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Projeto

PERGUISTTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarñ)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice
pág.

MARÍA NO ANO DA MULHER 187

Significativo inquórilo:
"DEUS ÑAS ENTRANHAS" (God In Ihe Gut) 191

Llnguagem de hoje:
IGREJA PARTICULAR QUE É? 204

Ao menos em caso de estupro ?


ABORTO LEGALIZADO? 218

UM LIVRO EM RESENHA: "OS SACRAMENTOS DA VIDA..." DE


L BOFF 231

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

«Em favor da familia». — «Ser cristao» de Hans Küng. Ouem é

Jesús Cristo ? — «Saber morrer». Que é a morte ?

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatural anual Cr$ 50,00


Número avulso de qualquer mes CrS 5,00
Volumes encadernados de 1958 e 1959 (prego unitario) ... Cr$ 35,00
Volume encadernado de 1974 CrS 70,00
índice Geral de 1957 a 1964 CrS 10,00

EDITORA LAUDES S. A.
REDAgAO DE PR ADMINISTRADO
Calxa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZOOS
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20.000 Rio de Janeiro (GB) Tels.: 268-0981 e 268-2796

No Rio, á Rúa Real Grandeza, 108, a Ir. María Rosa Porto


tem um depósito de PR e recebe pedidos de assinatura da
revista. Tel.: 226-1822.
MARÍA NOrA*fe-BÁ MULHER
O mes de malo, tradicionalmente dedicado a María, é cele*
brado em 1975 no contexto do Ano Internacional da Mulher.
Se o mundo inteiro hoje exalta as prendas e a missáo da mu
lher, isto se deve, em grande parte, ao Evangelho. Com efeito,
propondo aos seus leitores a figura exemplar de María, Vir-
gem e Máe, juntamente com o modelo de outras dignas mulhe-
res (Isabel, Marta e María, Madalena...), o Evangelho con-
tribuiu poderosamente para que a humanidade descobrisse o
valor típico da mulher na realidade de cada dia como também
na historia dos sáculos.
E quais as prendas que o Criador deu á mulher para que
ela exerca o seu papel próprio?
1) A mulher é rica em intuicáo, ao passo que o homem
é mais dado ao raciocinio. Deixa-se levar pelo coracáo mais,
as vezes, do que pela razáo (alias, aquele tem razóes que esta
ignora, como diz Pascal). Destinada a ser máe, a mulher per
cebe, por sua sensibilidade apurada, o que vai no intimo daque-
les que Ihe sao caros; e o percebe com prontidáo e generosi-
dade.
2) A mulher tem especial capacidade de acolher, rece-
ber e guardar ciosamente em favor dos outros. É isto o que
toda máe faz para ser máe: recebe, dedica-se ao que recebeu,
e dá-o ao mundo.1 A mulher também é a senhora da casa,
onde ela acolhe os demais membros da familia, onde ela
fomenta os tesouros do lar, que sao a ordem, a harmonia, o
amor mutuo... — Entrando em casa, o marido e os filhos
devem sentir um ambiente diverso do do trabalho, onde a má
quina e o cálculo frío costumam preponderar.
3) A mulher é dotada do dom da paciencia heroica ou,
também, do heroísmo paciente. Ela sabe sofrer, sustentar e
agüentar, sem quebrar nem romper; padece em silencio na
expectativa de melhores dias. É, as vezes, a paciencia forte
da mulher que vence as mais violentas paixpes.
4) Os predicados até aquí enunciados fazem que a mu
lher seja um símbolo vivo da criatura humana, em geral,
diante de Deus. Tendo especial intuicáo para o misterio da
vida, a mulher também tem natural abertura para o misterio
de Deus. — Isto nao quer dizer que o homem nao tenha tam
bém grande afinidade com o misterio de Deus. Tem-na, sem
dúvida, mas de outro modo. Com efeito, Deus é a Grande

*A vlrgem consagrada a Deus por um nobre ideal de vida realiza no


plano espiritual o que a mulher casada efetua físicamente.

— 189 —
Resposta as exigencias do espirito criativo, pesquisador e luta-
dor do varáo.
Compreende-se assim que a Biblia aprésente a realidade
sobrenatural da Igreja através do símbolo da mulher: Virgem,
Esposa, Máe.
A recordacáo destas verdades tem especial importancia
no momento atual:
a) Ilustra a celebracáo do Ano Internacional da Mulher.
Possa a humanidade — homens e mulheres — compreender o
papel próprio e inconfundível da mulher nos embates da his
toria, principalmente em nossos dias! Nem marginalizagáo nem
aquele falso feminismo que, esquecendo as notas típicas da
mulher, pretende assemelhá-la ao homem em todas as tarefas
sociais!
b) Leva-nos a estimar melhor ainda a figura de Ma
ña SS., que, por graga divina, certamente contribuiu para
redimir e abrilhantar o papel da mulher na historia. A ima-
gem de María concorreu para despertar no Ocidente a estima
da virgindade e a da maternidade,... para fazer que o homem
respeitasse e amasse puramente a mulher (esposa, máe, com-
panheira de luta).
c) Motiva mais profundamente o Dia das Máes
(ll/V/75). Toda genitora é grande e nobre na medida em
que participa da maternidade cujo prototipo se realizou em
Maria. Possam nossas máes espelhar-se em Maria! E possam
nossos filhos ver em suas máes a imagem de Maria!
d) A recordagáo destas verdades incita-nos ainda a velar
ciosamente pela dignidade da mulher em nossa patria, onde
a ameaga do divorcio e do aborto legalizados tende a desvir
tuar o conceito de amor e reduzir a mulher a instrumento e
fator de egoísmo. Este é o momento em que a consciéncia
crista, avivada pelos sinais dos tempos, se senté impelida a
refletir mais coerentemente sobre os conceitos de amor, sexo,
honra, renuncia, fidelidade... Quem aprofunda estas nogdes,
nao pode deixar de concluir que a felicidade nao está no vili
pendio do amor-benevoléncia, na traigáo infligida á palavra
dada, na procura da fruigáo egoísta em detrimento da genero-
sidade altruista. Mas está na vivencia do amor que, conforme
a Escritura e o exemplo de Maria, é forte como a morte ou,
melhor,... mais forte do que a morte! Cf. Ct 8,6.
Obtenha Maria SS. para o Brasil e para o mundo inteiro
a crescente nobilitagáo da mulher, nobilitacáo que nao é pos-
sívél se nao mediante o exercício do heroísmo paciente de que
a mulher é testemunho, ao lado do heroísmo destemido e mili
tante do varáo!
E. B.
— 190 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVI — N« 185 — Maio de 1975

Significativo inquérlto:

"deus ñas entranhas"


(God in tho Gut)
Em sfntese: Um Inquárlto recém-reallzado pela revista norte-ameri
cana "Psychology To-Day" revelou que, para a maiorla das pessoas Inter
rogadas, Deus nao morreu, mas apenas mudou de endereco: nSo 6 mals
no alto, nos céus e & distancia que os homens procuram a Deus, mas,
slm, no íntimo de si mesmos.

Este resultado é multo positivo, pois na verdade significa passagem


de concepcSes Infantls para nocfies que o Evangelho e os místicos cris*
tfios multo encarecem. Todavía parece ameacado por doi3 perlgos, que
os dados do Inquérlto tambóm apontam: 1) o Irracionallsmo (preponde
rancia da fantasía sobre a sfi razáo), b) o Individualismo (multos daqueles
que professam a fé em Deus, fazem "sua rellgláo próprla"). — O Irra-
clonallsmo aparece, em parte, através da onda de crendlces (o horóscopo,
por exemplo, que tem grande voga mesmo nos EE. UU.). A multIpIlcacSo
de grupos religiosos novos ("Meninos de Deus", "Campus Crusade for
Chrlst", Satanismo...), Inspirados por emocSo mals do que por idélas,
é algo de sintomático que merece especial atencSo dos crlstSos.

Os resultados do Inquérito deixam o observador convicto de que


Deus realmente "nSo morreu", nem poderla morrer sem que o homem
também morra'(alias, o estruturallsmo sem Deus ]á chegou a proclamar
a morte do homem). Deus está vivo na fé dos homens. Toca, porém, aos
crlstfios mostrar aos seus semelhantes que essa fé é Inseparável tanto
do sadlo uso da razáo como da adesáo áquela comunldade de fé e sal-
vacáo instituida pelo próprlo Deus que ó a S. Igreja Católica.

Comentario : Em nosso editorial de PR 182/1975, pp. 49s,


demos noticia sumaria de um inquérito realizado pela revista
norte-americana «Psychology To-Day» (abreviadamente, PT)
a respeito de fé e valores religiosos entre os leitores do perió"
dico. Lancado em dezembro de 1973, esse inquérito obteve as
respostas de 40.000 pessoas, respostas das quais 2.000 foram
escolhidas para ser objeto de estudo mais preciso; os resul-

— 191 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

tados do trabalho foram finalmente publicados na edigáo de


«Psychology To-Day» de novembro de 1974, pp. 131-136, sob
o título «The Shifting Focus of Faith. A Survey Report: GOD
IN THE GUT. — O foco da fé em mudanga. O resultado de
um inquérito: DEUS ÑAS ENTRANHAS» 1 ; a responsabili-
dade deste artigo final do inquérito é de Robert Wuthnow e
Charles Y. Glock.

Visto que os dados colhidos pelo questionário sao ricos


em significagáo e nao puderam ser suficientemente apresenta-
dos no referido editorial, parece oportuno que lhes dediquemos
airida as páginas seguintes, ñas quais seráo fornecidos outros
e mais minuciosos resultados do inquérito, acompanhados de
breves comentarios.

1. Objeto e ámbito do inquérito

1. O questionário enviado aos leitores de «Psychology


To-Day compreendia questóes religiosas e outras afins a
estas, desde que ficassem dentro do ámbito da fé ou da mística
(em sentido largo); versava, pois, sobre a existencia de Deus,
a significagáo última da vida, o caminho da felicidade, o por
qué do sofrimento, o valor da oragáo, a crenga no Além...;
pedia também opinióes sobre astrologia, reencarnado, religióes
orientáis, percepcáo extra-sensorial, seitas religiosas modernas,
correlagáo entre crencas religiosas, moral e política.

«O inquérito tocou um ñervo exposto» (p. 131). Provocou


as mais diversas reagóes da parte das pessoas interpeladas:

"Alguns responderán) que se sentlam tristes em vista daqueles para


quem Deus nSo era a resposta de todas as questses apresentadas.
Outros nos agradecem por lhes termos oferecldo a ocasiáo de exprimir
os seus genufnos sentimentos religiosos. Escreveu, por exemplo, um
jovem: 'Pensó a respeito de tais assuntos, mas geralmente nao falo
deles nem chego a conclusdes. Agradeco-lhes por ter-me felto pensar'"
(p. 132).

i "Deus ñas entranhas", Isto é, procurado no Intimo ou ñas profun


didades do homem, em vez de apontado "lá no alto, ñas nuvens" como
o Deus distante ou o Deus da ImaglnacSo Infantil. — Este destacamento
de enfoque da fé pode ter sentido positivo e valioso, se ó entendido se
gundo os místicos, que sempre procuram descobrir a Deus pela oracáo,
o recolhlmento e a vida interior; o homem primitivo e a crianca, ao con
trario, tendem a Identificar Deus com objetos exteriores, vistosos ou mesmo
espalhafatosos (ídolos, sol, lúa, fogo...).

— 192 —
<DEUS ÑAS ENTRANHAS»

2. Quanto ao tipo de pessoas que responderam ao inqué-


rito, eis o que os números indicam:

Idade

Menos de 18 anos 4%
18 — 24 anos 40%
25 — 34 anos 32%
35 — 39 anos 7%
40 — 49 anos 10%
Mais de 50 anos

Sexo

Feminino 57%
Masculino 43%

Instrucáo

«High School» (escola secundaria) 17%


«College» (Universidade) 83%

Estado civil

Solteiros 52%
Casados 35%
Viúvos/divorciados/separados 10%

Como se vé, 62% dos que responderam, pertencem a faixa


dos 18 aos 34 anos de idade; mais de metade sao solteiros;
quase todos usufruem de grau de instrucáo superior, sendo um
pouco maior a porcentagem dos correspondentes femininos do
que a dos masculinos.

2. As diversas respostas

Clasificaremos as respostas ao inquérito de acordó com


os respectivos objetos da indagacáo.

— 193 —
6 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

2.1. Crenja em Deus

Eis precisamente o quadro apresentado por «Psychology


To-Day», p. 132:

Qual a sua atítnde frente a Deus? Fem. Mase.

Nao creio em Deus 7% 12%


Nao podemos saber se Deus existe 11% 10%
Incítaosme a nao crer 4% 3%
Inclino-me a crer 12% 11%
Creio definidamente em Deus 40% 36%
Creio em «algo mais» ou «além» 26% 28%

Vé-se que o total dos que respondem, antes, pela negativa


(tres primeiras categorías de respostas) é de 22% para as
mulheres e de 25% para os homens — o que dá urna media
de 23,5%. Quanto ao total dos que créem ou se inclinam a
crer, chega a 78% para as mulheres e 75% para os homens —
o que dá urna media de 76%!

2.2. Filiacao a denominado religiosa

Os correspondentes de PT assim expuseram as suas con-


viegóes religiosas:

27% sao protestantes


18% católicos
4% judeus
1% ortodoxos orientáis ou mórmons
5% adeptos da mística oriental
8% seguem sua «religiáo própria»

• Estes grupos religiosos perfazem um total de 63%. Alias,


de passagem, Wuthnow e Glock observam que, segundo recente
inquérito Gallup, 3/4 partes dos jovens americanos dos 18 aos
24 anos (idade crítica) dizem pertencer a urna das tres grandes
denominagoes religiosas que sao o protestantismo, o catolicismo
e o judaismo.

■•• • Os demais 37% dos correspondentes de «Psychology To-


-Day» declararam ter cancelado qualquer orientac.áo religiosa

— 194 —
«DEUS ÑAS ENTRANHAS>

de sua vida: 10% nao tém crenga religiosa alguma; 13% se


professam ateus ou agnósticos, enquanto 14% se chamam
«humanistas».

