Você está na página 1de 3

PSICOLOGIA ANALITICA 10 de Fevereiro de 2009

questão terapêutica. Segundo JUNG, o conceito de O indivíduo não possui consciência destes comple-
energia psíquica é abrangente por natureza, não se xos, donde se justificaria supor que se encontrariam
limitando apenas à esfera sexual. Inclusive ele lança no inconsciente. Além disso, percebeu-se que eles
mão de expressões auxiliares como “apetitus” ou retratavam temas comuns, encontrados antes em
“vontade”, como Schopenhauer a concebia, afim de sonhos, mitos, lendas, estórias, o que lhes valeu a de-
melhor orientar sua compreensão. Não podemos es- signação de arquétipos, um conceito de importância
quecer que esta energia psíquica do indivíduo é uma capital na psicologia junguiana.
amostra da energia humana em grande escala, visto
que temos uma origem em comum, representada pela O arquétipo foi entendido como uma forma de repre-
idéia de inconsciente coletivo. E esta energia sofre sentação de determinadas idéias que seriam coletivas
determinadas transformações ao longo do processo à raça humana. Cada cultura daria uma “roupagem”
evolutivo humano. particular para os arquétipos de acordo com suas
bases e características étnicas e evolutivas. Por ser
De modo geral, o homem investe energia psíquica um elemento inconsciente, obviamente é difícil
para atingir seus objetivos pessoais. defini-lo, porém posso lançar mão de um exemplo
Por exemplo, quando alguém para transmitir a idéia de maneira mais eficaz. Para
almeja conseguir um emprego, isso é necessário imaginarmos a figura de um “he-
seu psiquismo ocupa-se quase rói”… Naturalmente não conseguimos imaginar esta
que na totalidade desta meta, forma per se, precisamos inseri-la dentro de algum
no intuito de mobilizar todo o contexto cultural para chegarmos a uma representa-
organismo para alcançá-la. O ção válida. Alguns podem imaginar um herói grego,
mesmo ocorre quando uma como Hércules, outros, imaginariam um “mocinho”
pessoa está apaixonada, ou dos filmes de faroeste, outros ainda, um samurai ou
seja, todo seu ser está pola- um cavaleiro andante, e por aí afora surgiriam ima-
rizado em uma única dire- gens correlacionadas a este arquétipo.
ção. Há, contudo, situações
de vida que divergem deste Estes fatos tem uma importância marcante na me-
quadro e estas situações dida em que podem ser utilizados na psicoterapia
foram estudadas e compreen- como poderosos indicadores do processo pelo qual
didas por Jung. Ele verificou passa um paciente. Citei acima que a energia psíqui-
que muitas vezes a energia ca pode estar estagnada em complexos que impedem
psíquica de um indivíduo sua livre circulação, este dinamismo foi chamado de
não estava voltada para o regressão por Jung e seus colaboradores.
alcance de metas exteriores,
mas encontrava-se como que A regressão foi explicada como uma tendência
amarrada no seu interior. Isto natural do psiquismo humano que ocorre quando
foi percebido fundamentalmente existe uma inadaptação ou ineficácia de um modo
naqueles considerados mental- de se relacionar com o presente. Então a energia
mente doentes. A partir daí, inclu- psíquica regride para um outro modo mais arcaico,
sive, instalou-se uma nova concep- porém que já se mostrou eficaz. Para ilustrar este
ção de doença mental, pois a doença fenômeno podemos pensar em uma criança que tenta
passou a ser uma tentativa do indivíduo obter um brinquedo qualquer por meio de tentativas
de resolver questões conflituosas. de argumentação com seus pais. Normalmente o
A velha Sua energia psíquica estava mobi- poder argumentativo paterno é superior, então esta
história do Dr. lizada naquilo que foi chamado de criança percebe que não conseguirá atingir sua meta
Jekyll & Mr. “complexo”. Por complexo, Jung e regride a um modo de comportamento anterior que
Hyde. Poten-
cialidades quis definir um nó energético que consiste em chorar. Nesta situação é possível que
que queremos forçaria o psiquismo a deparar-se venha a obter o que desejaria, como um reflexo de
esconder e ao com determinados fatos, impedindo sua história evolutiva pregressa, quando chorava e
mesmo tempo que sua energia fluísse livremente obtinha alimento.
aflorar para metas e objetivos exteriores.
PSICOLOGIA ANALITICA 10 de Fevereiro de 2009

