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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESErsíTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ftLOSOflIX

acucia <

50UTCINA

sísu a
MORAL

NO XIII — N? 151 JULHO DE 197


Indiice

Pág.

"TARDE TE AMEI !" 289

Os legisladores discutem :

ABORTO LEGALIZADO : SIM OU NAO ? 291

Urna alerta:

JESÚS É DEUS EM SENTIDO PRÓPRIO ?


A SS. TRINDADE : TRES MODALIDADES DE DEUS ? 310

Um livro original:

"JESÚS DE NAZARÉ" do P. José Comblin 324

Dito e repetido:

"O QUE SE FAZ POR AMOR, NAO É PECADO.


AMA, E FAZE O QUE QUISERES" 332

RESENHA DE LIVROS 338

* * o

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Jesús Cristo era Deus ? Como se prova ?


Missa aos domingos ?
O Manifestó dos 33
Católicos e anglicanos concordam entre si

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


PR.

"TARDE TE Bill
Existe em nosso vocabulario uma palavra profundamente
sugestiva: descobrir. Como é obvio, ela significa «tirar a
coberta ou o véu», a fim de que vejamos plenamente a realidade.
Toda descoberta é naturalmente uma surpresa ; ela dá-nos a
conhecer algo que ignorávamos, total ou parcialmente.

Ora pode-se dizer que «viver» é «descobrir».

Há descobertas decepcionantes, que causam más surpresas.


Mas também há descobertas positivas e alegres...

As descobertas negativas abatem a muitos, como se a


vida nao tivesse sentido e valor. — Mas será que o ser humano,
táo bem arquitetado como é (que sabedoria nao se reflete num
olho humano, num ouvido...?), carece de sentido ? Será que
a natureza que cerca o homem, com sua harmonía, nao tem
significado ? — Após a primeira reacáo amargurada perante
as más descobertas da vida, prefiro crer que as decepgóes nao
sao algo de definitivo, mas apenas etapas de um processo que
terminará bem, muito bem... As decepgóes, fazendo-nos per-
ceber a exigüidade das criaturas, ajudam-nos a olhar para
mais longe, na esperanga de que um dia encontraremos a
plena resposta.

Quanto as descobertas positivas, sabemos que suscitam


imediatamente profunda alegría,... a alegría de havermos
encontrado resposta para uma, ao menos, de nossas interro-
gagóes. É particularmente grande a alegría de alguém que
tenha descoberto o sentido da vida; vivía rotineiramente, sem
meta definida, quando finalmente encontrou a razáo de viver.

Alguém fez essa experiencia certa vez, de modo clássico.


S. Agostinho (f 430), após ter batido em varias portas, encon
trou finalmente a Deus através do Evangelho. E escreveu :
«Tarde te amei, Beleza táo antiga e táo nova!' Tarde te amei.
Tu ostavas dentro de mim ; e eu, fora de mim. Fora, eu te
procurava... Tu estavas comigo, e eu nao estava contigo...
Chamaste, e clamaste e abriste meus ouvidos surdos. Resplan-
desceste, e langaste para longe de mim a minha cegueira. Exa
laste de ti odor; respirei; anelo a Ti. Provei; e tenho fome e
sede. Tocaste-me, e inflamei-me no desejo da tua paz» (Con-
fissóes X 27).

— 289 —
Para quem tenha os olhos abertos e as antenas otiladas
para captar, a primeira descoberta nao é senáo o inicio de
urna serie de outras, cada vez mais significativas. O homem
vai tomando consciéntía de que é quase como urna crianga :
lida com valores imensos, sem o saber. E incita-se a viver mais
conscientemente, pois a vida é rica.

Ser como crianca... Esta expressáo é ambigua. Pode


significar infantilismo, ausencia de raciocinio coerente, sen
timentalismo. Entáo, como se compreende, é pejorativa. Mas
«ser como crianga» também pode ter sentido altamente posi
tivo: o Evangelho apresenta a crianga como modelo aos adultos
(cf. Mt 18,3). Por qué? — Entre outras coisas, porque a
crianga é candida. Ela eré...; ela acredita na vida e nos
valores da vida; ela constrói seus planos, seu ideal e_ procura
encaminhar-se para suas metas. Mais tarde, a vivencia do
dia-a-dia, trazendo reveses, vai endurecendo o ser humano e
o torna reservado ou um tanto cético. Quem cede ao ceticismo,
condena-se a um tipo de vida que vem a ser desumana; o
homem foi feito para crer.; esta é a atitude mais espontánea e
auténtica do homem, mesmo (e principalmente) dos mais
cultos; para encontrar a felicidade, é preciso crer que a felici-
dade existe.

O cristáo nao pode dizer Sim ao desánimo e ao ceticismo.


O Evangelho o convida a guardar sempre em si a candura
e a capacidade de crer da manga. Nem por isto o cristáo será
simplório ou sonhador alienado. Ele sabe que as criaturas sao
sujeitas a falhas. Mas ele eré em Deus, e eré que tudo aquilo
que Deus fez e disp5e tem valor. Ele acredita que também os
reveses tém significado,... que a vida sempre merece ser
vivida nao por causa das criaturas limitadas que encontramos,
mas porque Deus está sempre presente por detrás das criaturas.
Cada urna destas, bem como cada acontecimento, é, de certo
modo, um véu que encobre o Criador. Quem sabe disto, tenta
descobrir o Criador por detrás das criaturas; nesta afá, que
nunca é váo, o homem nao pode deixar de sentir-se profun
damente feliz. De descoberta em descoberta, de alegría em
alegría1, o viandante vai-se dispondo a encontrar um dia a
Face, sem véus, da Beleza Infinita.

«Tarde eu te amei, Beleza táo antiga e táo nova !»

E. B.

Nem sempre alegría sensível, mas sempre alegria espiritual.

— 290 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIII — N' 151 — Julho de 1972

Os legisladores discutem:

aborto legalizado: sim ou nao?

Em sínlese: A liceidade ou nao do aborto depende da resposta á


questao: será um feto em seus primeiros días já um auténtico ser humano
ou apenas algo de meramente animal ? — A experiencia mostra que os geni
tores desde o primelro dia da gestacSo julgam ter um filho em formacSo.
A medicina, por sua vez, ensina que desde a fecundacáo do óvulo se tem
organizacSo embrionaria e cromossómica característica de um ser humano.
A filosofía tende também a reconhecer a identidade humana do feto desde
o seu prlmeiro dia de existencia.

Por conseguinte, o aborto vem a ser a extlncáo de urna vida humana


em processo de formacio. é agressáo mortífera contra um ser inocente, que
tem todo direito á vida, embora aínda nao seja útil e rendável para a so-
ciedade.

Contra esta afirmacao nao prevalecem as razóos aduzidas em favor do


aborto. A medicina nao cabe matar, mas salvar a vida; por conseguinte, o
médico jamáis deve indagar: "A quem sacrificar — á máe ou ao filho?";
mas, antes, pergunte: "A quem dispensar os cuidados terapéuticos em
primeiro lugar — á mae ou ao fllho?" De resto, a medicina tem hoje em
dia crescentes recursos para evitar os abortos. — As razoes de honra de
urna jovem que engravida fora do casamento nao devem mover o senti
mentalismo ; nao se saneia um mal (o liberlinismo sexual, ao menos do
homem) com outro mal (o homicidio).

O aborto, pois, nao é solucáo para as gestacóes difíceis ou nao de-


sejadas. O que se requer, é que os governos e as entidades particulares
déem assisténcia médica e flnanceira ás futuras máes ou ás familias necessi-
tadas; além do que, será necessário reeducar o senso moral da sociedade

— 291 —
4 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

e despertá-la para os valores típicamente humanos. O sexo está ligado ao


amor e á vida, e nao deve ser objeto de aventuras ou de experiencias des
comprometidas.

Resposta: Nos últimos decenios vem-se multiplicando o nú


mero de abortos em varios países do mundo; motivos económi
cos, psicológicos, sociais respondem por essa onda crescente.
Ora as legislagóes civis até época recente tendiam a reprimir
ou, ao menos, restringir a prática abortiva. Verifica-se, porém,
que a tendencia parece incoercível; o número de intervencóes
clandestinas tem-se avolumado, deixando em muitas máes, em
nao poucos país e médicos o trauma psicológico resultante nao
só do ato, mas também dessa índole clandestina do ato.

Em vista da seria problemática que assim se coloca, muitos


países tém reconhecido e oficializado a prática do aborto, fa-
zendo-lhe apenas as restrigóes que paregam necessárias para
evitar arbitrariedades altamente nocivas á sociadade. As novas
legislagóes váo assim avivando ñas consciéncias a questáo se-
guinte:

Hoje em dia, com o progresso das ciencias, é-nos possível


prever com certa exatidáo os resultados indtesejáveis de urna
cópula e de um processo de gestagáo; o homem também possui
recursos cada vez mais esmerados para conter tais resultados.
Nao lhe seria lícito, portanto, retratar a severa condenacáo do
aborto de tempos passados, para aceitar a prática científica e
organizada dessa intervengáo?

É a esta questáo que dedicaremos as páginas seguintes,


abordando: 1) as possíveis indicagóes de aborto; 2) a resposta
da consciéncia; 3) fatos da vida contemporánea.

1. O problema

Poucos sao os pensadores ou legisladores que pleiteiam li-


berdade total para os genitores ou para os médicos, a fim de
suprimirem urna vida já iniciada (mesmo quando nao reconhe-
cem a essa vida um caráter propriamente humano). Todavía

— 292 —
ABORTO EM DEBATE

muitos preconizam urna posicáo intermediaria entre a liberdade


absoluta e a condenagáo incondicional de qualquer aborto. Jul-
gam poder justificar o aborto em tres tipos de casos (cujos con
tornos, alias, sao um tanto variáveis):

1) Indicagoes terapéuticas: a gravidez constituí ameaca


próxima ou remota para a vida da gestante. Pode também por
em perigo urna fungáo fisiológica de importancia capital, indu-
zindo, por exemplo, a perda da visáo ocular.

2) Indicagaes eugenéticas: gragas ao progresso da gené


tica, é possivel diagnosticar, no embriáo, anomalías dos cro-
mossomos e de suas combinagóes, as quais geralmente Ievam
a deformagóes físicas ou á debilidade mental (mongolismo, por
exemplo). Também «corre que certas molestias da genitora
(a rubéola, por exemplo) sejam tidas como nocivas ao feto.

3) Indicasoes sócio-economicas: as máes solteiras correm o


perigo de perder conceito e honra perante a sociedade ou de so-
frer graves traumas psicológicos. Levem-se em conta igualmente
as dificeis condicóes económicas em que vivem certos casáis,
nao podendo por isto ter prole numerosa.

Muitos cidadáos julgam que as leis civis deveriam ponderar


estes diversos dados e conceder o aborto em escala relativa
mente ampia. Assim evitar-se-ia a clandestinidade (com suas
conseqüéncias) de numerosos abortos que na reaiidade se pra-
ticam; extinguir-se-ia mais um foco de hipocrisia; tornar-se-iá
mais científica e atualizada a legislagáo civil de varios países;
levar-se-ia em conta a evolugáo dos espirites, que desejam usu-
fruir de liberdade neste setor.

Na Inglaterra, por exemplo, a lei que oficializa o aborto,


está em vigor há mais de quatro anos, de sorte que os abortos
legalizados estáo em rápido aumento: 54.157 em 1969, 82.000
aproximadamente em 1970; em meados de 1970, a media era
de 227 abortos por día.

Na Franga, em julho de 1970, foi apresentado o projeto de


lei Peyret, que concede o aborto no decorrer das doze primeiras
semanas da gestagáo por motivos ditos terapéuticos, eugenéticos
e sociais, requerendo-se, porém, para a interv engáo o parecer
favorável de urna comissáo de médicos.

— 253 —
G «PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

No Brasil fazem-se ouvir vozes cada vez mais numerosas


em favor de urna liberalizagáo da legislagáo concernente ao
aborto. Esta é tida como inadaptada á nossa realidadie, em que
se multiplicam os casos dolorosos de máes que nao querem ter
o filho já concebido. O Brasil, diz-se, deveria acompanhar a
evolucáo de países altamente evoluídos.

Que dizer a propósito?

2. A resposta crista

A resposta á questáo do aborto oficializado dependerá es-


sencialmente da nocáo de aborto que possamos conceber. Por
isto, pergunta-se antes do mais:

2.1. Que é propriamente um aborto ?

Mais explícitamente: será o aborto a supressáo de urna


vida já humana? Ou será apenas a interrupgáo de um simples
processo biológico numa fase aínda pré-humana?

a) Para elucidar a dúvida, partamos do fato seguinte: des


de o inicio da gravidez, os genitores, e particularmente a máe,
esperam seu filho. Nao tém a possibilidade (nem mesmo o de-
sejo) de distinguir um momento liminar a partir do qual digam:
«Agora é urna crianca que se acha ñas entranhas maternas;
ontem era apenas um aglomerado neutro de células em via de
proliferagáo». É certo que o interesse e o afeto dos genitores se
váo avivando á medida que percebem o desenvolvimento do em-
briáo e qui2 se preparam para acolher a crianca no lar. Mas
aquele ser que os genitores recebem ao cabo dos nove meses de
gestacáo, aquela que nasce e se oferece á ternura dos pais, in
citando-as paulatinamente a urna tentativa de diálogo, é esse
mesmo ser que os genitores reconhecem ter estado presente
no seio materno desde os primeiros sinais de gravidez. É um fru
to humano, e nao um mecanismo biológico, anónimo, que co-
meca a cresccr desde o primeiro dia da gestagáo.

Esta afirmagáo se compreenderá muito bem se se levar em


conta mais o seguinte: o encontró amoroso que dá origem no
seio materno ao novo ser, é o encontró nao somente de dois or
ganismos biológicos, mas também de duas pessoas; o fruto que
se forma em conseqüéncia de tal encontró, traz as marcas do

— 294 —
ABORTO EM DEBATE

ser humano, do amor humano. Em sua prímeira origem e em


sua consumagáo (nove meses depois), o ser que nasce do ho-
mem e da mulher é humano. É humano de maneira continua,
durante todo o processo de gestagáo.

Essa intuigáo que os país tém, de possuir um ser humano,


desde o inicio da gravidez materna, é verídica; ela corresponde
á realidade objetiva, percebida pela consciéncia dos genitores.
Desde que comece urna vida oriunda do homem e da mulher,
ela é naturalmente vida humana.

b) Os dentistas confirmam, do seu modo, estas afirmagóes.


Com efeito, os biólogos e anatomistas reconhecem que nao
é possível ídistinguir um momento em que o embriáo colocado
no seio materno mude de natureza, passando da mera anima-
lidade para a dígnidade humana. Ao contrario, verificam que
o genotipo e a configuragáo dos cromossomos estáo estrutura-
dos desde a fecundacáo; através das suas fases de crescimento,
o embriáo humano se desenvolve segundo as potencialidades
que ele possui desde o ponto de partida.

Verdade é que esse feto nao possui ainda a organizagáo e


o sistema nervoso táo desenvolvidos que lhe permitam levar
urna vida psíquica consciente e exercer as suas responsabilida
des moráis. Disto, porém, nao se segué que seja simplesmente
animal; já é humano, embora ainda neo possa manifestar a sua
vida psíquica (de resto, somente quando adquire o uso da pa-
lavra é que a crianga comega a manifestar algo do seu psiquis-
mo inteligente).

Num artigo muito interessante de «Études», novembro


1970, pp. 502-519, Édouard Pousset desenvolve a tese da reali-
dade humana do feto mediante o seguinte raciocinio, ao qual
da o título «Étre humain deja» (ser humano já):

O ovo fecundado no útero materno é fruto da uniáo de duas


pessoas humanas; ele provém de materia humana. Por conse-
guinte, desde o primeiro momento da sua existencia pode-se
dizer que ele pertence á esfera do humano, embora tenha que
passar pelas sucessivas etapas de urna gestagáo animal; pro
venientes de seres humanos, os elementos genitais e o embriáo
que deles se deriva, nunca perdem a sua qualidade e dignidade
de «humanos».