Dentre os que professam um Credo religioso definido, so-


mente pequeña parte freqüenta o culto na igreja ou na sina
goga respectiva, embora provenham de familias praticantes e
tenham outrora participado do culto comunitario. Assim nove
dentre dez afirmaram que as respectivas genitoras eram tra-
dicionalmente religiosas; oito dentre dez afirmaram o mesmo
com relagáo aos genitores. Apenas 23% ainda freqüentam a
igreja ou a sinagoga. Acontece que nao poucos desses crentes
sem prática religiosa oficial fizeram questáo de realgar o se-
guinte: abandonar a igreja ou nao a freqüentar nao significa
rejeitar as crengas religiosas como tais.

Voltaremos ao assunto em nosso comentario final, p. 203.

2.3. Valor da oracao

O inquérito incluía algumas perguntas sobre a oragáo, ás


quais foram dadas as seguintes respostas:

Como vé a oragáo? Fem. Mase.

Nao creio na oracáo; nunca adianta 8% 9%


Nao creio na oragáo; mas nao faz mal
orar em ocasióes de emergencia 4% 5%
Orar é apenas falar consigo mesmo;
mas as vezes adianta 33% 36%
Orar adianta; mas é preciso oferecer
apenas oragóes de agradecimento e louvor 3% 5%
Orar adianta, mas Deus nem sempre
responde 12% 12%
Deus sempre responde á oragáo, mas
a sua resposta pode nao coincidir com o
nosso desejo 41% 32%

Como se vé, sao notoriamente poucos (8 e 5%) os que


em absoluto nao valorizam a oragáo. Os que a estimam no
pleno sentido teológico, constituem a maioria relativa: 41%
(f.) e 32% (m.). Na verdade, nao há oragáo perdida, desde
que humilde e confiante. Todavía Deus sabe melhor do que

— 195 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

o orante como atender as necessidades de seus filhos; se Ele


nao responde «conforme o figurino», responde em termos ainda
mais oportunos.

2.4. No tocante á outra vida

Eis outro ponto estritamente ligado com a crenga em Deus


e, por isto, objeto de inquérito.

Gomo encara o Além? Fera. Mase.

Nao creio que naja vida postuma .. 15% 18%


Estou incerto quanto a existencia da
mesma 17% 16%
Creio que deve haver algo além da
morte, mas nao tenho idéia do que seja .. 31% 28%
Existe vida após a morte, nao, porém,
castigo 3% 5%
Existe vida após a morte, com recom
pensa para uns e punicáo para outros ... 16% 14%
A reencarnacáo corresponde ao que
pensó 13% 10%

Nada do ácima mencionado 6% 9%

A resposta crista á pergunta identifica-se com a quinta


da tabela ácima. Apenas seria para desejar-lhe outra formu-
lacáo, mais precisa: «Existe vida postuma, na qual cada um
colherá o que tiver semeado na vida presente: amor bem esca
lonado ou desamor, odio». Os correspondentes que se expri-
miram neste sentido plenamente cristáo, nao sao muítos: 16%
(f.) e 14% (m.). Mas também há boa porcentagem dos que
créem em algo de postumo, embora nao o saibam definir (o
que é muito compreensivel): 31% (f.) e 28% (m.).

Do ponto de vista teológico, nao se compreende a disso-


ciagáo de fé em Deus e crenga na vida do Além. Deus teria
dotado o ser humano de tantas e táo belas aspiracóes (á vida»
á verdade, ao amor, a justica...) para deixar esses anseios
frustrados por todo o sempre? Seria sabio, da parte do Cria
dor, fazer um tal absurdo ou um tal paradoxo?

— 196 —
«DEUS ÑAS ENTRANHAS»

2.5. O encontró do Oriente e do Ocidente

É conhecido o avango das crengas orientáis ñas regióes


ocidentais da Europa e da América.

Os promotores do inquérito de PT escolheram dez cor-


rentes religiosas orientáis e ocidentais que nos últimos tcmpos
tém exercido algum fascinio sobre a sociedade moderna: qua-
tro tipicamente orientáis (a Meditacáo Transcendental, o «Haré
Krishna», o Zen-budismo e a Yoga); duas, de origem ocidental
nao crista (o Satanismo e a Cienciologia); tres, de raízes cris
tas (os «Meninos de Deus», os «Judeus para Jesús» e a Cru
zada de «Campus» para Cristo), além da seita mística judaica
chamada Hassidismo.

No inquérito, um dos itens versava sobre a atitude das


pessoas interrogadas frente a essas diversas denominac.6es.
Eis o resultado:

Respostas as varias seitas:

Tomol parta Intorossado Neutro Contrario Nunca ouvl

Meditacáo Transe. 8% 45% 32% 8% 7%

Haré Krishna 2% 18% 44% 21% 15%


Zen 4% 36% 40% 8% 12%

Yoga 10% 346% 34% 7% 3%


Satanismo 1% 2% 31% 59% 7%

Cienciologia 2% 12% 33% 20% 33%


Meninos de Deus 1% 9% 38% 21% 31%

Judeus para Jesús 1% 12% 42% 14% 31%

Cruzada para Cristo 1% 6% 26% 7% 60%

Hassidismo 1% 6% 26% 7% 60%

Como se percebe, a maior porcentagem de «Nunca ouvi»


se verificou em relacáo ao Hassidismo (ou pietismo) judeu.
Quanto as demais seitas, o que predomina é a neutralidade.
O número de interessados merece atengáo— o que se com-
preende, vista a penetracáo das seitas orientáis e das novas
«místicas» na sociedade contemporánea. Os praticantes, po-

— 197 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

rém, sao realmente poucos, salientando-se entre todos os adep


tos da Yoga, da Meditagáo Transcendental e do Zen-budismo,
ou seja, das crengas e práticas oriundas da India. O Satanismo
provocou o maior número de abertas repulsas, ou seja, 59%
o que se deve talvez entender parcialmente em fun;áo dos
filmes «O Exorcista» e «Rosemary's Baby».

Quanto á astrologia, também foi objeto de inquérito. 8%


apenas dos correspondentes professaram crer firmemente na
tese de que «as estrelas, os planetas de nosso día de nascimento
tém influencia sobre o nosso destino na vida». 22% mostra-
ram-se firmemente contrarios a essa crenga. Quanto á maio-
ría, ou seja, 70% revelaram atitudes de dúvida. Entre as mu-
lheres, a aceitagáo da astrologia é mais esparsa do que entre
os homens (31% versus 15%); quanto aqueles que duvidam,
também sao mais numerosas as mulheres (76% versus 63%).

O horóscopo propriamente dito, com seus sinais zodiacais,


encontra de modo geral simpatía entre os correspondentes.
Mais de 98% destes sabiam dizer qual o seu signo zodiacal (o
que, na verdade, se pode explicar também por mera curiosi-
dade, sem que haja a crenga respectiva por parte das pessoas
interrogadas). 44% destas declararam conhecer certas nogoes
de astrologia, mas 70% responderam nao estar absolutamente
interessadas em seu horóscopo ou apenas levemente interes-
sadas.

2.6. Fenómenos parapsicológicos

Os fenómenos parapsicológicos nada tém que ver pro


priamente com fé e religiáo. Todavía também foram incluidos
no inquérito de PT, porque na realidade concreta acontece que
esses fenómenos fazem lenta e naturalmente as pessoas pen
sar na espiritualidade da alma e despertam para crengas reli
giosas ou abrem para a realidade invisivel, transcendental. De
modo especial, os autores do inquérito indagaram a respeito de
ESP («extra-sensorial perception») ou de percepgáo extra-
-sensorial.

Eis os resultados das indagagóes:

1) Aproximadamente metade dos correspondentes (48%)


afirmou estar certa de que a ESP existe;

— 198 —
«DEUS ÑAS ENTRANHAS» 11

2) 44% (o que quer dizer: quase a outra metade) julga-


ram que provavelmente ela existe;

3) Apenas 1% recusa a realidade ou o valor da ESP;

4) 7% pensam que provavelmente ela nao existe.

Grande é o número daqueles que contam algum caso pes-


eoal de percepgáo extra-sensorial: assim

63% dizem ter experimentado a telepatía (leitura do pen-


samento alheio);

37% ... a clarividencia (percepsáo de acontecimentos


longinquos);

52% ... a precognicáo (consciéncia de acontecimentos


futuros);

% ... a psicocinese (mogao de objetos á distancia, sem


contato físico visível).

É diñcil julgar-se o valor objetivo dessas «experiencias»;


muitas podem ser auténticos casos de percepcáo extra-senso
rial, como também podem ser projecóes de imaginagáo pessoal
do respectivo sujeito. O fato é que o interesse por tal tipo de
assunto tem significado: como dito, exprime a busca de algo
que transcenda a materia e o dominio dos sentidos. É certo que
muitas pessoas, na procura do transcendental, estáo sujeitas
a enganar-se, configurando o transcendental, o «espiritual» em
termos subjetivos e fantasistas. Doutro lado, também se deve
reconhecer que o cultivo científico e bem orientado da para
psicología leva a distinguir fenómenos humanos oriundos do
psiquismo subjetivo, dos auténticos fenómenos religiosos (expe
riencia genuinamente mistica, acáo de Deus sobre a alma hu
mana, milagres em sentido teológico, etc.).

2.7. Outras questdes

O inquérito versou ainda sobre outras atitudes que por


vezes tém estado ligadas com a religiáo, ao menos no compor-
tamento prático da sociedade contemporánea.

Assim, no tocante ao uso de drogas, os correspondentes,


em grande maioria, declararam ter feito ampia experiencia

— 199 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 185/1975

das mesmas. Em menor número, sao aqueles que foram mar


cados por efeitos duradouros dessas drogas em sua vida.

Com relagáo á influencia das posu;óes religiosas na vida


politica, o inquérito apurou que as pessoas adeptas de atitudes
religiosas mais tradicionais (o que por si nao tem sentido pejo-
rativo) seguem caminhos conservadores nos planos da moral
e da política (o que também nao é por si pejorativo). Ao con
trario, os cidadáos que aderem ás novas formas religiosas, sao
propensos a envolver-se em questóes políticas e adotar padrees
moráis próprios e novos estilos de vida.

Por certo, este resultado nao quer dizer que só possa


haver participado política e novos estilos de vida dentro de
novas seitas ou correntes religiosas (orientáis, revoluciona
rías...), pois nao há dúvida de que, guardando fidelidade as
linhas constantes do Evangelho e da Igreja Católica, o cristáo
pode perfectamente participar da vida politica de seu país e
procurar renovar os aspectos contingentes e acidentais do seu
comportamento.

2.8. ConclusSo

É importante realgar os tópicos em que Wuthnow e Glock


resumem os resultados de suas pesquisas ou as suas conclusóes.
"Deus está vivo. Apenas mudou de enderezo. A procura religiosa
está-se desviando de um Supremo Ser fora no espapo para os misterios
íntimos e pessoais... Muda-se o foco da fé : Deus ñas entranhas" (p. 131).

"Os homens aínda procuran) respostas para as grandes questaes


religiosas que o género humano se propds durante sáculos, e aínda an-
seiam por acreditar que Alguém está dlrlglndo a historia,... que existe
algo além do nosso reino pessoal e coletivo. 'Deve haver algo mais,
escreveu um leitor; teria horror a pensar que nos, homens, possamos
ser os supremos seres'" (p. 136).

Estas observagóes, assaz favoráveis aos valores da fé,


sugerem algumas reflexóes a ser propostas sob o título abaixo.

3. Comentario fina!

1. O resultado do inquérito deve ter surpreendido grande


número de estudiosos. A aparente indiferenga religiosa de
grandes massas humanas hoje em dia levaría a crer que «Deus

— 200 —
iDEUS ÑAS ENTRANHAS> 13

morreu», como tanto se tem dito. Na verdade, o senso de Deus


é táo genuino e veraz que ele nao pode morrer sem que o pró-
prio homem morra ou se autodestrua; é o que confirmam cer
tas correntes de filosofía estruturalista, as quais, após a pro-
clamagáo da morte de Deus, tem apregoado a morte do homem
nos nossos dias.

Eis, porém, que a genuina voz do homem se faz ouvir


através do inquérito de «Psychology To-Day». O que morreu
(ao menos na mente de murtas pessoas mais modernas), é a
imagem do Deus «papai bonacháo», pairando no alto sobre as
nuvens; esta é infantil demais para resistir ao espirito critico
dos jovens e dos adultos de nossos tempos. Mas, em compen-
sagáo, o homem de hoje vai tomando consdéncia de que Deus
habita no coragáo daqueles que Lhe sao fiéis ou ao menos O
procuram com toda a sinceridade. O Evangelho o diz clara
mente aos cristáos, referindo a promessa de Cristo: «Se al-
guém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará
e viremos a ele, e nele faremos morada» (Jo 14,23). A espi-
ritualidade crista sempre apregoou a vida interior e a oragáo
silenciosa para que o homem possa mais e mais descobrir essa
presenga de Deus em seu intimo. — Por conseguinte, a tomada
de consciéncia desta verdade — ainda que em termos pálidos
ou rudimentares — significa um passo positivo na historia do
pensamento contemporáneo.

2. Apenas é para desejar que essa conquista nao seja


prejudicada por duas tendencias negativas que a ameagam e
que o inquérito de PT concorreu para por em foco: 1) o irra-
cionalismo emotivo e fantasista, 2) o subjetivismo individua*
lista.

Irracionalismo e subjetivismo... Reconhecer que Deus


existe já é um grande valor... Para poder aproximar-se cada
vez mais desse Deus e desvendar os seus misterios, o ser hu
mano nao pode deixar de servir-se de dois subsidios que o
próprio Deus lhe deu: a sá razáo e a comunidade dos irmáos.
Sim; a sá razáo é para o homem a primeira antena mediante
a qual ele capta a verdade e chega >á plenitude da luz e da
verdade, que é Deus mesmo. A razáo tem seus criterios obje
tivos e universais, já que é a mesma em todos os homens
(todos costumam aceitar que dois mais dois sao quatro,...
que o todo é maior do que qualquer das suas partes...).

— 201 —
14 «PEKGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

Quanto aos irmáos, sabemos que o homem é naturalmente


um vivente social, o qual só se realiza (em qualquer das suas
dimensóes) em comunháo com os seus semelhantes; também
a caminhada para Deus se faz em comunháo — verdade esta
que o Cristianismo corrobora com énfase especial, afirmando
que o próprio Deus instituiu a Igreja como comunidade de sal-
vagáo e sacramento de unidade. A comunidade tambóm tem
criterios objetivos e universais, que impedem os seus membros
de se perder no individualismo cegó.

