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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanza a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
^ ■

256
O essencialismo: que é?

A ordem renovada do templo

IA meditacao transcendental em foc

"Os milagres do johrei"

Os mandamentos da lei de Deus

A tragedia do Pe. Dmitri Dudkc

0 método Silva de controle men1


Livros em estante

o XXII — maio-junho — 198


PERGUNTE E RESPONDEREMOS
Ano XXII — maio-junho — 1981 —
Publicacao bimestral
N9256

SUMARIO
Diretor- Redator Responsável:
D. Esteváo Bettencourt OSB Nova escola filosófico-religiosa:
O ESSENCIALISMO:QUE É? 162
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB Mais unía escola filosófico-religiosa:
A ORDEM RENOVADA DO TEMPLO ... 174
Administracao e distribuicao:
Aínda ecos:
Edicoes Lumen Christi A MEDITAgÁO TRANSCENDENTAL
Dom Gerardo, 40 - 59 and., sala 501 EM FOCO 190
Cx. postal 2666
Tel.: (021) 291-7122 Um livro que tem atraído:
20000 Rio de Janeiro RJ "OSMILAGRESDOJOHREI" 198

Pagamento em cheque A Igreja Católica terá alterado


ou vale postal ao: OS MANDAMENTOS DA LEÍ DE DEUS? 203

Mosteiro de Sao Bento


VoltandoáU.R.S.&:
do Rio de Janeiro
TRAGEDIA DO PADRE DMITRI DUDKO 210
Caixa postal 2666
20000 Rio de Janeiro RJ
Psicorientologia ou
O METO DO SILVA DE
A CONTINUACÁO DESTA CONTROLE MENTAL 221
REVISTA DEPENDE DOS
SEUS ASSINANTES. LIVROS EM ESTANTE 224

JÁ RENOVOU A SUA
ASSINATURA?
TEMARIO DO PRÓXIMO NÚMERO
Cr$ 500,00 (1981)
257 — julho- agosto — 1981
de Janeiro a dezembro.

Para número avulso


dirigirseá Administracao. Em face do niilismo, só o Cristo
"Eu fago novas todas as coisas"
Hipóteses sobre Jesús
COMUNIQUE-NOS QUALQUER
MUDANCA DE ENDEREQO "Muitas moradas na casa do Pai"
Calcas compridas para as mulheres?
Inocua, a vasectomia?
Compoticao e ¡mpreuáo:
O caso Dmitri Dudko
Marques-Saraiva N? S? aos seus sacerdotes
Santos Rodrigues, 240
Rio de Janeiro

Com anrovacao eclesiástica


ANO INTERNACIONAL DO DEFICIENTE
O ano de 1981 foi pela ONU dedicado as pessoas deficien
tes, tendo por tema básico «Participacáo plena — Solidarie-
dade total».
Existem deficientes totalmente alheios ao uso da razáo;
vivem em ininterrupta demencia» Tais pessoas possuem urna
alma nobre, espiritual, unida a um corpo lesado em seu cere
bro... corpo que, por isto, é incapaz de exprimir adequada-
mente a inteligencia e a magnanimidade do respectivo sujeito.
Embora sejam «peso morto» para a sociedade, merecem res-
peito até o último momento, á revelia das ameacas do racismo
e da eutanasia.
Existem também pessoas parcialmente anormais no plano
físico ou no psíquico. A atitude do cristáo diante de tais pessoas
consistirá, antes do mais, em procurar convencé-las de que sao
gente, dotadas da dignidade que compete a todo ser humano.
O deficiente, para poder integrar-se na vida da sociedade,
necessita de aconchego e auténtico amor fraterno. Muitas vezes
o deficiente é considerado como objeto de estudos e pesquisas
ou como ser assistido pelo senso humanitario dos seus¡ seme-
lhantes, mas nao tem amigos, ou seja, pessoas qu<j com ele
compartilhem um pouco das suas alegrías e da sua vida pessoal;
é o que lhe torna os fins de semana especialmente dolorosos.
Este fato desafia os cristáos, a ponto de já ter suscitado a
fundagáo, entre outros, do Movimento «Fé e Luz», destinado
a oferecer aos deficentes o convivio amigo de pessoas normáis.

É necessário também que o deficiente mental seja levado


a ajudar a si mesmo, procurando exercer o autodominio espe¿
cialmente nos momentos de lucidez. A experiencia ensina que
varias pessoas, prejudicadas em sua saúde psíquica, chegaram
a ser notáyeis personagens da historia, deixando obras de
grande utilidade para as geracóes posteriores. Tal foi, sem
dúvida, o caso do Pe. Joseph Surin S. J. (1600-1665), que
sofreu duras crises nervosas e durante dez anos se viu conti
nuamente assaltado pela tentagáo do suicidio, mas, legou va
liosos escritos místicos, através dos quais transparece ardente
amor a Deus. Tal foi também o caso de J. H. Pestalozzi
(1746-1827) : física e psíquicamente desajustado, revelou ser
um genio do coracáo e um grande educador, que revolucionou
a pedagogía.

Possa, pois, o ano de 1981 contribuir para lembrar aos


cristáos o axioma da Igreja antiga: «Viste teu irmáo, viste
teu Deus» !
E.B.
— 161 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXII — N* 256 — Malo-¡unho de 1981

Nova escola filosófico-religiosa:

o essencialismo: que é?
£m síntese: O Essencialismo ou Escola de Espiritualidade Viva foi
fundado por Madame Sundari em 1951 e já conta adeptos no Brasil. Vem
a ser um sistema panteista (identifica tudo com a Divindade, fazendo do
homem urna parcela desta); professa urna ética exigente, que incluí regime
vegetariano; admite a reencarnagáo. Desta manen a, opce-se o Essencia
lismo ao Existencialismo, tido como concepcáo materialisia e hedonista da
vida. O nome de "Essencialismo" se explica pelo fato de que Madame
Sundari tenciona guardar apenas o essencial da vida espiritual, ou seja, a
pratica do bem e do amor, deixando de lado dogmas e ritos.

Ora nao é difícil compreender que o panteísmo é aberracáo aos


olhos da Lógica, pois identitica o Sim e o Nao, ou seja, o Eterno e o
temporal, o Absoluto e o relativo, o Necessárlo e o contingente. Quanto á
tese da reencarnacáo, carece de pravas; além do qué supóe um conceito
de Deus mecanicista (lei do kamta) e urna nocáo pessimista ou dualista
do corpo. da matéiia e da historia deste mundo.

* * *

Comentario : Apareceu recentemente no Brasil urna nova


escola filosófico-religiosa chamada «o Essencialismo». Convoca
todos os homens a urna reforma ética e pcssoal, que deve pro
vocar a renovagáo da sociedade e a extincáo dos males físicos
e moráis que afligem a humanidade contemporánea.
Visto tratar-se de corrente de pensamento aínda pouco
conhecida no Brasil, apresentaremos, a seguir, as notas essen-
ciais da mensagem essencialista e alguns comentarios a pro
pósito. Para tanto, recorreremos aos tres volumes da funda
dora da Escola intitulados «Existentialisme ou Essentialisme?»,
«La faillite des mots» e «La philosophie des temps nouveaux»
(Existencialismo ou Essencialismo?, A falencia das palavras, A
filosofía dos tempos novos) ; tais obras seráo citadas pelas si
glas EE, FM, PhTN1.

*Os tres volumes foram publicados por Editions Húmala Harold S.


Blume. SSo obras multo recentes, que nao trazem data de publicacSo.
Aínda nSo foram traduzidas para o portugués.

— 162 —
ESSENCIAUSMO: QUE É?

1. A fundadora do Essencialismo
O Essencialismo ou Escola da Espiritualidade Viva foi
fundado em 1951 por urna escritora francesa, chamada Ma-
dame Sundaril. Nascida de familia católica, a fundadora, já
aos quatro anos de idade (como ela mesma confessa), dizia
que quería, no futuro, «fazer como o Mestre Jesús, nao, porém,
á maneira das religióes,... mas como ela o sentía em seu
coragáo» (EE p. 95s).

Recebeu em casa educagáo severa por parte dos pais. Fez


seus estudos em Intérnate de colegio católico. Mas nao quis
professar o catolicismo. Antes, resolveu seguir Jesús a seu
modo «sem ritos, scm dogmas, sem cerimónias», «num cora-
cáo-a-coragáo com o Coragáo Universal» (EE p. 96).
A Sra. Sundari dedicou-se á literatura, escrevendo alguns
romances, que incutem as teses do Essencialismo. A partir de
1951, quando fundou a Escola da Espiritualidade Viva, tem
viajado pelo mundo inteiro a fim de disseminar a sua mensa-
gem filosófica; esta se acha hoje em dia propagada pela Fran
ca, a Suiga, a Bélgica, o Egito, os países árabes, o Irá, a Amé
rica do Norte, a América Central e a Meridional; chegou ao
Brasil em 1979.
Antes de falar em público, diz Madame Sundari que pro-
fere a seguinte prece : «Tu passas e eu Te sigo, és Tu que vais
falar pela minha boca» (FM, p. 14).
Perguntamos agora:

2. Qual a doctrina do Essencralismo ?


Os dois nomes da escola de Madame Sundari já revelam
algo da sua mensagem : «Espiritualidade (viva)» opóe-se a
«Materialismo», e «Essencialismo» indica a primazia atribuida
aos valores essenciais do coracáo e do espirito, ou seja, ao
amor entre os homens e á fratemidade universal.