Mais: o desenvolvimento do feto no seio materno constituí


um processo uno ou unitario. Com efeito, as fases de sua evolu-
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

gao, por tnais diversas que parecam, sao marcadas por urna
tendencia única e constante; embora a forma exterior e as rea-
cóes desse feto se váo modificando sucessivamente, há por babeo
délas algo de permanente, que dá a identidade humana a esse
embriáo. Algo de semelhante ocorre no organismo do ser hu
mano após o nascimento: de sete em sete anos renovam-se as
células do respectivo corpo, nao, porém, as do sistema nervoso.
O individuo guarda sua identidade, embora do ponto de vista
da bioquímica ele se transforme radicalmente de período em
período.
c) Vé-se, pois, que o aborto é a extincáo de urna vida hu
mana em formacáo. Essa vida humana tem o direito de se pro
longar. É a vida de um ser inocente; eliminá-la seria injusto
morticinio e flagrante iniqüidade, cometida contra alguém que
nao somente nao é injusto agressor, mas um ser inerme, inca
paz de defender a si mesmo. A crianga (como também, por ve-
zes, o anciáo) é o mais vulneráve! dos seres humanos; é, pois,
aquele que mais deve contar com a dedicagáo generosa dos ge
nitores. Ela nao produz nem rende. Por isto a maneira como os
adultos tratam as criangas, é criterio para se aferir o grau de
humanitarismo a que chegaram esses adultos.

d) Nao se pode deixar de acrescentar que certos autores,


nos últimos anos, tém sugerido a tese da «humanizacáo adiada».
Distinguem entre a conceigáo do feto (ou fecundagáo do óvulo
por parte do espermatozoide) e a nidasáo (ou fixacáo do ovo
fecundado na parede uterina da genitora); entre um e outro
termo transcorrem doze dias. Somente terminado o processo
de nidagáo, no décimo segundo dia, o feto concebido seria real
mente indiviso e indivisível, ou seja, individuo em caráter ir-
reversível. Após a nidacáo, dizem, inicia-«e a formagáo elemen
tar dos grandes sistemas orgánicos, especialmente a do cerebro.
No quadragésimo dia após a fecundagáo estaría terminado
o processo evolutivo do feto; de entáo por diante haveria apenas
crescimento. Em conseqüéncia, antes do quadragésimo dia nao
se poderia falar de sujeito humano no seio materno. Estas con-
sideragóas permitiriam dizer que a eliminagáo do feto nos qua-
ronta primeiros días após a conceigíio nao ó homicidio, mas ex-
tingáo de um ser infra-humano. Vojam-sc ulteriores minucias
e a bibliografía respectiva no estudo do P. Jaime Snoek citado
ao fim deste artigo.

Que dizer?

— Tal posicáo, que sofre alguns retoques por parte de


outros autores contemporáneos, nao é senáo a renovac.áo — em

— 296 —
ABORTO EM DEBATE

termos mais eruditos — da tese de Aristóteles e S. Tomás de


Aquino; a animagáo do feto só se dá quarenta dias após a con-
ceigáo, nos casos de embrides masculinos; oitenta dias, nos casos
de meninas.

Ttadavia, mesmo que se admita a tese da «humanizagáo


adiada,» nao resta dúvida de que o processo que decorre da fe-
cundagáo do óvulo é o de urna vida humana em formagáo ou evo-
lugáo; é um processo típicamente humano ou pertencente á es
fera do humano, como acaba de ser dito atrás. Basta deixar
que tal processo se desenvolva naturalmente para se perceber
nítidamente urna vida humana. Por isto a eliminagáo de tal em-
briáo fica sendo sempre um atentado contra a vida humana ou
um homicidio.

Talvez, porém, alguém julgue tais consideragóes assaz teó


ricas. Na prátíca, o aborto ainda parece ser a solugáo honesta
para situagóes embaragosas e difíceis. Eis por que passamos a
considerar as razóes geralmente alegadas em favor da interrup-
gáo do processo gestatívo.

2.2. Os motivos do aborto em exame

a) Riazoes terapéuticas
Há casos em que, para salvar a vida de urna gestante, é
preciso matar a vida do feto existente no seio materno. Podem-
-se conceber tais casos de duas maneiras:

— A genitora sofre de molestia tal que deve sofrer inter-


vengáo cirúrgica. O médico prevé que a cirurgia curará a enfer
ma, mas provocará automáticamente a expulsáo e a morte da
crianga (imagine-se, por exemplo, o caso de urna gestante cujo
útero se torne canceroso). Em tais circunstancias, a operagáo
é lícita, pois nao se destina a matar a crianga, mas a salvar a
paciente de urna molestia que por si nada tem que ver com a
gravidez. A crianga perecerá em conseqüéncia da operagáo, nao,
porém, porque os país ou o médico hajam determinado tirar-lhe
a vida, mas porque está táo ligada ao organismo da gestante
que ela nao pode sobreviver aos cuidados cirúrgicos exigidos por
tal organismo.

Outra hipótese: nao urna molestia do organismo ma


terno, mas a crianga mesma constituí um perigo imediato para
a vida ds sua máe. Pergunta-se entáo: a quem sacrificar —
máe ou filho?

— 297 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

A resposta será: nem a um nem a outro, pois ambos sao


seres humanos com igual direito á vida. Em naufragio nao se
arranca o salva-vida de um náufrago para dá-lo a outro. —
Ademáis a fungáo do médico nao é extinguir a vida, mas salvá-
-la; por isto a questáo que o médico se póe, longe de ser «A
quem matar?» será: «A quem salvar primeiramente — á máe
ou ao filho?» O medico se empenhará consecuentemente por
salvar em primeiro lugar aquele, dentre os dois, que mais pro
babilidades oferece de ser salvo.

Caso a máe venha a perecer, ficando somente a crianga em


vida, apesar dos cuidados da medicina, eremos que o Pai do céu
nao abandona seus filhos, mesmo quando lhes subtrai o amparo
aparentemente indispensável.

De resto, com respeito ao aborto dito «terapéutico», ensi-


nam os estudiosos que a expressáo é cada vez mais anacrónica
ou fora de propósito. Entre outros pode-se citar o testemunho
do Prof. Dr. Alvaro Guimaráes Filho, que foi durante longos
anos regente da Clínica Obstétrica da Escola Paulista de Medi
cina e da Cadeira de Maternologia da Faculdade de ¡Higiene e
Saúde Pública da USP. Atenuando a urna solicitapáo da Socie-
dade de Ginecologia e Obstetricia do Estado do Rio de Janeiro,
o ilustre professor redigiu um relatório-tese sobre o aborto «te
rapéutico», em que considera dois quesitos:

Na obstetricia moderna, existem condicóes inerentes


á gravidez que justifiquem o chamado abortamento terapéutico?
— A medicina atual dispóe, com o extraordinario progres-
so das ciencias, de recursos que possibilitem ao médico conduzir
com éxito, até a viabilidade do feto, a gravidez ocorrente em
gestante portadora de enfermidade grave, como cardiopatia,
hipertensáo arterial, nefropatia...?

No primeiro caso a resposta do Prof. Alvaro Guimaráes


Filho é negativa. Segundo o mestre, o aborto terapéutico nao
se justifica hoje em dia. E ele ilustra a tese citando casos de
sua longa vida profissional e de sua experiencia clínica. Anali-
sando as causas apontadas como justificativas da indicagáo do
aborto terapéutico, diz textualmente: «As chamadas indicagóes
nao subsistem dentro -de urna conduta médica, obstétrica ou
ética honesta; mas, apesar disso, sao cada vez mais praticados
os abortamentos, as vezes camuflados, com rótulos médicos,
constituindo exatamente os abortamentos criminosos no sentido
legal e social da expressáo».

— 298 —
ABORTO EM DEBATE 11

Com relagáo ao segundo quesito, o ilustre professor res


ponde que Sim: «Sim; nao apenas atualmente, mas já há muito
tempo, a medicina possui recursos para conduzir com éxito,
até a viabilidade fetal, os casos de gravidez em que a gestante
é portadora de enfermidade de natureza grave».

No fim do seu trabalho, o Prof. Guimaráes Filho afirma


estar certo de que a absoluta maioria dos médicos brasileiros
pensa como ele, e augura que as providencias tomadas pela
Sociedade de Ginecología e Obstetricia do Estado do Rio de
Janeiro tenham éxito e sirvam «para mais urna vez firmar os
sadios principios médico-sociais, mormente na época atual, em
que há confusáo nos reais objetivos da medicina; os tempos mo
dernos nao podem alterar os direitos á vida ,do nascituro». Cf.
«O Sao Paulo», 22/IV/1972, p. 3.

b) Razóes eugenéticas

Que fazer quando os médicos prevéem que a crianca está


para nascer com graves anomalías?

Admitir que entáo seja lícito eliminar o feto do seio mater


no equivale a admitir a eutanasia, como também a eliminacüo
dos adultos inúteis, aleijados, alienados. Mesmos os seres defei-
tuosos tém direito a sobreviver, recebando de seus familiares
ou da sociedade os cuidados necessários. O valor da vida huma
na nao se pode aferir pelo que ela produz ou rende. Para um
cristáo, mesmo a vida dos «inúteis» é preciosa; só Deus sabe
aquilatar devidamente o que se realiza de grandioso no íntimo
de muitos seres humanos que a sociedade despreza.

Ademáis deve-se dizer que sao cada vez menos freqüentes


os casos em que se possa prever com certeza o nascimento de
urna crianea defeituosa. A medicina tem conseguido debelar
molestias outrora nocivas ao feto da gestante: vómitos incoer-
cíveis, afeccóes cardiovasculares, tuberculose, insuficiencia re
nal, casos de sangue RH...

Até rossmo para a rubéola foi doscoberta recentemente urna


vacina: o inventor dessa vacina, o médico francés Dr. Plotkin,
declarou que o produto seria adotado em outros países, a come-
gar pela Inglaterra. O teor de anticorpos dessa vacina é tres
vezes mais elevado do que o de produtos congéneres já exis
tentes.

— 299 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

Ademáis sabemos que todo aborto tende a produzír na


mulher efeitos daninhos, afetando-lhe tanto a saúde física como
o equilibrio psíquico (o sentimento de frustragáo e a neurose
muitas vezes se apoderam da máe que pratique o aborto).

A fé crista é apta a fornecer poderoso sustento aos geni-


toros cajos fillios nascom exencionáis. A sua dor — por certo
justificada — é transfigurada, tornando-se-lhes ocasiáo de he
roísmo. É o que se depreende, por exemplo, através de escritos
de Emmanuol Mounier, um cristáo de tempera, que passou pela
experiencia de ter urna filha excepcional:

"Eu sentía que me aproximava desse leitozlnho sem voz, como se me


avizinhasse de um altar ou de algum lugar sagrado onde Deus falasse por
um sinal. Urna tristeza me mordía fundo, fundo, mas suave e transfigurada.
E em torno dessa tristeza — nao tenho outra palavra — se colocava a ado-
racio. Urna hostia a viver entre nos, muda como a hostia, irradiante como
ela... Se toda auténtica oracao tem por base a morte das potencias sen-
siveis, intelectuais, voluntarlas, se a fina ponta da alma da crlanca batl-
zada... é colocada, no momento do Batismo, em contato direto com a
vida divina, que esplendor nao se oculta nesse pequeño ser que nSo pode
falar aos homens ? ... Minha pequenina Francisca, tu és para mim também
a ¡magem da fé. Na térra, conhecemos em enigma e como que em espelho
essas realidades da fé...

Nada se parece mais a Cristo do que a Inocencia sofredora... A


sorte de Francisca já nao é um reboar de trováo ñas nossas esperances
do verao, mas um elo fraterno da grande miseria dos homens, elo sem
o qual nos (¡cariamos para tras" (carta de 11 de maio de 1940, em "Mounier
et sa génération. Lettres, carnets et inédits". Éditions du Seuil).

Repelindo o aborto, a reta consciéncia moral sugere ás fa


milias que demonstren! a sua solidariadade e o seu apoio ami
go aos genitores de filhos excepcionais. Estes, mediante o seu
exemplo generoso e a sua dedicagáo, dáo testemunho constru-
tivo aos demais casáis, e enriquecen! qualitativamente a so-
ciedade.

Merecem atengáo ainda as seguintes reflexóes de Jean


Vanier, em entrevista concedida a «France Catholique» de
20/XI/1970:

"Os olhos dos excepcionais sao muitas vezes claros e puros. Os olhos
dos tiranos, dos dominadores, dos egoístas, dos que recusam socorrer seus
irmáos sofredores, sao manchados pelo egoísmo. Por que rejeitar os olhos
claros e puros ?...

Com certeza, alguns estao extenuados; mas nfio sSo apenas os ex


cepcionais que estao extenuados, é o destino de tantos homens que vlvem
sob um jugo qualquer.
NSo resta dúvida de que existem grandes excepcionais sem multa
consciéncia, anormais profundos, é duro para os pais. Multo duro. Tam-

— 300 —
ABORTO EM DEBATE 13

bém para eles existe sofrimento. Contudo exlstem também homens que
parecem moralmente prejudiciais, tiranos de toda especie, homens e mu-
Iheres com coracSes duros como a pedra. é terrlvel vé-los. É duro também
para seus pais, e eles próprios sofrem".

c) Razoes sociais
Os motivos sociais sao os que mais freqüentomcnte levam
ao aborto em nossos dias.
Nos casos de gravidez contraída fora do casamento, de mo
do a comprometer a honra de urna jovem ou de urna familia
inbaira, note-se que nao se saneia um mal (urna aventura sexual
irrefletida ou urna violencia) mediante outro mal (um homici
dio). O auténtico remedio em tais casos consistirá em excitar
e fortalecer a resistencia moral e o vigor de ánimo das pessoas
que possam ser envolvidas na desgraga, para que nao caiam
ou recaiam na mesma.

É para desejar que, frente a tentacáo de provocar o aborto,


nao prevalegam razóes meramenta sentimentais, que geralmen-
te nao constroem a sociedade nem fomentam o bem comum, mas
se tenha sempre em vista a reta escala dos valores.

2.3. A auténtica solu$6o

Pergunta-sc naturalmente: que fazer para deter a onda de


abortos que se alastra em nossas sociedades?
Podem-se sugerir duas medidas:
a) Assísténcia as familias que, desprovidas de condigóes eco
nómicas, nao podem ter filhos, Em vez de se lhes facilitar o abor
to, pusstar^se-lhes-ia melhor servico se se pensasse seriamente
na questáo social e na promogáo humano-crista dos casáis que
sofrem penuria. A solidariedade humana ai tem vasto campo
de aplicagáo.

b) Nao basta, porém, esta provisáo. Verifica-se que a mai-


oria dos abortos se realiza ñas carnadas medias e elevadas da
sociedade, onde precisamente haveria recursos para educar
mais um filho. Isto revela que, antes do mais, o que se requer
é urna reeducaba o do senso moral e um aprimoramento das
consciéncias frente aos valores verdadeiramente humanos. O
feto humano nao é «coisa», nem sua sobrevivencia pode estar
subordinada a interesses particulares de uns ou outros. — A
onda de erotismo, a precipitagáo com que se desencadeia a sa-
tisfagáo sexual sao, em grande parte, responsáveis pela cota
crescente dos abortos em nossos tempos.

— 301 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

Nao se paderia, de resto, deixar de mencionar a signifi


cativa réplica ao aborto legalizado que médicos e enfermeiras
tém feito ouvir em diversas partes do mundo.

3. ContesfasSo ao aborto

Nao poucos médicos e seus auxiliares tém-se recusado


a executar direta ou indiretamente intervencóes abortivas.

3.1. Na Inglaterra

As enfermeiras do Hospital Stepping Hill de Stockport re-


solveram coletivamente, em junho de 1970, nao tomar parte
ñas operacóes de aborto. O ginecólogo e obstetra do Hospital,
Dr Calvert, explicou entáo: «As enfermeiras demonstram
avérsáo a essas intervencóes, principalmente quando realiza
das em fase adiantada da gestacáo. O motivo nao é propria-
mente religioso. As enfermeiras contestam a praxe de se lan-
carem no lixo criaturas humanas, segundo elas mesmas di-
zem».