Ora os depoimentos obtidos pelo inquérito de PT dáo mar-


gem a que se atribua a grande número de correspondentes
urna fé subjetivista e irracional: a maioria, embora creía em
Deus, se distanciou da respectiva Igreja; outros dizem ter «sua
religiáo própria»... Através destas atitudes, percebe-se que
o homem moderno nao se quer afastar de Deus, mas arrisca-se
a conceber o Senhor de maneira ilusoria, vaga, como esteio
psicológico ou como objeto de sentimentos indefinidos... Na
verdade, porém, a religiáo nao é um partido político, ao qual
as pessoas possam aderir ou nao aderir, sem que isto diminua
o seu amor á patria; a religiáo e a prática comunitaria da
religiáo sao preservativos da verdadeira fé ou, mais, sao o
ámbito no qual a fé cresce. Numa visáo crista, dir-se-ia
mesmo:... sao o caminho normal e obrigatório, instituido pelo
próprio Deus, para que o homem chegue á consumagáo das
suas aspiragóes mais genuínas. Para o cristáo, nao pode haver
fé em Deus, sem adesáo a Cristo e a Igreja.

A crescente estima das correntes religiosas orientáis é,


do seu modo, significativa de certo irracionalismo. Tais cor-
rentes sao acentuadamente místicas (o que é positivo), mas
cedem a menosprezo da razáo. O mesmo se diga das correntes
de «Satanismo», «Meninos de Deus», «Cruzada para Cristo»,
«Cienciologia» e outras afins. Sao marcadas por tendencias a
exaltacóes místicas que nao resistem ao crivo do bom senso e
da razáo; constituem reavivamentos, reagóes ou réplicas cuja
duragáo é efémera.

Doutro lado, o interesse assaz ampio por astrologia c


horóscopo, entre os correspondentes de PT, é outro indicio de
irracionalismo. A astrologia (dita «arte de diagnosticar o
temperamento e a vida dos homens») e a astronomía (ciencia)
nao se concüiam mutuamente em absoluto. A astrologia e a
arte do horóscopo supóem concepcóes cosmológicas que a cién-

_ 202 —
«DEUS ÑAS ENTRANHAS> 15

da moderna rejeita peremptoriamente (anel circundando a


térra, no qual se encontrariam as casas do zodiaco, número
limitado de planetas, entre os quais o sol e a lúa...).

O abandono das comunidades eclesiais por parte dos eren*


tes corresponde bem as notas de subjetivismo e existencia-
lismo do pensamento moderno. Alias, parece mais fácil e có
modo fazer «sua religiáo» do que seguir a religiáo oficial;
inconscientemente a pessoa pode enganar-se a si mesma nessa
confeceáo religiosa (escolhendo os elementos que lhe conve-
nham e rejeitando os que desagradem). — O abandono das
comunidades deve-se também, em parte, ao fato de que nem
sempre todos os membros de urna comunidade estáo á altura
do ideal que professam: sombras, incoeréncias, contra-testemu-
nhos afastam as pessoas que nao tenham a formacáo religiosa
necessária para envolver esses fatos mima visáo de fé superior.

O cristáo aceita serenamente a realidade que os dados


estatísticos lhe apontam. Ele sabe que o próprio Deus é o
Senhor da historia; no Apocalipse, o Cordeiro imolado e vito-
rioso traz em suas máos o livro dos designios de Deus, de modo
que todo e qualquer acontecimento está envolvido pela sabe-
doria divina. Da reflexáo sobre os fatos até aqui recenseadoa
o discípulo de Cristo deduz duas imperiosas licóes:

1») Mostrar aos seus semelhantes as conseqüéncias da


fé em Deus, que nao morreu no mundo de hoje. Sim; fé em
Deus se distingue de crendices (que sao irracionais), pede as
luzes e o instrumental da razio para aprofundar as suas con-
cepcóes religiosas, e adere á comunháo dos irmaos, sem os
quais o individuo corre o risco de desfigurar-se.

2») Compete outrossim aos discípulos de Cristo esfor-


car-se denodadamente para que a face humana da Igreja bri-
lhe com novo fulgor, fazendo transparecer, para a humanidade
contemporánea, a graga de Cristo e o amor ao Pai, insepara-
velmente unidos á Igreja.

— 203 —
Lfnguagem de hoje:

igreja particular que é ?

Em stnlese: A expressfio "Igreja particular" designa a Igreja Cató


lica, una e única, tal como Ela se encontra marcada pelas condicdes de
vida e de cultura de cada regláo ou de cada povo. O conceito |á se en
contra nos escritos do Novo Testamento; cf. Ap 2,12-18; 1Cor 11,16;
14,33a ; 2Cor 11,28.

A concepcfio de Igreja particular fol freqüentemente considerada


durante o Sínodo Mundial dos Blspos em Roma (setembro-outubro 1974).
Os Padres Slnodais entlo expllcltaram situacSes cada vez mals novas e
Importantes para a evangelizado, a saber: a Igreja na Europa Ocidental
e na América Setentrional enfrenta os problemas do secularismo e da
contestacSo; no mundo socialista, defronta-se com o ateísmo programado
e militante; na América Latina, encontra o fenómeno da religiosidade
popular e a questio da Injustlca social; na África e na Asia, a evangeliza
do tem que se haver com as culturas locáis e as tradicdes religiosas
dos povos nativos, aos quais nSo raro o Cristianismo parece ser um
aliado do colonialismo e da ocidentalIzacSo.

Já que táo diversas sao as sltuacSes dentro das quais se deve de


senvolver a evangelizarlo dos povos, compreende-se que se possa e deva
levar em conta a realidade da Igreja particular bem circunstanciada pelo
respectivo ambiente. Todavía é absolutamente necessário que as caracte
rísticas locáis e culturáis das diversas comunidades da Igreja de Cristo
nao prejudlquem a unídade do todo: conserve cada diocese a comu-
nhSo de fé e amor com o Sumo Pontífice e as demals dioceses; é para
desejar, porém, que essa comunháo nSo seja entrave para iniciativas sadias,
aptas á melhor evangelizado de cada povo.

Comentario: Nos últimos anos, e de modo especial por


ocasiáo do III Sínodo Mundial dos Bispos (setembro-outubro
1974), tem-se falado de «Igreja Particular». Esta expressáo,
nova para muitos cristáos, nem sempre lhes é clara; tem mesmo
provocado dúvidas e hesitacóes; significaría Igreja cismática,
desmembrada da Igreja universal, católica? Indicaría a cápela
ou o templo construido por um particular, de modo a ser pro-
priedade deste? — Em vista das questóes assim levantadas,
vamos abaixo procurar esclarecer o sentido de «Igreja parti
cular» e o porgué do uso desta expressáo em nossos días.

— 204 —
IGREJA PARTICULAR: QUE £? 17

1. As orígens da expressáo

É já na Escritura que vamos encontrar o conceito expresso


pelos termos «Igreja particular». Com efeito, no Apocalipse
diz o Espirito a Sao Joáo:

"Ao anjo da Igreja que está em fifeso, escreve:..." (2,1);

"Ao anjo da igreja que eslá em Eamirna, escreve:..." (2,8);

"Ao anjo da igroja que eslá em Pérgamo, escreve:..." (2,12). Cf.


2,18; 3,1. 7.14.

O «anjo», no caso, designa o bispo local. Donde se vé


que, querendo dirigir-se aos fiéis de um bispado (diocese),
Cristo se dirige ao bispo da «Igreja que está em...»; esses
fiéis com o seu bispo realizam o misterio da Igreja universal
(católica) dentro das circunstancias locáis e particulares de
determinada cidade ou regiáo; constituem, pois, o que se pode
também chamar «a Igreja particular» situada em Éfeso, em
Esmirna, em Pérgamo ou — passando para termos atuais —
em Sao Paulo, no Rio, etc. Essa igreja particular ou diocese
está longe de ser cismática ou independente da comunháo das
demais igrejas particulares e da Igreja universal; a Igreja par*
ticular é, antes, a própria Igreja Universal existente aqui ou
ali, com as suas devidas características locáis — característi
cas que, sem dúvida, variam de cidade para cidade, de regiáo
ou continente para regiáo ou continente.

Estes conceitos e o respectivo vocabulario também se


encontram ñas cartas paulinas. Tenham-se em vista, por exem-
plo, as seguintes passagens do Apostólo:

"Se alguém pretender discutir, nos nfio temos tal costume, nem o
tem as lgre|as de Oeus" (1Cor 11,16).

"Como em todas as igrejas dos santos, calem-se as mulheres ñas


assemblélas..." (1Cor 14,33s).

"Além de tudo Isto, a minha preocupadlo de cada día: a sollcltude


para com todas as igrejas" (2Cor 11,28).

Como se compreende, o plural «igrejas», nestas frases,


nao significa a multiplicagáo da única Igreja de Cristo, mas,
sim, a Igreja em suas realizagóes locáis, diversificadas aci-
dentalmente pelos homens e a cultura de cada regiáo.

— 205 —
18 «PERGUNTK K RESPONDEREMOS» 185/1975

O conceito de «Igreja particular» assim entendido fot


cultivado durante séculos pela Teología católica sob os nomes
de «diocese», «arquidiocese» ou «circunscricáo eclesiástica».
Todavía o Concilio do Vaticano II (1962-1965) usou mais de
urna vez a expressáo «Igreja particular», dando-lhe assim
énfase especial, que até hoje persiste. Por ocasiáo do recente
Sínodo Mundial dos Bispos (set.-out. 1974), a expressáo foi
freqüentemente aplicada, pois parecía apta a designar a situa-
cáo diante da qual se viam os Padres Sinodais.

2. Evangelizando do mundo moderno

1. O Sínodo dos Bispos (1974) teve como tema princi


pal a Evangelizagáo dos povos, que é a tarefa primordial da
S. Igreja, segundo a norma de Cristo: «Ide, ensinai todas as
nagóes, batizando-as ... e ensinando-as a cumprir tudo quanto
vos mandei» (Mt 28,19s). A fim de abordar o assunto com
o devido realismo, os Padres Sinodais foram colocados diante
do panorama das atividades de evangelizacáo que se vém
desenvolvendo em todos os continentes do globo. Essas ativi
dades tém sido favorecidas por circunstancias diversas, como
também tém enfrentado problemas varios. Acontece, porém,
que fatores favoráveis e adversos se diversifican! de país para
país ou de regiáo para regiáo.

Assim, por exemplo, sabe-se que de 800 milhóes de chi-


neses apenas tres milhóes foram atingidos pelo Evangelho (an
tes de 1954, ano da revolucjio de Mao-Tse-Tung). Dos 160
milhóes de indianos apenas dez milhóes receberam o anuncio
do Evangelho.

É natural que se pergunte por que táo exiguo progresso


da Boa-Nova em meio a tais povos.

— Por certo, a resposta é complexa. Todavía entre outras


coisas deve-se apontar o fato de que até os últimos anos o
Evangelho vinha sendo anunciado aos asiáticos e africanos
em roupagem fortemente ocidental; trazia, sim, as marcas de
elementos da cultura européia que, embora fossem contingen
tes, caracterizavam a mensagem aos olhos dos povos de outros
continentes; a linguagem, o vocabulario, os símbolos, os ritos
dos missionários nao correspondiam as categorías de expressáo
dos asiáticos e africanos. Isto, sem dúvida, dificultava a assi-
milaQáo da mensagem de Cristo por parte dos náo-ocidentais.

— 206 —
1ÜREJA PARTICULAR: QUE É? 19

Verdade é qué o Cristianismo encontrou no Ocidsnte (princi


palmente na Europa) e, de modo especial, entre os latinos,
admiraveis formas de expressáo; a teología e a liturgia oci-
dentais encerram tesouros de verdade e vida, que santifica»
ram numerosas geragóes de fiéis. Note-se, porém, que os habi
tantes de outros continentes nao tém as mesmas premissas
culturáis que os europeus e, por isto, nao se deixam sempre
sensibilizar por fórmulas e sinais que toquem profundamente
os homens de cultura ocidental.

A conseqüéncia disto é a seguinte: hoje em dia, quando


se estudam com novo afinco os meios de evangelizagáo dos
povos, vé-se que se devem respeitar e promover na Igreja de
Cristo — única e universal — as feigóes acidentais próprias,
locáis, «aculturadas» que o Evangelho possa tomar ñas diver
sas regióes do globo. Essa feigáo aculturada corresponde exa-
tamente á expressáo «Igreja particular»; nunca deverá afetar
o ámago da Igreja e da mensagem, mas apenas as formas
contingentes de urna e outra.

2. Como espécünens muito claros desse modo de enten


der a evangelizado em fungáo das diversas culturas e das
igrejas particulares, passamos a citar abaixo alguns testemu-
nhos proferidos por bispos e pastores de almas no Sinodo dos
Bispos de 1974:

a) O arcebispo de Yaoundé (Camaróes, África), D. Joáo


Zoa, fez as seguintes observagóes na sessáo de 17/X/74:

"Sob o aspecto cultural e histórico, devem-se considerar tres momen


tos na aceitacSo da mensagem evangélica por parte do grupo humano
que pertence a um ambiente cultural diferente do ambiente do mensagelro
que a propS'e:

TransmlssSo: o mensageiro deve ser fiel; mas, para Esso, deve


conhecer e respeltar os seus ouvintes. Nesta fase fala-se de adaptacBo.

Asslmllacfio: FenOmeno Intimo, profundo, de compreensfio da men


sagem com as categorías e representacSes próprlas de quem recebeu
essa mensagem.

Reformulscfio ou raexpressSo: O grupo evangelizado esforca-sa


por tornar a expressar a mensagem segundo a sua compreensBo, o seu
genio, as suas categorías, a sua cultura e o seu temperamento. Chama-se
a isto "indigenizar" a Igreja. Para os africanos, trata-se de vlver como
africanos a sua fé, mas na fldelldade ao Evangelho, á Tradicáo, ao Magis
terio da Igreja, segundo as orlentacoes dadas por Paulo VI em Kampala
no dia 31 de julho de 1969".

