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O segredo

Castro Alves
"Agora vou dizer-te por que morro; Mas hs de jurar primeiro, Que jamais tuas mos inocentes Feriro meu algoz derradeiro... Meu filho, eu fui a vtima Da raiva e do cime. Matou-me como um tigre carniceiro, Bem vs, Uma branca mulher, que em si resume Do tigre a malvadez, Do cascavel o rancor!... Deixo-te, pois... Um grito de vingana? No, pobre criana! ... Um crime a perdoar... o que melhor!... "Depois. teve razo... Esta mulher tua e minha senhora!... .......................................... "Lucas, silncio! que por ela implora Teu pai... e teu irmo! ... "Teu irmo, que seu filho... ( magoa e dor!) "Teu pai que seu marido... e teu senhor! ... "Juras no me vingar? me, eu juro Por ti, pelos beijos teus! " Obrigada! agora... agora J nada mais me demora... Deus! recebe a pecadora! Filho! recebe este adeus!" ______________ Quando, rompendo as barras do oriente, A estrela da manh mais desmaiava, E o vento da floresta ao cu levava O canto jovial do bem-te-vi; Na casinha de palha uma criana, Da defunta abraando o corpo frio, Murmurava chorando em desvario: Eu no me vingo, me... juro por ti!..." ______________ Maria calou-se... Na fronte do Escravo

Suor de agonia gelado passou; Com riso convulso murmura: "Que importa Se o filho da escrava na campa jurou?!... "Que tem o passado com o crime de agora? Que tem a vingana, que tem com o perdo?" E como arrancando do crnio uma idia Na fronte corria-lhe a glida mo... "Esquece o passado! Que morra no olvido... Ou antes relembra-o cruento, feroz! Legenda de lodo, de horror e de crimes E gritos de vtima e risos de algoz! "No frio da cova que jaz na explanada, Vingana murmuram os ossos dos meus!" No ouves um canto, que passa nos ares? Perdoa! respondem as almas nos cus!" "So longos gemidos do seio materno Lembrando essa noite de horror e traio!" " o flbil suspiro do vento, que outrora Bebera nos lbios da morta o perdo!..." E descaiu profundo Em longo meditar... Aps sombrio e fero Viram-no murmurar: "Me! Na regio longnqua Onde tua alma vive, Sabes que eu nunca tive Um pensamento vil. Sabes que esta alma livre Por ti curvou-se escrava; E devorou a bava... E tigre foi reptil! "Nem um tremor correra-me A face fustigada! Beijei a mo armada Com o ferro que a feriu... Filho, de um pai misrrimo Fui o fiel rafeiro... Caim, irmo traioeiro! Feriste... e Abel sorriu! "De tanto horror o cmulo, me, alma celeste Se perdoar quiseste, Eu perdoei tambm. Santificaste os mseros;

Curvei-me reverente A eles to-somente, Somente... a mais ningum! "Ningum! que a nada humilho-me Na terra, nem no espao!... Pode ferir meu brao... "Lucas! no pode, no! Msero a mo que abrira De tua me a cova... O golpe hoje renova!... Mata-me!... teu irmo!..."

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