2.1. No;óo de Deus

1. O amor fraterno, apregoado pelo Essencialismo, ba-


seia-se na Divindade concebida de maneira panteísta: a Divin-
dade seria o Principio do qual emanam todos os demais seres.
Sao palavras de Madame Sundari:

1 Pseudónimo que em sánscrito quer dlzer: "Beleza do Amor Uni


versal".

— 163 —
4_ -PKKGUNTK E RESPONDEREMOS» 256/1981

"Somos perfeilos pelo nosso ser real, que é urna emanacáo de Deus
(ou Principio de Vida ou Poder Cósmico)" (FM, p. 87).

"Vemos, antes do mais, no próximo nao somente o seu espirito pes-


soal, mas o Espirito universal, do qual ele é urna emanacio" (EE p. 10).

O panteísmo se traduz também pelas expressóes «leis divi-


no-cósmicas da Sabedoria, da Justiga e do Amor» (FM, p. 87),
«Grande Todo Universal» (EE, p. 10), «Poder cósmico» (EE,
p. 184), «Deus é a Forga Superior que dirige o Universo»
(EE, p. 183).

Em conseqüéncia, afirma Madame Sundari :


"Tudo é espirito; a própria materia é espirito engrossado'' (EE, p. 10).
Jesús Cristo é o Mestre dos Mestres, mas, como se com-
preende neste contexto, nao é a segunda pessoa da SS. Trin-
dade:
"Aquele que chamo o meu Mestre e que é Jesús, é ele mesmo uni
versalista. Estava encarnado num corpo de carne como vocé e eu, e nao
tinha oiigem diferente da de todos nos... No decorrer da sua existencia,
nao nos deu Ele o exemplo de vida simultáneamente humana, essencial e
eterna? Quartdo Ele disse: 'Eu sou a verdade1, ele trazia a verdade vivida.
Urna verdade que todos os homens tinham o poder de praticar. Ele é a
Verdade, o Caminho mais direto e mais seguro; para mlm, nao há outro,
pois é o caminho do amor verdadeiro que dá a vida e transforma os
homens" (EE, p. 11).

Cristo veio, há perto de dois mil anos, abrir a era do


Essencialismo, a era do coragáo e do espirito. Infelizmente,
segundo Madame Sundari, os discípulos de Jesús nao o com-
preenderam, pois o interpretaram como fundador de religiáo
com dogmas e ritos. Só nos últimos decenios é que Jesús está
sendo auténticamente compreendido por obra de Madame Sun
dari, que apregoa a verdadeira mensagem de Jesús: a reforma
moral de cada individuo, o nao aos vicios, ao odio, á violencia,
aos prazeres materiais, e o amor fraterno a todos os homens.
Cf. EE, p. 25.

Na base destas concepcóes, o Essencialismo é contrario


as diversas religióes; estas conservam sua razáo de ser para
as pessoas que nao tém nem o gosto nem o desejo de subir mais
alto, ou seja, para as pessoas que nao podem andar e precisara
de muletas. Quem adere ao Essencialismo, já nao freqüenta
igrejas de pedra; antes, deseja que estas sejam destruidas para
que os homens fagam do seu corpo o templo de Deus e do seu
coragáo o tabernáculo da Divindade. Cf. EE, p. 184.
2. Embora professe claramente o panteísmo e o ema-
natismo, Mme. Sundari recorre por vezes a expressóes que

— 164 —
ESSENCIALISMO: QUE £?

nao se coadunam com tais concepgóes. Assim, por exemplo,


afirma que «o homem foi criado para ser feliz e aprender a
voltar ao Criador» (FM p. 57). — Ora criagáo e emanagáo
sao nogóes que nao se conciliam entre si, pois criar significa
produzir scm materia preexistente ou a partir do nada, ao
passo que emanagáo significa evolugáo de um principio exis
tente.

Ás vezes, Sundari também emprega termos que lembram


a filosofía dualista, como se houvesse dois principios antagó
nicos — um bom e outro mau — na origem deste mundo.
Como produtos do Mal, cita certos animáis :
"Creio que os animáis foram criados para a alegría do homem (ex-
ceto os animáis mallazejos e monstruosos e os piolhos, as pulgas, os per-
cevejos, as aranhas, as baratas, etc., que talvez tenham sido criados pelas
forcas más, que, por orgulho, quiseram ser 'criadoras' ao mesmo título que
Deus, tentando mesmo ultrapassá-lo!). Fora disto, a mesma Vida, o mesmo
Amor, o mesmo Poder regem todas as criaturas e toda a crlacáo" (EE p. 41).

Torna-se difícil dizer o que seriam essas «forgas más»


que quiseram ser criadoras!... Como quer que seja, o pensa-
mento de Madame Sundari é fundamentalmente panteísta.
A fundadora da Escola eré também na influencia dos as
tros sobre a vida dos homens, e na astrologia. Julga, porém,
que uma pessoa que evolui para o bem e se aperfei;oa, escapa
ao regime dos astros e da astrologia (EE p. 187).

2.2. O homem

O Essencialismo concebe o homem como espirito encar


nado. Professa certa aversáo para com o corpo ou a materia.
Pessoalmente, Mme. Sundari chega a admitir a reencarnagáo,
que ela procura fundamentar na S. Escritura e na Tradigáo
da Igreja. Julga que a ressurreigáo da carne professada pelos
cristáos é um passo na diregáo da tese da reencarnagáo ! Os
motivos pelos quais Sundari afirma esta tese sao os segunintes:
"Nlnguém pode atingir a PerfeicSo do seu ser numa só existencia;
esta é curta demais" (EE p. 187).
"é a reencarnagáo que explica as injusticas aparentes, as diferenc.as
soclais. A meu ver, somonte as vidas sucessivas podem permitir a evolucfo
do ser" (EE p. 13).

Os homens sao irmáos entre si porque a vida da Divin-


dade circula em todos :
"... Deus cuja vida circula nele mesmo e em cada um dos seus
semelhantes. E é por esta vida que todos se podem Identificar uns com os
outros e tomar consciéncia dos seus llames fraternos" (EE p. 88).

_ 165 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 256/1981

Sundari admite a possibilidade da necromancia ou da


comunicagáo dos vivos com os mortos; todavía julga que esta
é urna prática perigosa para o equilibrio mental e nervoso
dos homens, já que mobiliza forgas invisiveis, que ninguém
pode controlar e dominar (EE p. 90).

Passemos agora ao exame de

2.3. A ética essencialisía

Pode-se dizer que a escola essencialisla vem a ser prepon-


derantemente urna corrente de ética, tal a énfase com que
apregoa a renovagáo interior de cada ser humano.

Opóe-se ao existencialismo, que, conforme Madame Sun


dari, é foco de materialismo e libertinagem moral; por muito
tempo, o existencialismo manteve o homem na sua animali-
dade (EE p. 14).

A renova;áo interior do ser humano provocará a recons-


trugáo da sociedade, que sofre de males coletivos. Além do
qué, observa Sundari que o homem morigerado, ou seja, inte
grado dentro das leis da natureza divino-cósmicas, nao padece
doencas ou males físicos ou mesmo está isento de sofrimento.
Toda molestia é conseqüéncia de vida desregrada; por conse-
guinte, a boa saúde é fungáo de comportamento honesto
e reto:

"O sofrimento n9o é necessário para evolulr. É a conseqüéncia da


nSo observancia das leis de Deus. Alguém que observa estas leis, livra-se
progresslvamente dos seus sofrimentos e das suas angustias" (EE p. 12).

"A doenca é o resultado das Infracoes do homem ás leis do Amor,


da Justica e da Sabedorla. Nos o observamos, em nossa Escola, há 25
anos. Algumas pessoas vieram ter conosco abandonadas pela Medicina,
que nada mals podía fazer por elas... Nos Ihes aconselhamos a reforma
do seu caráter e o regime vegetariano ou mesmo vegetallano, Isto é, o
nSo consumo de algum produto subanlmal. E, aos poucos, nó fim de dois.
tres, seis meses, conforme o caso, comecaram a mudar. 6 seu sangue se
tomou puro e leve. Urna vida nova clrculava em suas veias e trarísparecia
em seu semblante e em seus olhos" (EE p. 185).

O apreco de Sundari pelo vegetarianismo se revela ñas


longas páginas que a autora dedica a tal assunto no livro
«La phüosopHe des femps nouveaux» (pp. 121-174); ai en-
contram-se receitas dietéticas, receitas alimentares, minutas
para refeicóes, etc. Acentúa, porém, a autora que a reforma
alimentar deve ser acompanhada pela reforma individual dos
costumes.

— 166 —
ESSENCIAUSMO; QUE £?

Juntamente com a carne, estáo proibidos na escola do


Essencialismo o álcool e o fumo.

Trata-se agora de propor alguma reflexáo sobre tal filo


sofía de vida.

3. Á procura de clareza

Quatro sao os pontos da doutrina essencialista que pare-


cem exigir aprofundamento e elucidagáo.

3.1. Panteísmo

O panteísmo ou doutrina segundo a qual tudo (pan em


grego) é Deus (theós) está hoje em día muito difundido. Va
rias correntes filosófico-religiosas de nossos tempos professam
a existencia da Divindade concebida em termos panteístas.
Verdade é que nao raro as expressóes de panteísmo, nos es
critos dessas escolas, estáo mescladas a dizeres monoteístas
(que concebem Deus como um Tu, diferente do sujeito); isto
bem se entende pelo fato de que o panteísmo é artificial; com
efeito, supor que o individuo humano seja parcela da Divin
dade ou a própria Divindade vem a ser estranho ou violento
demais para a inteligencia humana, que espontáneamente tende
a se voltar para um Tu concebido como Pai, Eterno, Sabio,
Todo-poderoso, etc., em suma, diferente do próprio sujeito e
mais elevado do que este na escala da perfeicáo.