— 207 —
20 «PERGUNTE E RESPONDKREMOS> 185/1975

Chama a nossa atencáo, neste texto, a palavra «indigeni-


zar», com que os bispos africanos designam a aculturacáo, ou
seja, a adaptagáo da Igreja ao expressionismo da África, de
tal modo que a cultura do continente tenha seus ecos legíti
mos na liturgia, na disciplina e até na maneira de cultivar a
teología dentro das Igrejas particulares da África.

b) O cardeal-arcebispo de Salvador (BA), D. Avelar


Brandáo Vilela, fez a seguinte intervencáo no dia 10/X/74:

"é certo que a Igreja está diversificada num mundo em que exlstem
culturas diversificadas, é certo que o Cristianismo nao pode Identificar-se,
substancialmente, com nenhuma outra cultura. A todas Ilumina o a todas
ultrapassa. Sendo universal e supranaclonal, a Igreja deve ter, no seu pro
grama de evangelizacáo e na sua estrutura, pontos essenclals aceitos por
todos os povos, para que se evite o perigo da pulverizado da mensagem
evangélica. E deve saber encarnar-se ñas mais diversas culturas sem
perda da sua Identldade".

c) Ainda parece útil citar as palavras de D. Jorge Hila


rio Dupont, bispo de Pala (Chade, África), que trata da ma
neira de evangelizar ñas circunstancias próprias do seu país:

"Devemos chamar a atencáo sobre a eficacia singular do próprio


Evangelho para a evangelizado chamada mlsslonária. No Chade, onde a
Igreja vive aínda a prlmeira etapa da evangelizado, os mlsslonárlos ensl-
nam de cor o Evangelho em vez do catecismo. Os crlstSos v9o logo repe-
tl-lo pelas casas, e refletem a seguir com 03 seus Interlocutores sobre o
texto contado á maneira africana, é urna experiencia maravllhosa para
todos: 'Com o Evangelho descubrimos a pessoa de Cristo; com o cate
cismo, nSo. E estávamos multo convencidos de ter trabalhado muito para
a evangellzacSo'.

O Sfnodo poderla Insistir aínda mals no valor singular do texto sa


grado do Evangelho. Por outro lado, o Evangelho ó o livro mais ecuménico
de todos os que exlstem".

De modo especial, através dos depoimentos apresentados


durante o Sínodo pelos próprios Padres Sinodais pode-se de-
preender que sao quatro as grandes configuracóes de culturas
e interesses, aos quais a Igreja deve dar distinta atengáo no
seu atual trabalho de evangelizacáo: existem, sim, a configu-
racáo da Europa e da América do Norte (Estados Unidos e
Canadá); a dos países socialistas; a da América Latina e a
do mundo afro-asiático. Sao quatro diferentes situacóes cul
turáis que dáo as principáis notas características as Igrejas
particulares dentro da única Igreja universal. Vejamo-las
cada urna de per si.

— 208 —
IGREJA PARTICULAR: QUE £? 21

3. Quatro confígura;6es culturáis

Comecemos o percurso pelo mundo ocidental nórdico:

3.1. Europa Ocidental, América Setentrional

1. Na Europa Ocidental, nos Estados Unidos e no Ca


nadá, o quadro é de civilizagáo industrial altamente desenvol
vida, associada a urna filosofía liberal e capitalista ou neo-
-capitalista. O bem-estar e o materialismo tém concorrido
para disseminar indiferentismo religioso, em conseqüéncia do
qual os homens nao se importam com os valores sobrenatu-
rais. Este fenómeno vem sendo chamado «secularización ou
mesmo «secularismo». O secularismo consiste em laicizar tudo,
em ignorar os valores religiosos, para só admitir o pragma
tismo, as filosofías da produgáo e do consumo. Em questóes
de Moral, reina ai o libertinismo acintoso e, nao raro, orga
nizado (exposicóes de pornografía, filmes fortemente ousados,
emancipagáo precoce dos filhos em relagáo aos país...).

Compreende-se que este quadro suscite para a Igreja exi


gencias próprias, que é preciso absolutamente levar em conta
desde que se queira realizar nesses países a evangelizacáo ou
a construgáo constante do Reino de Deus.

O libertinismo moral tem provocado problemas de disci


plina e de obediencia dentro das familias, das nagoes e da
própria Igreja; os movimentos de contestagáo tém surgido e
vém-se afirmando na Alemanha, na Franga, nos Estados Uní-
dos, pondo em xeque a autoridade da Igreja e, em especial,
a do Sumo Pontífice; existem mesmo documentos que incitam
á contestacáo, e grupos organizados sob a inspiragáo desses
documentos. A juventude, ainda que aceite a crenga em Deus
e em Jesús Cristo, mostra dificuldades em aderir á Igreja Ca
tólica, visto que esta tem leis e disciplina nem sempre flexíveis
a gosto dos usuarios, ao passo que os jovens hoje apregoam
a espontaneidade.

Sao estes fatos que levam os bispos de alguns países muito


marcados pela secularizacáo a pedir certa elasticidade na orga-
nizagáo da liturgia.

2. Como testemunho da problemática langada pela


secularizagáo, transcrevemos aqui as palavras de dois Padres
Sinodais.

— 209 —
22 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

a) O primeiro é o Sr. Bispo de Nantes (Franga) D. Mi


guel Vial, que assim falou aos ll/X/74:

"No mundo de ho]e caracterizado pelo progresso da secularizado


e das diversas formas de ateísmo, como se há de conseguir que a Reve-
lacáo seja para o homem uma verdade nova e benéfica e que, ao mesmo
tempo, ele a perceba como a eterna verdade do Verbo de Oeus? Multos
homens, formados na disciplina científica e acostumados á técnica, re-
cusam-se a aderlr & fó, nao por ignorancia dos dados religiosos, nem por
soberba, mas porque para eles a rellgláo já nao tom sentido. Alguns cris-
t&os comprometidos ñas ciencias humanas ou na batalha política tém a
sensacfio de que a fé nfio inspira a sua vida. Esvaziou-se a substancia
da fé. A pergunta: por que eremos hoje ? responde-se com a necessldade
de redescobrlr a novldade especifica da Revelacfio de Jesús Cristo e de
a manifestar depols aos homens para os quals nao tem sentido a refe
rencia a Deus.

Sugerem-se tres linhas de busca: 1) Seria perigoso cair no utilita


rismo e empregar os métodos das ciencias experimentáis para talar de
Deus. O contexto cultural convida-nos a contemplar a Deus de modo
novo, como o absolutamente Outro, transcendente, mas também como a
fonte da plenltude sempre superabundante... 2) Tal persuasfio cedo se
desvanecerla se nfio se fundamentasse em Deus mesmo, que sempre nos
precede de modo totalmente gratuito. Estamos amparados e animados
mediante a vida e a Palavra de Cristo e mediante a corrente de grecas
como pessoas e como comunldade... 3) A nossa doutrina nfio leva a
evasfio".

b) A problemática langada pela secularizagáo nao é ex


clusiva dos países nórdicos. Por isto o Sr. Bispo D. Afonso
Lopes Trujillo, Secretário-Geral do CELAM, declarou no Si-
nodo dos Bispos aos 17/X/74:

"Deve-se sallentar a importancia das repercuss6es do fenómeno da


secularlzacfio sobre a evangelizaefio. O mundo secularizado pretende re
solver por si mesmo a malor parte dos problemas e superar as guerras
e as estruturas injustas sem a forca do Evangelho, empresa esta que nos
parece multo difícil, pois só a carldade de Cristo poderá curar o egoísmo.
O mundo da técnica nunca dará resposta ao misterio da morte nem ao
sentido da vida. A Igreja deve fazer Irradiar toda a luz do misterio pascal
de Cristo sobre estes problemas. Deve-se pregar o Evangelho e aplicar o
método dlalóglco. Da secularlzacfio derlvam-se multas dúvldas acerca dos
elnais, dos símbolos e das realidades sacramentáis. Surglram novas dlfl-
culdades que foram enfrentadas. Em todo caso, a fé e a graca aparecerfio
cada vez mals nfio como fruto espontáneo do ambiente, mas como dom
gratuito de Deus. É necessárla uma audacia malor, mais fé, mals oraefio,
penitencia... e alegría para anunciar o Evangelho".

Passemos agora á análise sumaria da situacáo nos

— 210 ~
IGREJA PARTICULAR: QUE £? 23

3.2. Países socialistas

1. Os países do chamado «Segundo Mundo» ou as nagóes


socialistas da Europa oferecem um quadro social e cultural
assaz diverso do anterior. Os governos socialistas professam
o ateísmo e pretendcm impó-lo ao povo mediante programagáo
esmerada e sistemática; além do que, reduzem a liberdade dos
cidadáos no tocante á religiáo, a palavra, á informagáo, <á loco-
mogáo, á reuniáo...

Em conseqüéncia, a solicitude dos bispos e pastores de


almas nesses países se volta principalmente para a tutela dos
direitos do homem concernentes á liberdade religiosa. A
Igreja, no mundo socialista, é coesa na conservagáo da sua fé,
da sua mensagem e das expressóes do Evangelho; lá nao se
registra o fenómeno da contestagáo dentro das íileiras ecle
siásticas; os bispos gózate de grande autorídade junto aos ñéis
e, por isto, também junto ao governo; o povo tradicionalmente
católico se mantém fiel as suas tradigóes justamente para se
autoafirmar frente as pressóes atéias e materialistas dos
governantes.

2. fi esta a situagáo a que alude, por exemplo, o tes-


temunho do Cardeal D. Estéváo Wysaaráski, Arcebispo de
Gniezno e Varsóvia (Polonia), proferido na sessáo sinodal de
ll/X/74:

"Entra as formas de propaganda atéia deve-so recordar o monopolio


que aJguns governos exercem sobre os molos de comunlcacSo social. Os
bispos devem estar vigilantes. £ obrigacSo Inlludfvel falar e defender o
exerclclo dos direitos da pessoa humana, tfio necessário para o pro-
gresso normal da evangellzacfio. Deve-se reafirmar que nao pertence ao
Estado formar os cidadáos numa rellglfio sem fó, empregando para lato
os melos que tem á sua dlsposlcfio para o bem comum. N5o pode apro-
veitar-se do erarlo público de todos os cldadfios, inclusive os erantes,
para fazer propaganda do ateísmo. Nfio pode recorrer á violencia e a
coacSo para ir Infiltrando a desconfianza para com a Igreja. O Sínodo
tem o dever de defender os oprimidos e perseguidos; ó o que esperan»
multas comunidades que vivem em países ateus".

A nossa visáo estende-se agora para a América Latina.

. 3.3. Os países latino-americanos

Em nossos países, duas notas marcam profundamente o


quadro dentro do qual a Igreja prega o Evangelho: a religio-
sidade popular e o subdesenvolvimento de grande parte da
populacáo.

— 211 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

3.3.1. Religiosidade popular

Os fiéis aos quais a Boa-Nova de Cristo é anunciada, sao


propensos a mesclá-la com crendices diversas, procedentes, em
grande parte, das religióes africanas introduzidas nos países
de forte escravatura. Essa religiosidade eclética ou sincretista
tem suas aberracóes: muitas vezes supóe um exuberante sen-
timento religioso mal orientado ou mesmo irracional, isto é,
destituido das luzes da razáo e da fé crista. Todavía, em vez
de condenar globalmente as atitudes religiosas das populacóes
edéticas da América Latina, os Padres Sinodais puseram em
relevo a necessidade de que os missionários e pastores de
almas procurem conhecer melhor essas crengas religiosas, a
psicología que move os seus devotos e as formas de expressao
dos respectivos cultos. Assim evitaráo prejudicial distancia
entre o catolicismo oficial e o catolicismo popular; procuraráo
aproveitar certos temas caros ao povo simples e certas manei-
ras de traduzir a fé dependentes das culturas locáis a fim de
tocar mais a fundo as populacóes devotas; existem, sem dúvida,
na religiosidade popular elementos suscetíveis de ser elabora
dos pela catequese católica (devocáo aos santos, fé na oracáo,
arte litúrgica...).

3.3.2. A situado sócio-económica

É impossível aos evangelizadores e catequistas da Amé


rica Latina ignorar a questáo social ai existente: a procura de
justas condigóes de vida para as classes menosprezadas do
continente é elemento que faz parte integrante do Reino de
Deus; nao pode um arauto do Evangelho apregoar a justiga
e o amor de Cristo sem levar em conta flagrantes violagóea
desses valores cometidas por pessoas ou grupos responsáveis
de tal situagáo.

Em vista desse estado de coisas, tem-se falado muito,


nos países latino-americanos, de «teología da libertagáo». Os
próprios Padres Sinodais mais de urna vez aludiram a ela, pro
curando chegar a um conceito de libertagáo genuinamente
cristáo e isento de qualquer conotagáo marxista.

Seguem-se algumas consideragóes de Padres Sinodais em


torno do auténtico conceito de libertagáo:

— 212 —
IGREJA PARTICULAR: QUE É? 25

a) D. Rogério Emilio Aubert, bispo titular de Arena e


Vigário Apostólico de Reyes (Bolivia), assim se exprimiu aos
17/X/74:

"Por toda a parte se procura uma transformacfio do mundo; algu-


mas teologías da libertacfio manlfestatn uma tentativa corajosa para uma
maturacfio da vida dos homens, mas freqüentemente caem na tentacfio de
recorrer a ideologías humanas para corrlgir eficazmente os sistemas que
oprlmem a mor parte da humanldade. O Sínodo tem a oportunldade de
dlzer que este poder existe, mas é de Deus, e que se manifestou no
misterio de Cristo".

b) O Sr. arcebispo D. Otávio A. Beras Rojas, de Sao


Domingos (América Central), fez as seguintes ponderagóes aos
ll/X/74: ;-«v'á
"Correntes multo fortes de pensamento, das quals nfio se llbertam
nem os próprlos sacerdotes, querem transformar-nos hoje, sobretudo no
Tercelro Mundo, em meros Instrumentos de objetivos éticos e sóclo-poll-
tlcos. NSo seremos nos a negar a sua beleza e, por vezes mesmo, a sua
urgencia. Mas Isso, digamo-lo com lealdade e valentía, n9o é o nosso
objetivo primordial e especifico. Nos, como Cristo, em vlrtude e em nomo
d'Ele, oferecemos o mesmo que Ele: a vida do Espirito, uma vida que,
por outro lado, nos libertará do pecado e da morte. A llbertacfio, de que
tanto se fala — libertacao social, política e até sociológica — promete-
mo-la e oferecemo-la nos, e multo mals radical, como fruto da vida do
Espirito Santo em nos. Esta vida do Espirito Santo nSo nos dispensa das
nossas obrlgacSes temporals... mas levar-nos-á a elas e ajudar-nos-á a
cumprl-las com fldelidade, generosldade e perseverarla".

c) Merece atengáo outrossim a intervencáoJeto Sr. Bispo


D. Afonso López Trajillo, Secretário-Geral do CELAM:

"é difícil o necessárlo diálogo com os marxistes, dado que pensam


que a rellgISo é causa de allenacSo, convlccfio que se básela no Imanen*
tismo Integral em que se fundamentar» os marxistes. Enumeram'-se...
como elementos comuna entre o marxismo e o Cristianismo o amor á
Justlca e o desejo de libertar os pobres. Talvez seja útil recordar que,
embora seja verdade que no marxismo existe alguma IntencSo humanlsta,
há varios autores marxistes chamados de 'estrlta observancia', que rejel-
tam tal manelra de falar. Para o próprlo Marx, segundo ele mesmo se
expressou, basear a luta de classes no amor e na justlca — conforme
consta na sua correspondencia — equlvaleria a fazer levantar um homem
apolado na sua próprla sombra.