Disso podemos concluir que quando um indivíduo mentar. Naturalmente haverá um predomínio do ar-
vive uma situação arquetípica, na verdade está de- quétipo correspondente a sexualidade do indivíduo,
monstrando seu funcionamento psíquico e os ele- a despeito do psiquismo possuir as duas polaridades.
mentos para permitir uma evolução no seu modo de Convém ressaltar que estas representações ocorrem
ser. É o que foi comentado anteriormente e denomi- à nível simbólico e que uma mulher não teria sua
nado de processo de individuação. feminilidade ameaçada em função de possuir repre-
sentações de masculinidade em sua mente.
Não obstante esta descrição bastante abrangente é
necessário ir além para compreender a dinâmica da A contrapartida do Animus é denominada “Anima”
individuação. Para isso retornaremos aos arquétipos. e pode ser entendida como a repre-
sentação da figura feminina na
Basicamente, qualquer pessoa pode ligar-se a qual- psique. As considerações
quer arquétipo, dependendo do momento de vida anteriores para estes sím-
e das necessidades particulares emergentes. Há, bolos continuam válidas
contudo, arquétipos que estão bastante arraigados ao neste caso também.
psiquismo humano. SILVEIRA nos fornece uma des-
crição sintética bastante elucidativa, porém para os O último arquétipo
objetivos deste trabalho considerarei apenas alguns do qual nos ocupare-
deles. mos é conhecido por
“Self”, ou “si mesmo”.
“Persona” é o nome do primeiro a ser abordado. A Ele possui um papel
tradução desta palavra grega corresponde a “másca- fundamental em nosso
ra” e é neste sentido que ele deve ser entendido. A aparelho psíquico que
Persona é a resultante de nossas atitudes sociais, de se resume em auxiliar
como gostaríamos de aparecer para os outros. Ela o processo de indivi-
é moldada ao longo do processo de crescimento e duação. De modo geral,
contém um conjunto de ações que foi sendo posto à a vida de uma pessoa
prova de eficácia ao longo do desenvolvimento da é muito mais ligada aos
psique individual. Recapitulando o conceito, o ar- arquétipos anteriores, ou
quétipo corresponde à forma pronta para receber este seja, vive-se muito mais em
tipo de atitudes, que vão sendo desenvolvidas indivi- função das relações sociais,
dualmente. Basicamente, ela representa o papel que do medos adquiridos e das
assumimos em nossas inter-relações com os demais. representações internas dos
papéis masculino e femini-
Em seguida temos a “Sombra”, o segundo arquétipo no. O Self, ou si mesmo, é o
que será comentado. Como o próprio nome pode arquétipo que pode ser vislumbrado
sugerir, trata-se do lado negro de cada um de nós. enquanto o indivíduo esta atingindo um
São as atitudes e as características que mais nos estado de integração consigo mesmo, tal
desagradam e, por isso mesmo, tendemos a afastar que lhe permite romper barreiras exteriores e
da consciência. Para conhecermos um pouco sobre entrar em contato com sua essência. Este arqué-
nossa sombra podemos fazer um levantamento do tipo desempenha um papel de destaque na psicologia
que nos desagrada profundamente nos outros. Como analítica, pois ele representaria o centro da persona-
é mais fácil projetar nossos defeitos em outrem, po- lidade do indivíduo, centro este que não teria sido
demos ter consciência daquilo que repelimos dentro ofuscado pela atuação dos demais arquétipos, que
de nós mesmos por comparação. são atualizados através de um contato sociocultural
muito maior e que nem sempre correspondem às
O terceiro arquétipo é conhecido pelo nome de “Ani- reais necessidades do ser humano em questão.
mus” e equivale à representação da figura masculina
na psique. Em verdade está presente nos dois sexos, Jung concebe o processo de individuação como
pois tanto homem quanto mulher possuem represen- uma tendência do homem a tornar-se melhor, mais
tações internas de seu sexo e também de seu comple- completo, a entrar em contato com seu self. Aliás
PSICOLOGIA ANALITICA 10 de Fevereiro de 2009