Acontece, porém, que o panteísmo tem sua forca sedutora,


pois üvra os homens de prestar contas a Deus, visto que cada
um é parcela da própria Divindade.
Na verdade, o panteísmo implica aberracáo lógica e, por
isto, é insustentável aos olhos da sá razáo. Com efeito; o
panteísmo identifica entre si o Sim e o Nao, ou seja, o Eterno
e o temporal, o Absoluto e o relativo, o Necessário e o con
tingente; supóe que haja transigáo ou emanagáo do Absoluto
para o relativo ou que o Necessário se possa tornar contin
gente ou que o Eterno possa passar por evolucáo. Ora, como
se percebe fácilmente, tais pressupostos sao ilógicos, pois pre-
tendem identificar entre si o Sim e o Nao (o Absoluto é o
nao relativo; o Necessário é o nálo contingente; o Eterno é o
nao temporal). Por conseguinte, quem adere ao panteísmo,
desdiz a .razáo e obstruí os seus caminhos filosófico-religiosos.

— 167 —
8 «PEKGUNTK E RESPONDEREMOS* 256/1981

3.2. Reencarnado

1. A maior dificuldade com que se depara a tese da re-


encamagáo, é a falta de provas positivas que a apoiam; em
estado psíquico normal nao há quem tenha consciéncia de já
haver existido no corpo em uma pré-vida. Ora, para quem
ignora o motivo pelo qual está destinado a se purificar neste
mundo (ou pelo qual se reencarnou), vá é a sangáo ou a
reencarnagáo. Se o homem desconhece a que altura do seu
roteiro espiritual se acha, nao se pode orientar para o futuro,
aproveitando da «chance» que lhe é dada em cada reencar
nagáo. A sangáo só se torna medicinal para quem sabe por
que lhe é infligida.

2. Eis, porém, que certos fenómenos ocorridos em transe


hipnótico parecem fornecer provas de encarnagóes anteriores.
Famoso entre todos se tornou o caso de Bridey Murphy nos
Estados Unidos da América do Norte. — Ora as pesquisas
sobre tais casos levam a dizer que se trata de fenómenos psi
cológicos assim explicáveis: habitualmente o homem tem cons
ciente apenas uma oitava parte dos conhecimentos que possui,
ficando-lhe os sete oitavos restantes na subconsciencia, como
que ignorados. Contudo, por efeito de um choque psicológico
forte, as nogñes latentes lhe podem aflorar á mente e com-
binar-se de múltiplas maneíras, dando ocasiáo a que o indivi
duo fale e proceda como se houvesse mudado de personalidade.
É o que se verifica, por exemplo, quando alguém é colocado
em estado de transe: um hipnotizador que possua dominio so
bre o seu paciente, pode sugerir-lhe experimente as situagóes
mais estranhas e ridiculas; o hipnotizado sentirá entáo suces-
sivamente calor e frío com os síntomas típicos destas situa
góes; fará convictamente as vezes de soldado, de General e
de Rei, de ricago e de mendigo, de acordó com os pormenores
que o operador lhe quiser insuflar; retrocederá no tempo,
comportando-se como crianca, tomando voz infantil, mostran-
do-se tagarela e caprichoso; tentará engatinhar, escreverá com
letra de aprendiz de escola primaria. E, se o hipnotizador in
sistir, conseguirá que o seu paciente «ultrapasse o limiar da
vida presente», contando episodios de uma existencia anterior
á atual, episodios que, uma vez devidamente analisados, se
evidenciam como fatos ocorridos ao hipnotizado na vida atual,
mas diversamente associados e reproduzidos pela fantasia (foí,
alias, o que se deu com Bridey Murphy)... Da mesma forma,
o operador poderá fazer que o paciente antecipe o futuro ou
a velhice, tomando a voz rouca, trémula de um anciáo. O

— 168 —
ESSENCIAL1SMO: QUE É?

caráter puramente imaginario desta última experiencia já


seria suficiente para que nao se atribuisse as demonstragóes
anteriores a índole de revelacóes históricas fidedignas.

3. Todavía, independentemente dos fenómenos psicológi


cos debatidos, a tese da reencarnagáo a muitos parece impor-se
por ser a única solugáo do problema da desigualdade de sortes
que afetam os homens. Esta só se explicaría sem que Deus fosse
acusado de injustiga, se os espiritos, a principio todos iguais,
se difenciaram uns dos outros por seu livre arbitrio em encar-
nacóes sucessivas.

Inconsistente, porém, se mostra esta argumentacáo, desde


que se observe o seguinte :

a) Deus, criando literalmente como criou, nao tinha


obrigacáo de fazer todas as criaturas humanas iguais. As cria
turas nao racionáis que cercam o homem, longe de apresentar
monotonia ou uniformidade, falam-nos de maravilhosa varie-
dade, de perfeicóes espalhadas em escala muito matizada; nao
há sequer duas folhas ou duas flores absolutamente iguais uma
á outra. Assim também Deus quis fazer os homens, cada qual
dotado de sua individualidade própria, faceta única da infi
nita Perfeicáo Divina;
b) o Criador, além de constituir os homens em sua indi
vidualidade singular, dotou-os de livre arbitrio, faculdade me
diante a qual cada um abraca consciente e voluntariamente o
seu Fim Supremo. Havendo dado esta prerrogativa para a
maior gloria do homem (que assim ultrapassa a condicáo de
máquina), o Criador nao a deforma nem mutila. Acontece,
porém, que, usando de tal prerrogativa, os individuos podem
seguir vias erradas. Ora isto lhes acarreta detrimento de ordem
nao somente moral, mas também física, pois o pecado nao
apenas ofende a Deus, mas fere a própria natureza humana,
desregrando-a e provocando sancáo da parte desta. — Pois
bem; já que o primeiro homem, Adáo, pecou na qualidade
de Pai do género humano, entende-se que todo filho de Adáo,
herdando a sua natureza, herde também a miseria física e a
desordem moral.
Sao estes dois fatores que explicam que, sem ter vivido
anteriormente na carne, todo homem nasca nesta térra com
suas características próprias (possuindo qualidades e também
deficiencias que seus vizinhos nao tém na mesma proporcáo;
toda criatura, pelo fato mesmo de ser criatura, é falível e
deficiente),... nasga também sujeito ao sofrimento e á dor.

— 169 —
10 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 25G/1981

É certo, porém, que no juizo final Deus levará em conta


as possibilidades e o grau de responsabilidade de cada um,
longe de aplicar a todos o mesmo criterio. Além disto, o Senhor
dá a todos os homens, absolutamente a todos, os meios ne-
cessários para que cada qual, dentro da sua capacidade, volte
ao Criador e consiga a felicidade eterna. O testemunho mais
eloqüente dessa benevolencia divina é a figura de Cristo cru
cificado em favor de todo o género humano ; essa imagem
atesta quanto o Salvador leva a serio a sorte eterna dos ho
mens. O sofrimento e a morte entraram no mundo em conse-
qüéncia do pecado, ou seja, do abuso que o homem fez da sua
liberdade. Sobre este fundo, porém, o Criador se evidencia
justo e, mais ainda, misericordioso. A fim de reivindicar estes
atributos de Deus, nao é preciso abandonar a doutrina crista
da ressurreigáo da carne para seguir a tese da reencarnagáo;
muito ao contrario... De resto, note-se que o sofrimento nao
é enigma nem espantalho para o cristáo depois que o Filho
de Deus se fez homem e o abragou; vem a ser instrumento de
purificagáo e redencáo para o discípulo que abrace generosa
mente a sua cruz com Cristo.

4. Também sao aduzidos em favor da reencarnagáo al-


guns textos bíblicos:

s) MI 11,14: "E, se me queréis dar crédito, ele (Joáo Batista) é


Elias que há de vir", disse Jesús.

A propósito observemos que Joáo Batista negou categó


ricamente ser Elias; cf. Jo 1, 21. Donde se vé que as palavras
de Jesús nao significam a reencarnagáo de Elias em Joáo
Batista, mas apenas dizem que Joáo Batista, por sua tempera
forte e destemida, reproduzia o papel de Elias. É á luz desta
afirmacáo que se há de entender também o texto de Mt 17, 12.

b) Outro texto bíblico que vem ao caso, é o de Jo 3,3:

Disse Jesús a Nicodemos: "Em verdade, em verdade te digo: se


alguém n§o nascer do alto (traducio menos autorizada: de novo), nao po-
derá ver o Reino de Deus".

Nao estaña a reencarnagáo implicada nestas palavras ?


O contexto mostra bem que Jesús fala de um renasci-
mento a partir da agua e do Espirito Santo, nao a partir da
carne ou do seio materno; Nicodemos mesmo julgava absurdo
ter que renascer da carne ou do seio materno: como pode o
homem nascer, depois de velho? «Poderia de novo entrar no
seio materno e nascer?» (Jo 3,4). Jesús fala de vida nova no

— 170 —
ESSENCIAUSMO: QUE É? 11

Espirito Santo, nao de vida natural, fisiológica, como se de-


preende da distingáo seguinte: «O que nasceu da carne, é
carne; o que nasceu do Espirito, é espirito» (Jo 3,6; é preciso
ler por inteiro o trecho Jo 3,4-7). Positivamente, Jesús tem
em vista o Batismo, que toma o homem filho de Deus e, por
isto, desde cedo na tradicáo crista foi chamado «sacramento
da regeneracáo».
c) Jo 9,1-3: "Ao passar, viu Jesús um homem cegó de nascenca.
Os discípulos Ihe perguntaram entáo: 'Mestre, quem pecou, ele ou os seus
pais, para que nascesse cegó?' Jesús respondeu: 'Nem ele pecou nem
seus pais, mas ¡sto se dá pata que as obras de Deus se manifestem nele'".