Os conceltos de justlca, amor, llbertacfio dos pobres sSo, no mar


xismo, multo diversos... daquilo que encerra a concepcSo da nossa fé,
precisamente em relacáo ao conceito de proletariado. Enquanto o mar
xismo Identifica os pobres com o proletariado, para nos, pelo contrario,
os pobres nfio se reduzem aos Indigentes, aqueles que podecem necessl-
dade, aos que carecen» de bens, mas pobres é um conceito denso bíblico,
que abarca os pobres enquanto tém o coragfio aborto a Deus e, como
mendigos parante Deus, sabem que dependem d'Ele. Os marxlstas redu-

— 213 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

zom os pobres a urna closso om luta aniagonica, constituida pelos opa-


fórlos das fábricas, classe que nasce do faiu vaiaaueiiamerite quando os
operarios se Isolam politicamente e aiuain nu pioces&o comiifsjoso''.

Resta agora considerar

3.4. Os países da África e da Asia

1. Na África a evangelizacáo se deí'ronta nao com o


secularismo nem com o ateísmo, mas, sim, com as ricas e
múltiplas tradigóes religiosas e culturáis dos povos nativos.
A essas tradicóes antigás sobreveio o catolicismo, apregoado
pelos missionários, segundo categorías latinas ou, ao menos,
ocidentais. Em conseqüéncia, o catolicismo foi, nao raro na
mente daquelas populayóes, identificado com o aparato colo
nizador dos brancos; o Cristianismo, de modo geral, ficou
sendo para aquela gente a religiáo dos brancos,... e dos
brancos colonizadores, dominadores, exploradores. Em conse
qüéncia ainda, atualmente urna das tarefas dos evangeliza-
dores na África há de ser a de desvincular a fé crista e o
colonialismo ou também a cultura européia; deveráo mostrar
que se pode ser fiel católico em estilo africano sem perda da
identidade humana nativa dos povos africanos.

Na Asia encontram-se também antigás e veneráveis cul


turas que os asiáticos desejam ver respeitadas pelos pregado-
res da Boa-Nova; assim a cultura indiana, a japonesa, a viet
namita... Essas culturas estáo associadas a tradigóes reli
giosas, que nao deixam de ter seus valores próprios, valores
decorrentes do senso religioso congénito em todo ser humano;
entre esses valores, salientam-se o senso místico, a estima da
oracáo, da pobreza, da renuncia a si mesmo... — Embora o
colonialismo tenha sido menos intenso na Asia do que na
África, o Cristianismo correu até tempos recentes o perigo de
ser apresentado aos asiáticos como produto e expressáo do
mundo ocidental, ou seja, como algo que exigía a ocidentali-
zagáo dos seus adeptos.

2. A problemática assim concebida foi exposta pelos Pa


dres Sinodais, dos quais váo aqui transmitidos alguns depoi-
mentos.

a) Aos 17/X/34, D. Augusto Azzolini, bispo de Makeni


(Serra Leoa), propós as seguintes observacóes:

— 214 —
IGREJA PARTICULAR: QUE £? 27

"Das experiencias realizadas na África Ocldental, conclut-se que


nos levamos e anunciamos a mensagem de Cristo, que nSo é nem ocl
dental nem oriental, ma3 de orlgem divina. Naturalmente nSo podemos
despojar-nos da mentalldade em cujo meló crescemos, nem da cultura
em que tomos formados. Por outro lado, ató os Governos dos nossos
países africanos apresentam ñas escolas programas culturáis de carátsr
ocldental.

Como demonstra urna experiencia mlsslonárla de vlnte e cinco anos,


os africanos estfio dlspostos a receber a mensagem evangélica, sobretodo
os Jovens, quando conseguem libertar-se de outras Influencias, Estou con
vencido de que, se os assistirmos com carlnho e dedlcacSo, eles saberáo
lancar as bases de urna autentica cultura crista africana, a qual, por sua
vez, dará orlgem a urna forma tiplea de civIlizacSo".

b) Na mesma data, o bispo de Bangassou (República


Centro-Africana), D. Antonio Maanicus, observava:

"A expressfio 'adaptaglo da Igreja' a urna cultura determinada nao


agradou a muitos bispos africanos. Nfio se trata de adaptar nem o Evan
gelho nem a Igreja e as suas lels aos costumes africanos. É necessárlo
estudar mais a fundo os problemas teológicos que se opSem á 'encarna-
cao' de Cristo na África, com urna progresslva conversao do pecador ao
Evangelho... Os bispos africanos nao pedem apenas algumas adaptaedes
exteriores na liturgia, na linguagem, etc.; mas a coragem de estudar
seriamente os problemas que se apresentam ás novas crlstandados, sem
rejeitar de antomfio este exame em nome de tradicSes provenientes de
um contexto sóclo-cultural diverso e que n9o podemos afirmar pertencam
essencialmente á pureza do Evangelho".

Como se vé, D. Maanicus e os bispos africanos pedem


mais do que «adaptacóes»; desejam urna «encarnacáo» própria
de Cristo e do Evangelho no contexto africano — o que cer-
tamente nao implica, segundo esses pastores, diversificacáo do
essencial do Catolicismo nem quebra da unidade da Igreja.

c) Apraz aínda citar o depoimento de D. Angelo Fer-


nandes, arcebispo de Nova Delhi (India), datado de ll/X/74:

"Deve-se aprofundar a teología das rellgISes do mundo, que tem


o seu significado próprlo no plano salviflco de Deus. Cristo ressuscltado,
mediante a aefio do Espirito, está presente e atlvo nao só na mente e no
coráceo dos individuos a quem nfio se anunclou aínda o Evangelho, mas
também em todas as manifestares concretas através das quals esses Indi
viduos exprassam a sua vida religiosa segundo as próprlas tradlefies...
Isto nao se opOe a unidade de Cristo e á sua mensagem, mas delxa
únicamente compreender que esta unlcldade do Cristianismo compreende
(nfio excluí) as outras tradlcOes religiosas em que Cristo está presente,
embora oculto, e ñas quals atua mediante o Espirito para levar todos ao
conhecimento de si mesmos".

— 215 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 185/1975

Em suma, sao estas reflexóes que explicam o conceito de


«Igreja particular» táo focalizado no Sínodo dos Bispos de
1974, como também na literatura teológica atual.
Resta agora tentar urna

4. ReflexSo final

1. O conceito de «Igreja particular», na medida em que


póe em relevo as peculiaridades locáis das quais se deve reves
tir a única e homogénea mensagem crista esparsa pelo mundo
inteiro, é conceito leitimo. Os debates do Sínodo contribuí-
ram para reforgar nos teólogos a consciéncia desta verdade.
Todavía, já que este conceito se contrapee á nocáo de «Igreja,
bloco monolítico» ou de «Igreja imutável em seus tragos aci-
dentais (e essenciais)», a idéia de «Igreja particular» corre o
risco de ser mal interpretada ou entendida extremadamente,
como se «Igreja particular» fosse «Igreja separada ou cismá
tica».

É por isto que Paulo VI, no seu discurso de encerramento


do Sínodo dos Bispos, apontou entre os temas que necessitam
de ser hoje em dia estudados com mais exatidáo o que se
refere á Igreja particular. Eis as palavras de S. Santidade
aos 26/X/74:
"NSo seriamos objetivos se nao notássemos que alguns pontos dos
debates preclsam de ser ainda mals estudados e mais bem determinados...
Antes do mals, as relacdes entre as Igrejas particulares e a Sé Apos
tólica. Alegramo-nos sinceramente com a crescente vitalidade das Ig rejas
particulares e com a sua vontade, cada vez mals patente, de assumlrem
todas as responsabilidades que Ihes sfio próprlas. Ao mesmo tempo, porém,
desejamos se evite cuidadosamente que o aprofundamento deste aspecto
essenclal da realldade eclesiástica seja, de algum modo, nocivo á salvacSo
da 'communlo' com as outras Ig rejas particulares e com o Sucessor de
Pedro, a quem Cristo, o Senhor, confiou o dever grave, perene e cheio
de amor, de apascentar os cordelros e as ovelhas, de confirmar os iranios,
de ser fundamento e sinal da unidade da Igreja. O exerclclo da sua fun-
efio nSo pode, por conseguínte, (¡car reduzido somonte as circunstancias
extraordinarias. NSo I dlzemos Nos, tremendo perante a responsabilidade
que sobre Nos pesa. O sucessor de Pedro é e continua a ser o Pastor
ordinario de todas as ovelhas, de todo o corpo... Aquí nSo está em jogo
urna dlalétlca de poderes. Trata-se de um único desejo, que é o de cor
responder á vontade do Senhor, com todo o afeto, cada qual com o con-
trlbuto do cumprimento fiel da próprla mlssáo".

2. Alias, mais de um dos Padres Sinodais durante os


debates do Sínodo procurou contribuir para se estabelecer
urna reta nogáo de «Igreja particular». Tenham-se em vista,
por exemplo, as seguintes intervengóes:

— 216 —
IGREJA PARTICULAR: QUE £? 29

a) O arcebispo de Kampala (Uganda), D. Manuel K.


Nsubuga, declarou aos 17/X/74:
"Entende-se por 'Igreja local' toda a comunldade de fiéis congrega
dos em torno dos blspos e do seu clero, em comunhSo com todas as
outras comunidades de fiéis unidas ao próprlo blspo e que formam a
Igreja universal em qualquer parte do mundo, e que trabalham sob a
orientacáo do Sumo Pontífice, blspo da lgre|a de Roma. Nfio se pode
talar, segundo a mlnha oplnlflo, de lgre|a local noutro sentido, sem criar
diflculdades para a evangelizado".

b) Na mesma sessáo, o Pe. Pedro Arrupe, Prepósito-


-Geral da Companhia de Jesús, fez a seguinte intervengáo:

"A consideracáo da Igreja particular deve levar a urna compreensfio


melhor da verdadelra universalldade da Igreja e, por consegulnte, á aber
tura das Igrejas particulares no sentido da acSo evangellzadora da Igreja
universal. Nao se devem considerar as Igrejas particulares como partes
distintas de urna unldade administrativa, visto que cada urna délas ó a
única Igreja de Cristo encarnada num determinado lugar".

A necessidade de que as Igrejas particulares guardem a


comunháo com Roma e aceitem as determinagóes provenien
tes do Sumo Pontífice e de seus órgáos administrativos é
necessidade teológica; decorre do conceito mesmo da Igreja
Católica ou Igreja de Cristo. Os bispos nao negam este prin
cipio. Apenas o que alguns pastores pediram (e pedem), é
que as determinagóes oriundas de Roma nao sejam demasiado
rígidas, de modo a nao sufocar a liberdade de tomar iniciati
vas sugeridas pelas condigóes locáis de cada diocese; essas
iniciativas próprias, quando sabiamente concebidas, sao opor
tunas para a maior eficacia dos trabalhos pastarais.

Frente a esta observagáo, devem-se ponderar os motivos


de prudencia que inspiram, também sabiamente, a Santa Sé:
é preciso absolutamente evitar que as iniciativas particulares
e locáis váo aos poucos redundando em diferengas de doutrina
ou de estrutura dentro da S. Igreja de Cristo. Trata-se, pois,
de encontrar a via áurea que permita conservar a unidade da
Igreja sem entravar a evangelizagáo dos diversos povos do
globo. O problema é importante; mas foi longamente focali
zado durante o Sínodo — o que certamente já é um grande
passo á frente.

Bibliografía:

J. B. Llbánio, "Sínodo, a evangelizado e seus problemas", em


"Atoallzacfio", out.-nov. 74, n? 58/59, pp. 436-448.

Os números de "L'Osservatore Romano" de setembro, outubro, no-


vembro 1974 atinentes ao Sínodo Mundial dos Blspos.

— 217 —
Ao menos em caso de estupro ?

aborto legalizado?

Em stntese: As campanhas em prol da ampia legalizado do aborto


suscltaram da parte da Santa Sé (Congregacfio para a Doutrlna da Fé)
urna Declarado sobre o assunto, datada de 18 de novembro de 1974.

Logo de Inicio, a S. Congregado chama a atencSo para o caráter


dirimente ou decisivo que a S. Sé tenclona dar ao documento em foco;
na verdade, o que a Igreja hoje diz sobre o aborto, nfio é senáo o eco
de sua constante tradlcáo.

As razSes teológicas contrarias ao aborto se derlvam do Imanso


valor que Deus atribuí á vida do homem. Esta, embora tenha seu aspecto
senslvel e material e comece débil, como débil é o feto, possul um
destino transcendental e eterno; em conseqüencla, o próprlo Deus coloca
a vida do homem sob a sua tutela preceltuando no Decálogo: "N3o
matarás".

A sfi razáo também rejelta o aborto pelo fato de que viola o dlrelto
mals fundamental do ser humano — o dlrelto a vida. Este é Independente
de raca, cor, sexo, religISo e também de Idade, de modo que tanto com
pete ao ancISo debilitado como á crlanclnha no selo materno. Verdade é
que os autores dlvergem frente á questSo: a partir de que momento
exato o feto é ser humano propriamente dito, portador de alma espiritual?
— Qualquer que seja a resposta dada a esta pergunta, é certo que, desde
a fecundac&o do óvulo no seio materno, o feto ]á é um ser humano ou
urna vida humana em reallzacáo. A próprla genética moderna ensina que,
desde o prlmeiro Instante, está determinado o programa do que será esse
vívente: um homem.