o próprio self trabalha neste sentido, organizando A transferência foi considerada por Jung como o pon-
o psiquismo até que ele encontre um equilíbrio. to fundamental do processo terapêutico. Segundo seu
Portanto, quando a energia psíquica sofre uma re- ponto de vista, a relação estabelecida entre terapeuta e
gressão e prende-se a algum complexo, trata-se de paciente era um fato histórico, cujas raízes se perdiam
uma necessidade do ser humano para transcender a no tempo e que teriam sido resgatadas, antes dele e
condição específica e completar uma etapa no seu em nível simbólico, pela Alquimia. Para sintetizar este
processo de evolução. conceito, posso dizer que no processo dialético entre
as partes é que se dá a evolução propriamente dita,
O diagrama a seguir ilustrar a estrutura arquetípica pois ambos os psiquismos se fundem para elaborar
simplificada da psique humana: situações que antes não podiam ser vistas objetiva-
mente e produzem uma síntese produtiva e esclare-
cedora que amplia a compreensão de cada um quanto
ao relacionamento com o mundo e consigo próprios.
Se o terapeuta não possuísse conhecimento sobre a
transferência ou não estivesse disposto a vivenciá-la,
o processo estaria fadado ao fracasso.

Quanto a análise dos sonhos, pode ser considerada


como um elemento balizador de toda a psicoterapia.
Jung chamava a atenção para as tomadas de decisão
durante o processo psicoterapêutico, onde muitas ve-
zes ocorria simplesmente um privilégio das opiniões
do terapeuta em detrimento daquelas do paciente.
Após esta descrição, podemos tratar melhor do Ele foi muito cuidadoso ao alertar quanto aos peri-
processo psicoterapêutico. Foi mencionado que ele gos desta conduta, pois se questionava quanto aos
se faz numa base dialética, ou seja, uma complemen- pressupostos do terapeuta serem melhores ou mais
tação entre terapeuta e paciente, onde ambos estão válidos do que aqueles do paciente. Particularmen-
sujeitos a exame e ambos aproveitam a síntese final te, vejo aí uma questão que desafia uma ideologia
produzida da relação. dominante e que foi habilmente tratada alertando
para o papel do sonho. O inconsciente do indivíduo,
Durante a terapia, estará sempre em questão a favorecido pelo processo terapêutico, se encarregaria
relação do indivíduo com estes arquétipos e com de mandar-lhe as mensagens que lhe fossem mais re-
outros complexos que eventualmente se apresentem. levantes e valorosas para permitir sua individuação.
Entram em cena diversos fatores que permitirão o O conhecimento sobre símbolos, mitos, lendas, e
desenvolvimento da psique, como a catarse, a trans- outros elementos seria fundamental afim de permitir
ferência e a análise de sonhos e símbolos. o esclarecimento das mensagens do inconsciente e a
compreensão do paciente e de seu processo vital. Es-
A catarse é a tomada de consciência e a expressão de tando atento a tais informações, terapeuta e paciente
afetos que ficaram retidos em um complexo sub- juntos estariam contribuindo com o inconsciente
seqüente a uma situação traumática, por exemplo. para o alcance do self, ou mais modestamente, para a
Seria o caso de uma raiva não extravasada ou de solução de conflitos e condições desagradáveis.
uma paixão não vivida. Aqui fica claro o papel do
complexo, pois ao mobilizar a energia psíquica, leva Pelo esclarecimento em profundidade do psiquismo
o indivíduo a tomar contato com o material afetivo de indivíduos que se submetem à terapia, consegue-
permitindo sua resolução. A catarse tem sua impor- se efetivamente remover condições patológicas e
tância no sentido de permitir a liberação de energia inadaptadas à realidade. Em síntese, esta é a propos-
para demais metas, afim de permitir ao sujeito a ta de trabalho de Jung, que incorporo em minha pro-
continuidade de seu desenvolvimento pessoal. Mas é posta pessoal de trabalho, como ferramental utiliza-
apenas uma etapa do processo, pode aliviar, mas não do para abordar o aspecto, ou dimensão, intelectual
consegue, por si só, reestruturar a personalidade. do homem.

Você também pode gostar