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Pneumonia em gato por Aelurostrongylus abstrusus – necessidade


de um diagnóstico precoce

Aelurostrongylus abstrusus pneumonia in a cat – need for


a precocious diagnosis

Ferreira da Silva, J.M.1*, Pereira da Fonseca, I.M. 2, Madeira de Carvalho, L.M. 2, Meireles, J.A.F.S. 2 e
Fazendeiro, I. 2
1
Departamento de Morfologia e Função, Faculdade de Medicina Veterinária, Av. da Universidade Técnica (Polo Universitário, Alto da Ajuda),
1300-477 Lisboa, Portugal.
2
Departamento de Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária, Av. da Universidade Técnica (Polo Universitário, Alto da Ajuda),
1300-477 Lisboa, Portugal.

Resumo: A elurostrongilose ou estrongilose cardiopulmonar larvas L1 deles resultantes sobem dos alvéolos pulmo-
do gato é causada por Aelurostrongylus abstrusus, um parasi- nares para a árvore brônquica, são deglutidas com as
ta cosmopolita, relativamente pouco frequente. A infecção em
indíviduos saudáveis é sub-clínica devido à sua evolução auto-
secreções traqueo-brônquicas, percorrem o tubo diges-
limitante. O principal objectivo deste trabalho é alertar os clíni- tivo e são eliminadas com as fezes. Estas L1 necessi-
cos veterinários para esta entidade nosológica e a necessidade de tam dum hospedeiro intermediário, lesmas (Deroceras
um diagnóstico precoce duma parasitose que passa muitas vezes sp., Arion sp., Agriolimax sp.) ou caracois (Helix sp.),
despercebida mas que pode ser fatal. onde sofrem mudas até L3.
Neste ciclo, podem existir hospedeiros paraténicos
Summary: Aelurostrongylosis or cardiopulmonary strongylosis
of the cat is caused by Aelurostrongylus abstrusus, a cosmopoli-
(aves, répteis, rãs, mamíferos insectívoros ou roedores
tan and relatively uncommon parasite. Infection in apparently silvestres), que ingerem os hospedeiros intermediários.
healthy animals appears in a subclinical form due to its self-limi- O gato infecta-se ao caçar os hospedeiros paraténicos
tant evolution. The main purpose of this paper is to alert veteri- que encerram as larvas enquistadas do parasita. Esta
narian clinicians to this disease and to the need of a precocious parasitose apresenta um período pré-patente de 6 sema-
diagnosis as this disease can be easily unnoticed or misdiagnosed
and is sometimes fatal.
nas e um período patente até 2 anos. É mais frequente
em gatos jovens, devido aos hábitos de jogo, e gatos
machos rurais, por causa dos hábitos nocturnos. Já foi
descrita em quase toda a Europa, incluindo Espanha
e Portugal (Sousa Dias, 1945; Peleteiro et al., 1988-
89; Bourdeau, 1993; Miró Corrales e Gómez Bautista,
1999).
A elurostrongilose, também conhecida por estrongi- As infecções em indíviduos saudáveis manifestam-se
lose cardiopulmonar do gato, é causada por Aeluros- de forma sub-clínica devido à sua evolução auto-limi-
trongylus abstrusus, um pequeno helminta com 5-10 tante (Peleteiro et al., 1988-89; Soulsby, 1982; Quinn
mm de comprimento que vive, de acordo com alguns et al., 1997; Gerber et al., 2001), surgindo a sintomato-
autores (Leitão e Meireles, 1983; Bourdeau, 1993) nas logia em animais com deficiências imunitárias (Souls-
artérias pulmonares e, segundo outros (Soulsby, 1982; by, 1982; Gerber et al., 2001). Os sintomas são princi-
Bowman et al., 2002) nos bronquíolos terminais e res- palmente do tipo respiratório, com tosse seca causada
piratórios e ductos alveolares. A visualização deste por traqueíte, bronquite ou até pneumonia, podendo ser
nemátode é difícil, dada a sua forma capilar e peque- acompanhada de febre caso haja infecção bacteriana
nas dimensões. É um parasita cosmopolita, ainda que secundária. Por outro lado, há gatos que apresentam
relativamente pouco frequente. As fêmeas fecundadas polipneia ou dispneia, sendo a tosse pouco frequente
põem ovos embrionados que, ora atravessam os capila- ou estando mesmo ausente. Os sintomas respiratórios
res alveolares (Bourdeau, 1993), ora atingem por con- são devidos aos ovos e larvas localizados nos alvéolos
tiguidade os alvéolos pulmonares (Soulsby, 1982). As pulmonares e à irritação mecânica produzida pelas lar-
vas nos aparelhos respiratório e digestivo. Manifesta-
se, igualmente, uma eosinofilia acentuada que persiste
* Correspondente: e-mail jfsilva@fmv.utl.pt, telefone 213 652 até às 24 semanas. Outros sintomas menos frequentes
888 incluem mal-estar, inapetência, emagrecimento, crises