As ob|ecfies que se possam levantar contra a condenado do aborto,


nao prevalecem sobre o peso sempre maior que tem o dlrelto á vida.

Multos legisladores, embora reconhecam o caráter imoral do aborto,


propugnam a legalIzacSo do mesmo. Alegam o pluralismo da sociedade
contemporánea e a Impossibilidade de se punirem todos os casos de
aborto hoje em día ocorrentes. — Em resposta, deve-se roconhecer que a
lei nem sempre recobre a amplidfio dos casos moráis; isto, porém, nSo
quer dlzer que deva ser supressa; a supressfio implicarla em confuto com
a leí natural. D resto, os cristfios sabem que nem tudo o que a leí declara
iuridlcamente legal é, por Isto mesmo, moralmente licito.

O documento se encerra com um apelo á colaboracáo em favor das


familias necessltadas e das mfies soltelras.

— 218 —
ABORTO LEGALIZADO? 31

Comentario: As campanhas em favor da legalizagáo do


aborto em varios paises tém tomado intensidade crescente; as
pressóes sobre as autoridades civis se váo exercendo de modo
a ter obtido resultados positivos na Franga, na Alemanha, na
Inglaterra... No Brasil, o projeto do Código Penal «traz de
volta a legitimagáo do aborto para gravidez gerada em estu
pro» («Jornal do Brasil», 20/2/75, p. 22). Em vista de maior
clareza de idéias a tal respeito, a Sagrada Congregagáo para
a Doutrina da Fé em Roma houve por bem publicar urna «De-
claragáo sobre o aborto» datada de 18/XI/74. Este documento,
importante como é, merece detida atengáo nao só do público
católico, mas também do nao católico (pois se dirige também
aos que nao compartilham a fé). Eis por que, ñas páginas
subseqüentes, proporemos em síntese o conteúdo de tal Decía-
ragáo.

Notemos que a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé é


o órgáo da Santa Sé encarregado das questóes referentes á
fé e ao essencial da vida crista. Continua com espirito reno
vado (firme e também compreensivo) a obra da antiga Con
gregagáo do Santo Oficio. Tem a frente, como Prefeito, o
Cardeal iugoslavo Franjo Seper; o seu Secretario é o arcebispo
francés Jéróme Hamer, ambos signatarios do documento que
passamos a analisar. Já em PR 6/1957, pp. 26-28 e 8/1957,
pp. 38-40 foram publicados artigos sobre aborto.

1. Introdujo© (n' 1-4)

O documento comega por urna Introdugáo, á qual se se-


guem os seguintes subtítulos: 1) A luz da fé, 2) A luz da
razáo, 3) Resposta a algumas objecóes, 4) Moral e Direito.
5) Conclusáo.

A Introdugáo expóe o problema a ser discutido no corpo


da Declaragáo.

É estranha a pressáo que se faz em favor do aborto (des-


respeito á vida) precisamente num mundo que protesta cada
vez mais nítidamente contra as guerras e a pena de morte.
Ora, já que o aborto atinge diretarrtente a vida humana, a
Igreja julga dever seu defender a vida, valor primordial entre
os demais. Ademáis, «dado que o Filho de Deus se fez homem,
nao há homem que nao seja seu irmáo no tocante á ñatureza
humana e que nao seja chamado a tornar-se cristáo, rece-

— 219 —
•¿•I «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

bendo de Cristo a salvagáo» (n« 1). Eis por que a Igreja se


empenha por defender a dignidade humana contra tudo o que
a poderia degradar ou rebaixar.

As campanhas em favor do aborto apelam para o plura


lismo de correntes de pensamento hoje existentes na socie-
dade. — Deve-se, porém, notar que jamáis se poderia recorrer
á liberdade de pensar e opinar numa sociedade para legitimar
atentados aos direitos alheios, principalmente ao direito á vida
(m 2).

Diante dos debates que se vém registrando em torno do


aborto, a S. Congregacáo para a Doutrina da Fé, represen
tando a autoridade própria da Santa Sé, julgou oportuno reto
mar e corroborar os pronunciamentos que nos últimos tempes
já tém sido levados a público por pastores diocesanos, Con-
réncias Episcopais, sacerdotes e leigos católicos em contrario
ao aborto (W> 3).

A esta altura, a S. Congregagáo frisa bem que a sua


Declaragáo nao corresponde apenas a urna opiniáo colocada
frente a outras, mas, sim, faz eco ao constante ensinamentc
do magisterio supremo da Igreja: «é, portante, claro que esta
Declaragáo nao pode deixar de obrigar gravemente as cons-
ciencias cristas» (n* 4), de sorte que, se algum fiel católico
foi impressionado pelos argumentos em favor do aborto, terá
doravante neste documento um criterio seguro para orientar
sua consciéncia. — Com esta observagáo, a autoridade ecle
siástica quis evitar questóes semelhantes as que se levanta-
ram diante da encíclica «Humanae Vitae» referente á limita-
gáo da natalidade: tal documento teria valor dirimente? Seria
sujeito a ulteriores discussóes? Após a advertencia do n» 4
da Declaragáo sobre o aborto, deseja a Santa Sé que nao paire
dúvida, entre os fiéis católicos, a respeito do sentido decisivo
que se deve atribuir a tal documento.

2. A luz da fé (n* 5-7)

A primeira fonte de razóes que inspiram a condenagáo do


aborto, é a Revelagáo Divina mesma, que se acha expressa
na S. Escritura e nos documentos da Tradigáo crista.

O § 5 da Declaragáo recolhe os textos bíblicos que mais


oxpressivamente atestam o caráter santo e inviolável da vida

— 220 —
ABORTO LEGALIZADO? 33

humana. Com efeito; para Deus, a vida do homem é preciosa,


visto que o Criador o fez «imagem e semelhanca de Deus»
(cf. Gn 9,5s). É Ele quem a infunde como também a chama
a Si (cf. Gn 2,7 ; Sb 15,11). A vida do homem permanece sob
a protecáo de Deus, de tal modo que há um solene manda-
mento : «Nao matarás» (Ex 20,13). A vida é também compa-
rável a um talento outorgado por Deus ao homem, a fim de
que este o faca frutificar (cf. Mt 25, 14-30).

Tendo em vista situar mais precisamente os problemas


que se prendem á questáo do aborto, observa o texto da De-
claracáo: muitas sao as opcóes que se oferecem ao homem
neste mundo; elas podem ter seu valor na medida em que se
conciliem com a vocagáo para a vida eterna; é neste mundo
que o homem, com a graca de Deus, prepara a sua sorte defi*
nitiva e transcendental. Estas reflexóes mostram bem a Im
portancia da vida do homem na térra: nao é simplesmente o
bom senso ou a razáo, com seus criterios limitados, que julga
o valor ou nao-valor de urna vida humana. Os acontecimentos
desta caminhada terrestre (alegrías e tristezas, conquistas e
decepcóes) háo de ser julgados nao apenas segundo pontos de
vista imediatos e sensíveis, mas, sim, a partir do destino trans
cendental a que todo homem é chamado (cf. n' 5).

Desenvolvendo a doutrina bíblica, os escritores cristáos


sempre sustentaran! que a vida humana deve ser favorecida
e protegida tanto em suas origens como ñas diversas fases do
seu desenvolvimento. Nos primordios da Igreja, esta atítude
contrastava com o pensamento e os costumes do mundo greco-
-romano. Assim já a Didaqué, opúsculo de fins do séc. I, exor-
tava: «Nao matarás pelo aborto o fruto do seio nem farás
perecer a crianga já nascida» (n« 2). Fazendo eco a semelhan-
tes testemunhos do Ps. Barnabé (100-130) e de Atenágoras
(f 177 aproximadamente), Tertuliano (t pouco após 200) afir-
mava : «Impedir o nascimento é homicidio antecipado; pouco
importa a circunstancia de se suprimir a vida já nascida ou
de se fazer que desaparega ao nascer. Já é um homem aquele
que está em vía de ser homem» (Apol. 9,8). Cf. n* 6s da
Declaracáo.

No decorrer da historia do Cristianismo, os mestres uná


nimemente afirmaram a necessidade de se respeitar a vida
contida no seio materno. Verdade é que na Idade Media varios
autores admitiam que a Infusáo da alma humana no feto só
se dava semanas após a conceicáo; esta hipótese lhes sugería

— 221 —
34 «PERÜUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

distincóes casuísticas sobre a gravidade do pecado de aborto;


como casuistas, encaravam menos severamente a extracáo do
feto ñas suas primeiras semanas. Todavía nunca os autores
medievais negavam que o aborto provocado mesmo nos pri-
meiros dias do feto fosse falta objetivamente grave.

Esta doutrina tem sido reafirmada até nossos tempos.


Levem-se em conta, por exemplo, os ensinamentos dos Pontí
fices Pió XI, Pió XII, Joáo XXIII, Paulo VI, cujo pensamento
foi resumido ñas palavras do Concilio do Vaticano II:

«A vida, desde a sua conceigáo, deve ser salvaguardada


com o máximo cuidado; o aborto e o infanticidio sao crimes
abomináveis» (Const. «Gaudium et Spes» n» 51).

Sao numerosos e variados os testemunhos da Tradigáo e


do magisterio da Igreja que a Declaragáo menciona e condensa
em seus §§ 6 e 7, permitindo ao leitor tomar consciéncia da
posigáo constante e bem definida que os mestres cristáos assu-
miram frente ao aborto (em qualquer de suas modalidades).

3. Tambént á luz .da razáo (n- 8-13)

O respeito á vida humana nao se impoe apenas aos cris


táos em virtude dos documentos da fé. É conclusáo a que
chega também o uso da razáo, ou seja, pertence á algada da
propria filosofía.

Com efeito. Todo homem compartilha a natureza racio


nal; é, por conseguinte, um ser pessoal capaz de refletir e de
optar, decidindo sobre o seu destino próprio. Donde se de-
preende que é senhor de si ou, antes, tem potencialidades para
se tornar senhor de si; é a esta meta que ele tende a chegar.
Embora seja chamada a viver em sociedade, a pessoa humana,
frente a esta, conserva direítos inalienáveis; possui-se a si
mesma, possui a sua vida e os seus bens, sobre os quais tem
direitos que lhe devem ser reconhecidos em estrita justiga
(n» 8).

A sociedade nao é fim ao qual a pessoa humana deva ser


subordinada como instrumento. Nao é licito tratar o ser hu
mano como meio apto á consecucáo de um objetivo «mais
importante» (riqueza, rendimento económico, produtividade,
poder político, conquistas da ciencia...). A pessoa humana
so se subordina definitivamente a Deus (n« 9).

— 222 —
ABORTO LEGALIZADO? 35

A sociedade deve, pois, respeitar os chamados «direitos


do homem». Estes nao sao direitos outorgados pela sociedade
a seus membros, mas competem á criatura humana como tal;
á sociedade toca, sim, a tarefa de preservar e assegurar tais
direitos, direitos, alias, que a Organizacáo das Nagóes Unidas,
fazendo eco aos sentimentos de quase todos os povos do mundo,
proclamou solenemente em 1948 e que até hoje sao objeto de
atencáo dos pensadores. Cf. n« 10.

Pois bem. O primeiro e mais fundamental direito de urna


pessoa humana é o da vida. Esta nao pertence á sociedade
nem as autoridades públicas. Por isto o direito á vida nao
pode sofrer contestacáo por motivos de raga, cor, sexo ou
religiáo. Nem é lícito distinguir as diversas fases da vida
humana para fundamentar violacóes de tal direito. Este per
manece intocável tanto no anciáo (por mais combalido que
se ache) como no enfermo incurável; nao é menos legítimo em
crianca recém-nascida do que em um homem já maduro. Na
realidade, o respeito a vida humana se impóe desde a fecun-
dagáo do óvulo no seio materno, pois entáo se inaugura urna
vida que nao é nem do genitor respectivo nem da genitora,
mas de novo ser humano, que desenvolverá suas próprias vir
tualidades. Este novo ser é táo humano que se pode dizer o
seguinte: ele nunca chegaria a ser homem se nao o fosse
desde o momento da fecundacáo no seio materno (ns. 11 e 12).

Estas afirmacóes sao independentes de qualquer resposta


que se formule para a famosa questáo: «quando se dá a ani-
macáo do feto? Quando ocorre a infusáo da alma espiritual no
óvulo fecundado?» — Sabemos, sim, que os autores estáo divi
didos a respeito: enquanto alguns supóem a animagáo desde o
primeiro instante da conceigáo, outros nao a admitem ante
riormente á nidacáo do ovo fecundado. A discussáo nao é do
ámbito das ciencias naturais, pois o comego da existencia de
urna alma espiritual nao é perceptivel pelos métodos da expe-
rimentacáo biológica. Trata-se, antes, de um debate filosófico,
do qual é independente a doutrina moral fixada pela Igreja
em relacáo ao aborto; com efeito,

— mesmo aqueles que querem admitir a animagáo tardía


mente, háo de reconhecer que já existe no feto urna vida hu
mana que prepara e exige a alma espiritual,... alma espiri
tual na qual se completará a natureza gerada pelos pais;
— mais aínda: é suficiente que a presenga da alma espi
ritual seja provável (e nunca se demonstrará o contrario),

— 223 —
36 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

para que a extineáo da vida do feto equivalha a aceitar o


risco de matar um homem ou um ser humano em formacáo.
Ora aceitar esse risco vem a ser a aceitagáo da possibilidade
de um homicidio.

A genética moderna, alias, contribuí, do seu modo, para


confirmar as conclusóes da Moral. Ela mostra, sim, que desde
o primeiro instante da fecundagáo está fixado o programa do
que será o novo vívente: um homem individual, com as suas
notas características bem definidas; com a fecundaffáo comega
a aventura de urna vida humana, cujas capacidades se váo
desabrochando no respectivo momento oportuno. Cf. n» 13.

4. Resposta a algumas objesóes (n- 14-18)

Embora a lei de Deus e a lei natural excluam claramente


o aborto provocado como sendo um atentado á vida humana,
toma-se difícil, para muitas pessoas, aceitar esta verificacáo,
porque contra ela se movem objecóes procedentes de diversos
capítulos. É, pois, para essas dificuldades que se volta a
recente Declaraeáo da Igreja.