Nao será este um testemunho da crenga judaica na reen-


carnagáo ?

Vejamos a mentalidade que inspira a cena ácima descrita.


Os judeus julgavam que toda doenca era castigo devido
a um pecado (tenha-se era vista, por exemplo, a argumentagáo
dos amigos de Jó no livro do mesmo nome). Por isto, ao se
defrontarem com alguém que era cegó desde o nascimento, os
Apostólos se viam embaracados para explicar o caso. Teña o
cegó mesmo pecado, e — note-se bem — pecado antes de
nascer? A hipótese lhes devia parecer absurda, pois a tradigáo
judaica, longe de professar a reencarnacáo, bem sabia que as
criangas nascem sem ter cometido previamente nem bem nem
mal, como refere Sao Paulo em Rm 9,11. Entáo teriam seus
pais pecado, induzindo sobre ele o castigo? Mas também esta
suposigáo encontrava obstáculo por parte do principio da res-
ponsabilidade individual estabelecido por Deus em Ez 18,2-4;
Jr 31,29s; Dt 24,16. Feitas estas conjeturas, os Apostólos es
pontáneamente as propuseram ao Mestre, num bom senso
quase infantil, sem se dar ao trabalho de procurar terceira
solugáo para o caso; o dilema era eertamente simplório de-
mais, explicável, porém, em vista da lógica rudimentar da-
queles pescadores pouco afeites ao raciocinio erudito, e des
tituidos, naquela hora, da intengáo de filosofar. Jesús res
pondeu sem abordar o aspecto especulativo da questáo, elu
cidando diretamente o caso concreto que Ihe apresentavam:
nem urna hipótese nem outra, como era evidente, mas um
designio superior de Deus...

d) A S. Escritura é explícitamente contraria á reencar-


nagáo, quando, por exemplo, afirma: «Foi estabelecido, para
os homens, morrer urna só vez; depois do qué há o julgamento»
(Hb 9,27); ... quando refere as palavras de Jesús ao bom
ladráo: «Hoje mesmo estarás comigo no paraíso» (Le 23, 43).

— 171 —
12 ~ PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

5. Ademáis é de notar a diferenga radical que existe


entre o conceito de ressurreigáo da carne e o de reencarnagáo.
A tese da ressurreicáo supóe que o homem seja um com
posto harmonioso de corpo e alma, de tal modo que nao se
consuma somente como alma espiritual, mas como alma reu
nida ao corpo mediante a ressurreigáo da carne. A nogáo de
ressurreigáo, portante, decorre de urna visáo otimista da ma
teria; esta é criatura de Deus; por conseguinte, participa da
sorte final que toca ao ser humano.

Ao contrario, a tese da reencarnagáo supóe que o corpo


seja o cárcere ou o túmulo da alma. Estar unida ao corpo
seria castigo para a alma humana; por conseguinte, também
a materia e o mundo materia! em geral sao englobados numa
visáo pessimista e dualista. Quem professa a reencarnagáo,
deve, pois, desinteressar-se da historia do mundo e do pro-
gresso da civilizacáo, a fim de se poder desencarnar com a
desejada urgencia.

3.3. Curas físicas e vida ética

A S. Escritura associa a morte e seus precursores ao


pecado de modo geral; cf. Gn 2-3. Isto, porém, nao quer dizer
que toda doenga seja conseqüéncia de pecado pessoal; o livro
de Jó, por exemplo, vem a ser um desmentido desta concep-
gáo um tanto simplona. Muitos justos^sofreram e sofrem ino
centes, como, alias, o próprio Cristo, que, sem culpa pessoal,
se entregou para expiar os pecados do mundo. Santa Teresa
de Ávila (f 1582) chegava a notar que o Senhor Jesús nao
poupa os seus amigos (e por isto tem táo poucos amigos)
para proporcionar-lhes a ocasiáo de se purificarem dos res
quicios do egoísmo e do pecado.

3.4. Religiáo e ritos

A Sra. Sundari rejeita qualquer forma de religiáo e de


ritual. Alega mesmo que Jesús Cristo nao teve em mira tais
realidades, mas apenas quis trazer urna mensagem ética
cessencialista».

A propósito deve-se observar que religiáo, entendida como


re-ligagáo do homem com Deus, existe mesmo quando só existe
o culto ou a fidelidade pessoal e individual do homem a Deus.
Todavía, além deste aspecto privado ou particular, o culto a
Deus assume formas e expressóes comunitarias, pois o homem
é social por sua própria natureza; é em comunháo com os

— 172 —
ESSENCIALISMO: QUE É? 13

seus semelhantes que o ser humano se realiza em qualquer


de seus aspectos, inclusive no aspecto religioso.

A religiáo tem o seu ritual — o que bem se compreende,


pois este é a expressáo sensível dos afetos íntimos dos indivi
duos e da comunidade em oracáo. A necessidade de ritual
decorre da índole psicossomática do ser humano. — O ritual
bem entendido nada tem de mágico; nao pretende coagir a
Divindade, nem deve escravizar ou amedrantar o ser humano.
Quando Jesús diz que os verdadeiros fiéis adoram a Deus em
espirito e em verdade (cf. Jo 4,23), tenciona mostrar que o
elemento principal no culto de Deus é o ánimo interior com
seus afetos, mas nao exclui a expressáo sensível deste ánimo
íntimo (Jesús instituiu a S. Eucaristía, mandando que os dis
cípulos tornassem a celebrá-la repetidamente; cf. Le 22, 19;
ICor 11, 23-25).

Quanto aos dogmas, seriam inadmissiveis em urna socie-


dade meramente humana, pois nenhum chefe tem o direito de
exigir dos semelhantes que norteiem a sua vida por proposi-
coes nao comprovadas. Acontece, porém, que a Religiáo nao
é obra meramente humana; ela tem sua origem em Deus; de
modo especial, o Cristianismo se fundamenta sobre a revela-
cao feita por Deus aos homens. É lógico entáo que o Cristia
nismo proponha aos seus fiéis verdades que para Deus sao evi
dentes, mas que nao podem ser provadas aos olhos da razáo
humana, porque esta é limitada e nao atinge a verdade em
toda a sua plenitude; tais verdades sao chamadas «dogmas de
fé»; sao proposipoes que o homem aceita numa atitude de fé.
— Note-se, porém, que a auténtica fé nao acredita em qual
quer proposigáo; ela se baseia sempre em sinais de credibili
dad© ou em cnedenciais que justifiquem a adesáo da inteli
gencia a tal ou tal proposicáo de fé; com efeito, é necessário
que o cristáo possa justificar a si mesmo e ao próximo por
que é cristáo, por que acredita em Jesús Deus e Homem, por
que pertence á Igreja Católica, por que recebe a Eucaristía
como sacramento da presenca real de Jesús Cristo, etc. Assim
se vé que a fé nos dogmas nao é algo de cegó, irracional ou
algo que contrarié á inteligencia humana; ao contrario, a pró-
pria inteligencia leva a ver que devem existir dogmas ou que
a Verdade nao termina quando termina o exiguo raio de al
cance da inteligencia humana.

Estas poucas observagóes á margena da doutrina essen-


cialista sao suficientes para evidenciar quanto dista nao só da
mensagem crista, mas das exigencias da razáo lúcida.

— 173 —
Mais urna escola filosófico-religiosa :

a ordem renovada do templo

Em sintese : A Ordem Renovada do Templo diz ser a continuadora


da Ordem dos Cavaleiros medievais do Templo. Esta foi fundada em 1118
por nove cavaleiros que se dispunham a proteger os peregrinos cristaos da
Térra Santa no lempo do Reino latino de Jerusalém. A Ordem teve grandes
benemerencias, mas, após a queda de Jerusalém no ano de 1291, perdeu
a finalidade principal; passou entáo a prestar servicos de outro tipo, princi
palmente no campo financeiro, aos cristaos do Ocidente. O poderio da
Ordem excitou a cobica do rei Filipe IV o Belo da Franca, que obteve
da Santa Sé a extincáo da Ordem em 1311.

Dizem, porém, os modernos templarios que a Ordem nao deixou de


existir, mas subslstiu secretamente até que em 1968 na catedral de Chartres
foi publicamente restaurada com o Jtome de Ordem Renovada do Templo.
Os templarios contemporáneos já nao sao cristaos, mas esotéricos; guar-
dam nomes cristaos, mas atribuem-lhes significado por vezes panteista.
Observam seus graus de iniciagáo, de modo que só aos poucos e a pessoas
seletas revelam as suas doutrinas ocultas.

* *

Comentario: Nos últimos anos chegou ao Brasil urna


nova sociedade filosófico-religiosa dita «A Ordem Renovada
do Templo» (ORT). É reservada a iniciados, que tencionam
coadunar a fé crista (ou mesmo católica) com os principios
esotéricos da Ordem Renovada do Templo. Na verdade, exis-
tiu na Idade Media urna Ordem de Cavaleiros Templarios ou
do Templo, que foi extinta em 1311. Ora, como dizem os atuais
membros da ORT, a Ordem medieval nunca se dissolveu, mas,
tendo ficado latente, finalmente voltou á baila em 1968.

Diante dos fatos e das versees respectivas, propomo-nos,


a seguir, considerar: 1) a Ordem Medieval dos Templarios;
2) a Ordem Renovada do Templo ; 3) o significado desta
última.

