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Sócrates devia vestir-se no Freeport

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Bastou o jornal espanhol "El Mundo" considerar o "nosso" Sócrates um dos


homens mais elegantes do Planeta para os ministros se cotizarem no Natal
para oferecer ao chefinho um vale-oferta de 2250 euros na Fashion Clinic, uma
das mais exclusivas lojas do país, pertencente à filha de Américo Amorim, que
por sua vez é dono de 25% do Tom Ford. Chique mais chique não há!
Andassem os colegas de Manuel Pinho a ler as páginas de Finanças da
imprensa estrangeira e talvez tivessem oferecido algo mais apropriado para os
tempos de crise que aí vinham: um cheque-prenda num outlet, por exemplo.

É óbvio que esta aura de elegância planetária lhe dá a patine que os socialistas
sempre gostaram de ver nos seus líderes. Soares tinha berço. Sampaio era
ruivo. Sócrates veste Prada. Não fosse a crise e até podia continuar assim para
além da entronização de hoje, em Espinho. Mas é preciso dar o exemplo. Não
basta dizer que não é rico ou arrancar as etiquetas dos blazers.

Eu próprio ainda não tinha interiorizado o conceito de outlet. Ultimamente tanto


se tem falado no tal Freeport que decidi ir ver com os meus próprios olhos.
Aquilo está num local magnífico. Não podiam ter escolhido melhor! De repente,
no meio da natureza selvagem abre-se uma mini-metrópole multicromática com
os seus néons de marcas sonantes a piscar um convite guloso para aquela
zona do cérebro onde ainda está adormecida uma reminiscência guterrista:
"Gasta! Gasta! É fazer as contas depois."

É preciso não confundir um produto outlet com uma "marca branca". Por
exemplo, o ministro Silva Pereira é um Sócrates "marca branca". É apenas
parecido com o original mas de qualidade inferior. Um produto outlet é o
original mas de uma colecção anterior, que foi sucessivamente recusado pelos
consumidores. Por exemplo, um Sócrates de há duas estações, neoliberal, a
ocupar o espaço do PSD, a privatizar ou a prometer 150 mil empregos. Isso é
um Sócrates outlet. Ainda é o original mas está fora de moda. Hoje em dia
ninguém vai andar por aí com um Sócrates neoliberal. O Sócrates
Primavera/Verão 09 é neokeynesiano, socialista da esquerda popular.

Mas chega de teoria. Uma coisa é certa: na Fashion Clinic com o cheque de
2250 euros natalício ele terá comprado pouco mais que um fatito Prada. A
questão é sempre um problema de megalomania. O primeiro-ministro tem
apreço pelos gastos de grandes montantes em uma única peça em vez de
espalhar o capital por muitas empreitadas. Nos fatos e nas obras públicas.

No Freeport, Sócrates enchia o BMW oficial de sacos mais o carro dos


seguranças e até o assessor de imprensa tinha de voltar de transporte público,
mas sempre garantia roupeiro até ao final do próximo mandato.
É certo que cada peça que ali chega já foi rejeitada por muitos e há coisas
horrendas que não desejamos nem a um Bernardino Soares. Mas com jeitinho
encontra uns fatos Boss cinza dois botões, colecção 2007, a pouco mais de
400 euros, camisas Versace lisas a menos de 70, ténis Adidas quase dados
para correr no calçadão de Luanda ou nos parques de Caracas, camisolões
Adolfo Dominguez do ano passado para se deixar fotografar, casual, ao longe
pelos paparazzi para as capas das revistas do social.

Não é a Fashion Clinic, mas também não vai ficar com o aspecto de traça de lã
do ministro dos Assuntos Parlamentares, Santos Silva.

Expresso 28 Fev 2009


Luís Pedro Nunes

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