4.1. Razdes de saúde, economía, honra

O documento em foco considera a justificativa que se


poderia deduzir das seguintes situagóes:

a) perigo de morte para a gestante;

b) encargos financeiros que mais um filho na familia


possa acarretar;

c) previsáo de anormalidade ou doenca para o recém-


-nascido;

d) estupro violento e (ou) honra da jovem (ou da fami


lia da jovem) a ser salvaguardada.

Diante das razóes deduzidas dessas situagóes em favor do


aborto, declara o Documento em foco que nao sao motivos
suficientes para legitimar o aborto. O fundamento dessa fir
meza de posicáo é sempre o mesmo: o aborto viola o direito
de um inocente; é, pois, algo de mau em si mesmo. Ora nán
é lícito praticar atos indignos para conseguir um objetivo digno,
pois o fim (reto) nao justifica os meios (viciosos).

— 224 —
ABORTO LEGALIZADO? 37

Em especial, no caso de perigo de morte para a gestante,


observe-se o seguinte: quando há confuto (ao menos, apa-
rente) entre a vida da máe c a do filho, julgam muitas pes-
soas que, sem hesitacáo, a vida da genitora deve prevalecer,
merecendo ser salva as custas da vida da crianga.

Ora tal opiniáo nao condiz com a posicáo crista, que nao
admite seja a crianga inocente condenada á morte; o peque-
niño, como pessoa humana (embora desconhecida), tem os
mesmos direitos á vida que sua máe. Ademáis o fim bom (sal
var a vida da máe) nao justifica o meio mau (no caso, a con-
denagáo de um inocente). Mais aínda: a finalidade da medi
cina é salvar a vida, e nao procurar matar... Por esta razáo,
a questáo correta se coloca para a consciéncia do médico e
dos responsáveis nos seguintes termos: «A quem, segundo os
criterios da ciencia médica, se deve atender primeiramente a
fim de cumprir com todo o empenho possivel a tarefa de sal
var a vida: á máe ou ao filho?» Se os médicos, como médicos,
julgarem que a enanca merece em primeiro lugar atengáo,
dispensem-lhe a devida atengáo (sem por isto omitir os pos-
síveis cuidados que o estado da genitora possa exigir), e
vice-versa.

No que concerne á saúde (física ou mental) e & felicidade


da crianga que há de nascer, deve-se levar em conta que aos
pais nao toca o direito de se colocar em lugar do seu filho
(aínda que embrionario) e escolher em nome do mesmo a
morte. Nem o próprio filho, em idade madura, tem o direito
de optar pelo suicidio, pois a vida é um bem demasiado fun
damental para que possa ser, em alguma hipótese, contestado
ou renegado (n« 14).

4.2. A emancipadlo da mulher

Certos movimentos feministas atribuem á mulher o direito


de nao levar adiante urna gestacáo iniciada, visto que esta a
vincula ás obrigagóes domésticas e lhe tolhe o livre exercício
de certas atividades de índole pública ou profissional.

— Em resposta, deve-se reconhecer que toda injusta dis-


criminacáo (de sexo, raga, religiáo...) deve ser combatida na
sociedade; há mesmo muito que fazer em favor da mulher
dentro do ámbito de determinadas culturas, a fim de que lhe
sejam reconhecidos o digno lugar e os direitos que lhe com-
petem. Todavía a promogáo da mulher nunca deveria contri-

— 225 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

buir para que seja esquecida a índole própria do sexo femi-


nino nem para subtrair á mulher o que a natureza exige déla.
Ademáis a liberdade da mulher (como a do homem) tem
como limites os direitos certos de outras pessoas (no caso, o
direito da crianca. á vida). Cf. n« 15.

4.3. Liberdade sexual

Nao é raro entender-se por «liberdade sexual» a licenca


para se procurar o prazer sexual até a saciedade sem se levar
em conta alguma a orientagáo objetiva, ou melhor, sem se
considerar que a vida sexual está essencialmente voltada para
a fecundidade.
— Ora é mister reconhecer a legitimidade da vida sexual,
contanto que a razáo e o auténtico amor exergam o devido
dominio sobre os impulsos instintivos. Essa legitimidade, po-
rém, nao deve atentar contra a justiga; a procura do prazer
sexual jamáis deveria voltar-se contra a vida de urna crianca
inocente sob o pretexto de que essa vida incomoda ou limita
o uso do sexo (n* 16).

4.4. Progresso da ciencia


As ciencias biológicas e psicológicas possibilitam a reali-
zagáo do aborto em circunstancias cada vez mais numerosas
e facéis; consegue-se o aborto precoce mediante pílulas que
impedem a nidacáo do ovo fecundado, ou mediante o disposi
tivo intra-uterino (DIU). Estas conquistas da ciencia e da
técnica sugerem cada vez mais aos seres humanos a liceidade
do aborto, pois este exprimiría o dominio que o homem des
fruta sobre a natureza.

— Observe-se, porém, que o recurso á ciencia e á técnica


está subordinado a moral, pois está orientado para a plena
realizacáo do homem como homem, realizagáo esta que é da
aleada da moral. De fato, é a moral que dirige as diversas
atividades do homem para que este nao venha a ser apenas
um bom médico, um bom músico, um bom esportista, mas,
sim, e também, um homem reto, digno e perfeito. A ciencia
pode suscitar bons técnicos, profissionais e artistas, mas pés-
simos cidadáos, se nao está subordinada á moral. Por conse-
guinte, como ao homem nao é lícito aplicar a energia nuclear
ao exterminio de populagóes inocentes, assim também nao lhe
é lícito manipular «científicamente» a vida humana inocente
em vista da eliminagáo da mesma (n« 17).

— 226 —
ABORTO LEGALIZADO? 39

4.5. A explosao demográfica

A paternidade responsável e o planejamento familiar tém


sido repetidamente recomendados pelos documentos da Igreja;
nenhum casal deveria gerar sem ter condigóes de educar dig
namente. — Acontece, porém, que a regulacáo dos nascimentos
tem sido empreendida por numerosas familias mediante o
recurso ao aborto; este também é apregoado pelas autoridades
públicas de certas nagóes, que assim desejam controlar o
balango económico e demográfico do país.

Ora esta finalidade nao legitima a eliminagáo da vida de


criangas. Ademáis a violacáo dos valores moráis é sempre,
para o bem comum, maior daño do que qualquer mal de Índole
económica ou demográfica.

5. A Moral e o Direito (nf 19-23)


5.1. O problema

Até aqui foi debatido o aspecto moral ou a atitude da


consciéncia ética perante o aborto. Acontece, porém, que tam
bém as leis públicas versam sobre o assunto, procurando aten
der ao bem comum da sociedade. As leis e o Direito públicos
deveriam, sem dúvida, fazer eco aos ditames da consciéncia
moral, de sorte a nao haver divergencias entre a Moral e, o
Direito. Isto, porém, em muitos casos nao se dá por motivos
diversos, dos quais maior atengáo merecem os seguintes:

a) Embora a legislagio de cada país ténda a punir o


homicidio, em nossos dias existe urna propensáo cada vez mais
acentuada a restringir todas as leis repressivas, principalmente
quando parecem entrar na esfera da vida particular. Ora o
aborto de per si toca exclusivamente os interesses dos geni
tores.

b) A diversidade de opinióes, credos e filosofías existente


em cada sociedade faz que nem todos os cidadáos repudiem o
aborto. Por que entáo a legislacáo pública o condenarla, im
pondo normas que corresponden!, sim, ao ponto de vista cató
lico, mas nao exprimem o modo de pensar de outros cidadáos?
A questáo parece ainda mais premente nos países de minorías
católicas.

c) As leis que punem o aborto, onde existem, sao de


aplicacáo difícil. Na verdade, tal delito tem-se multiplicado a
tal ponto que parece melhor já nao lhe ir ao encalco, mas,

— 227 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

sim, fechar os olhos para o mesmo. Por que entáo manter


leis cuja aplicagáo é difícil ou mesmo nula? Tal situagáo des
prestigia as autoridades civis.
d) A prática clandestina do aborto pode acarretar gra
ves prejuízos para a fecundidade e para a própria vida da
mulher. Pergunta-se, pois: embora os legisladores continuem
a considerar o aborto como um mal, nao poderiam tentar
diminuir os seus efeitos daninhos, regulamentando o recurso
ao mesmo? (n» 19).

5.2. A resposta

As razóes ácima, embora realistas e ponderáveis, carecem


de forga decisiva. Com efeito, considerem-se os seguintes
itens:
a) É certo que urna legislacjio nao pode levar em conta
todos os casos e situacóes que a Moral encara e julga. Nao
lhe é possível punir com sangáo pública todas as faltas; ás
vezes mesmo deve tolerar um mal menor para evitar males
maiores.
Note-se, porém, que a liberalizagáo do aborto hoje em
día nao significa apenas «deixar de punir o que já nao pode
ser punido». Ela pode ser entendida também como urna auto-
rizagáo para a prática do aborto, autorizagáo decorrente de
urna evolugáo da moral neste ponto; a opiniáo pública, sim,
poderia julgar que os magistrados e pensadores da nacáo que
aceita o aborto, já nao o consideram como homicidio, princi
palmente se continuasse a haver no país leis repressivas do
homicidio (ou do assassínio de adultos). O fato redundaría,
pois, em detrimento do bem comum, pois contribuiría, entre
outras coisas, para obscurecer a verdade.
É certo que a lei nao tem por finalidade dirimir dúvidas
ou impor urna opiniáo de preferencia a outra. Mas a vida da
crianga prevalece sobre qualquer opiniáo; nao se pode invocar
a liberdade de pensamento para extinguir essa vida (n« 20).
b) A fungáo da lei nao é a de registrar e sancionar o
que o público prática, mas, sim, a de ajudá-lo a praticar
melhor o que é reto. Em particular, ao Estado compete pre
servar os direitos de cada cidadáo, principalmente dos mais
debéis; tal seria o caso da crianza, que tem o direito á vida
e que se deve beneficiar da tutela do Estado, aínda que na
prática muitos cidadáos nao a respeitem.

— 228 —
ABORTO LEGALIZADO? 41

Verdade é que as leis positivas nao podem impedir todos


os crimes ocultos (abortos clandestinos, por exemplo) que se
cometam. Todavía reconhecer isto nao significa reconhecer
ao Estado o direito de contradizer diretamente a urna leí mais
augusta do que qualquer lei humana: a lei natural do res*
peito á vida, lei inscrita pelo Criador no intimo da natureza
humana.

Os legisladores civis podem renunciar a punir, mas nem


por isto é licito declarar inocente o que contraría o direito
natural (tal é o caso do aborto provocado). Cf. n* 21.

c) A atitude dos cristáos diante das campanhas em


favor do aborto há de ser coerente com os principios expos-
tos. Com efeito, abstenham-se de participar de tais mogóes.
Abtenham-se também de aplicar as leis que legitimam o
aborto, pois tais normas, embora tenham sua legalidade no
foro externo ou jurídico, sao ilícitas ou imorais (pecaminosas)
no foro interno ou em consciéncia. Infelizmente pode haver
divorcio entre o direito e a moral, entre o foro externo (ba-
seado ñas leis positivas) e o foro interno (baseado nos dita-
mes da consciéncia moral). É absurdo o fato (nao raramente
registrado) de que um médico, um enfermeiro ou um profis-
sional se veja diante de um dilema: ou as leis moráis e os
ditames da consciéncia, de um lado, ou a sua carreira profis-
sional, de outro lado (n» 22).
d) O que as legislares estatais devem, antes, promover,
sao as possibilidades de se acolher dignamente toda criatura
humana que venha a este mundo. Auxiliem as familias nume
rosas; ajudem as máes solteiras e seus filhos; levem em espe
cial consideragáo os filhos naturais e favoregam a adogáo de
mancas; em suma, seria de se desejar toda urna politica cons-
trutiva que, oferecendo amparo e alivio as máes solteiras e
aos casáis necessitados, propiciasse urna alternativa positiva
frente ao aborto (tí> 23).

6. Conciusao

A guisa de reflexóes fináis, a Declaragáo da Santa Sé


propóe dois importantes tópicos:
1) Por certo, nao é fácil seguir a Lei de Deus; esta
pode exigir sacrificios heroicos. Todavía o cristáo sabe consi
derar esta luta á luz da eternidade; já que a vida presente é
um continuo encaminhamento para os bens definitivos, os
acontecimentos atuais háo de ser julgados a partir dos crité-

— 229 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

ríos transcendentais que sao definitivos. Em conseqüéncia


deste modo de pensar, nao há desgraca absoluta para o cris*
táo; torna-se mesmo compreensível e tolerável o sofrimento de
educar um filho deficiente.
2) Isto, porém, nao quer dizer que, sob o pretexto dé
se voltar para a etemidade, o cristáo se deixe ficar indiferente
ás miserias da vida presente. Todos — e, sem dúvida, os
discípulos de Cristo — devem estar dispostos a procurar reme
diar a esses males. O amor dos cristáos para com seus irmáos
sofredores, se nao lhes permite legitimar o aborto, deve inci-
tá-los a combater as causas do aborto; isto poderá ser feito de
tres modos, que o documento de Roma enumera, sem pre
tender ser tachativo:

— Procurem os cristáos influir nos costumes da socie-


dade e favorecer a instituigáo da familia, apoiando máes e
filhos.
— Os médicos (cuja tarefa é favorecer, nao, porém, des
truir a vida) esforcem-se por aplicar os recursos já conquis
tados e por descobrir ainda novos caminhos da medicina que
possibilitem remover a falsa solugáo do aborto.

— Desenvolva-se ñas instituigóes adequadas ou, na falta


destas, entre as familias cristas o senso da assisténcia social
ñas suas mais diversas modalidades. Cf. ns. 26 e 23.
A luta em prol de reforma de costumes na sociedade só
será eficaz se se der énfase a certas idéias-mestras. Embora
a Igreja apregoe a paternidade responsável e, por isto, reco
nhega a legitimidade da regulagáo dos nascimentos segundo
as leis da natureza, ela incute também a generosidade; esta
nao pode deixar de decorrer da consciéncia de quanto é grande
e nobre a tarefa que toca aos genitores de transmitir a vida
em cooperacáo com o Criador. A vida é dom de Deus; se
ela tem urna face corporal e sensível, ela se torna plena e
consumada na eternidade e na fruigáo da infinita felicidade
de Deus (n« 27).