1. Os Templarios medievais

Diremos, antes do mais, urna palavra sobre as Ordens de


Cavaleiros medievais em geral.

— 174 —
A ORDEM RENOVADA DO TEMPLO 15

1.1. As Ordens de Cavaleiros na Idade Media

O ideal de libertar a Térra Santa do dominio árabe, que


sufocava a fé crista, suscitou na Igreja da Idade Media a fun-
dacáo de Ordens Religiosas que adotavam, como finalidade
principal, o exercicio da milicia sagrada: visavam a guiar os
peregrinos á Térra Santa, defendé-los contra piratas e aci-
dentes de viagem, tratá-los em casos de enfermidade e, de
maneira geral, promover os interesses do Reino de Cristo em
meio aos mugulmanos e pagaos.

Como se compreende, as novas familias Religiosas foram


colocadas sob a dependencia ¡mediata da Santa Sé, única auto-
ridade capaz de conceder licenca aos Religiosos para entrar
em combates armados sem incorrer em irregularidade canó
nica (o uso de armas fora, sim, repetidamente proibido aos
monges por Concilios dos sáculos anteriores). A autoridade
eclesiástica costumava indicar as novas Ordens alguma das
Regras Religiosas já existentes, como a de S. Bento, a de S.
Agostinho, a dos Cistercienses, Regra que devia ser adaptada
á finalidade própria das Ordens militantes.

A diregáo suprema de cada Ordem tocava a um Gráo-


-Mestre, eleito pelos seus cavaleiros. Os Irmáos emitiam os
tres votos religiosos de pobreza, obediencia e castidade; em
época tardía, porém, tornou-se lícito aos cavaleiros de Espa-
nha e Portugal contrair matrimonio, ao menos uma vez na vida.

Passemos agora diretamente a

1.2. Os Templarios

No inicio do século XII oito cavaleiros da Champanha e


da Borgonha, sob a guia de Hugo de Payens, se estabelece-
ram na Palestina, recém-ocupada pelos cruzados, a fim de
proteger os peregrinos da Térra Santa. Por volta de 1119 o
reí Balduíno n de Jerusalem lhes deu sede no palacio regio
construido sobre as ruinas do antigo Templo de Salomáo; donde
o nome de «Templarios» que lhes tocou (é esta nomencla
tura que dá ensejo aos macons modernos de os considerar,
juntamente com o rei Salomáo e com Hirá rei de Tiro, como
precursores seus). Aos poucos, os Templarios se tornaram uma
Ordem Religiosa militar; além dos tres votos regulares, emi
tiam o de vigiar as estradas e proteger os peregrinos.

— 175 —
16 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

Os inicios da nova Ordem foram difíceis. Todavía em 1128


o Concilio de Troves confirmou a existencia da mesma, atri-
buindo-lhe hábito próprio caracterizado por um manto branco
para os cavaleiros, preto ou avermelhado para os escudeiros;
sobre esse manto o Papa Eugenio m mandarla fixar urna cruz
de paño vermelho. O mesmo Concilio pediu a S. Bernardo que
redigisse urna Regra para os Templarios.

As prescrigóes impostas pela Ordem eram severas. Incu-


tiam especialmente o espirito de disciplina e excluiam todo
luxo no equipamento dos cavaleiros. Pobre em suas origens,
a Ordem recebeu autorizagáo para possuir térras, das quais
tiraría os recursos necessários ao desempenho de sua missáo
militar.

Os Templarios tornaram-se beneméritos por suas faca-


nhas na defesa de Gaza (1171), na batalha de Tiberíades
(1187), na conquista de Damietta (121&), na expedicáo ao
Egito (1250). Apesar disto, porém, nao conseguiram evitar o
dedínio do Reino de Jerusalém e a volta dos sarracenos á
Térra Santa. Em 1291, com a queda de S. Joáo de Acre,
extinguiu-se o dominio latino no Oriente. Os Templarios entáo
perderam a sua finalidade e passaram a viver na Europa,
onde possuiam avultadas riquezas doadas por benfeitores (que
assim Ihes queriam proporcionar mais livre exercício da pro-
fissáo das armas). Para justificar a sua existencia, os Tem
plarios comegaram a servir á populagáo européia mediante
ampio sistema bancário; por sua habilidade financeira gran-
jearam o crédito e a confianca dos interessados.

Tanto prestigio excitou contra os Irmáos a inveja do pú


blico. É de crer também que a prosperidade material tenha
acarretado arrefecimento do espirito religioso entre eles. O
fato é que no fim do sáculo XEH a opiniáo pública Ihes era
desfavorável, langando-lhes as acusacóes de venalidade e cos-
tumes depravados.

Ora Filipe o Belo, rei da Franga (1285-1314) ,viu nesse


estado de coisas ótimo pretexto para agir contra os Templa
rios e apoderar-se dos seus haveres. O instrumento para mo
ver o processo havia de ser, como se compreende, a Inquisigáo
eclesiástica. Esta, pois, foi instigada pelo monarca.

O processo, confiado primeiramente ao Inquisidor Geral


da Franga, Guilherme de París O.P., em breve foi entregue
a chefia do chanceler do rei, Guilherme de Nogaret. Entre-

— 176 —
A ORDEM RENOVADA DO TEMPLO T7

mentes o Papa Clemente V nao dava grande crédito as acusa-


cóes que Filipe lhe comunicara. Por isto o reí, sem o conhe-
cimento do Pontífice, aos 13 de outubro de 1307 mandou pren
der todos os Templarios da Franga; Nogaret justificou esta
medida, alegando que «os Templarios no dia de sua recepgáo
na Ordem renegavam o Cristo, cuspiam no crucifixo, pratica-
vam a sodomía, adoravam um ídolo (Bafomé), etc.». O chan-
celer, alias, era apoiado por um jurista — Pedro du Bois —,
que o ajudava a conceber vasto plano de agáo, assim interpre
tado no sáculo passado pelo insuspeito Renán:

"Fazer do rei da Franga o Chefe da Cristandade, sob pretexto de


promover a Cruzada; colocar-lhe em máos as posses temporals do Papado,
parte das rendas eclesiásticas e principalmente os bens das Ordens con
sagradas k guerra santa, eis o notorio projeto da escolazinha secreta da
^ÍÜ. PV B!ois era ° menlor utopista e Nogaret o pioneiro de acáo"
(L'histoire liltéraire de la Franco, t. XXXVII, p. 289).

Desta maneira o rei da Franca e os seus colaboradores


visavam a voltar a Inquisigáo contra o próprio Papado

Clemente V, embora fosse de temperamento fraco, per-


cebia o deplorável alcance das intengóes do monarca ■ sabia
que a Santa Igreja seria atingida simultáneamente com os
Templarios. Por isto, em vez de aceitar o projeto de supres-
sáo da Ordem, propós ao rei a fusáo da mesma com os Cava
leiros Hospitalarios.

Filipe, tendo rejeitado a contra-proposta, mandou dar


andamento á agáo contra os acusados. Foi entáo que os ofi
ciáis do rei, aplicando a tortura, obtiveram dos mesmos as
mais diversas confíssóes de crimes. Aconteceu, porém, mais
de urna vez que os cavaleiros interrogados em nova instancia
nao apenas diante de oficiáis do rei, mas também em pre-
senca de Cardeais, retrataram as suas confissóes de crimes.
Perante a situagáo assim criada, Clemente V resolveu con
fiar aos bispos e inquisidores pontificios a tarefa de examina-
rem os Templarios individualmente; quanto ia sorte da Ordem
como tal, ele a decidiría num Concilio Ecuménico.
Filipe o Belo nao perdía oportunidade de fazer pressáo
sobre o Pontífice. Em 1308 foi a Poitiers com grande comitiva
entender-se diretrmente com Clemente V ; durante a visita,
um dos cortesáos, Plaisians, assim interpelou o Papa:
"Santo Padre, Santo Padre, procede! depressa (faltes vilo). Se nao,
o reí nSo se poderla impedir de agir, e, se o pudesse, os seus baróes nao

— 177 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

se poderiam impedir, e, se seus bardes o pudessem, os povos deste glo


rioso reino nao se poderiam impedir de vingar eles mesmos a injuria de
Cristo... Entrai em agáo, portante, entrai em agáo. Caso nao o facais
ser-nos-á preciso talar outra linguagem".

O rei, porém, nao esperou o pronunciamento dos bispos e


da InquisiQáo anunciado por Clemente V, mas, tendo consti
tuido um tribunal provincial em Paris, obteve, sem ouvir os
legados pontificios, que este, aos 11 de maio de 1310, conde-
nasse 54 Tempiários á morte de fogo.

O apregoado Concilio Ecuménico reuniu-se de fato em


Viena (Franga) no ano de 1311: depois de ouvir a comissáo
de prelados encarregada de julgar o caso, o Papa resolveu fi
nalmente extinguir a Ordem dos Tempiários «por via de pro-
visáo, e nao de condenagáo» (isto é, a fim de prover á paz dos
ánimos, nao para condenar os cavaleiros). Como quer que
fosse, o rei com isto triunfava. Havia, porém, de sofrer suas
desilusóes...

Com efeito, os bens dos Templarios, que muito excitavam


a cobiga do público, tiveram destino totalmente imprevisto:
Clemente V, resistindo a Filipe o Belo, determinou que toca-
riam á Ordem dos Hospitalarios de Sao Joáo de Jerusalém,
exceto nos reinos de Aragáo, Castela, Portugal e Majorca, onde
seriam entregues as Ordens nacionais que lutavam contra os
sarracenos. Verdade é que os Hospitalarios nao receberam de
forma liquida os bens dos Tempiários. Filipe e os monarcas
estrangeiros exigiram deles urna compensagáo monetaria.