As razóes do protesto podem-se resumir sob dois títulos:


1) As gestagóes sao, muitas vezes, interrompidas em fase
evoluída, devendo-se entáo empregar recursos repugnantes
para extingui-las. A revista inglesa «Catholic Herald»
(26/VI/1970) referiu o testemunho impressionante de urna
enfermeira que descrevia como era praticado o aborto nos
casos de doze semanas de gesíagáo.
2) A preferencia dada as operagóes de aborto faz que
intervengóes ginecológicas mais graves e outros tratamentos
spjam recusados nos hospitais, que se acham lotados por pa
cientes de aborto. Ficam assim prejudicadas numerosas se-
nhoras.
Vinte e seis Irmas da Congregagáo do Bom Pastor de
Bishopton, dedicadas a máes solteiras e jovens desadaptadas,
enviaram urna carta de apoio as enfermeiras inglesas em que
diziam:
"Dedicadas como voces, a um servico profundamente humano, sen-
timo-nos estimuladas pela atitude de voces. Manlfestam com clareza quao
grandes sao o privilegio e os deveres de urna enfermeira ou de um médico
que servem á vida humana desde as suas origens, de maneira consentánea
com a dlgnldade da pessoa. Parece-nos que todo ato realizado sobre um
ser humano, nascldo ou n8o, desde que nao respelte tal dlgnidade, nao é
um servico, mas urna prostituicáo".

— 302 —
ABORTO EM DEBATE 15

Ginecologistas como o Prof. Jan Morris do St. Mary's Hos


pital de Manchester tacharam o aborto de «borrivel e nojento
dever». A Sociedade das Parteiras da Inglaterra, na sua as-
sembléia anual de junho pp., pediu com urgencia um estatuto
que impega os abusos... A Associagáo Nacional das Enfer-
meiras, que reúne 67.000 enfermeiras profissionais e estudan-
tes, escrevcu a Sir Keith, Ministro dos Servicos Sociais, pe-
dindo urgente revisáo da atual legislagáo inglesa. Como o pró-
prio Ministro reconheceu na Cámara dos Comuns, a pressáo
em prol de uma reforma da legislagáo de 1967 crescia no país
e era atentamente acompanhada pelo Governo, que desejava
conhecer as opinices de todas as partes interessadas.
Na Inglaterra, fundou-se nova sociedade contra o aborto:
«Life» (Vida), a qual se propóe «oferecer auxilio material e
moral ás senhoras que sofrem física ou moralmente por causa
da maternidade ou que sao tentadas a pedir o aborto».

Todavia faz-se mister também mencionar que é atuante na


Inglaterra uma facgáo que pede aborto ainda mais fácil. A
«Frente Libertadora da Mulher» acolheu a rainha, em sua vi
sita á Universidade de Warwick, com urna chuva de mensa-
gens que solicitavam plena liberdade para o aborto e os anti-
concepcionais.

3.2. Na Franca
O problema do abortamento tem sido calorosamente de
batido na Franga, tanto nos meios médicos e sociais como no
setor ,cla Igreja. Tenha-se em vista o n° de margo 1972 da re
vista francesa «Ecclesia», onde se encontra longo dossié so
bre o assunto. Entre outros dados importantes, extraimos des-
se documentário a seguinte carta escrita por uma senhora fran
cesa ao jornal «Le Monde» aos 29/VII/1971, e transcrita por
«Ecclesia» (n" citado, p. 34) com o titulo «O testemunho de
uma 'operada'».

«Fui 'operada' há oito meses em uma das maiores clínicas de


Londres, clínica particular, mas reconhecida — o que me fazia crer
que teña certas garantías. Era uma clínica situada na Laugham
Street e mundialmente conceituada por sua seriedade e pelo número
de casos tratados. . . Nao ponho em dúvída esse grande número,
mas posso dízer que tudo mais ai nao passa de chantagem.

Quando chegueí a Londres, tudo aconteceu como fora previsto.


Por certo, estive sob cuidados alheios durante doís días; mas que
chantagem, moral e profesional ! O secretario do Dr. B. . . me pro-
meteu um exame médico minucioso após algumas formalidades e,

— 303 —
16 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS » 151/1972

depois disso, 24 horas de hospitalizacao. Na verdade, isso nao


aconteceu ; o que houve, foram formalidades. A equipe do hospital
finge respeitar escrupulosamente a legalidade, ou seja, finge pedir
a autorizacao de um médico psiquiatra (que tem consultorio do outro
lado da rúa); finge que ¡ndenizará em caso de acídente; e coloca
urna serie de perguntas pessoais : Quem é o pai da cri-anca ? Por
que é que ele nao se casou com vocé ?, etc.

A lei prevé dois exames médicos : um, antes ; outro, depois da


operacáo, e mais vinte e quatro horas de hospitalizacáo.

Quanto ao «xame pré-operatório, vi o Dr. B... durante tres


minutos. Ele me tocou o ventre com a ponta dos dedos por cima do
vestido; perguntou-me desde quando eu estava grávida e se eu
nao era alérgica aos antibióticos. . . Nao interrogou a r.espeito de
grupo sanguíneo, nem me auscultou, aínda que sumariamente.

Passei a primeira noite no hotel, repartindo o quarto descon-


fortável com duas outras pacientes. Um taxi do médico veio apanhar
urna leva d« seis gestantes na manha seguinte as 7 h 30 min. As
8 h eu tinha sido operada; as 10 h, a equipe me vestía de novo,
por forca, e colocou-me num taxi. Foi preciso que- me carregassem,
pois eu aínda estava sob o efeito da anestesia, levaram-me de
volta ao hotel, onde o gerente se surpreendeu por saber que eu
nao tomaría ¡mediatamente o aviáo, mas só partiría no día seguinte.

O Dr. B... trabalha das 7 da manha as 11 horas na sua


clínica. E as operacoes se sucedsm visivelmente de cinco em cinco
minutos.

O preco da operacáo é de 1.500 F (parece que aínda é ba


rato). Mas nao esquecamos que o Dr. B... faz 'víver' toda urna
organiza cao : 100 F para o psiquiatra, mais 36 F por noite e por
pessoa no hotel, mais 12 F se a paciente nao toma o taxi de volta
ao aeroporto no momento indicado.

Nao sofri nenhuma conseqüéncia física da operacáo, embora


tenha voltado esgotada e louca de ¡nquietacao. Como quer que se¡a,
o Dr. B... nada tem a recear: dáo-nos um monte de injecoes e
antibióticos, para que agüenremos bem ao menos até o aeroporto de
Orly (em París).

Do ponto de vista dos ñervos, voltei arrasada, nao por causa


dos médicos ingleses apenas, mas pelo aspecto coletivo e organizado
do negocio, que me desmoralizou por completo.

Sou ¡ovem ; tenho 25 anos ; eu me julgava lívre. Era favorável


ao abortamento livre. Essa experiencia fez-me compreender agora

— 304 —
ABORTO EM DEBATE T7

por que tantos médicos franceses (que nao sño necessariamenre


reacionarios ou racanhos) ainda se mostram táo reticentes no tocante
á liberacáo total do «oborto. Nao há motivo para qu,e a Franca nao
venha a conhecer os mesmos escándalos que a Gra-Bretanha».

Este episodio nao pode deixar de ser tomado em conside-


ragáo, pois ajuda a refletir sobre o problema do aborto nao
somonte aqueles que tém concepcces religiosas, mas tambóm
os cidadáos que se interessem sinceramente pelo bem comum
da humanklade. Pode-se dizer que nao será a liberalizacáo da
legislacáo concernente ao aborto que trará auténtico alivio
a sociedade; a solusáo do problema está em carnadas mais pro
fundas, ou seja, num vivo despertar da consciéncia moral de
todos os cidadáos.

Troisfontaines (artigo citado na bibliografía destas pá


ginas) infere que em 1970 havia em Londres venda de em-
brióes humanos vivos. O Dr. Paúl Chauchard no jornal «Le
Monde» de 7/IV/1970 fala de abortadores profissionais re
gistrados que jogam fetos ainda chorando no crematorio.

3.3. Nos Estados Unidos da América

Também ai se tém registrado veementes campanhas con


tra o aborto principalmente no Estado de Nova Iorque, onde
desde l'/VII/1970 está em vigor urna lei que permite o aborto
dentro das primeiras 24 semanas da gestacáo. Entre os inci
dentes verificados, pode-se salientar o fato de que dez enfer-
meiras do Child's Hospital de Albany se recusaram a auxiliar
intervencóes abortivas. As autoridades hospitalares responde-
ram-lhes dando-lhes garantías e assegurando-lhes que o Hos
pital «respeitaria a sua opiniáo moral, pessoal e religiosa so
bre o assunto».

Os bispos norte-americanos, aos 18 de novembro de 1970,


emitiram a seguinte declaragáo sobre o assunto:

"Desde os primelros séculos da Igreja, o aborto fol tldo como um


atentado á vida humana. Nada nos permite julgá-lo diversamente em nossos
dias Os homens de ciencia nos enslnam que, desde o prlmeiro momento
da concelcSo, a crianca é um ser complexo, que cresce rápidamente,
dotado das características da vida humana. Embora o seu desenvolvimento
dependa de ambiente favorável, a crlanca tem vida próprla no selo materno.

Este principio fundamental foi solenemente recordado pelo Concilio


do Vaticano II: 'Deus, Senhor da vida, conflou aos homens a elevada
mlssio de proteger a vida — missio que deve ser sempre cumpnda de

— 305 —
18 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

maneira digna do homem. é por ¡sto que a vida há de ser protegida com
o máximo cuidado desde o inicio da conceicio. O aborto, como também o
infanticidio, é crime abominável' (Const. "Gaudium et Spes' n? 51).
Desde o seio materno, a crianga ó um ser humano. O aborto vem a
ser injusta destrulcáo da vida humana; no plano moral, equivale a um assas-
sínio. A sociedade nao cabe o direito de destruir essa vida; nem mesmo
á mulher grávida. A lei deve assegurar á crianga toda a protegió possivel
antes e depois do nascimento.

Lembramos aos médicos e as enfermeiras católicas que, independente-


mente das lels clvls, o aborto direto em si é sempre urna falta moral. Os
hospitais católicos e o seu pessoal devem dar testemunho da santldade
da vida, respeitando-a e defendendo-a antes e depois do parto. Deveriam
comprometer-se ao máximo a fim de proteger incondicionalmente tanto a
mSe quanto o filho.

Nao se pode langar a responsabilidade do mal do aborto sobre urnas


poucas pessoas apenas. Muitas vezes a sociedade também é culpada da
falta de compreensao e de justica em relacao á mulher grávida. No cum-
primento das suas responsabilidades, a sociedade deveria tentar tudo que
é possivel a fim de dispensar a assisténcia necessária as futuras máes,
tanto no plano da medicina como em outros setores.

Pedimos ao Governo e a todas as organizares voluntarias, inclusive


ás que sao patrocinadas pela Igreja, intensifiquem e ampliem as suas ini
ciativas destinadas a aconselhar e a assistir ás mulheres grávidas que, sem
este subsidio, poderiam ser tentadas a recorrer a solugóes contrarias á iei
de Deus" (cf. SEDOC 36 [maio 1971] 1335s).

3.4. No Brasil

O Prof. Otávio Rodrigues Lima, catedrático de Clínica


Obstétrica da Universidade do Brasil, divulgou recentemente
no Rio de Janeiro urna pesquisa sobre a prática do aborto,
revelando os seguintes dados:

Anualmente sao praticados no Brasil um milháo e 488


mil abortos provocados, correspondendo a 22% .dos partos e
ocupando 25% dos leitos existentes em toda a rede hospita-
lar. Nao se referia o levantamento a casos que nao levaram
á acáo hospitalar. O Prof. Rodrigues Lima calcula o custo me
dio do leito-aborto em 75 cruzeiros por dia. — Feita a projecáo
do alendimonto diario sobre o total de abortos que exigem so
corro, verifica-se que anualmente no Brasil se despendem mais
de onze milhóes de cruzeiros em operaeóes abortivas (levan-
do-se em conta a permanencia mínima de um dia no hospital
para cada paciente). A pesquisa revelou que os abortos sao
mais freqüentes entre as mulheres casadas, raima proporc.áo
de 56% contra 44% día abortos em mñes solteiras. Na opiniáo
do Dr. Otávio Rodrigues Lima, o confronto prova que o abor-

— 306 —
ABORTO EM DEBATE 19

to resulta principalmente ide pressóes socio-económicas, ou se-


ja, da impossibilidade que muitas familias experimentan!, de
ter prole numerosa.

No Brasil a legislacáo oficial permite o aborto em dois ca


sos: 1) terapéutica em favor da vida materna que se ache em
perigo; 2) estupro desonroso para a máe solteira. Pensam os
juristas em alargar ainda mais essa legislagáo, alegando, entre
outras coisas, ser incoercível o rumo da sociedade em favor
do abortamento legalizado. Pergunta-se, porém: será que a le
gislacáo de um pais tem apenas a funcáo de legitimar situagóes
feitas e fatos consumados, sem levar em conta os valores que
possam correr perigo em conseqüéncia ide tal legalizacáo? Ao
legislador compete, antes, ajudar a populacáo a cultivar va
lores e a nao perder consciéncia de certos bens que as tenden
cias de massa ou de moda muitas vezes ameagam destruir.

Bibliografía :

Declarares dos blspos dos EE. UU. A., do Canadá, da Bélgica, da


Holanda, da Franca, em SEDOC 3 (1971) n? 36, pp. 1333-1360.
DeclaracSo dos blspos dos países nórdicos europeus, em "Documen-
tation Catholique" n? 1598, 5/XII/1971, pp. 1076-1084.
Declaracao dos blspos da Italia, em "Documentation Catholique"
n? 1606, 2/IV/1972, pp. 312-314.
Jaime Snoek, "Aspectos biológicos, éticos e jurídicos do aborto" em
REB vol. 31 (1971), pp. 878-890, onde se encontram ampias indicag6es de
bibliografía moderna.
Pe. Paschoal Rangel, "Contracepcio, DIU e aborto diante de urna
filosofía personalista", em "AtualizacSo", maio/29 de 1972, p. 200-211.
V. Marcozzi, "La liberalizazzione della legge sull'aborto", em "La Ci-
viltá Cattoüca" n? 122, 3/IV/1971, pp. 18-30. Nos números seguintes da
mesma revista o assunto é freqüentemente debatido.
Troisfontalnes, "Faut-ll légaliser l'avortement ?" em "Nouvelle Revue
Théologlque" 103 (1971) pp. 489-512.
Cahiers Laennec 31 (1971) 1 (todo dedicado ao assunto).
P. Pousset, "Étre humaln déjá", em "Études" novembro de 1970, pp.
506-512.

R. Heckel, "Lo! sur l'avortement et anesthésie des consclences", em


"Cahiers de l'actualité religleuse et soclale", 1? nov. 1970.
Revista "Ecclesla" n? 276, mars 1972; "Le dossier du mols — L'avor
tement, par le Docteur Robert de Montvalon", pp. 17-47.

Revista "II Regno", 1/X/1970, pp. 394s: "Opposizlone all'aborto".

— 307 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

APÉNDICE
O seguinte documento, embora redigido em estilo de fic-
gáo, poderá ilustrar o problema abordado:

CARTA DE UM MENINO QUE NAO NASCEU, A SUA MÁE

«Quando eu devía nascer, mamae, vocé estava tao desnor


teada que já nem sabia o que fazia. Sabe, mamae, entre vocé «
papai havia muitas mentiras. Vocé nunca pensou que todo aquele
'sexo' devia ter urna finalidade « que vocé estava abusando de urna
forca muito poderosa que feria dado urna verdadeira felicidade a
vocé se tivesse sido dirigida direíto, nao é ? Vocé tinha urna grande
vontade da viver e, para vocé, 'viver' era gozar a vida. Só que a
vida existe para um fim determinado e vocé, mamae, devia ter refle-
tido mais, em vez de se lancar nela com tanta avidez. Amor, veja lá,
mamae, a gente nao o 'faz'. Amor, a gente o recebe por milagre
e dá depressa aos outros para agradecer, e também para sobreviver,
porque quem nao ama, morre. Nao é verdade que amor se 'faz';
isto é mentira que vocé oprendeu no cinema.

Olha, mamae, se eu tivesse nascido, vocé teria entendido tudo


na hora. E que alegria teria sido para mim ! Vocé já pensou na feli
cidade que é dar a vida a alguém? Se eu tivesse nascido, vocé teria
aprendido a ser móe, e agora eu ¡á seria grande, e um dia até
saberia cuidar de vocé. Mas vocé nao gostava da palavra 'mae'
no tempo em que eu devia nascer. Papai também nao. Ele quería
ser livre. Imagina tudo que ele teria aprendido comigo I Eu teria
mudado toda a vida dele. Ele se queixaria um pouco no comeco,
mas acabaría louco por mim. Era para mim que ele gostava de
fazer aquelas coisas de madeira, barquínhos « avioes — sem saber.
Nos feriamos tido tantas coisas para fazer juntos que vocé até ficaria
com ciúmes das nossas conversas, se eu tivesse nascido. Mas voces
tiveram medo de mim, medo de que eu nascesse, e medo de crescer.
Voces fugiram da verdade, estragaram tudo e eu perdi a minha
vida. E agora estamos todos sozinhos e separados».