É a perspectiva deste termo final que estimula o cristáo a


tudo suportar a fim de viver na térra em consonancia com
a meta definitiva de toda criatura humana.
A propósito veja-se aínda:
"A Igreja e o aborto. Declarares de Conferencias Eplscopals".
EdlcBes Paulinas e Vozes de Petrópolls 1972.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

— 230 —
«OS SACRAMENTOS DA VIDA...» 43

um livro em resentía
Os Sacramentos da VWa e a Vida dos Sacramentos, por Leonardo
Boff. Publlcacfies CIÓ, Teologla/9. — Ed. Vozes, Petfópolis 1975, 80 pp,
135 x 210 mm.

1. Eis mals um momentoso llvro do conhecldo teólogo franciscano


Freí Leonardo Boff. Desta vez, o autor trata dos sacramentos. Coloca os
sete ritos sacramentáis da teologia clássica no contexto do "mundo sacra
mental". Neste os objetos mais corriquelros podem tornar-se símbolos que
evocam vivencias e experiencias em seus observadores, criando um clima
de uniSo, amor e bem-estar.

O autor ilustra esta afirmac&o mediante varios exemplos. Asslm urna


velha caneca de aluminio destituida de valor comercial, pobre do ponto
de vista físico ou artístico, pode, nSo obstante, ser extremamente cara e
significativa para a m9e, o pal e os (lirios de urna familia que durante
anos e anos tenham bebido a agua dessa caneca; o uso repetido dessa
caneca evoca e faz revlver os tempos passados, contribuindo para vincular
sempre de novo os membros dessa familia. Tetn-se asslm o "sacramento
da caneca"; esta é urna realldade senslvel que entretém ou reaviva o amor.

Também um toco de cigarro que tenha pertencldo ao falecido pal


dessa familia e que soja carlnhosamente guardado como reminiscencia do
mesmo, torna-se um sacramento: "Está vivo e fala da vida... Sua cor
típica, seu chelro forte e o quelmado de sua ponta o fazem aínda aceso
em nossa vida... Recorda e torna presente a figura do Pal" (p. 22).
Outro exemplo serla o do pfio: o pao amassado e cosido pela máe de
familia será, por todo o resto da vida dos fllhos, um símbolo que recor
dará o passado; será sempre o pao mais gostoso do mundo, porque será
"um pSo arquetlplco e sacramental... Ele é bom para o coragSo. Ali
menta o espirito da vida. Vem saturado d& sentido que trans-luz e trans-
-parece em sua materlalidade de pfio" (p. 28).

O autor se detém ainda no sacramento da vela natallna, no da estórla


da vida, no da casa... Através das suas consideraQdes, reafirma fre-
qüentemente que tudo na Igreja e no mundo pode ser sacramento: "Sa
cramento é tudo, quando visto a partir e á luz de Deus: o mundo, o
homem, cada coisa, sinal e símbolo do Transcendente" (p. 39).

é neste contexto que Freí Leonardo passa a considerar os sete


sacramentos definidos pelo Concillo de Trento. Julga que o número sete
nao é essencial; há multos e muitos sacramentos,, como anteriormente o
autor realgava. Se o Concillo de Trento se fixou em sete, segulu o
Inconsciente coletivo, que vé no número sete um símbolo de totalldade e
plenitude. Os Padres concillares qulseram asslm exprimir que "a totall
dade da existencia humana em sua dlmensfio material e espiritual ó con
sagrada pela grega de Deus. A salvac&o nfio se restringe a sete cañáis
de comunicacfio" (p. 57). — Desta forma flca Insinuado que os sete ritos
sacramentáis e outros símbolos evocativos da vida de alguém sao igual
e unívocamente sacramentos. Nfio haverla dlstlncfio especifica entre o pfio
eucaristlco e o pSo tradicional da mesa de familia, entre a agua da caneca
e a agua do batlsmol Esses símbolos terlam todos e tSo somente urna
atuacáo psicológica sobre quem estlvesse predlsposto a recebé-la.

— 231 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 185/1975

Quando o Concillo de Trento afirma que Jesús Cristo Institulu os


seta ritos sacramentáis, nSo quls atribuir a Cristo a autoría ou a promul-
gacáo do3 sete sacramentos, mas apenas tenclonou dizer que "e Jesús
Cristo que confere eficacia ao rito celebrado;... a lorca salvHIca do
rito... nfio provém da fé do fiel ou da comunldade, mas de Jesús Cristo
presente" (p. 63).

Depois de alguns capítulos de teor clássico (em llnguagem nova), o


autor encerra o seu llvro, resumlndo o conteúdo do mesmo em 18 propo-
slcCe3.

2. Que dlzer dessa nova obra de Freí Leonardo?

1) Nfio há dúvlda, a leltura desse estudo é Interessante, se nao,


por vezas, fascinante. Os exemplos concretos, as IntulfOes e associac6es
de Idéias e experiencias do autor falam profundamente ao leltor. Parece
que nfio será difícil alguém, desprevenido, endossar com entusiasmo as
aflrmacSes de L. Boff, apesar dos multos neologismos que caracterlzam a
sua llnguagem (presenclallzar, ocular sacramental, modernldade, vlsiblllzar,
dia-bólico, slm-bóllco...). Sem dúvlda, o autor tem passagens poéticas e
descreve cenas graciosas, profundamente evocatlvas da sua próprla vida.

Todavía os pontos obscuros e dlscutlvels do llvro pesam multo mals


do que a sua forma literaria. Quem anal Isa de perto as proposIcCes de
L Boff, chega & conclusfio de que, para o autor, parecem valer certo3
pontos que em absoluto nfio se conclllam com a doutrlna da reta fó. Assim

1) Os sete sacramentos da teología nfio dlferem essenclalmente dos


demals sinais ou símbolos evocatlvos da vida de um Individuo ou de urna
coletlvldadel — Ora esta doutrlna é falsa. Aínda que Fr. Leonardo nfio a
tenha adotado em seu Intimo, ele a Insinúa pela sua linguagem. Esta se
ressente de um vfcio ou de urna amblgüldade fundamental, que deverla
ser saneada. Com efeito, os objetos senslveis que evocam recordares
da Infancia de alguém, nfio deverlam ser chamados "sacramentos", mas,
slm, "símbolos" ou "sinais"; sua atuacfio é meramente psicológica; seu
conteúdo ontológico nao muda, para que possam atuar sobre os sentí*
mentos e afetos dos que os estlmam. Quanto aos sete ritos sacramentáis,
deveriam ser chamados "sacramentos" dentro do Sacramento da Igreja,
que por sua vez é continuacfio de ss. humanldade de Cristo (que ó o
Sacramento Primordial). Verdade ó que os Padres da tgreja chamaram
"sacramentos" os feltos da historia da salvacfio; este uso era Justificado
porque tais aconteclmentos eram "tipos", Isto é, acontecimentos intencio
nados por Deus para prenunciar verdades do Novo Testamento ou da
historia da Igreja. Serla abusivo estender o uso da palavra "sacramentos"
para designar os aconteclmentos da nossa vida cotidiana; esta está chela
de "sinais" de Deus, é o desdobramento vivido e concreto da graca sacra*
mental do Batlsmo, da Eucaristía, da Penitencia..., mas nfio é sacramento
propiamente dito.

2) Segundo a tese de L. B., 03 sacramentos sfio tais por causa


das experiencias e vivencias que eles despertam ñas pessoas que 03
usam. é a subjetlvldade dessas pessoas que faz que determinado objeto
seja sacramento. — Ora isto é evidentemente falso, como se depreenderá
mais adianto. Mals: estranho é dlzer que a deflnlcfio do número de sete
sacramentos se deve ao Inconsciente colativo de bispos e teólogos!
3) A rigor, segundo a tese ácima, um único e mesmo símbolo que
seja sacramento para certa pessoa, nao o será para outras, visto que as
vivencias e reacoes subjetivas variam de pessoa para pessoa, de reg!5o
para regiao, de época para época. — Esta tese se deriva da filosofía
existenciallsta de Martín Heidegger, que valoriza o sujeito e a sujetlvi-
dade do conhecimento a tal ponto de fazer do sujeito o criterio de exis
tencia do objeto. "Desde que alguma colsa seja para mim ou esteja rela
cionada comigo, essa coisa é, existe; a sua realldade é proporcional ao
significado que ela tenha para mim".

Foi essa filosofía, associada á fenomenología, que Inspirou as teses


da transignificacao e da transfinalizagao propostas por teólogos holandeses
em lugar da clássica "transubstanciacfio: "O pSo se torna corpo de
Cristo na medida em que ele o significa para a assembléia e é usado pela
assembléia com a finalidade de unir a Cristo e aos irmaos". — Ora sabe
mos que esta doutrina foi julgada petigosa e ambigua pelo Papa Paulo V)
na sua encíclica "Mysterium fidei" de 3/IX/65, da qual extrafmos 03
seguintes dizeres:

«Depois da transubstanciacáo. as especies do pao e do vinho


tomam nova significacáo e nova finalidade, deixando de pertencer a
um pao usual e a urna bebida usual, para se tornarem sinal duma
coisa sagrada e sinal dum alimento espiritual; mas só adqulrem nova
significado e nova finalidade por conterem nova realidade, a que
chamamos, com razáo, ortológica. Com efeito, sob as ditas especies
já nao há o que havia anteriormente, mas outra coisa completamente
diversa: isto nao só porqus asslm julga a fé da Igreja, mas porque
é urna realidade objetiva...» (n° 48).

«Ninguém ignora serem os sacramentos acSes de Cristo, que os


administra por meio dos homens. Por isso, sao santas por si mes-
n»os e, quando tocam nos corpos, infundem por virtude de Cristo
a graca ñas almas» (n* 39).

Verdade é que os teólogos holandeses nSo queriam negar a real


presenca de Cristo na Eucaristía, mas tencionavam afirmá-la a partir de
outras premissas filosóficas; estas, porém, nao garantían» a objetividade
e a universalidade do sacramento da Eucaristía; reduziam-na a algo de
subjetivo.

Algo de semelhante deve-se dizer a propósito da tese de Freí Leo


nardo Boff em seu livro sobre os sacramentos em geral. Embora o autor
lencione ser fiel á doutrina da Igreja, exprime-a de manelra ambigua e
subjetivista, de modo a nSo ressalyar a unicidade ¡nconfundlvel dos sete
ritos sacramentáis e a realidade objetiva, universal dos mesmos.

é, pols, para desejar que os leitores do livro guardem nítida cons-


ciéncia de que nem tudo o que é literariamente belo é definitivo. O livro
de Frei Leonardo nao pretende ser a última palavra no assunto; o autor
mesmo o aprésenla como um "ensalo (de Teología narrativa)"; a esse
ensafsta os amigos tém o díreito de dizer que destoa da doutrina que a
fé ensina estrítamente; seja refundido a fim de isentar-se de ambigülda-
des,... ambigüidades que resultam da insuficiente dlstlncSo entre sujeito
e objeto, assím como da confusSo de diversas épocas da historia, que ao
mesmo vocábulo "sacramento" atribuiram significados diferentes.

E. B.
Palavras de Paulo VI as mulheres do mundo inteiro no
encerramento do Concilio do Vaticano II (8/XII/65):

«VOS, MULHERES, TENDES SEMPRE, COMO RES-


PONSABILIDADE, A GUARDA DO LAR, O AMOR DAS
FONTES, O SENTIDO DA MATURIDADE. VOS ESTÁIS
PRESENTES AO MISTERIO DA VIDA QUE COMEgA.
VOS CONSOLÁIS NA PARTIDA DA MORTE. NOSSA TÉC
NICA CORRE O RISCO DE SE TORNAR DESUMANA.
RECONCILIAI OS HOMENS COM A VIDA. E, SOBRE
TODO, VELAI, NOS VOS SUPLICAMOS, SOBRE O
FUTURO DA NOSSA ESPECIE. SEGURAI A MÁO DO
HOMEM QUE, NUM MOMENTO DE LOUCURA, TEN-
TASSE DESTRUIR A CIVILIZACAO HUMANA!

ESPOSAS, MÁES DE FAMILIA, PRIMEIRAS EDUCA


DORAS DO GÉNERO HUMANO, NA INTIMIDADE DOS
LARES, TRANSMITÍ A VOSSOS FILHOS E FILHAS AS
TRADICOES DOS VOSSOS PAÍS E, AO MESMO TEMPO,
PREPARAI-OS PARA O INSONDÁVEL FUTURO. RECOR-
DAI-VOS SEMPRE DE QUE UMA MÁE PERTENCE,
ATRAVÉS DOS SEUS FILHOS, A ESSE FUTURO QUE
ELA TALVEZ NAO TERÁ.

E VOS TAMBÉM, SOLTEIRAS," NAO VOS ESQUEQAIS


DE QUE PODÉIS REALIZAR EM PLENITUDE A VOSSA
VOCACÁO DE DEVOTAMENTO. A SOCIEDADE VOS
CHAMA DE TODOS OS LADOS. E MESMO AS FAMILIAS
NAO PODEM PASSAR SEM O SOCORRO DOS QUE NAO
TÉM FAMÍLIA.
SOBRETODO VOS, VIRGEÑS^CÓNSAGRADAS, NUM
MUNDO EM QUE O EGOÍSMO E A PROCURA DO PRA-
ZER PRETENDEM ERIGIR-SE EM LEÍ, SEDE AS GUAR
DIAS DA PUREZA, DO DESINTERSSE E DA PIEDADE.

JESÚS, QUE DEU AO AMOR CONJUGAL TODA A


SUA PLENITUDE, EXALTOU TAMBÉM A RENUNCIA AO
AMOR HUMANO, QUANDO ESSA RENUNCIA É FEITA
EM DEMANDA DO AMOR INFINITO E A SERVICO DE
TODOS.

MULHERES EM DIFICULDADES, QUE PERMANE


CÉIS DE PÉ SOB A CRUZ, Á SEMELHANCA DE MARÍA,
VOS QUE, TANTAS VEZES NA HISTORIA, DESTES AOS
HOMENS A FORCA DE LUTAR ATÉ O FIM, DE TESTE-
MUNHAR ATÉ O MARTIRIO, AJUDAI-OS MAIS UMA VEZ
A CONSERVAR A AUDACIA DOS GRANDES EMPREEN-
DIMENTOS, AO MESMO TEMPO QUE A PACIENCIA E O
SENTIDO DOS HUMILDES COMECOS».

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