Quanto á sorte dos membros da extinta Ordem, Clemen


te V entregou o julgamento a Concilios provinciais, reservando
a si apenas a sentenga sobre o Gráo-Mestre Tiago de Molay e
os seus dignitários. Para julgá-los, nomeou urna comissáo de
tres Cardeais, que se mostraram indecisos a respeito do alvitre
a tomar, pois Tiago de Molay e Godofredo de Charnay, um de
seus assessores, protestavam ser a Ordem pura e santa, isenta
das culpas que os adversarios lhe queriam imputar. Filipe o
Belo, descontente com tal desenrolar dos acontecimentos, re
solveu por fim as protelacóes: aos 18 de margo de 1314, fez
que um Conselho Regio de Justiga, sem ulterior demora, decre-
tasse a morte dos dois mencionados cavaleiros, tidos como rein
cidentes. Ao por do sol, entáo, urna fogueira foi acesa na ilha
de Javiaus (Paris), fogueira que iluminava os muros do pala
cio do rei; e, com os olhos voltados para a Igreja de Notre-

— 178 —
A OKDEM RENOVADA DO TEMPLO 19

-Dame, Molay e Charnay expiraram heroicamente entre as


chamas, proclamando a sua inocencia...

Examinemos agora o que seja

2. A Ordem Renovada do Templo

1. A atual Ordem Renovada do Templo diz-se herdeira


das tradigoes dos Templarios medievais. Essas tradigoes nao
pereceram quando a Ordem foi extinta em 1312, mas foram
preservadas de geragáo em geragáo por adeptos secretos ou
pelos mestres guardiáes da Ordem; o poeta Dante Alighieri,
Santa Joana D'Arc e o abade Cornelius Agrippa sao mencio
nados pelos atuais Templarios como fautores dessa preservagáo.

Os mestres guardiáes da Ordem, em nossos tempos, hou-


veram por bem designar como Gráo-Mestre da Ordem Reno
vada um Templario, cujo nome é guardado em segredo e que
aos 23/09/1968, as 12 h, na cripta da catedral de Chartres
recebeu os poderes e as autorizagdes necessárias ao ressurgi-
mento da Ordem.

A Ordem do Templo só se torna notoria na historia em


períodos nos quais a humanidade mais necessitada se ache, ou
seja, quando os homens correm graves perigos ou se encon-
tram em fase de transigáo. Ora, diz-se que neste fim do
séc. XX a humanidade passa da era de Peixes para a de
Aquário — o que lhe causa problemas de diversos tipos: eco
nómicos, sociais, políticos..., que a póem em perigo mortal.
A Ordem Renovada do Templo tem por objetivo facilitar essa
transigáo e preparar as élites para o mundo de amanhá; ela
realiza «a gestáo alquímica de um ciclo novo».

2. A Ordem Renovada do Templo diz possuir urna gnose


ou um conhecimento de índole secreta, que é revelado paula
tinamente aos iniciados. O conhecimento comunica ao homem
poder, pois manifesta a este as forgas que ele traz em si laten
tes. Em conseqüéncia, duas sao as tarefas que a Ordem ten-
ciona realizar:

a) levar o maior número possivel de individuos a certo


nivel de compreensáo do universo (inclusive do seu universo
pessoal) e ajudá-lo a desenvolver certas potencialidades nao

— 179.—
20 PERGUNTE E RESPONDEREMOS-- 25(i/1981

utilizadas. Desta maneira poderáo controlar-se diante dos


acontecimentos da vida;

b) tornar essas pessoas aptas a agir no mundo e a ser


vir á humanidade em suas crises económicas, sociais, políticas,
moráis, etc.

As tarefas da ORT se situam primeiramente no plano es


piritual. Trata-se de transmitir a Tradicáo e de lutar contra
o ocultismo desviado, sexualizado e comercializado de nossa
época. Trata-se de reconciliar Ciencia e Tradigáo, Religiáo e
Tradicáo e de revalorizar a nogáo do sagrado.

A Ordem tem também a tarefa de redefinir os verda-


deiros valores da Educacáo, da Cultura e da Arte e — me
diante Centros de Educagáo, de ensino e de pesquisa — efe-
tuar a transformagáo da sociedade.

Desta maneira assegura-se o futuro da humanidade, tanto


no plano moral como no plano biológico. O homem se encon
trará entáo em harmonía com a Natureza, que há de ser sal
vaguardada.

Segundo a Tradigáo dos Irmáos mais velhos, os Tem


plarios da ORT tém importante missáo económica e social
(criagáo de comunidades, atividades hospitalares...!).

3. Os ensinamentos da Ordem sao ministrados gradati-


vamente, compreendendo:

a) o envió mensal de boletins e publioacóes a cada mem-


bro da Ordem;

b) a transmissáo oral de doutrinas iniciáticas, reserva


das a quem tenha preenchido satisfatoriamente um periodo
de provagáo.

Os ensinamentos versam sobre :

— os meios que facultam o autodominio ;

— exercícios adequados a tal finalidade: concentragáo,


meditagáo, contemplagáo, relax, dinámica da mente;

— exercicios parapsicológicos : percepgáo extra-sensorial,


clarividencia, telestesía, telepatía, psicocinésia, radiestesia...

— 180 —
A ORDEM RENOVADA DO TEMPLO 21

— estudo comparado das diversas filosofias e religióes da


antigüidade : Kabala, alquimia, astrologia, Yoga...

— participagáo efetiva em rituais e cerimónias simbólicas


de culto.

Os membros da Ordem passam por tres graus de inicia-


Cáo assim dispostos : irmáo servidor, escudeiro e cavaleiro. A
transigáo de um grau a outro nao é, de modo nenhum, auto
mática, mas é fungáo da evolugáo espiritual e da dedicagáo
dos membros.

"A Cávalaria é a presenga terrestre e militar da religiáo do Espirito.


Certamente está fundada ñas virtudes cavaleirescas, mas tambétn na prio-
ridade do combate espiritual, na generosidade, na salvaguarda da justica
e da liberdade. Escola de valor, de honra e de liberdade, a cavalaria sorve
as suas torgas na TradicSo e no misticismo (Sao Miguel, Sao Joao, o
Templo, o Graal, o Velo de Ouro). A Cavalaria terrestre auténtica é sempre
o reflexo da Cavalaria celeste e o Cavaleiro aspira a realizar em si a
encarnacao dos principios do Senhor, isto é, do Cristo" (Los Templa
rlos..., p. 6).

4. A ORT admite em seu seio homens e mulheres, sem


discriminagáo de idade, nacionalidade, raga, condigáo social ou
cultural, religiáo...

Nao está vinculada a alguma denominagáo ou comunidade


religiosa nem á Igreja Católica.

É Ordem Religiosa táo somente no sentido do termo latino


religare: ela re-liga o homem á Divindade. Por isto dizem os
documentos oficiáis da Ordem que qualquer pessoa, de qual-
quer Credo, se pode filiar á mesma sem ter que abjurar a
sua fé. Em particular, no tocante ao Cristianismo diz um pros
pecto da Ordem :

"Hoje, como ontem, o Templario é o pobre soldado de Cristo. Em


virtude da sua Divindade, Cristo é o ponto de sublimacfio de toda a Tra-
dlcáo que vem da Atlántida, do Eglto, da Grecia, da Palestina, do druidismo,
do Cristianismo. Por sua gnose (= conheclmento) o Cristianismo velo a
ser o detentor da Tradicfio divina; alterou-se posteriormente até a dessacra-
lizacáo, mas conserva urna possibilldade latente de regeneracSo.

A Ordem Renovada do Templo reivindica para si a Tradlcüo mística


antiga de Sio JoSo cuja existencia nos é recordada nesta passagem do
Evangelho:

'Quando viu Jesús, disse-lhe Pedro: é este, Senhor? Jesús respon-


deu: Se quero que ele fique até que eu venha, que importa a ti ?'
(Jo 21.21S).

— 181 —
22 PLKGUNTE E RESPONDEREMOS» 250/1931

A Ordem Renovada do Templo é a guardia do Esoterismo CrisISo,


isto é, do Esoterismo Universal >. O seu Cristianismo, portante, é da mais
pura fonte. A este titulo, ela se levanta contra a atual libertinagem do
sagrado e da Tradicáo" (Los Templarios... p. 5).

"A Ordem Renovada do Templo afirma científica e filosóficamente a


fé universal (calholicos) através do Cristianismo esotérico; restaura a
idéia da alma e a idéia de Oeus. Somente assim poderá restituir ás cien
cias a sua unidade orgánica, ás artes o seu ideal comprometido, á huma-
nidade dividida o seu equilibrio, á alma humana a sua dimensáo perdida,
á vida terrestre a sua aspiracáo e a sua fé divina" (ib. p. 8).

"A Ordem Renovada do Templo é... um laco entre os distantes im


perios dos Atlántidas e o maravilhcso e inquietante porvir do homem entre
as estrelas achadas de novo; o amor de Cristo está ai, entre nos. É hora
de afirmar que a inteligencia é eterna e que a nossa vida é um dos elos
sagrados da grande cadeia do conhecimento iniciático que nos leva de
eternidade a eternidade até a comunháo total" (ib. p. 9).

Os manuscritos entregues confidencialmente aos membros


da Ordem nao sao vendidos; ficam sendo propriedade da Or
dem Renovada do Templo, á qual devem ser devolvidos táo
logo sejam solicitados. Isto se explica pelo fato de que a Or
dem é urna sociedade secreta.

Sao estas as informagóes que os membros da Ordem ofe-


recem ao grande público interessado em conhecer o respectivo
ideal. Procuremos avaliar a mensagem proposta.