ERRATA A PR 150/1972:

1'. /,, 1 90, 'futió*, cm vez ele "¡ao».


1 1, 1. IV, Utitt "|)fnl(; v;r <.-mpre<;nd¡<lej*.
l\ 77, 1. 1/, ltti<i '. ¡mpolirlri'. „ orn vez do "impedidos»,
1" -1-1. 1 1/.. l"¡,l "ni'iirdtitio no</, cm vez do •íagarramo-

.1IIH
..."Debrucado sobre urna materia que
¡he resiste, o trabalhador imprime-lhe o seu
ciinho, enquanto para si adquire lenacidadc,
engenho e espirito de invencao. Mais aínda,
vivido em roinum, na esperunca, no soj'ri-
mentó, na aspirando e na alegría partilha-
da, o tralmlho une as vontades, aproxima os
espiritas e sóida os coracoes: realizando-o, os
homens descobrem que sao irmaos."

PAULO VI
(Carta Encíclica Populorum Progressio)
marco - 1967

ENGEFUSA
Ética- Seguranca- Pioneirismo
Urna alerta

jesús é deus em sentido próprio?


a ss. trindade: tres modalidades de deus?

Em síntese: A partir de 1966, tém sido publicados estudos de fa


mosos teólogos que visam a tornar mais compreensfvel ao homem de hoje
a profissáo de fé na Divindade de Cristo. Acontece, porém, que tais tentativas
redundam na negacáo de que Jesús seja Deus no sentido próprio da palavra;
Jesús Cristo seria mero homem, embora de modo excelente e singular,
porque Deus nele se revelarla a toda a humanidade.

Visto que as novas proposites afetam em termos graves o cerne da


fé crista, a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé em Roma, aos 8/MI/1972,
houve por bem publicar urna Declaracüo que reafirma ser Jesús a segunda
Pessoa da SS. Trindade, coeterna com o Pai e o Espirito Santo, a qual
tomou a natureza humana de María Virgem, tornando-se verdadeiro homem.
Em Jesús Cristo, urna só pessoa — a Divina — subsistía em duas naturezas
— a Divina e a humana.

Esta profissáo de fé resulta dos estudos de padres e doutores da


Igreja dos primeiros séculos e fol formulada definitivamente pelo Concilio
de Calcedonia (451). O seu vocabulario, preciso como é, tornou-se garantía
de conservacáo da verdadeira fé, de sorte que o abandono dessa nomen
clatura suscita ambigüidade ou erros, apesar da boa intencao dos teólogos
contemporáneos.

Rflsposta: Aos 8 de marpo de 1972, a S. Congregagáo para


a Doutrina .da Fé cm Roma publicou notável Declaragáo a
respeito de erros modernos concernentes a Jesús Cristo e á
SS. Trindade. Havia alguns anos que tal órgáo da Santa Sé
nao se manifestava desse modo — o que supóe urna situagáo
grave no campo da teología. A Declaragáo deve ter sido ela
borada por urna comissáo de teólogos; o texto respectivo ha
de ter sido discutido pelos consultores e os Cardeais vincula
dos á Congregagáo para a Doutrina da Fé. A redagáo defini-

— 310 —
JESÚS, DEUS E HOMEM 23

tiva do documento foi por último levada ao S. Padre Paulo VI,


que houve por bem aprová-la.

Ñas páginas que se seguem, procuraremos delinear o fun


do de cena da Deciaracjio; a seguir, transcreveremos o respec
tivo texto e lhe acrescentaremos breves comentarios.

1. O fundo de cena

O S. Padre Joáo XXIH, ao convocar o Concilio do Vati


cano n, manifestou o desejo de que os teólogos procurassem
exprimir as verdades da fé em termos claros e compreensíveis
ao homem moderno; poderia trocar a linguagem clássica, quan-
do necessário, guardando, porém, absoluta fidelidade as pro-
da fé revelada.

Esta tarefa foi empreendida com especial interesse pelos


teólogos holandeses que, em tempos idos, propuseram a troca
de «transubstanciacáo» por «transignificacáo» e «transfinali-
zacáo» para designar a conversáo do pao e do vinho eucarís-
ticos no corpo e no sangue de Cristo. Tal troca, porém, susci-
tou mais incompreensáo do que compreensáo da real presen-
ga de Cristo na Eucaristía. Embora os autores nao pretendes-
sem negar a esta, nao obtiveram o resultado almejado.

A partir de 1966, apareceram também na Holanda estudos


de teólogos que tentaram reformular o conceito de «Jesús
Cristo, Deus e homem». Nos primeiros séculos da Igreja, o as-
sunto foi arduamente considerado: o arianismo, o apolinaris-
mo (ambos no séc. IV), o nestorianismo e o monofisismo (am
bos no séc. V) eram correntes teológicas que tendiam a dimi
nuir um dos termos do binomio: «Jesús é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem». Finalmente, o Concilio de Calcedonia em
451, após longos estudos de teólogos e doutores da Igreja, de-
finiu que em Jesús Cristo subsiste urna só pessoa ou um só Eu
(a segunda Pessoa da SS. Trindade, Deus Filho) em duas na-
turczas (a Divina e a humana); o que quer dizer: o Filho de
Daus passou a subsistir aqui na térra em urna natureza hu
mana recebida de Maña Virgem. Tal modo de falar tornou-se
clássico na teología católica; os vocábulos «natureza» e «pes
soa» nao causavam dificuldade ao entendimento dos medievais.
Eis, porém, que alguns teólogos contemporáneos julgaram de-
ver procurar outra formulagáo para exprimir como Jesús é
Deus e homem.

— 311 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

Apresentaremos aqui apenas tres espécimens dessas no


vas tentativas:

1.1. Prof. A. Hulsbosch

O Priof. A. Hulsbosch publicou em 1966 o artigo intitulado


«Jezus Christus, gedenk ais mens, beleden ais Zoon Gods» (Je
sús Cristo, conhecido como homem, professado como Filho
de Deus) em «Tijdschrift voor Theologie» 6 (1966) 250-273.
O autor pretende eliminar o dualismo das duas naturezas e
realgar a unidade de Cristo. Parta entáo do conceito de evolu-
Cáo: a materia viva, diz ele, nao é senáo o desdobramento da
materia inanimada; a própria vida intectual do homem é urna
das formas de .desenvolvimento da materia; secundo o autor,
nao necessária urna especial intervengáo de Deus para jus
tificar a transigáo da vida náo-humana para o grau humano.
De modo paralelo, diz ele, as prerrogativas divinas de Jesús
nao se devem a um principio divino distinto da sua natureza
humana; podem ser ditas divinas porque tém semelhanga com
Deus, mas, na vcrdade, nao sao senáo o resultado do desen
volvimento das virtualidades da própria materia. Sao pala-
vras de Hulsbosch: «Jesús é um homem que é homem de mo
do novo e superior. Já nao 6 o Filho, uno com o Pai na natu
reza divina. É um homem exccpcionalmente dotado de graga»
(p. 254). Como todas as criaturas sao manifestagóes do Cria
dor, Jesas-homem é a mais alta manifestagáo do Criador, ma-
nifestagáo única ou singular. O autor afirma em conseqüén-
cia: «Posso chamar Cristo criatura; entáo digo que é homem.
Posso chamar Cristo revelagáo de Deus; entáo digo que é
Deus» (p. 265).
Longe de negar que Jesús seja «verdadeiro Deus e ver-
dadeiro homem», é preciso sustentar que toda criatura é «ver-
dadeiro Deus e verdadeira criatura», pois é manifestado de
Deus.
Nesta nova interpretagáo da doutrina crista, que vem a
ser o Espirito Santo? — O Espirito Santo é o próprio Deus que
se revela em Cristo. Com outras palavras: Cristo é a forma na
qual Deus se revela; o Espirito Santo é Deus que se revela
n>sssa forma.

Assim, segundo Hulsbosch, a teologia se simplifica. Apa


rece muito melhor a unidade de Cristo, porque nele nao há
senáo um homem,. .. um homem diferente dos outros por ter

— 312 —
JESÚS, DEUS E HOMEM 25

um conhecimento e urna experiencia única de Deus. Em conse-


qüéncia, ele pode ser chamado «Homem celeste» (cf. 1 Cor
15, 45-49). Quando os Evangelistas Mateus e Lucas dizem que
Jesús foi concebido do Espirito Santo, apenas querem insinuar
que desde o inicio da sua existencia Jesús foi a grande revela-
c.áo de Deus.

Em suma, interpretando a seu modo os textos bíblicos


que falam da preexistencia de Cristo (tenha-se em vista, por
exemplo, Jo 1,1.14: «No principio era o Verbo... e o Verbo se
fez carne»), o autor holandés propunha em 1966 mais urna tese
filosófica do que o eco da mensagem bíblica.

A posigáo de Hulsbosch difundiu-se na Holanda. Foi reto


cada e parcialmente criticada por um ou outro teólogo (Schil-
lebeeckx, Schoonenberg, Smulders), de sorte que em 1971 o
Prof. Hulsbosch publicou novo artigo sobre o assunto, apre-
sentando o seu pensamiento um tanto modificado; cf. «Chris-
tus, de sheppende wijsheid van God», em «Tijdschrift yoor
Theologie» 1971, n" 2, pp. 66s. O autor retirou entáo a idéia
de que Cristo seja o produto de evolugáo. Em Jesús, diz Huls
bosch, se encontra a presenga criadora da sabedoria que abra-
ga toda a evolugáo. Todavía o autor nao admite em Jesús urna
pessoa divina: Cristo é mero homem, no qual Dsus está pre
sente como sabedoria; em conseqüéncia, tendo-se em vista a
pessoa humana de Jesús, pode-se falar de urna pressnga pes-
soal da sabedoria de Deus!

Á guisa de eco das novas teorías, seja citado aqui um tex


to do

1.2. Prof. P. Smulders

No encerramento de urna assembléia de bispos e sacerdo


tes, o P. Smulders, professor da Faculdade de Teología católica
de Amsterdam, leu urna profissáo de fé. Esta é estritamente
pessoal, isto é, nao responsabiliza a referida assembléia. Eis o
teor de sua primeira parte:

"Creio em Deus Pal, que tem tudo em suas maos. A minha existencia
é dom de Alguém que é amor e solicitude.

Crelo no homem Jesús, que nasceu de Maria e é o dom de Deus a


nos. Nele aparecem a solicitude de Deus por todos, o seu convite ao amor
e a sua paciencia para conosco, pecadores.

— 313 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

Esse Jesús vive, e diante dele e do seu Pai responderemos finalmente


por aquilo que somos nos mesmos e por aquilo que fazemos ao nosso
próximo.

Creio no Espirito Santo: o bem que desejamos e fazemos, é graca, e,


por este motivo, é mais forte do que nossa fraqueza, nossa culpa, nossa
¡ncapacldade" ("Het priesterberaad in Boordwijkerhout. Inleiding en slothes-
chouwing", em "Theologie en Pastoraat" 64 [1968] 330).

Os silencios ou as omissóes dessa profissáo de fé sao pro


fundamente estranhos. — Nao diz que Jesús seja Deus ou
Filho de Deus; nem afirma que nasceu de María Virgem por
obra do Espirito Santo; nem professa a morte e ressureigáo
de Cristo (apenas diz que Jesús «vive»). Também pairam som
bras sobre o Espirito Santo nesse texto. O juízo final parece
insinuado, mas em termos vagos.

Aínda pode merecer atengáo o ponto de vista dos

1.3. Prof. F. Haorsma e Prof. P. Schoonenberg

O Prof. Haarsma julga que o artigo de Hulsbosch resume


bem a tendencia de teólogos que desejam abandonar as
fórmulas dos Concilios de Éfeso (431) e Calcedonia (451) e
nao mais dizer que em Jesús há urna só pessoa: pessoa divina.
A teología moderna — diz ele — fala da transcendencia huma
na de Jesús. Ela reconhece Jesús Cristo como Filho de Deus,
isto é, como o homem no qual Deus está presente da maneira
mais intima. Essc homem difere de nos nao essencialmente,
mas escatologicamente (isto é, no tocante ao seu destino final).
Cristo nao tem preexistencia (isto é, nao existia antes de nas-
cer de Maria), mas tem preexistencia (urna existencia voltada
para o futuro): ele é o homem para todos, porque Deus nele se
manifcsta a nos. Cf. o artigo «Ontvvikklingen in de rooms ka-
tholicke theologie in Nederland», em «Ds nieuwe mens» 20
(1968) 55.

O Prof. P. Schoonenberg converge com Haarsma, afirman


do que «Jesús é urna pessoa humana, um ser humano, psicoló
gico e ontológico, um centro de consciéncia, de decisáo e de
projeto de vida». Cf Jezus Christus vandaag dezelfde», em
«Geloof bij kenterend getij». Roermond-Maaseik, 1967, 173s. E
concluí:

"No tocante a Cristo, tudo se reduz ao exemplo... um exemplc que


toca em profundldade a existencia e que tem por fonte um contato pessoai".
Mas "nao temos o direito — por causa de nossa fé em Jesús — de excluir

— 314 —
JESÚS, DEUS E HOMEM 27

outras fontes de inspiragáo e exemplo. Jesús mesmo se referiu aos profetas,


a Moisés, etc., que eram os grandes exemplos da tradÍQáo religiosa do
seu país. A nossa fé professa apenas que ele é para nos o exemplo
eminente e insuperável" ("Sept problémes capitaux de l'Égllse". París 1969,
p. 157).

Estes textos sao suficientes para dar a ver como pensam


os autores que, desejando expressar de novo modo a fé em
Jesús Cristo, admitem que Jesús nao seja, em sentido próprio,
verdadeiro Deus feito homem.

2. Guem tem razao ?

Diante das sentengas dos eruditos autores citados, pode


alguém ter motivos para interrogar: nao estaráo eles com ra
záo? Profundos estudiosos, doutos conhecedores do pensamen-
to moderno, nao estaráo eles traduzindo para o homem contem
poráneo o teor dos documentos bíblicos? Se no século V o Con
cilio de Calcedonia falou de duas naturezas e urna pessoa em
Cristo, nao poderíamos nos reformular tal linguagem, cujo vo
cabulario se tornou estranho aos nossos dias?

A resposta nao é difícil. A realidade de Jesús Cristo só


nos é conhccida pela revelagáo do próprio Jesús Cristo, que nos
vem através das Escrituras e da Tradigáo, que o magisterio da
Igreja exprime auténticamente. O assunto nao ó do setor da
filosofía ou da física, mas estritamente do ámbito; da fé. Por isto
a razáo ou o «bom senso» nao sao criterios decisivos para se de
finir quem era Cristo, e, sim, a Palavra de Deus, que falou e
fala pela Igreja através dos sáculos. Ora a Igreja, seguindo o
ensinamento dos Apostólos, em todos os tempos professou que
Jesús é Deus verdadeiro Mto homem verdadeiro no seio de
María Virgem; é a segunda Pessoa da SS. Trindade que sub
siste eternamente com o Pai e o Espirito Santo. Esta fe foii for
mulada em termos técnicos nos Concilios de Niceia I (ó¿i>),
Constantinopla I (381), Éfeso (431) e Calcedonia (451). Dian-
te de contradigóes e das mais diversas sentengas propostas por
correntes ¡novadoras (arianismo, macedonianismo, nestoriams-
mo monofisismo), os blspos e teólogos da Igreja antiga foram
incitados a sondar os documentos da fé (as Esenturas e a Tra
digáo sagrada), chegando conscientemente as profissoes de fe
dos Concilios mencionados. Hoje em dia pode-se exprimir a
mesma doutrina em termos equivalentes, contanto que se afir
me sempre a fé em Jesús Cristo Deus feito homem. Qualquer
eqplicagáo que de algum modo derrogue a esta fé, já perverte

— 315 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

o Cristianismo, reduzindo-o á categoría de mera corrente hu


mana de pensamento. Ora é o que acontece as teses dos autores
citados: movidos pela louvável intengáo de atualizar a lingua-
gem da teología, já nao estáo simplesmente substituindo expres
sóes antigás por equivalentes expressóes modernas, mas estáo
afetando o conteúdo mesmo da fé crista.