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epileptiformes, perturbações vestibulares, hemorragias linfonodos cervical profundo cranial e mesentérico.


gengivais. Embora estes sintomas aparentemente não Estes fragmentos foram fixados em formol a 10 %, in-
estejam relacionados com a parasitose, costumam de- cluídos em parafina e cortados em micrótomo de corre-
saparecer quando é instaurado o tratamento antipara- diça (5µm). Os respectivos cortes foram corados pela
sitário. hematoxilina de Ehrlich–eritrosina.
Este é feito com fenbendazol, albendazol, levamisol, No exame histológico, foram medidos os diâmetros
mebendazol, praziquantel e ivermectina (Miró Corra- maior e menor de 10 ovos por meio de uma ocular
les e Gómez Bautista, 1999), podendo associarem-se micrométrica (Leitz), previamente calibrada por um
glicocorticóides e broncodilatadores (Hawkins et al., micrómetro de objectiva (Leitz) com 1 mm de com-
1989). primento com 100 divisões (valor de cada divisão: 10
O diagnóstico laboratorial é simples e baseia-se na µm). Seguidamente, determinaram-se os respectivos
identificação da larva L1, com a extremidade caudal valores médios.
em forma de S, nas fezes dos gatos através de esfre- O exame necrópsico evidenciou anemia, equimoses
gaços fecais, métodos de migração larvar (técnica de disseminadas pela superfície corporal, planum nasale
Baerman-Wetzel), técnicas de flutuação com solução conspurcado com corrimento muco-hemorrágico, hi-
de sulfato de zinco com densidade de 1,18 (Hawkins dro-hemotórax (9 ml), pulmões de cor rosa-acinzenta-
et al., 1989; Bourdeau, 1993; Miró Corrales e Gómez da com áreas muito extensas de hepatização do parên-
Bautista, 1999; Nolan, 2003). Deve ter-se em atenção quima pulmonar (com pneumodocimásia hidrostática
que a eliminação das larvas não é feita de forma contí- negativa), fígado moscado, mucosa gástrica apresen-
nua, pelo que a sua detecção dependerá do momento da tando algumas petéquias disseminadas, metade caudal
colheita. Para obviar este inconveniente, é aconselhá- do jejuno encerrando muco tingido de sangue, íleon e
vel recolher-se o total de fezes emitidas em 24 horas. cólon com conteúdo hemorrágico e linfonodos mesen-
O lavado traqueo-brônquico, após concentração, pode téricos muito hipertrofiados e de aspecto congestivo.
também ser utilizado no diagnóstico (Hawkins et al., O exame histopatológico dos pulmões revelou pre-
1989; Gerber et al., 2001). O exame radiológico permi- sença de focos extensos de invasão dos alvéolos pul-
te, como prova complementar, a observação das lesões monares por ovos embrionados e larvas de Aeluros-
nos pulmões e pleura (Dunn, 1978; Miró Corrales e trongylus abstrusus (Figs. 1 e 2). À volta destes focos,
Gómez Bautista, 1999). notava-se infiltração linfo-histiocitária do parênquima.
Em Março de 2000, uma gata de raça Europeia Co- Havia também hiperplasia acentuada dos músculos
mum, de 6 meses de idade, que mostrara 3 semanas bronquiolares de Reissessen e hiperplasia moderada
antes sintomas que levaram ao diagnóstico de coriza das glândulas brônquicas. No lúmen de uma veia, ob-
(rinotraqueíte viral felina), apresentava anemia, hipo- servou-se um ovo de Aelurostrongylus abstrusus (Fig.
termia, melena, equimoses disseminadas pelo corpo e 3). Alguns focos parasitários apresentavam ovos calci-
dispneia acentuada. O animal tinha sido desparasitado ficados, o que indica infecção parasitária relativamente
(não sendo referido o princípio activo utilizado) e de- antiga. As médias dos diâmetros maior e menor dos
vido à gravidade do estado foi eutanasiado e o cadáver, ovos eram, respectivamente, de 57,3 µm e 49,8 µm.
congelado, enviado à Faculdade de Medicina Veteriná- No intestino delgado as vilosidades apresentavam
ria de Lisboa para realização de necrópsia. autólise do epitélio da mucosa, que estava conserva-
No exame postmortem, foram colhidos fragmentos do nas criptas de Lieberkühn, apresentando metaplasia
de pulmão, intestino delgado (jejuno e íleo), fígado e mucípara. Numa das criptas, notava-se o corte de uma

Figura 1 – Presença de numerosos ovos embrionados e larvas L1 de Ae- Figura 2 – Detalhe dos ovos e larvas L1 de Aelurostrongylus abstrusus.
lurostrongylus abstrusus no interior dos alvéolos pulmonares. Objectiva Objectiva x40.
x10.

