com teu sopro eternal meu ser esmaga Don Juan, seminu, com rir descrido,
E minh’alma aniquila... Zombando do passado,
A estrela de verão no céu perdida Só além... onde as folhas alvejavam
Também, às vezes, teu alento apaga Ao luar que banhava o cemitério,
Numa noite tranqüila!... Vi um vulto na sombra.
Cantava: ao peito o bandolim saudoso
SOMBRA DE D. JUAN Apertava, qual nu e perfumado
A dream that was not at all a dream.
A Madona seu filho;
LORD BYRON, Darkness E a voz do bandolim se repassava...
Mais languidez bebia ressoando
I No cavernoso peito.
Cerraste enfim as pálpebras sombrias!...
E a fronte esverdeou da morte à sombra, Do sombrero despiu a fronte pálida,
Como lâmpada exausta! Ergueu à lua a palidez do rosto
E agora?... no silêncio do sepulcro Que lágrimas enchiam...
Sonhas o amor... os seios de alabastro Cantava: eu o escutei... amei-lhe o canto,
Das lânguidas amantes? Com ele suspirei, chorei com ele:
- O vulto era Don Juan!
E Haidéia, a virgem, pela praia errando,
Aos murmúrios do mar que lhe suspira III
Com incógnito desejo A CANÇÃO DE DON JUAN
Te sussurra delícias vaporosas... “Ó faces morenas! ó lábios de flor!
E o formosoestrangeiro adormecido Ouvi-me a guitarra que trina louçã,
Entrebeija tremendo? Vos tragou meu peito, meus beijos de amor
Ó lábios de flor,
Ou a pálida fronte libertina Eu sou Don Juan!
Relembra a tez, o talhe voluptuoso
Da oriental seminua? “Nas brisas da noite, no frouxo luar,
Ou o vento da noite em teus cabelos Nos beijos do vento, na fresca manhã
Sussurra e lembra do passado as nódoas Dizei-me: não vistes, num sonho passar,
No túmulo sem letras? Ao frouxo luar,
Febril Don Juan?
Ergue-te, libertino! eu não te acordo
Para que a orgia te avermelhe a face “Acordem, acordem, ó minhas donzelas,
Que a morte amarelou... A brisa nas águas lateja de afã!
Nem para jogo e noites delirantes, Meus lábios têm fogo e as noites são belas
E do ouro a febre e da perdida os lábios Ó minhas donzelas,
E a convulsão noturna! Eu sou Don Juan!
Não, ó belo Espanhol! Venho sentar-me “Ai! nunca sentistes o amor d’espanhol!
À borda do teu leito, porque a febre Nos lábios mimosos de flor de romã
Minha insônia devora... Os beijos que queimam no fogo do sol!
Porque não durmo quando o sonho passa Eu sou o espanhol:
E do passado o manto profanado Eu sou Don Juan!
Me roça pela face! “Que amor, que sonhos no febril passado!
Quero na sombra conversar contigo, Que tantas ilusões no amor ardente!
Quero me digas tuas noites breves, E que pálidas faces de donzela
As febres e as donzelas Que por mim desmaiaram docemente!
Que no fogo do viver murchaste ao peito! “Eu era o vendaval que às flores puras
Ergue-te um pouco da mortalha branca, Do amor nas manhãs o lábio abria!
Acorda, Don Juan! Se murchei-as depois... é que espedaça
Contigo velarei: do teu sudário As flores da montanha a ventania!
Nas dobras negras deporei a fronte, “E tão belas, meu Deus! as níveas pérolas
Como um colo de mãe... Mergulhei-as no lodo uma por uma,
E como leviano peregrino De meus sonhos de amor nada me resta!
Da vida as águas saudarei sorrindo Em negras ondas só vermelha escuma!
Na extrema do infinito!
“Anjos que desflorei! que desmaiados
E quando a ironia regelar-se Na torrente lancei do lupanar!
E a morte me azular os lábios frios
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Lira dos Vinte Anos
Crianças que dormiam no meu peito Era longa a canção... Cantou; e o vento
E acordaram da mágoa ao soluçar! Nos ciprestes com ele esmorecia!
“E não tremem as folhas no sussurro, Pendeu a fronte, os lábios
E as almas não palpitam-se de afã, Emudeceram... como cala o vento
Quando entre a chuva rebuçado passa Do trópico na podre calmaria...
Saciado de beijos Don Juan?” Cismava Don Juan.
IV
Como virgem que sente esmorecer NA VÁRZEA
Num hálito de amor a vida bela, Como é bela a manhã! Como entre a névoa
Que desmaia, que treme... A cidade sombria ao sol clareia
Como virgem nas lentas agonias E o manto dos pinheiros se aveluda...
Os seus olhos azuis aos céus erguendo E o orvalho goteja dos coqueiros...
Co’as mãos níveas no seio... E dos vales o aroma acorda o pássaro...