De resto, somente se Jesús é verdadeiro Deus encarnado,


se entende a mensagem do Cristianismo: este afirma que na
plenitude dos tempos Deus quis assumir a natureza ,do homem,
sua vida, seus sofrimentos e sua morte, para dar sentido novo a
estas realidades, ou seja, para santificar e divinizar o homem e
o mundo; em conssqüéncia, o cristáo tem a esperanga e a cer
teza de que a sua vida cotidiana, por mais comezinha que seja,
tem um valor de eternidade; ela é o cenário no qual Cristo pro
longa a sua vida de Filho de Deus, fazendo-nos com Ele voltar
ao Pai.

Para reafirmar tais nocóes, que sao essenciais ao Cristia


nismo, é que a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé houve por
bem publicar o documento que transcrevemos abaixo:

3. «O misterio do Filho de Deus»

DECLARACÁO PARA SALVAGUARDAR DE ERROS RECENTES


A FÉ NOS MISTERIOS DA ENCARNACÁO E DA SS. TRINDADE

1. É necessário que o misterio do Filho de Deus feito homem e


o misterio da Santíssima Trindade, que fazem parte das verdades
principáis da Revelacao, iluminem, com a pureza da sua verdade, a
vida dos cristaos. Mas, como estes misterios foram impugnados por
alguns erros recentes, a Sagrada Congregacáo para « Doutrina da
Fé tomou a decisao de recordar « salvaguardar a fé transmitida sobre
estes mesmos misterios.

2. A fé católica no Filho de Deus feito homem

Jesús Cristo, durante a Sua vida terrestre, manifestou, de diver


sos modos, com as palavras e com as obras, o misterio adorável da
Sua pessoa. Depois de se ter tornado «obediente até a morte»
(Flp 2,8), fot exaltado pelo poder de Deus, na nessurreicao gloriosa,
como convinha ao Filho «por meio do qual tudo foi criado pelo Pai»
(1 Cor 8,6). A respeito d'Ele, Sao Joao afirmou solertemente: «No

— 316 —
JESÚS, DEUS E HOMEM 29

principio ¡ó existia o Verbo, e o Verbo estova com Deus, e o Verbo


era Deus... E o Verbo fez-se homem» (Jo 1,1 e 14; cfr. 1,18).

A Igreja conservou sempre, santamente, a fé no misterio do


Filho de Deus feito homem, transmitindo-a «no decurso dos anos e
dos séculos» (I Concilio Vaticano, Dei Rlius, c. 4; DS 150), com urna
linguagem cada vez mais explícita. Com efeito, no Símbolo de Cons-
tantinopla, que até hoje é recitado na celebracáo eucarística, ela
professa a sua fé «em Jesús Cristo, Filho Unigénito de Deus, nasddo
do Pai antes de todos os séculos... Deus veradeiro de Deus ver
dadero... da mesma substancia do Pai... que por nos homens,
<e pela nossa salvacáo. . . se fez homem» (Missal Romano; DS 150).
O Concilio de Calcedonia decretou que se devia crer que o Filho de
Deus foi aerado pelo Pai, segundo a Sua divindade, antes de todos os
séculos, e nasceu, no tempo, de Mario Virgem, segundo a Sua humani-
dade {Cfr. Concilio de Calcedonia, Definicáo; DS 391). Além disso,
este mesmo Concilio atribuiu o termo pessoa ou hypostasis ao único e
mesmo Cristo, Filho de Deus, usando, porém, o termo nofureza para
desi,grtar a Sua divindade e a Sua humanidade. Com estas palavras,
ensinou que estao unidas, na única pessoa do nosso Redentor, as
duas naturezas, divina e humana, sem confusao e sem mudanca, sem
divisao e sem separacao I cfr. ibid., 302). Do mesmo modo, o IV Con
cilio de Latrao ensinou que se deve crer e professar que o Filho Uni
génito de Deus, eterno como o Pai, se tornou verdadeiro homem e
é urna só pessoa em duas naturezas (cfr. IV Conc. de Latrao, Firmiter
credimus; DS 800 s.). Esta é a fé católica que o II Concilio do Vati
cano, de acordó com a Tradicao constante de toda a Igreja, ensinou
recen'temente com muita clareza em numerosas passagens dos seus
documentos. :

3. Alguns erres retentes sobre a fé no Filho de Deus feito


homem

Sao claramente opostas a esta fé as opinioes segundo as quais


nao nos foi revelado e nem se sobe que o Filho de Deus subsiste
ab aeterno, no misterio de Deus, distinto do Pai e do Espirito Santo;
e também as opinioes segundo as quais nao tem sentido a afirmacao
de que Jesús Cristo tem urna só pessoa, gerada, ant.es dos séculos,
pelo Pai, segundo a natureza divina, e, no tempo, de María Virgem,
segundo a natureza humana ; e, por fim, a assercño segundo a qual

1 Cfr II Concilio do Vaticano, Lumen GenMum, nn. 3, 7, 52, 53; Dei


Verbum, nn. 2 e 3; Gaudum et Spes, n. 22; Unitalis Redlntegratio, n. 12;
Chrlstus Dominus, n. 1 ; Ad Gentes, n. 3; Paulo VI, Solene Profissio de Fé,
em: A.A.S. 60, 1968, 437.

— 317 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

a humanidade de Jesús Cristo existe nao como assumida na pessoa


eterna do Filho de Deus, mas em si mesma, como pessoa humana,
e, por conseguirle, o misterio de Jesús Cristo consiste no fato de
Deus se revelar presente de um modo supremo na pessoa humana
de Jesús.

Aqueles que pensam assim estáo longe da verdadeira fé em


Cristo, mesmo quando asserem que a singular presenta de Deus -em
Jesús faz com que Ele seja a expressao suprema e definitiva da reve-
lacao divina, e nao recuperam a veradeira fé na divindade de Cristo,
quando acrescentam que Jesús pode ser chamado Deus, porque Deus
está sumamente presente naquela pessoa a que «les chamam a Sua
pessoa humana.

4. A fé católica na Santíssima Trindade e no Espirito Santo

Quando se nega o misterio da .pessoa divina e «terna de Cristo,


Filho de Deus, também se negam a verdade da Santíssima Trindade
e, com e!a, a verdade do Espirito Santo, que proceda ob aeterno do
Pai e do Filho, ou, por outras palavras, do Pai pelo Filho (cfr. Conci
lio de Florenca, Laetentur coeli; DS 1300). Por isso, considerando
os erros recentes sobre esta doutrina, devem ser recordadas algumas
verdades de fé na Santíssima Trindade e, particularmente, no Espi
rito Santo.

A segunda carta aos Corintios termina com esta admirável fór


mula : «A graga do Senhor Jesús Cristo, o amor de Dieus e a comu-
nicacao do Espirito Santo sejam com todos vés» (2 Cor 13,13). No
mandato de ¿atizar, referido pelo Evangelho de Sao Mateus, sao
nomeados o Pai, o Filho e o Espirito Santo, como tres que fazem
parte do misterio de Deus e em cujo nome os novos fiéis devem ser
regenerados (cfr. Mt 28,19). Por fim, no Evangelho de Sao Joáo,
Jesús fala da vinda do Espirito Santo, deste modo : «Mas, quando
vier o Consolador, que vos hei de enviar da parte do Pai, o Espirito
da Verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim»
(Jo 15,26).

Baseando-se nos dados da divina revelacáo, o Magisterio da


Igreja, o único que recebeu «a missáo de interpretar auténticamente
a palavra de Deus escrita ou transmitida» (II Concilio do Vaticano,
Del Verbum, n. 10), professou, no Símbolo de Constantinopla, a suo
fé «no Espirito Santo que é Senhor e dá a vida.. . e com o Pai e
o Filho é adorado e glorificado» (Missal Romano; DS 150). Igual
mente, o IV Concilio de latráo ensinou a crer e a professar «que um
só é o verdadeiro Deus... Pai e Filho e Espirito Santo : tres pessoas,

— 318 —
JESÚS, DEUS E HOMEM 31

mas urna única essénáa... o Poi que nao procede de ninguém, o


Filho qua procede somente do Pai, e o Espirito Santo que procede
igualmente de ambos, sempre sem inicio c sem fim» (IV Concilio do
Larrao, Firmiter Credimus; DS 800).

5. Alguns erros recentes sobre a Santíssima Tríndade e, par


ticularmente, sobre o Espirito Santo

É contraria á fé a opiniáo segundo a qual a revelacáo nos deixa


em dúvída sobre a eternidade da Santíssima Trindade «, particular
mente, sobre a existencia eterna do Espirito Santo, como pessoa dis
tinta, em Deus, do Pai e do Filho. é verdade que o misterio da San
tíssima Trindade nos foi revelado na economia da salvacao, princi
palmente! em Cristo, que foi enviado ao mundo pelo Pai e que, jun
tamente com o Pai, envia ao Povo de Deus o Espirito que vivifica.
Mas, por meio desta revelacáo, foi dada aos fiéis também a possi-
bilidade de conhecer de algum 'nodo a vida íntima de Deus, na
qual «o Pai que gera, o Filho <,je é gerado e o Espirito Santo que
procede» sao «da mesma substancia, iguais, do mesmo modo omni
potentes e eternos» (ibid.).

6. Os misterios da Encarnacáo e da Santísshna Trindade devem


ser fielmente conservados e explicados

O que é expresso nos documentos conciliares ácima citados


sobne o único e mesmo Cristo Filho de Deus, gerado, antes dos sé-
culos, segundo a natureza divina, e, no tempo, segundo a natureza
humana, e sobre as pessoas eternas da Santíssima Trindade, pertence
á verdade imutáviel da fé católica.

Isto nao impede, certamente, que a Igreja considere como seu


dever, levando também em consideracáo os novos modos die pensar
dos homens, nao deixar de envidar esforcos, a fim de que os mencio
nados misterios sejam aprofundados, por meio da contemplacáo da
fé e da investigacáo dos teólogos, e mais amplamente explicados, de
um modo adequado. Mas, quando se cumpre a necessária tarefa de
investigar, é preciso evitar diligentemente que estes misterios arcanos
sejam considerados num sentido diverso ¿aqueles segundo o qual
«a Igreja os «ntendeu e entende». 1

51 Concilio do Vaticano, Del Fllhis, c. 4, can. 3 ; DS 3043 ; Joáo XXIII,


Alocucáo na abertura do II Concillo do Vaticano, em : A.A.S., 54 1962,
792 ■ II Concilio do Vaticano, Gaudium et spes, n. 62; Paulo VI, Solene Pro-
fissao de Fé, 4, em : A.A.S. 60, 1968, 434.

— 319 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

A verdade intacta desfes misterios é de suma inportáncia para


toda a revelacáo de Cristo, porque eles de tal modo fazem parte do
seu núcleo, que, se forem alterados, também será falsificado o resto
do tesouro da fé. A verdade destes mesmos misterios é igualmente
importante para a vida crista, porque nada manifestó tao bem a
caridade de Deus, da qual toda a vida dos cristáos dieve ser urna
resposta, como a Encarnacáo do Fílho de Deus, nosso Redentor
(cfr. 1 Jo 4,9$), e também porque «aprouve a Deus, na Sua bon-
dade e sabedoría, revelar-se <a si mesmo e tornar conhecido o mis
terio da Sua vontade, por meio do qual os homens, através de Cristo,
Verbo Encarnado, tém acesso ao Pai no Espirito Santo e n'Ele se
tornam participantes da natureza divina» (II Concilio do Vaticano,
Dei Verbum, n. 2; cfr. Ef 2,18; 2 Ped 1,4).

7. Portanto, com respeito as verdades que a .presente Decía-


racao defende, é dever dos Pastores da Igreja exigir a unidade na
profissao de fé do seu povo e, principalmente, daqueles que, em
virtude do mandato que Ihes foi confiado pelo Magisterio, ensinam
as ciencias sagradas ou pregam a palavra de Deus. Este dever dos
Bispos faz parte do múnus que, divinamente, Ihes foi confiado : de
«conservar puro e íntegro o depósito da fé», ;em comunháo com o
sucessor de Pedro, e de «anunciar incessantemente o Evangelho»
(Paulo VI, Exortacáo Apostólica Quinqué jam Anni; em A.A.S. 68,
1971, 99, e em : O.R. ed. port., 10 de ¡aneiro de 1971, p. 9). Por
causa do mencionado múnus, sao obrigados a nao permitir que os
ministros da palavra de Deus se afastem da sa doutrina e a trans
mita m corrompida ou incompleta 1, Com efeito, o povo confiado aos
cuidados dos Bispos, « «do qual» eles «sao responsáveis diante de
Deus» (Paulo VI, ibid.), .goza do «direito ¡rrevogável e sagrado» de
«receber a palavra de Deus, da qual a Igreja nunca deixou de adquirir
urna compreensao cada vez mais profunda» (ibid.).

Além disso, os cristáos, «, principalmente, os teólogos, por causa


do seu importante oficio e do seu necessário servico na Igreja, devem
professar fielmente os misterios que sao recordados na presente De
cía racao. Igualmente, sob a acáo e a luz do Espirito Santo, os filhos
da Igreja devem aceitar toda a doutrina da Igreja, sob a guía dos
seus Pastores e do Pastor da Igreja universal2, de modo que hoja
«urna singular colaboracáo de Pastores e fiéis, na conservacáo, no
exiereído e na profissao da fé recebida» 3.

'Cfr. 2 Tim 4,1-5; Paulo VI, ibid.; Sínodo dos Bispos, Assembléla de
1967, Rotatorio da ComlssSo Sinodal constituida para o exame das oplntóes
perlgosas e do ateísmo, 11,3,3 em O.R. 30-31 de outubro de 1967, p. 3.
' Cfr. II Concillo do Vaticano, Lumen Gentlum, nn. 12 e 25; Sínodo
dos Bispos, Assembléla de 1967, Ibid. II, 4.
1II Concilio do Vaticano, Dei Verbum, n. 10.

— 320 —
JESÚS. DEUS E HOMEM 33

O Sumo Pontífice, por divina Providencia Papa Paulo VI, na


audiencia concedida, no día 21 de fevereiro de 1972, ao subscrito
Prefeito da Sagrada Congregacáo para a Doutrina da Fé, ratificou
e confirmoü esta Declaracao que visa a salvaguardar a fé nos mis
terios da Encarnacao e da Santissima Trindade, e ordenou que fosse
publicada.

Roma, Sagrada Congregacao para a Doutrina da Fé, 21 de


fevereiro de 1972, fesfa de Sao Pedro Domino.

t FRANJO Cardeal SEPER


Prefeito

t PAÚL PHIUPPE
Arcebispo titular de
Heracleópoüs magna
Secretario

4. Breve comentario

Como se vé, o texto da Declaragáo nao cita nomes de au


tores nem profere anatemas ou condenagóes sobre quem quer
que seja. Apenas indica posigóes doutrinárias, distinguindo do
erro a verdade. Termina com apelo aos bispos e pastores de
almas, a fim de que exergam fielmente o seu ministerio de arau-
tos e defensores da reta fé, em beneficio do povo de Deus, que
muitas vezes se vé sujeito a pregagóes e leituras pouco equili
bradas, as quais perturbara e pnejudicam seriamente a vida
crista.

Recapitulando o teor do documento atrás transcrito, po


demos dizer que sao quatro os erros nele rejeitados:

1) A tese segundo a qual a' psssoa de Cristo nao seria an


terior á encarnagáo. A pessoa do Filho de Deus nao seria coe-
terna com o Pai e o Espirito Santo.

2) A tese que nega, possa a única pessoa de Jesús Cristo —


coeterna com o Pai e o Espirito Santo — subsistir na natureza
humana desde o primeiro instante da encarnagáo no seio de
Maria .Virgem. Duas naturezas — a divina e a humana — se-
riam incompatíveis com a unidade que se deve afirmar em
Cristo.

— 321 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

3) A tese que admite em Jesús Cristo urna só pessoa —


a humana — e urna só natureza (humana). Em Cristo, mero
homem, Deus se revelarla de modo singular. — Reconhega-se
que em Cristo Deus Pai se revela, nao, porém, mediante urna
pessoa humana, mas, sim, mediante a segunda Pessoa da SS.
Trindade.

4) Quem nega a Pessoa divina de Cristo nega também a


SS. Trindade; a eternidade da Pessoa do Espirito Santo é posta
em causa. A SS. Trindade teria comegado a existir com a vida
humana de Cristo.