3. Que pensar?
Proporemos alguns pontos de reflexáo sob dois títulos :

3.1. A identidade da Ordem Renovada do Templo

1) A ORT já nada tem em comum com a doutrina e a


fé dos cavaleiros medievais do Templo. Estes eram professa-
damente cristáos, dedicados á S. Igreja e ás suas grandes in-
tengóes. Jamáis teriam dito, como afirma a Ordem atual-
mente, que nao eslavam vinculados á S. Igreja Católica, mas
apenas a um Cristianismo dito esotérico, ou seja, secreto, ini
ciático. O Cristianismo auténtico, fundado por Cristo, nada
tem de oculto; nao possui doutrinas reservadas a poucos «gnós
ticos» privilegiados (cf. Mt 10, 26s).

'Por esolerlsmo entende-se um sistema cujas principáis proposic&es


sfio reservadas aos membros iniciados ou de dentro (eso, em grego).

— 182 —
A ORDEM RENOVADA DO TEMPLO 23

2) A ORT, por isto mesmo, nao se identifica nem com


o próprio Cristianismo. Torna-se impossível ser Templario re
novado e membro fiel da S. Igreja Católica. Esta tem seu
centro de unidade e a garantía da veracidade da sua doutrina.
no ministerio apostólico de Pedro e de seus sucessores.

Embora a ORT afirme receber em sua sociedade os fiéis


de qualquer crenga religiosa, ela induz indiretamente os seus
adeptos a deixar a respectiva crenc.a para adotar a filosofía
religiosa gnóstica dos Templarios (em geral, os Gnósticos, dos
quais existem algumas correntes ainda hoje, sao panteístas,
como eram os Gnósticos dos séculos II/III, e nao monoteístas).

3) Em conseqüéncia, a ORT vem a ser urna nova forma


de Ordem ou Sociedade secreta, ao lado de outras mais anti
gás, como

— a Magoiiaria, que comega em 1717 na Inglaterra, como


sociedade filosófica secreta herdeira dos títulos e dos nomes
das corporacóes de pedreiros medievais;

— a Rosa-Cruz, que tem inicio na Alemanha em 1610 com


a divulgagáo do manuscrito «Fama Fraternitatis Rosae Cru-
cis», da autoria do escritor luterano Johannes Valentín An-
dreae (1568-1654). Este se referia a um sabio lendário cha
mado Christian Rosenkreutz, que nunca existiu e que teria
viajado pelo Oriente e pelo Egito para aprender a mística
dos antigos ;

— a Cabala, que, a partir do século m d.C, fundiu


auténticos ensinamentos da tradigáo judaica com doutrinas
heterogéneas «reveladas» secretamente por Moisés e outros
mestres; tais «revelacóes» ficavam reservadas a iniciados. No
século XII a Cabala atingiu o auge da sua evolugáo; além
de assumir novas teorías secretas do Oriente, da Grecia e de
Alexandria, dedicou-se á prática da magia, da alquimia, da
quiromancia, da astrologia, etc.

As seitas secretas exercem grande atrativo sobre o espi


rito humano, pois parecem elevar os seus adeptos ácima do
comum dos homens, oferecendo-lhes o conhecimento de ver
dades importantes de que somente os privilegiados podem usu-
fruir. Todavía verifica-se que nenhuma das correntes esotéri
cas da historia conseguiu até hoje afastar os males que afli-
gem os homens; a fantasía é que constrói as teorías esotéricas,

— 183 —
24 PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

baseando-se nao raro em teses científicas, que podem dar um


foro de verossemelhanga a tais teorías. A influencia benéfica
que o esoterismo possa exercer sobre os seus adeptos se deve
ao poder da sugestáo incutida pelos mestres ocultistas e aceita
pelos respectivos discípulos. O esoterismo explica-se psicológi
camente pelo fato de que o ser humano traz em si numerosas
interrogagóes que a ciencia e o raciocinio nao conseguem elu
cidar; conseqüentemente a imaginacáo «cria» tais respostas
para si, atribuindo-as a comunieacóes do além.

3.2. A Atlóntida

Os escritos da ORT aludem á Atlántida como se fosse


manantial de sabedoria juntamente com o Egito, a Grecia, a
Palestina...

Ora a respeito da Atlántida deve-se dizer:

1. A mais antiga fonte de conhecimento da Atlántida


é o filósofo grego Platáo (427-347 a. C.) em duas de suas
obras: os diálogos «Timeu» (21-21) e «Crítias». — Vejamos,
pois, o que a propósito refere tal escritor.

Platáo atribuí a certo Crítias, de Atenas, urna narrativa


da qual Critias teria tomado conhecimento através de alguns
escritos por ele encontrados em casa do seu avó nos anos de
sua juventude. Nesses escritos, dizia Critias, Sólon, o grande
legislador ateniense do séc. V a.C, consignara recordagóes
de urna viagem que fizera ao Egito: estivera entáo em visita
aos sacerdotes de Sais (cidade do delta do Nilo), os quais
teriam relatado ao legista de Atenas algo das suas venerandas
e longínquas tradicóes... Dentre estas se destacava a se-
guinte: havia 9.000 anos, existia, em frente das colunas de
Hércules (estreito de Gibraltar), urna ilha-continente, maior
do que a Libia e a Asia reunidas. Tal ilha coubera em partilha
ao deus Poseidónio (Netuno), que se unirá a urna criatura
mortal, Clito, vindo a ter cinco pares de filhos gémeos. Ne
tuno, havendo educado esses herdeiros, repartiu entre eles o
dominio da ilha, tocando ao mais velho, Atlas, o mando su
premo (donde o nome de Atantida dado a todo o territorio).
Os dez irmáos geraram posteridade numerosa, a qual recobriu
a Atlántida, levando vida caracterizada por sabedoria e feli-
cidade.

Muito interessante era a configuragáo geográfica da re-


giáo iconstava de urna ilha central, onde se erguiam o templo

— 184 —
A ORDEM RENOVADA DO TEMPLO 25

de Netuno e Clito, assim como o palacio regio. Essa ilha cen


tral tinha o diámetro de cinco estadios (888m), e era cercada
por um canal largo de um estadio (177, 60m). Havia, em se
guida, um anel de térra, da largura de dois estadios (355,20m),
e outro canal de aguas, também largo de dois estadios. Mais
um cinturáo de térra e um terceiro canal se avistavam a
seguir, medindo cada qual tres estadios (532,80m). Após o
terceiro canal, estendia-se mais um anel de térra, o qual media
50 estadios (8.880m) de largura. Nos limites exteriores deste
terceiro cinturáo encontrava-se finalmente o mar aberto.

Os descendentes de Netuno ou os Atlantas ainda embele-


zaram a obra do seu divino Genitor, construindo longaá pontes,
pujantes muralhas, torres, fortalezas, quartéis, arsenais, giná-
sios, jardins, hipódromos, etc. Notável era a afluencia de
naves á Atlántida; provenientes de todas as partes do mundo,
podiam penetrar, por meio de cañáis artificiáis, até o ámago
do continente, provocando intenso movimento diurno e no-
turno.

Na ilha central, o templo de Poseidónio se estendia im


ponente sobre a área de um estadio (177,60m) de comprimento
e tres pletros de largura (88,60m ao todo); cercavam-no mu
ralhas refulgentes de ouro e metáis preciosos. Condigno era
o esplendor do palacio dos reis, situado ñas proximidades e
rodeado de casernas. Duas inextinguíveis fontes de agua aflo-
ravam ao solo da ilha central, urna quente, a outra fría, ali
mentando os balnearios, refrescando o bosque de Poseidónio
e irrigando, por sabio sistema de cañáis, todo o continente até
as suas extremidades.

A densa populagáo da ilha se distribuía por 60.000 distritos,


constituidos á semelhanca de auténticas circunscricóes milita
res ; esses distritos forneciam á defesa do continente 10.000
carros de combate, 240.000 cávalos, 1.200.000 guerreiros (20
por distrito), 240.000 marinheiros para 1.200 naves (cada
qual dotada de 200 homens).

A prospendade da vida na regiáo era extraordinariamente


favorecida pela bonanca da térra: duas colheitas ao ano, flora
e fauna abundantes completavam as riquezas do solo e do sub-
solo : ouro, prata, estanho, oricalco, pedras preciosas...

Durante muitos e muitos sáculos, continua a narrativa de


Platáo, os reis da Atlántida se mantiveram á altura de sua

— 185 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 256/1981

linhagem divina, comportando-se sobria e virtuosamente. Aos


poucos, porém, deixaram-se dominar pela cobica e as paixóes:
em vez de fomentar a agricultura e o comercio, respeitando
os deuses e suas leis, passaram a se preocupar com a dilatacáo
de seu poder, subjugando militarmente as ilhas vizinhas, toda
a África até o Egito, e a Europa até a Tirrénida. A vista disto,
Júpiter reuniu a assembléia dos deuses e resolveu castigar a
linhagem pervertida dos Atlantes. A cidade de Atenas na Gre
cia tornou-se o instrumento da punicáo, assumindo, sim, a
chefia da resistencia aos invasores insulares. Atenas, embora
abandonada por seus aliados, conseguiu vencer os inimigos,
libertando os povos dominados a leste das Colunas de Hércu
les. A seguir, terremotos e inundagóes flagelaram a Atlántida,
vindo esta finalmente a perecer, totalmente tragada pelas
aguas em um día e urna noite !