Pressentindo que o sangue lhe resfria E o fogoso corcel no campo aberto
E que nas faces pálidas a beija Sorve d’alva o frescor, sacode as clinas,
O anjo da agonia... Respira na amplidão, no orvalho rola,
Exala ainda o canto harmonioso... Cobra em leito de folhas novo alento
Casuarina pendida onde sussurra E galopa nitrindo!
O anoitecer da vida... Agora que a manhã é fresca e branca
Assim nos lábios e nas cordas meigas E o campo solitário e o val se arreia...
Do palpitante bandolim a mágoa Ó meu amigo, passeemos juntos
Gemia como o vento... Na várzea que do rio as águas negras
Como o cisne que bóia, que se perde... Umedecem fecundas...
Na lagoa da morte geme ainda O campo é só: na chácara florida
O cântico saudoso! Dorme o homem do vale e no convento
Cintila a medo a lâmpada da virgem,
Mas depois no silêncio uma risada Que pálidas vestais no altar acendem!
Convulsiva arquejou... rompeu as cordas Tudo acorda, meu Deus, nestas campinas!
Das ternas assonias, Os cantos do Senhor erguem-se em nuvens,
Rompeu-as e sem dó... e noutras fibras Como o perfume que evapora o leito
Corria os dedos descuidoso e frio Do lírio virginal!
Salpicando-as d’escárnio...
Acorda, ó meu amigo: quando brilha
V Em toda a natureza tanto encanto,
“Os homens semelham as modas de um dia, Tanta magia pelo céu flutua
E velha e passada E chovem sobre os vales harmonias,
A roupa manchada... É descrer do Senhor dormir no tédio,
Porém quem diria É renegar das santas maravilhas
Que é moda de um dia, O ardente coração não expandir-se
Que é velho Don Juan?! E a alma não jubilar dentro do peito!
“Os anos que passem nos negros cabelos Lá onde mais suave entre os coqueiros,
Branqueiem de neve O vento da manhã nas casuarinas
As c’roas que teve! Cicia mais ardente suspirando,
Dizei, anjos belos Como de noite no pinhal sombrio
De negros cabelos, Aéreo canto de não vista sombra,
Se é velho Don Juan! Que enche o ar de tristeza e amor transpira...
“E quando no seio das trêmulas belas Lá onde o rio molemente chora
De noite suspira Nas campinas em flor e rola triste...
E nuta e delira... Alveja, à sombra, habitação ditosa,
Que digam pois elas Coroa os frisos da janela verde
As trêmulas belas A trepadeira em flor do jasmineiro
Se é velho Don Juan! E pelo muro se avermelha a rosa.
Ali quando a manhã acorda a bela,
“Que o diga a sultana, a violenta espanhola, A bela, que eu sonhei nos meus amores...
A loira alemã Ao primeiro calor do sol d’aurora
E grega louçã... Entorna-se da flor o doce aroma,
Que o diga a espanhola Inda mais doce em matutino orvalho,
Que a noite consola... Nas tranças negras da donzela pálida,
Se é velho Don Juan! Mais bela que o diamante se aveluda,
“........................................................... Camélia fresca, inda em botão, tingida
.............................................................” De neve e de coral... no seio dela
Não reluz o colar... em negro fio
VI
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Lira dos Vinte Anos
A cruz da infância melhor guarda o seio, E decifrou-ma familiar demônio...
Que o amor virginal beija tremendo Demais... infelizmente é bem verdade
E os ais do coração melhor perfuma... Que Tasso lastimou-se da penúria
Vem comigo, mancebo: aqui sentemo-nos... De não ter um ceitil para a candeia.
Ela dorme: a janela inda cerrada Provo com isso que do mundo todo
Se enche de rosas e jasmins, à noite... O sol é este Deus indefinível,
E as flores virgens com o aberto seio Ouro, prata, papel, ou mesmo cobre,
Um beijo da donzela ainda imploram. Mais santo do que os Papas - o dinheiro!
Mais doce o canto foge de mistura Byron no seu Don Juan votou-lhe cantos,
Co’as doces notas do violão divino! Filinto Elísio e Tolentino o sonham,
Anjo da vida te verteu nos lábios Foi o Deus de Bocage e d’Aretino,
O mel dos serafins que a voz serena, - Aretino! essa incrível criatura
Que a transborda de encanto e de harmonia Lívida, tenebrosa, impura e bela,
E faz no eco propulsar meu peito! Sublime... e sem pudor, onda de lodo
Suspire o violão: nos seus lamentos Em que do gênio profanou-se a pérola,
Murmura essa canção dos meus amores, Vaso d’ouro que um óxido terrível
Que este peito sangrento lhe votara, Envenenou de morte, alma - poeta
Quando a seus pés, acesa a fantasia, Que tudo profanou com as mãos imundas
Em doce engano derramei minh’alma! E latiu como um cão mordendo um século...
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