A linguagem da Declaragáo de Fé é assaz técnica, pois re


toma as definigóes de antigos Concilios. Como quer que seja,
ela se opóe a qualquer tentativa de negar seja Jesús Cristo ver-
dadeiro Deus e verdadeiro homem. Essa doutrina foi expressa
em termos rigorosamente precisos nos primeiros sáculos ida
Igreja; a nomenclatura entáo adotada tornou-se garantia de con-
servagáo da reta fé, de sorte que a reforma dessa nomenclatura
hoje em día pode acarretar ambigüidades ou mesmo erros em
um setor capital para a mensagem crista. — Eis por que a S.
Igreja interveio enérgica e claramente no momento oportuno.
Para o estudioso sincero, nao pode restar margem á hesitagáo.

Bibliografía:

Marcelo González, "La foi en Jésus-Christ et en la Sainte Trlnlté",


em "L'Osservatore Romano" (ed. francesa), S/V/1972, p. 11.
Jean Galot, "Alcunl recenti error! sui misterl dell'lncarnazione e della
Trinitá", em "La Civiltá Cattollca", n? 2923, 1/IV/1972, pp. 41-46.
Jorge Mejia, "La Declaración doctrinal", em "Criterio" n? 1640,
23/111/1972, pp. 144-146.
Jean Galot, "Tentativi di una nuova Cristologia", em "La Civiltá
Cattolica" n<? 2886, 19/IX/1970, pp. 484-494.
ídem, "Rinnovamento della Cristologla", em "La Civiltá Cattolica"
n? 2887, 3/X/1970. pp. 31-41.
ídem, "Alcuni recenti error! sui misteri deli'lncamazione e della Trlni
tá", em "La Civiltá Cattolica" n° 2923, 1/IV/1972, pp. 41-46.

"UM CRISTÁO É UM HOMEM


A QUEM JESÚS CRISTO
CONFIOU TODOS OS HOMENS"

Perreyve

— 322 —
RENOVACÁO E FIDELIDADE

"Para um cristáo, a renovacáo continua é um programa.


O principio de Aristóteles segundo o qual a imobilidade do
•centro é principio de mobilidade da periferia para o centro
reflete bem a vida crista. A vida crista define-se essenciaimente
e ao mesmo tempo pela fixidez e pela novidade.

Deveríamos ter sempre ante os oihos essa dualidade que,


tanto no plano doutrinal como no plano prático, nos traz a
resposta a urna grande questáo muito atual: como sermos
cristaos fiéis, auténticos, livres, fervorosos, enraizados em
verdades e em formas de vida que nao toleram variacóes, e,
ao mesmo tempo, sempre em demanda de novas formas de
vida portadoras de progresso ? é preciso tendamos para urna
constante renovacáo de vida (.cf. Rom 6,4) numa firme fideli-
dade á fé, sem equívocos (cf. 1 Pe 5,9). Essa associagáo entre
a fixidez na fé, na esperanca e na caridade, num profundo
desejo de coeréncia e de autenticidade crista, de um lado,
e, de outro lado, a aspiracáo a explorar incessantemente a
verdade revelada, com o desejo de imitar o Cristo e de tra-
balhar na salvagáo de nossos irmaos de maneiras sempre
novas... deveria constituir o objeto de um dos anseios cons
tantes do verdadeiro cristáo. Isto quer dizer que a nossa capa-
cidade de resistir ao espirito revolucionario próprio do nosso
século e de transcendé-lo vitoriosamente, ao mesmo tempo
que ela imprime á nossa vida crista urna liberdade de movi-
mento, urna aptidáo a agir de maneira benfazeja... deveria
lembrar-nos o genio do cristianismo, que é urna floracáo sem
pre nova da vida presente (vida que é precaria) em vista da
vida futura (vida que é segura) da eternidade. Ela deveria
manifestar ao mundo a adesao e a fidelidade de nossa vida
ao Cristo ressuscitado, que já nao morre (Rom 6,9)".

(Paulo VI, alocucáo de 25-IV-1972).

— 323 —
Um livro original:

"jesús de nazaré"
do padre José comblin

Em síntese: O livro do P. Comblin "Jesús de Nazaré" constituí urna


tentativa de fazer o leitor reviver a experiencia dos Apostólos e discípulos
que acompanhavam Jesús antes de Páscoa. Jesús devia parecer-thes miste
rioso, mas nao se revelava plenamente como Deus, segundo Comblin. Tal
tentativa em si é válida. Acontece, porém, que, ao executá-la, Comblin aos
poucos contribuí para que Jesús de fato nao apareca aos leitores senáo
como mero homem ; o "Jesús" de Comblin nao só era mero homem na
apreensáo subjetiva dos Apostólos, mas vertí a ser em si, objetivamente,
mero homem. O autor prescinde da sua Divindade a tal ponto que a fé em
Cristo Deus parece algo de adventicio ou supérfluo. Por certo, a Intencáo
de Comblin nao era a de negar a Divindade de Cristo ; mas o livro apresenta
o perlgo de dificultar a fé em Crlsto-Deus, em vez de a purificar e tornar
mais forte e auténtica, pois as Impressóes subjetivas dos Apostólos s8o
confundidas com a realidade objetiva de Cristo.

Comentario: O P. José Comblin langou em fins de 1971,


pela Editora Vozes de Petrópolis, mais um de seus estudos teo-
lógico-bíblicos: «Jesús de Nazaré. Meditacóes sobre a vida e a
agáo humana de Jesús». Neste livro de 144 páginas, o autor ten-
dona descrever o perfil de Jesús tal como os Apostólos e dis
cípulos o viram antes de Páscoa, ou seja, quando «aos olhos dos
discípulos Jesús ainda era um homem, simplesmente homem»
(p. 7). A fé em Jesús parece exigir que se tome clara conscién-
cia de quem era Jesús, verdadeiro homem que viveu na Palestina
há mais de dezenove séculos; caso se descuide o perfil humano
de Cristo, a fé no Senhor pode tornar-se mítica, ou seja, urna
atitude de piedade subjetiva, sentimental, desvinculada da rea
lidade passada. É consciente disto que o P. Comblim escreve
o seu estudo sobre Jesús.

O livro se le com muita facilidade; destina-se a ampio cír


culo de leitores. Mas tem suscitado comentarios contraditórios.

— 324 —
«JESÚS DE NAZARÉ» DE COMBLIN 37

É por isto que abaixo o analisaremos, acrescentando-lhe algu-


mas reflexóes, embora saibamos que o erudito autor da obra
está ausente do Brasil; em tudo procuraremos ser objetivos e
ponderados.

Comecaremos por expor sintéticamente os tragas princi


páis do livro

1. «Jesús de Nazaré»

O autor procura, em todo o decurso do seu escrito, abstrair


da Divindade de Jesús. Recoloca Jesús no seu ambiente geo
gráfico, étnico e familiar, equiparando o futuro profeta aos de-
mais meninos e adolescentes da Galiléia; estes eram intensa
mente imbuidos de cultura biblica e tinham consciéncia de per-
tencer a um povo destinado á liberdade (pp. 16s).

Já adulto, Jesús iniciou sua vida pública, mas «nunca ex-


plicou realmente quem era ele» (p. 18). «Jamáis ninguém, du
rante todo o tempo .da sua vida terrestre, desconfiou que fosse
mais do que um homem» (p. 19).

O grande objetivo da míssáo de Jesús foi despertar os seus


compatriotas para a conquista da liberdade que o patrimonio
bíblico-religioso de Israel lhes indicava. Essa liberdade era en-
travada principalmente «palo medo e a falsa submissáo religio
sa em que os fariseus mantinham o povo judeu» (p. 38). «Jesús
nao lutou contra o sistema económico, social, político do seu
tempo: o povo faria isso. Ele libertou o povo do adversario que
o mantinha escravizado dentro de si mesmo» (p. 38).
Aconteceu, porém, que Jesús encontrou seria resistencia
da parte da classe mentora de Israel. Reconfortou-se, porém,
ao lembrar-sc do que os profetas haviam predito que a obra de
Deus se continuaría mediante o «resto de Israel»; este resto, no
caso de Jesús, eram os doze Apostólos,

" " O grande mestre anunciou a vinda do Reino de Deus so


bre a térra. Como e quando este acontecimento se daría, ele o
ignorava Devia presumir, de acordó com as profecías, que o
Reino (com o julgamento final ,dos povos e a restauracáo da or-
dem no universo) irromperia em breve; por isto tambem nao
cuidou de organizar a sua Igreja. O Pai, em sua Providencia,
despertaría nos Apostólos a intuigáo necessária para levarem
adiante em ordem e eficiencia o ideal de Jesús. O que Jesús le-

— 325 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

gou aos seus Apostólos é sumario: «Deixou apenas algumas re-


comendagóes de humildade e de caridade, reuniu os Doze e en-
tregou-lfass a continuagáo da sua obra, deu urna missáo especial
a Pedro, recomendou que fizessem a ceia em sua memoria e
como sinal da nova alianca selada na cruz. Mais nada» (p. 96).

Essa ceia «nao era um ato de culto. .. A eucaristía virou


missa dentro do contexto de eivilizagáo do mundo mediterráneo,
como adaptagáo cultural» (p. 68).

Ñas suas relagóes com Deus, Jesús era extremamente so


brio: «nao praticava ato religioso, nem parecía preocupar-se
com a prática religiosa dos seus discípulos» (p. 66). Quando ia
ao templo, ia para tomar a palavra; «usava o templo como tri
buna ou teatro das suas atividades, num sentido totalmente se
cularizado; o templo é lugar em que se encontram muitas pes-
soas reunidas» (p. 67). «A missáo de Jesús girava ism torno de
duas preocupagóes principáis: a mensagem de libertagáo e a
mensagem de fraternidade para refazer a alianca de Israel, a
verdadeira e eterna» (p. 66).

Em suma, o livro em foco apresenta um Jesús secularizado,


isto é, reduzido as suas dimensóes meramente humanas. O autor
nao pretende negar a Divindade de Jesús Cristo, pois é sacerdo
te católico; julga, porém, oferecer aos seus leitores urna autén
tica faceta de Jesús, que poderá contribuir a fundamentar urna
fé mais adulta e madura no Senhor Jesús; este, depois de Pás-
coa, foi plenamente reconhecido e comprovado como Deus.

Diante de tal tese, vem a propósito a pergunta:

2. Que dizer?

Proponamos tres observagóes:

2.1. Difícil artificio

O P. Comblin tcnciona reviver, com seus leitores, a expe


riencia dos Apostólos que acompanhavam Jesús durante a sua
vida mortal: viam em Jesús um homem, apenas um homem,
embora extraordinario. Dinamos ser bem possível que os Apos
tólos tenham passado por tal experiencia (embora em Mt 16,16
Pedro reconhega Jesús como o Filho do Deus vivo — confissáo
esta que só podía ser feita por revelacáo do Pai)... Mas o fato
é que o P. Comblin nao se limita a apresentar apenas a atitude

— 326 —
«JESÚS DE NAZARÉ» DE COMBLIN 39

subjetiva dos Apostólos; ele chega a insinuar que Jesús mesmo,


em seu comportamento exterior e em seu íntimo, só se regia
por criterios humanos au pslo estilo de vida dos profetas an-
tigos; a quanto se pode depreender da leitura do livro, Jesús mes
mo ignoraría ser verdadeiro Deus, e nao teria nogáo exata do
plano do Pai referente a Israel e á humanidade. Em suma, o
Jesús de Nazaré de Comblin nao somente aparece como homem
aos seus seguidores, mas é homem, mero homem, e nao Deus
feito homem... É esta a impressáo que o leitor vai colhendo
através da leitura das páginas de Comblin. Embora este autor
nao tencione negar que Jesús seja Deus e homem, apresenta-o
de modo que equivale a por de lado (ou praticamente cancelar)
a Divindade de Cristo. Notemos que tentar reconstituir as expe
riencias subjetivas dos Apostólos no convivio com Jesús antes
de Páscoa é tarefa válida. Nao se deve, porém, confundir o
subjetivo com o objetivo, ou seja, insinuar que Jesús objetiva
mente ou em si nao era mais do que o homem extraordinario re-
conhecido pelos Apostólos.

O homem «Jesús de Nazaré» de Comblin carece mesmo


de dimensóes religiosas propriamente ditas. É um humanista,
arauto de liberdade e fraternidade, nao, porcm, de um relacio-
namento novo e mais íntimo com Deus Pai. A nogáo de pecado
como ruptura do amor a Deus nao aparece no contexto da obra.

Ora tal apresentagáo de Jesús, em vez de purificar a fé dos


cristáos, pode concorrer para destrui-la. As páginas de Comblin
circunscrevem táo bem Jesús como homem que parece supérfluo
ou até mitológico ainda querer professar a Divindade de Jesús.

De resto, o método de Comblin dá lugar a ambigüidades ou


questóes abertas. Conforme o Evangelho, Jesús julgará os ho-
mens e os separará no fim dos tempos, levando em conta o
comportamento de cada um em relagáo a Ele (cf. Mt 25, 31-46);
Jesús se colocou no lugar de Javé, reformulando as leis dadas
ao antigo Israel (cf. Mt 5,21.27.31.33.38.43); apresentou-se
como Senhor do sábado ou do dia que Javé dedicava a Si (cf.
Me 2, 27s). Estas e outras passagens do Evangelho — que Com
blin nao ignora — dáo tcstcinunho da Divindade de Cristo. A
confissao de Pedro («Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo») e
a resposta de Jesús em Mt 16,17-19 nao sao explanadas pelo
autor, que só utiliza o texto breve de Me 8,29: «Tu és o Cristo»;
Comblin julga que a formulacáo de Mateus pode ser expressao
apenas do modo de pensar dos primeiros cristáos — o que é
gratuito ou preconcebido (a resposta de Jesús em Mt 16,17-19

— 327 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

é um tecido de aramaismos, o que nos faz supor tratar-se das


próprias e diretas palavras de Cristo, «ipslssima verba Christi»).

Quanto ao culto de Jesus-Deus, compraende-se que os Apos


tólos nao o tenham prestado antes de Páscoa. Nao se julgue, po-
rém, que o culto a Jesús tributado pelos Apostólos e pelos pri-
meiros cristáos (cf. At 7,56-60; Rom 9,5) nao soja essencial
ao Cristianismo. Comblin acha legitimo o culto a Jesus-Deus,
mas o coloca em luz ambigua: «houve um tempo em que ser
cristáo apareceu aos olhos do mundo como sendo 'praticar
o culto de Jesús'. Há os que praticam o culto de Serápis, outros
de Atis, outros de Mitra, outros de Cristo. Contudo nao pode
mos aceitar precipitadamente essa definigáo de ser cristáo»
(p.20).

2.2. Jesús e a oracáo

Dizer que Jesús nao tinha interesses religiosos explícitos


nem deu o exemplo de vida mística (cf. p. 69) significa violen
tar os textos do Evangelho. Verdade é que estes nao tencionam
retratar de maneira completa a vida interior de Jesús Cristo,
mas apenas fornecem episodios seletos em vista da catequese.
Todavía dáo-nos a entender suficientemente que Jesús pratica-
va a oracáo e a quis inculir aos seus discípulos. Tenha-se em
vista principalmente o Evangelho segundo Sao Lucas:

Um ensinamento profundo sobre a oracáo se encontra na


secgáo de Le 11,1-13: após dar o exemplo (11,1), o Mestre for
mula, para uso de seus discípulos, o «Pai Nosso» (11,2-4); ao
que acrescenta duas parábolas (a do amigo insistente e a do
pai bondoso), que recomendam ao orante perseveranca e confi-
anga (11,5-13). A parábola da viúva importuna (18,1-8) e a do
fariseu e do publicano (18,9-14) completam o quadro, sublinha-
do perseveranca e humildade na oracáo.

Referindo^se á segunda vinda de Cristo, Jesús incita os dis


cípulos a vigiar e orar (cf. Le 21,36). De resto, o cristáo deve
orar sem cessar (cf. Le 18, 1).