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leteiro et al., 1988-89), não se notou hipertrofia da pa-


rede dos ramos da artéria pulmonar. Num caso poste-
rior, observado por nós em 2003 e em que a infecção
era muito ligeira, observou-se a referida hipertrofia da
túnica média.
No exame histológico, alguns autores referiram que
se pode observar a espícula característica da larva L1,
próxima da cauda (Chitwood e Lichtenfels, 1972).
Esse facto foi confirmado neste estudo (Fig. 4), embora
a visualização da estrutura referida só se observasse em
raras larvas, devido ao plano do corte histológico.
As dimensões dos ovos eram ligeiramente inferiores
às apontadas por outros autores (Soulsby, 1982; Bour-
deau, 1993; Miró Corrales e Gómez Bautista, 1999).
Possivelmente, tal facto dever-se-ia à retracção que os
Figura 3 – Ovo de Aelurostrongylus abstrusus no lúmen de uma veia. tecidos e células sofreram durante a desidratação, dia-
Objectiva x10. fanização e inclusão da técnica histológica de rotina.
A avaliar pela história pregressa deste caso, há a pos-
larva. Os linfonodos cervical superior e mesentérico sibilidade de erro de diagnóstico em relação a outras
evidenciavam hiperplasia reaccional. O fígado mostra- entidades patológicas mais bem estudadas, como a co-
va infiltração dos espaços porta por linfócitos (colangi- riza (rinotraqueíte viral felina), infecção por calicivírus
te linfocitária). (Gerber et al., 2001) e o síndrome de asma felina. Tam-
A infecção exuberante por Aelurostrongylus abstru- bém não seria de rejeitar a hipótese de a elurostrongi-
sus poder-se-ia explicar por uma imunodepressão. Em- lose poder contribuir para a síndrome respiratória su-
bora as lesões observadas no exame necrópsico suge- perior dos felídeos, funcionando assim como mais um
rissem panleucopénia felina, afecção viral que provoca elemento numa patologia de etiologia multifactorial.
imunodeficiência, os dados histológicos não parecem Tal como referenciado por Peleteiro et al. 1988-89,
apontar para essa doença. Embora a autólise do epité- somos de opinião que é sempre de suspeitar de pneu-
lio da mucosa intestinal e as alterações induzidas pelo monia parasitária em felinos de vida semi-livre ou ga-
ciclo congelação-descongelação na referida mucosa tos errantes que foram recolhidos, dada a facilidade
ao nível das vilosidades dificultassem a interpretação com que se alimentam de pássaros e roedores poten-
microscópica, não se notaram, ao nível das criptas de cialmente infectados, sobretudo se evidenciarem disp-
Lieberkühn, imagens de epitélio pavimentoso ou hi- neia e tosse frequente e difícil, aliadas a prostração.
perplásico, que são características das parvoviroses ca-
nina e felina. Pelo contrário, o epitélio das criptas apre-
sentava-se bem diferenciado. Além disso, a colangite Bibliografia
linfocitária e a hiperplasia reaccional dos linfonodos
Bourdeau, P. (1993). L’aelurostrongylose féline. Recueil de Mé-
observados ao microscópio não se coadunavam com
decine Vétérinaire, 169, 409-414.
um sistema imune deprimido, hipo-anérgico, no qual Bowman, D.D., Hendrix, C.M., Lindsay, D.S. e Barr, S.C.
se observa deplecção linfocitária dos órgãos linfóides. (2002). Feline Clinical Parasitology. ����������������������
Iowa State University
Ao contrário do observado num estudo anterior (Pe- Press, pp. 267-270.
Chitwood, M. e Lichtenfels, J.R. (1972). Identification of para-
sitic Metazoa in tissue sections. Experimental Parasitol-
ogy, 32, 407-519.
Dunn, A.M. (1978). Veterinary Helminthology. 2nd Ed., William
Heinemann Medical Books Ltd., London, 323 pp.
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http://www.cemv.com.ar/novedades/a_abstrusus.htm.
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Leitão, J.L.S. e Meireles, J.A.F.S. (1983). Doenças Parasitárias
do Cão e do Gato. Litexa Portugal, pp. 35-36.
Miró Corrales, G. e Gómez Bautista, M (1999). Parasitosis Res-
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ria. Editores: Cordero del Campillo, M. e Rojo Vasquez,
F.A McGraw-Hill, Interamericana, pp. 696–697.
Figura 4 – Neste corte de larva L1 observa-se a espícula caudal, indicada Nolan, T. (2003). Fecal examination using the zinc sulfate cen-
por uma seta azul. Objectiva x40.. trifugal flotation method.

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Ferreira da Silva, J.M. et al. RPCV (2005) 100 (553-554) 103-106

http://cal.vet.upenn.edu/index.htmlhttp://cal.vet.upenn.edu/in- and Parasitic Diseases of the Dog and Cat. W.B. Saunders
dex.html..\index.html-fecal..\index.html-fecalcomfecal. Company Ltd., Londres. p. 139.
htmlcomfecal.html Soulsby, E.J.L. (1982). Helminths, Arthropods and Protozoa of
Peleteiro, M.C., Meireles, J.F.S. e Bento, J.L.S. (1988-89). Um Domesticated Animals. ����������������������������������
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