Jesús também deu o exemplo da oracáo: certa vez, retirou-se


para o deserto a fim de orar após ter curado a muitos (Me 1,
35). Orou também por ocasiáo do seu batismo (Le 3,21); após
a cura do leproso, orava no deserto (Le 5,1); antes de escolher
os Apostólos, passou a r.oite em oragáo (Le 6,12); antes da con-
fissáo <ie Pedro. Jesús orava a sos (Le 9,18); por ocasiáo da
Transfiguragáo, subirá á montanha para orar (Le 9,28s); antes

— 328 —
«JESÚS DE NAZARÉ» DE COMBLIN 41

de ensinar a oragáo do «Pai Nosso», Jesús dera o exemplo res


pectivo (Le ll.ls); após a multiplicagáo dos páes, retirou-se ao
monte para rezar (Me 6,46); no horto das Oliveiras, rezou ao
Pai (Le 22,39-46); antes da Paixáo, rogou especialmente por
Pedro (Le 22,32); crucificado, rogou pelos inimigos (Le 23,34)
e, finalmente, em oragáo entregou o espirito ao Pai (Le 23,46).

Quanto á participagáo de Jesús nos atos de culto do Tem


plo, é insinuada por Le 2,42 (Jesús tinha doze anos), assim co
mo pelo desejo que Jesús manifestou de ser batizado e cum-
prir em tudo os preceitos legáis dados a Israel (cf. Mt 3,15). Ce-
lebrou a ceia ritual de Páscoa, após a qual cantou o Halel pas-
coal (cf. Mt 26,30) e mandou que seus discípulos repetissem
tal ato (cf. Le 22,19); essa ordem de Cristo foi entendida como
preceito litúrgico, como atestam os escritos do Novo Testamen
to, onde se lé, por exemplo: «Os discípulos, unidos de coracáo,
freqüentavam todos os dias o Templo. Partiam o pao ñas casas
e tomavam a comida com alegría e singeleza de coragáo, louvan-
do a Deus e cativando a simpatía de todo o povo» (At 2,46s). A
estima que Jesús tinha pelo Templo como casa de oragáo se ma-
nifesta claramente na expulsáo dos vendilhóes do Templo (Mt
21,12s).
Estes textos constituem base suficiente para dizer que a
oragáo — tanto em seu aspecto privado como em sua dimensáo
comunitaria — ocupa lugar de relevo na mensagem de Cristo.
Para facilitar a reflexáo do leitor, segue-se aqui urna pá
gina do P. Reno Voillaume, que também analisa o tema «Jesús
e a oragáo»:

"A oracSo de Jesús fica sendo, para nos, um misterio, decorrente do


seu misterio pessoal de Filho de Deus felto homem. Sua oracSo era um
face-a-face Inalterado e ¡nalterável com o Pai; para ele, nao havla diticulda-
des na oracáo nem método de oracSo. Todavía era realmente como homem,
como verdadeiro homem, que ele orava ; a sua oracao no horto das Oli
veiras o atesta eloqüentemente.

A oracáo de Jesús foi, antes do mais, a oracáo de um filho de homem.


Realmente, em sua alma humana e com toda a sua alma humana, Ele orou
ao Pai como nos oramos. Assim vemo-Lo retlrar-se na solidao para orar,
nao slmplesmente a fim de nos dar o exemplo; Ele preclsava disso como
homem.
Mas a sua oracáo era divinamente filial, pois Jesús vivia humanamente
a sua própria vida de Filho único do Pal. Aquí nao podemos talar dessa
oracSo senáo balbuciando: era a repercussáo, em sua inteligencia e em
seu coragáo humano, do fluxo e refluxo de conhecimento e de amor que
jorram no selo mesmo da Trindade. É até lá que Cristo nos quer levar con
sigo, pois também nos devemos orar filialmente.

— 329 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 151/1972

Jesús também orou como nosso Cabera e em nome de todos nos. E o


Evangelho nos mostra que a sua ora?áo pessoal, se posso dizer, estava
toda modelada pelo seu ser e pela sua missáo de Salvador. Mesmo quando
Jesús em oracao no Tabor deixou transparecer o fulgor da sua Divindade,
Ele se entretlnha a respeito da sua morte. A Paixáo, a Cruz e a oferenda de
sua vida marcaram a ora?áo do Salvador, como elas devem marcar também
a nossa" ("Prier pour vivre". París 1966, pp. 6s).

2.3. Ciencia e consciénda psicológica de Cristo

Jesús nao teria consciéncia de sua missáo de Salvador dos


homens? Nao previa o futuro de sua Igreja? Ignorava o que
seria feito de sua mensagem? Pensava que o juízo final se daría
ainda no século I da era crista?

Sao questóes suscitadas pela leitura da. obra de Comblin,


que apresenta Cristo como dotado de ciencia humana limitada,
incapaz de afirmar o que se daria após a morte do «profeta»
Jesús. Ora, apesar de nao se poder sondar o íntimo de Jesús e
as experiencias psicológicas que Ele como homem (que também
era Deus) viveu, parece difícil admitir que Jesús (como ho
mem) nao tenha recebido da parte do Pai os conhecimentos ati
nentes ao bom e seguro desempenho de sua missáo. Foi nestes
termos que os teólogos conceberam a ciencia humana de Jesús.
Já o Evangelho de Sao Joáo póe nao raro em realce a ciencia
profunda que Cristo tinha dos homens e ¡do plano doiPai:

Jo 2,24: «Jesús mesmo nao se fiava nelas, porque os conhe-


cia a todos. Ele nao necessitava de que alguém desse testemunho
de homem algum, pois Ele bem sabia o que havia no homem».

Jo 12,23. 27s: «Disse Jesús: É chegada a hora para o Filho


do homem ser glorificado... Presentemente a minha alma está
perturbada. Mas que direi?... Pai, salva-me desta hora...
Mas foi exatamente para isso que vim a esta hora. Pai, glorifi
ca o teu nome».
Jo 13,1: «Antes da festa de Páscoa, sabendo Jesús que che-
gara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, como amasse os
seus que estavam no mundo, ate o extremo os amou».

Ter-se-ia o Evangelista engañado ao apresentar tal clarivi


dencia no Senhor Jesús? — Evidentemente, nao. Os textos que
parecem diminuir a ciencia humana de Jesús (Me 9,1; 13,32)
foram classicamente explicados em sentido conciliável com o
conhecimento sublime que Cristo devia ter do alcance de sua
missáo.

— 330 —
«JESÚS DE NAZARÉ» DE COMBLIN 43

Em sumo, o livro do P. Comblin «Jesús .de Nazaré» é inspi


rado pela válida intengáo de nos fazer viver a experiencia dos
Apostólos anterior á Páscoa; nao tinham plena consciéncia da
Divindade de Jesús. Merece, porém, serias reservas pelo fato de
que, consciente ou inconscientemente, o autor contribuí para que
seus leitores acabem por nao ver em Jesús Cristo senáo um
mero homem, ... mero homem que nao se sabe bem como ainda
possa ser tido como verdadeiro Deus... Após a leitura do livro
de Comblin, talvez a fé em Jesus-Deus aparega como algo de
mitológico, em vez de se tornar urna fé mate sólida e pura, como
pretende o autor.

Urna auténtica descrigáo da figura de Jesús Cristo jamáis


poderá prescindir da realidade divina (Deus) que desponta com
suficiente clareza através das narragoes mesmas ido Evangelho.

"Os pobres nao sao aqueles que, na térra, tém a receber


tudo, e nada podem dar. A pior situacáo, para um homem,
nao é, sem dúvida, a de viver a penuria, mas a de ser julgado
e se julgar incapaz de dar coisa alguma. Nada esperar do
pobre e querer constantemente ajudá-lo é aumentar a forca
aniquiladora da sua pobreza; é relegar o pobre para essa franja
da humanidade que provoca o desprezo dos maus e a com-
paixáo dos bons... Ora, se a veracidade do homem consiste
em sua possibilidade de pedir, a honra do homem consiste
em sua possibilidade de dar. Nenhum homem veraz, isto é,
nenhum pobre, pode viver se nio se Ihe reconhece, juntamente
com aqueta veracidade, também esta honra. Se o dar sem
experiencia de necessidade é urna máscara mentirosa, a ne-
cessídade sem dádiva é urna marginalizacao mortífera."

André Dumas

em "Prospective et prophétie"

— 331
Dito e repetido:

"o que se faz por amor, nao é pecado,


ama, e íaze o que quiseres.
o pecado comeca quando se prejudicam
terceiros".

Em sintese: A filosofía e a teología hoje em dia realcam fortemente a


grande importancia do amor como dínamo do comportamento e da vida
moral do homem. é tal valorizacSo que leva a legitimar tudo que proceda
do amor.
É necessário, porém, distinguir dols tipos de amor. Existe o amor
decorrente do uso da inteligencia, amor que subordina instintos e tendencias
sensuais ao nobre ideal que o homem conceba. É este proprlamente o amor
humano, que o Cristianismo ainda eleva ao plano de participacSo do amor
de Deus. — Existe outrossim o amor-apetite, que é comum ao homem e
aos irracionais. Tal amor, deixado a si, pode degradar o ser humano.

É, pois, com vistas ao primeiro tipo de amor, e somente a este, que


a Moral crista ensina : "Ama, e faze o que quiseres".

Quanto ao pecado contra o próximo, é hoje particularmente recrimi


nado, vistas as injusticas sociais de que padece a sociedade. Todavía nSo é
o único tipo de culpa. Existem também faltas contra Deus e contra o próprlo
individuo. A Deus o cristao deve adesao direta na fé, no amor, na espe
ranza, na oracáo. A si deve respeito, principalmente no uso de seu corpo.
Quem viola os direítos de Deus ou os de sua personalidade, indlretamente
prejudica o próximo.

Em suma, encerram profunda sabedoría as palavras de Saint-Exupéry:


"Amar, entre duas pessoas, nao consiste em olhar urna para a outra, mas
em olharem juntas na mesma direcáo". O verdadeiro amor é aquele que
leva duas ou mais criaturas a se auxiliarem mutuamente, a fim de que che-
guem certeramente a Deus. De tal amor se dirá sempre: "Ama, e faze o
que quiseres".

Comentario: Em nossos días dá-se énfase especial ao amor,


seja amor conjugal, seja amor fraternal. Tornou-se mesmo

— 332 —
<AMA, E FAZE O QUE QUISERES» 45

axioma de grupos jovens: «Make love, not war» (Fazei o amor,


nao a guerra). O odio, as guerras e as divisóes tém conotaeáo
fortemente negativa na opiniáo pública. — A própria moral
crista em sua renovagáo contemporánea, procura incutir, antes
do mais, o preceito do amor, pois toda a Lei de Cristo se resume
em amor a Deus e ao próximo (cf. Le 10,27s). Nao dizia Sao
Joáo que Deus é amor (cf. 1 Jo 4,8) ? E Sao Paulo nao afirmava
que o amor c o vinculo da perfeigáo (cf. Col 3,14) ? S. Agos-
tinho (f 430), por sua vez, ensinava: «Ama, e faze o que quise-
res». A consciéncia destas verdades tem sugerido frases como
as que estáo reproduzidas no titulo deste artigo. Em conseqüén-
cra, póe-se mesmo a pergunta: pode-se ainda dizer que naja pe
cado no caso de dois jovens solteiros que, de comum acordó, re-
solvem dar plena expansáo ao seu amor numa noite livre, sem
lesar direitos alheios? Praticam tudo o que o amor lhes sugere
sem cometer violencia entre si nem em relacáo a terceiros. Vis
to que é o amor que inspira tal procedimento, pode-se reprovar
a conduta dos dois jovens? Numerosos casos semelhantes sao
julgados do mesmo modo: o amor legitima tudo, mesmo aquilo
que os antigás, numa compreensáo mesquinha dos afetos huma
nos, condenavam.

Tais proposigóes mereceráo a nossa atengáo ñas páginas se-


guintes.

1. Dois amores

1. «O que se faz por amor, nao é pecado...» A ambigüidade


sedutora da linguagem pede urna distincáo. Reconhegam-se dois
tipos de amor:

a) Existe o amor propriamente humano, que é o que se


segué aos atos da inteligencia. Esta apreende a verdade e a
aponía a vontade. Conseqüentemente, a vontade se deleita na
verdade, podendo mesmo querer praticá-la com afeto. É este
querer com afeto que se chama amor em sentido próprio. Sem-
pre coloca os bens do espirito ácima dos bens da carne.

Um tal amor supóe o ideal, ou seja, urna meta que o homem


pretende atingir para se realizar plenamente. Esse ideal atende
as aspiragóes mais profundas da pessoa, que implicam sempre
doagáo e generosidade, com renuncia a interesses egoísticos.

No cristáo, tal amor é elevado a um plano ainda superior.


A inteligencia guiada pela fé indica a meta mais elevada ou o

— 333 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 151/1972

ideal supremo. A vontade e a afetividade, movidas pela caridade


infusa, dirigem-se a esse ideal e a tudo que se lhe prende, com
amor forte e nobre.

b) Existe no ser humano outro tipo de amor, que mais


proprramente deveria ser dito «apetite» ou «instinto cegó»; é o
amor sensual ou carnal, que visa ao prazer momentáneo, sem
levar em conta a escala dos valores e os ditamos da inteligen
cia. Tal apetite muitas vezes trai o homem e o degrada, asseme-
lhando-o aos animáis irracionais e instintivos. Pode ser erótico,
cobigoso, egoísta, etc.

Ora, quando o Cristianismo ensina que o amor é o vínculo


da perfeigáo e que a lei de Cristo se reduz ao amor, entende o
amor no primeiro sentido, pois somente este é propriamente hu
mano e cristáo. Sem desprezar afetos e sentimentos (nem o
sexo), subordina-os completamente á visáo de fé que caracteriza
o cristáo; é um amor de servigo a Deus e ao próximo, e nao de
servigo do individuo a si mesmo diretamente \

2. No que se refere a S. Agostinho em particular, note-se:


este mestre reduzia toda a vida moral á prática do amor. Dis
tinguía, porém, duas orientagóes possíveis para o amor (fora
das quais nao vía terceira):

— o amor do sujeito a si até o desprezo de Deus; seria a


cupiditas ou cupidez;

— o amor a Deus e ao próximo até a renuncia ao eu in


dividual (caso fosse necessária para se guardar a integridade
do amor generoso); seria a caridade ou o amor cristáo. Te-
nha-se em vista a obra do mestre: «A Cidade de Deus».

Ora era a este segundo tipo de amor que S. Agostinho atri


buía a legitimagáo de todos os nossos atos. O que se faga por
inspiragáo de tal amor, nao pode ser pecado, pois sempre dará
o primado a Deus e á sua santissima vontade; nunca poderá su
gerir a prática do desmando ou do pecado.
No cristáo, o auténtico amor, inspirador de todos os atos
bons, nao é menos do que a participagáo no amor do próprio
Deus, como diz Sao Paulo: «O amor de Deus foi derramado em
nossos coragóes pelo Espirito Santo, que nos foi dado» (Rom
5,5).

1 Está claro que quem serve a Deus e ao próximo, Indlretamente serve


também a si mesmo, pois constrói a sua personalidade. "É dando que se
recebe, é perdoando que se chega á vida eterna" (Sao Francisco de Assis).

— 334 —
«AMA, E FAZE O QUE QUISERES» £7

3. Esse amor cristáo parte da convicgáo de que o ser hu


mano nao é apenas carne e sensualidade, mas um conjunto de
alma e corpo, bens espirituais e bens materiais, entre os quais
é necessário estabelecer urna escala de valores. Ninguém chega
a ser auténtica personalidade e filho de Deus se nao domina os
instintos, dizendo Nao a si mesmo no momento oportuno.

O amor cristáo entrega-se ao próximo nao por interesse


mesquinho ou concupiscencia desregrada, mas porque quer o
bem do próximo.

Estas reflexóes permitem langar um olhar claro sobre cer


tas casos concretos de «amor». Pergunta-se, por exemplo:

As concessóes ao sexo numa noite libertina ou num género


de vida que nao tenha definigáo, tornam realmente os seus cli
entes mais felizes? — Pode-se dizer que na»; o uso libertino do
sexo vem a ser ilusáo e fuga; em vez de construir personalida
des, suscita seres obcecados e moralmente amorfos.

Pode-se dizer que alguém quer bem a outrem pelo fato de


lhe proporcionar um prazer sensual que nao tenha qualidadc
nem significado claro? — Nao; urna tal concessáo nao se chama
amor. Amor quer dizer «ajudar o semelhante a ser mais ele
mesmo, mais honrado e digno, andando de cabega erguida».

Para amar assim, genuinamente, o cristáo tem que saber


resistir ás seducóes, repelindo certos convites com vontade de
cidida. Essas atitudes negativas sao expressóes de auténtico
amor, porque ajudam o próximo a se libertar das suas paixóes
e a se levantar do seu estado de vida indefinida.

De modo geral, o homem mais ama o próximo quando lhe


diz um Nao oportuno do que quando lhe diz um Sim desproposi
tado e meramente sentimental.

2. Pecado e prejuíro do próximo

1. Inegavelmente certas correntes de filosofía moderna


njudaram o homem contemporáneo a tomar consciéncia dos va
lores da sociedade e das dimensóes sociais de sua vida. Ninguém
pode viver isoladamente; ninguém se realiza a sos.

Estas proposigóes sao verídicas também no plano cristáo.


Contribuiram para avivar nos fiéis a consciéncia de suas res-

— 335 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREM0S> 151/1972

ponsabilidades perante a sodedade edesiástica e civil. Furtar-se


aos deveres para com o próximo violando a justiga ou o amor
ao semelhante, eis pecados que, sem grande dificuldade, todos
os cristáos reconhecem como pecados. Muitos sentem-se fácil
mente culpados de um pecado coletivo, ou seja, de participar
mais ou menos voluntariamente no egoísmo social ou na explo-
racáo dos pobres ou ainda nos horrores da guerra. Essa sen-
sibilidadc para com os valores sociais e os deveres dai decor-
rentes é por certo urna vitória do pensamento cristáo sobre o
individualismo. Existe, porém, em nossos días o perigo de se res
tringir o conceito de pecado as faltas contra a justiga e o amor
ou contra o próximo. Só haveria pecado quando se ferissem di-
reitos alheios ou quando se prejudicasse o próximo.

Ora esta última afirmagáo é evidentemente errónea. As


dimensóes sociais da vida do cristáo jamáis deveráo levá-lo a
esquecer o aspecto pessoal e intransferível de seu comportamen-
to. O cristáo tem deveres para com Deus e para consigo que nao
afetam diretamente as relagóes com o próximo e que devem ser
cumpridos a fim de que nao cometa pecado. A Deus o cristáo
deve fé, amor, obediencia, culto (oragáo individual e comuni
taria, incluindo a S. MLssa aos domingos)... A si mesmo o
cristáo deve respeito: respeito as lejs de natureza, reverencia
ao corpo (que nao pode ser reduzido á categoría de instrumento
do prazer). A infragáo desses deveres para com Deus e com
o próprio sujeito pode ser táo grave quanto os pecados contra a
justiga; além do que, note-se que quem prejudica a si pelo pe
cado, por mais secreto que este seja, nao pode deixar de estar
prejudicando também ao próximo, pois concorre para o depau-
peramento de urna personalidade que faz parte da sociedade.

O Cristianismo tanto é comunitario quanto é personalista.


Diz muito bem o arcebispo de Tolosa, D. Jean Guyot, em docu
mento publicado aos 23/1/1972: «Toda a tendencia da Revela-
gáo crista é urna tendencia á interiorldade. O paradoxo do Cris
tianismo consiste em que ele é simultáneamente urna comunida-
de e urna intimidade incomunicável» («Documentation Catho-
lique» n' 1604, 5/ÜI/1972, p. 228).

Vfi-sc, pois, que o uso livro do sexo por parte de duas pes-
soas que oslejam do comum acordó entro si e nao lesem tercei-
ros ao fazé-lo, nao deixa de ser pecado; é, sim, ofensa a Deus e
ás duas pessoas envolvidas na «aventura»; além do que, será
indiretiimenlo detrimento para a sociedade.
«AMA, E FAZE O QUE QUISERES» 49

2. Verdade é que se poderia conceber a seguinte réplica a


tal afirmagáo:

O conceito de desonra decorrente da liberdade sexual é


convencional. Por que nao se dizer que o uso do sexo inspirado
pelo amor é sempre honroso, quaisquer que sejam as circuns
tancias em que ocorra?

A tal observagáo se daria a seguinte resposta: o ser huma


no nao improvisa sua grandeza; mas ele encontra os tragos de
sua grandeza e nobreza impressos na sua própria natureza. Ora
a natureza humana é tal que a inteligencia (e a fé) devem obter
a primazia de comando, subordinando a si os instintos e apetites
sexuais. O uso do sexo forado matrimonio carece de fínalidade
e contradiz ao planejamento harmonioso da vida dos interessa-
dos; a crianga que desse consorcio nasga, há de ser urna crianca
sem lar constituido. Para que nao venha a ser tal, faz-se neces-
sário o uso de anticoncepcionais, que permitem o uso do sexo
sem a conseqüéncia da prole. Ora o prazer e a satísfagáo sen-
suais justificariam tais recursos ou tais desmandos? — Razoa-
velmente falando, nao. Somente a renuncia ao raciocinio, ou
seja, á dignidade do homem, pode legitimar o libertinismo
sexual.

3. Talvez, porém, queira alguém observar ainda: «Nunca


matei, nunca roubei, nunca cometí adulterio ou coisa semelhan-
te! Nao vejo pecado em mim!»

Tal pessoa, sem o saber, poderia incorrer no erro dos fari-


seus. O pecado nao consiste apenas em atos exteriores, mas tam-
bém em atos internos, mesmo que nao atinjam diretamente o
próximo. Mesmo sem matar ou roubar ou adulterar, pode al-
gucm, de consciéncia tranquila, afirmar que ama a Deus com
todo o seu coragáo, todas as suas forgas e ao próximo como a
si mesmo? Pode essa pessoa dizer que satisfaz á exigencia, pro
posta por Jesús, de amarmos como Ele amou (cf. Jo 15, 12) ?
Esse amor apregoado por Cristo exige severa disciplina de
vida e luta do cristáo «contra o velho homem». É em fungáo da
sua vida interior, ou seja, do seu relacionamento consigo mesmo
e com Deus, que o cristáo consegue amar devidamente ao pró
ximo. Sem interioridade ou sem contato direto e explícito com
Deus, difícilmente chegará o cristáo a praticar o preceito do
amor ao seu somelhante.

— 337 —
50 «rPERGUNTE E RESPONDEREMOS* 151/1972

3. Urna conclusáo

Estas reflexóes sobre o amor cristáo podem encerrar-se com


valiosa frase de Antoine de Saint-Exupéry, autor de «O pequeño
Príncipe»: «Amar, entre duas pessoas, nao consiste em olhar
urna para a outra, mas em olharem juntas na mesma diregáo».

Nestas palavras encerra-se profunda filosofía. Com efeito,


pode parecer obvio, á primeira vista, que o amor consista em
nos determos sobre a criatura amada, contemplando-a e pro
curando desfrutar tudo que ela possa dar; é o que fariam, por
exemplo, esposo e esposa. — Observe-se, porém, que um tal
amor vem a ser ilusorio. Cedo ou tarde, a criatura se cansa de
olhar para outra criatura, por mais encantadora que esta pare-
ga a principio. A fim de que o amor seja duradouro e construtivo,
é preciso dirigi-lo para o Infinito. O verdadeiro amor, portante,
é aquele que une firmemente duas criaturas para que, juntas,
auxiliando-se mutuamente, olhem para Deus e se encontrem
em Deus. O marido nao foi feito para se realizar plenamente
na sua mulher, nem vice-versa, como também criatura alguma
foi feita para se realizar adequadamente em outra criatura.
Esposo e esposa sao pequeños demais um para o outro porque
ambos tém a capacidade do Infinito. Por isto só amamos verda-
deiramente quando nos ajudamos uns aos outros a nos enca-
minharmos todos para o Infinito e a nos encontrarmos todos
em Deus. É a respeito de um tal amor que bem se pode dizer:
«Ama, e faze o que quiseres».

Estcvao Bcttencourt O.SB.

resenha de livros
Cristo para o mundo. O Corac.£o do Cordeiro, por Bertrand de
Margene S.J. — Editora Herder, Sao Paulo, 140x210 mm, 494 pp.

O P. de Margerio tom-se comprovado como teólogo que se in-


terossa nao somente pela ciencia e a pesquisa, mas também pelo signifi
cado espiritual e religioso dos seus esturlos. É o que explica o título
<• o subtitulo dostn obra trularlo sobro Cristo, nao do índolo mera-
monUr (.-.sjionulat.'.va, mas, sim, <;rn vista da vivóncia crista dos loitores.
Considera Jesús Cristo em si ou em sua roalidade intima, divino-hu-
mana ; a seguir, focaliza posiedes modernas (Teilhard de Chardin,
Bultmann, Bonhoeffer) frente a Cristo; por último, detém-se sobre
Cristo na Igreja e na S. Eucaristía. O livro é erudito, vasado em lin-
guagem técnica, mas acessivel ao leitor de media formacáo crista.
Desenvolve com seguranca as suas teses, de modo a merecer os aplau
sos do público interessado.

— 338 —
RESENHA DE UVROS 51

Credo para amanha S, por numerosos colaboradores sob a coor-


denacáo de Frei Raimundo Cintra O.P. — Editora Vozes, Petrópolis
1972, 135x210mm, 246 pp.
Este livro, o terceiro da sua serie, propoe um total de quinze
artigos (com urna introducto de Frei Raimundo Cintra) sobre a fé,
escritos por teólogos católicos (Dattler, Boff, Libánio, Fassini...), um
teólogo protestante (Zwinglio Mota Dias) e membros do laicato (José
e Beatriz Reís, Dorian J. Freiré...). Versa sobre o pensamento bíblico,
o pensamento católico contemporáneo voltado para o futuro e o
pensamento de escritores protestantes dos tempos modernos (Bonhoef-
ler, Gogarten...). Como toda coletánea, esta tem páginas de valor
desigual: digno de especial encomio é o artigo do P. Dattler sobre
a íé na Biblia (esta é sempre o grande manancial da Teología e da
vida espiritual); assaz original é o artigo de Frei Leonardo Boff, que
aborda a crlse de íé, mas se torna ambiguo á p. 152, quando fala da
Igreja de Cristo. Em suma, o balanco total é positivo,... positivo
para quem queira estudar e aprofundar, dotado de previo conheci-
mentó do assunto, para que nao se arrisque a mal-entendidos; o livro
aborda aspectos filosóficos e questdes teológicas que tém seu lugar
na mente e ñas máos de pessoas sólidamente preparadas.
O ser do padre, por Frei Boaventura Kloppenburg O.F.M. Publi-
cacOes CID, Teologia/4. — Editora Vozes, Petrópolis 1972, 135 x 210
mm, 203 pp.
O conhecido teólogo Frei Boaventura Kloppenburg publicou neste
livro o texto, ampliado e enriquecido, de conferencias que fez em retiros
do clero no Brasil, na Argentina, na Colombia e no Panamá. Comeca
por expor a crise que atingiu também a figura do padre hoje em dia;
na realidade do mundo da técnica, em que os padroes de valores se
vém transformando rápidamente, qual será o significado do padre?
O autor nao pretende abordar estilos e maneiras de ser: estes podem
variar de acordó com regiSes e culturas em que o padre se ambiente;
mas o que Frei Boaventura tonciona focalizar é o essencial do padre.
Para tanto, recorre copiosamente aos textos do Concilio do Vaticano II
e do III Sínodo Mundial dos Bispos (outubro/novembro 1971). As
reflexóes do autor oferecem urna síntese fiel do que deva ser o ministro
de Cristo: «o padre é por Deus habilitado a agir publicamente em
favor dos homens na pessoa de Cristo» (p. 72). «O padre deve viver
aquilo que ele faz enquanto padre» (p. 81). «A missao própria do padre
nao é de ordem política, económica ou social, mas, sim, de ordem
religiosa» (p. 143). Muito interessantes sao os depoimentos e os resul
tados de votagóes ocorridos no Sínodo des Bispos a respeito da orde
nado de homens casados e reproduzidos por Frei Boaventura ás
pp. 115-137. O livro é rico em documentos; procede por exposigóes
sistemáticas e bem concatenadas. Em certas passagens pode-se dizer
que se detém excessivamente sobre problemas sem despertar o leitor
para solucdes e valores positivos.
A juventude de hoje, sequiosa de abracar ideáis grandiosos e
generosos, nüo pode deixar de se interessar pelo ideal sacerdotal,
desde que este lhe seja auténticamente apresentado e vivido. Se muitos
jovens enveredam por caminhos pouco crlstáos, isto se deve, em parte,
ao fato de nunca terem sido postos em contato com os verdadeiros
valores cristáos. É de notar, por exemplo, que a imprensa noticiou
aos 9/VI/1972 o seguinte tópico:
«Jovens que leram Playboy descobrem vocacáo sacerdotal. —
Anuncio de página inteira publicado na revista Playboy pela Ordem

— 339 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEKEMOS> 151/1972

da Santissima Trindade atraiu 600 jovens para o sacerdocio, 30 dos


quais já foram aceitos e iniciaram as provas para o ingresso no
seminario.
O diretor vocacional da Ordem, Padre Joseph Lupo, expressou
sua satisfacáo pelos resultados do anuncio, pois, devido á crise de
vocagdes, apenas cinco jovens ingressavam na Ordem por ano, dis-
postos a trabalhar entre os pobres, os presos e os doentes mentáis.
O anuncio saiu em apenas urna edicto da revista destinada á
Costa Oriental e custou US$ 10 mil (Cr$ 59 mil). Consistiu numa
foto, em branco o proto, de dois jovens sustentando em suas máos
as Escrituras Sagradas, com os dizeres: 'Tu que gostas de dar e
tens coragem de oferecer, vem para trabalhar com teus irmáos'.
O padre Lupo assinalou que os anuncios publicados em outras
revistas tiveram pouca repercussáo e o recrutamento entrou em franco
declínio. Ele comegou entáo a pensar em Playboy.
'Nao tinhamos meio de nos íazer ouvir pelos alunos que cursam
o segundo e o terceiro ano do ensino secundario, e solicitei a Playboy
que nos facilitasse o acesso', aíirmou o sacerdote.
O éxito do anuncio, segundo Lupo, foi porque 'quase todos os
jovens léem a revista e nunca tinham visto algo de semelhante nela'»
(«Jornal do Brasil», 9/VI/1972, p. 9).
Apesar das interrogares que esta noticia possa despertar na
mente do leitor, ela nao deixa de ser altamente significativa para se
aquilatar a forca de atracáo que o ideal sacerdotal pode exercer sobre
a juventude.
O livro de Freí Boaventura, devidamente entendido, poderá con
tribuir para esclarecer positivamente numerosas interrogacOes sobre
o ser do padre.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 30,00


Número avulso de qualquer mes Cr$ 4,00
Volumes encadernados de 1958 e 1959 (prego unitario) Cr$ 35,00
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20000 Rio de Janeiro (GB) Tels.: 268-9981 e 268-2796

— 340 —
ayarig
ounicocom

diferenca

Essa diferenca chama-se experiencia


em Boeing, que só a VARIG tem. Boeing
nao ó novidade para a VARIG. Há mais
de 12 anos, nossas tripulacóes voam
esses magníficos aparelhos sobre o
Brasil, o Oriente a Europa e as Américas.
Agora, em suas viagens pelo Brasil, prefira
os novos trijatos Boeing 727, da VARIG.
MELBOURNE - AUSTRALIA
18 a 25 de fevereiro de 1973

A CREDIBRÁS TU
RISMO, sucessora de Camillo
Kahn, orgulha-se de ter organizado
com total éxito, peregrinacóes aos Co.n-
gressos Eucarísticos de MUNICH, BOM-
BAIM e BOGOTÁ, e agora está organizando
urna ao 40.° Congresso Eucaristico que terá a
Assisténcia Espiritual de D. Esteváo Bitten-
court, O. S. B., e que visitará: Papéete, Nandi,
Auckland, Melbourne, Sidney, Hong Kong,
Teherán, Térra Santa, Roma e Paris. Vocé
podefá participar deste ato de fé crista
com tudo financiado-a,longo prazo e
comas facilidades; que o Grupo.
Uniáb de Bancos pode Ihe.
oferecer: ■*'" **

CREDIBRÁS TURISMO
GRUPO UNlAO DE BANCOS,

GQ - AV RIO BRANCO 37 - TEIS 343 4990 o 231 0061


SAO PAULO - RÚA MARCONI 131 - 1 ANO -TEIS 235 7a 11 233 4054 ,- 37 483
P ALEGRE - RÚA DOS AÑORADAS 1354 - r ANO - TEL 25 8173
3 HORIZONTE - AV JOÁO PINHEIRO 146- T ANO - TELS 22-6957 e 27-6170
oí. em qu.v<iuf Agi>no.i <u UNIÁO DE BANCOS
REG EMBRATUR - GB -I4<SP-5I8/RS 67/MG-87 CAT."A"

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