Eis o que refere Platáo no séc. Va. C. (notemos o grande


número de intermediarios — Crítias, o avó de Critias, Sólon
de Atenas, os sacerdotes do Egito — que o teráo posto a par
do «episodio» ocorrido havia mais de 9.000 anos...; é esta
urna via assaz acidentada). Outros autores que, na antigüi-
dade, aludem á Atlántida, sao posteriores ao filósofo grego e
dele dependem literariamente; nem Heródoto (424/402 a. C.)
nem Hornero (séc. VIII a. C.) nem alguns dos escritores pre-
-socráticos (contrariamente ao que se pensava há decenios
atrás) pode ser tido como testemunha da sorte da Atlántida:
«A Atlántida só é mencionada por Platáo e por aqueles que o
leram> (S. Gsell, Histoir» ancienne de l'Afrique du Nord
I 1913, p. 328).

2. Importa agora indagar qual seria o genuino sentido


do relato de Platáo.

Em resposta breve, afirmamos que a narrativa do escritor


grego tem a aparéncia de um episodio artificialmente forjado
para transmitir idéias filosóficas, e nao noticias de índole
histórica.

E quais seriam os fundamentos desta afirmacáo?

1) Em primeiro lugar, note-se que, embora Platáo des-


creva umá civilizacáo altamente desenvolvida e se refira a um
conflito armado certamente vultuoso entre os povos da Atlán
tida e os do Mediterráneo, nenhum autor, na antigüidade, antes
de Platáo, mencionou tais tópicos ; no decorrer de 9.000 anos

— 186 —
A ORDEM RENOVADA DO TEMPLO 27

tais temas teráo ficado totalmente envoltos em silencio... Esta


falta de documentos e testemunhos é estranha. Talvez, porém,
nao se lhe deva atribuir importancia decisiva no estudo da
questáo. Levar-se-á entáo em conta o seguinte :

2) A narrativa de Platáo encerra dados anacrónicos ou


incompativeis entre si. Gom efeito. De um lado, a geología
permite-nos admitir a existencia de territorios a oeste de Gi-
braltar (atual regiáo do Atlántico) no fim da era terciaria e
até no inicio da quaternária; em todo caso, porém, numa época
que certamente distava de Sólon pelo intervalo de mais de
9.000 anos. A «Atlántida de Platáo», portante, se apresenta
recente demais para poder identificar-se com urna presumida
«Atlántida dos geólogos». — Doutro lado, porém, existindo
9.000 anos antes de Sólon, a Atlántida de Platáo está recuada
ou longe demais para poder ser o cenário de urna civilizacáo
tal como o filósofo a descreve, civilizacáo que com esmero
utilizava os metáis...; nove mil anos antes de Sólon de Ate
nas, o género humano ainda vivia, quando muito, no grau de
cultura da pedra polida, nao conhecendo ainda a metalurgia.

A propósito vém as obseervacóes do Prof. Rivaud, um dos


maic recentes comentadores do «Timeu* e do «Critias»:

"Todos os elementos de sua descricSo da Atlántida, Platáo os colheu


em torno de si, no mundo grego, em Atenas mesmo, ou nos conlins da
civilizacáo helénica, em Creta e talvez no Egito...

O templo de Poseldónio e Clito é em tudo semelhante a qualquer


templo grego. é um pouquinho maior do que o templo de Diana em Éfeso
e o de Júpiter Olimpio em Atenas. Os ornamentos sao mais ricos, mas o
estilo da omamantacio é o mesmo...

Quase sem sair de Atenas, Platáo podía encontrar todos os elementos


essenciais da sua narrativa. NSo é necessárlo suponhamos hipotéticas tra-
digoes referentes a um antigo imperio celta ou ao reino misterioso do
Aztla ou do Metzli. Quando os atenienses liam o 'Crltlas', ai reconheciam,
talvez retocados e ampliados, espetáculos familiares. Quem sabe, de resto,
se Platáo nSo fazia empréstimos á literatura de romances anterior a ele?...
Em todo caso, é fácil ver que a descricáo da Atlántida nio está isenta de
intengoes edificantes "(Platón, ed. "Les Belles Lettres", t. X 248-251).

3) Pondere-se outrossim que as cifras indicadas por Pla


táo para caracterizar os distritos, assim como os efetivos mi
litares, as dimensóes do continente, etc., parecem ser simé
tricas demais para corresponder á realidade: apresentam,
antes, caráter estilizado e ficticio (tenham-se em vista os dados
numéricos que atrás enunciamos).

— 187 —
28 PKRGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

"Um dos tragos mais ¡mpressionantes da flc?ao platónica é a regu-


laridade geométrica das instalagdes da Atlántida. A bem dizer, esta regula-
ridade é característica comum de todas as cidades de utoola" (Rivaud
ob. cit., p. 251).

4) Estas observacóes sao corroboradas por mais urna


reflexáo. Tudo nos diálogos «Timeu» e «Crítias» é narrado em
funcáo de urna doutrina filosófica ou sociológica que o autor
quer firmemente incutir aos seus leitores; Platáo, tendo, sim,
em vista ensinar qual deveria ser o Estado ideal, houve por
bem enumerar as características deste nao de maneira abs-
trata e teórica, mas á guisa de um poeta e estilista, ou seja,
sob a forma de urna narrativa imaginaria semelhante aos mo
dernos romances de ficcáo científica (como sao os de Julio
Verne e Wells); tais obras, por seu estilo suave e agradável,
sao fácilmente assimiladas pelos leitores...

3. Em conclusáo: a critica sadia admite que a narra


tiva de Platáo se possa ter inspirado de alguma catástrofe
geológica dessas que nao raro abalaram a face da Térra no
decorrer da historia (é possivel mesmo que o filósofo tenha
tido em vista determinado cataclismo ocorrido no Océano
Atlántico). Os tragos, porém, com que Platáo descreve a «sua»
Atlántida háo de ser tidos como imaginarios.

Eis, mais urna vez, o juízo abalizado de Rivaud:

"Poeta como era, ... PlatSo por vezes se entregava á sua fantasía,
que era inesgotável e experimentava prazer sutil em jogar sitas belas ima-
gens... O mito da Atlántida e, por conseguinte, o 'Crítias1 inteiro sao
6imples fábulas" (ob. clt. p. 12).

Donde se vé, em última análise, que nunca tiveram rea-


lidade a «elevada civilizagáo» e a «profunda sabedoria» dos
habitantes da Atlántida, dos quais se dizem herdeiros os «ilumi
nados» e ocultistas modernos! Desfaz-se assim o caráter auto
ritario e misterioso com que estes apresentam suas doutrinas.
A fantasía dos homens as elaborou, dando, porém, desta forma
o valioso testemunho de que o senso do misterio e do místico
constituí um dos predicados mais profundamente arraigados
na natureza humana.

APÉNDICE

A guisa de complemento, transcrevemos um Comunicado


da Nunciatura Apostólica aos Srs. Bispos do Brasil referente
as diversas Ordens de Cavaleiros ou Militares que tém surgido

— 188 —
A ORDKM RENOVADA IX) TEMPLO 29

últimamente em algunas partes do mundo. O documento póe


em relevo a falacia de tais agremiacóes.

«Excelencia Reverendíssima,

O Eminentísimo Cardeal Agostino Casaroli enviou aos Repre


sentantes Pontificios urna oportuna circular cu¡o teor sintetizo para
Vossa Excelencia.

Surgsm e proliferam pelo mundo pretensas Ordens de Cavaleiros


com denominacoes de Ordens eqüestres existentes no passado ou
puramente ficticias. Tiveram outrora sua razáo de ser e foram apro-
vadas pela Igreja levando títulos de Sagradas, Constantinianas, Capi
tulares, Religiosas, Soberanas, Nobiliarias, lascaridas, Imperiais, Reais,
Delcassianos, etc.

Para evitar equívocos, pelo uso indevido de documentos ponti


ficios outrora concedidos para fins religiosos ou para Ordens apenas
monásticas, com o fim de advertir os pessoas de boa fé, a Secretaria
de E:tado, lembrando avisos passados, informa que a Santa Sé,
além das próprias Ordens Eqüestres reconhecidas pelo Direito Inter
nacional, considera e tutela como católicas somente duas Ordens de
Cavaleiros : a Soberana Ordem Militar de Sao Joño de Jerusalém,
chamada «de Malta», e a Ordem Eqüestre do Santo Sepulcro de
Jeru:além (naturalmente a Santa Sé reconhece em 'seu caráter pro-
prio' as Ordens instituidas ou reconhecidas como legítimas nos varios
Estados).

Alertam-se assim todos os Superiores eclesiásticos e religiosos


para que nao apoiem, sobretudo aceitando condecoracoes ou pre-
sidindo a cerimdnias de investidura, tais Ordens 'Católicas'.

Aproveito o ensejo para apresentar a Vossa Eminencia os sentí-


menfos de minha profunda veneracáo.

D. Carmine Rocco
Nuncio Apostólico»

A guisa de bibliografía:

PR 16/1959, pp. 169-174) (os Templarlos)

PR 24/1959, pp. 499-506 (a Atlantida)

PR 171/1974, pp. 104-125 (a Macollarla)

PR 179/1974, pp. 415-426 (a Maconaria)

— 189 —
Ainda ecos...

a meditacáo transcendental em foco

Em sintese : O presente artigo completa o de PR 219/1978, pp. 128-


-139, oíerecendo 1) o testemunho de um casal que praticou e enstnou as
técnicas da Meditacao Transcendental, chegando, em conseqüéncia, a
penosas condigoes de saúde física e psíquica; 2) urna poesía de S. Te
resa de Ávila, auténtico espécimen de mística católica.

Comentario: Em PR 219/1178, pp. 128-139, foi publicado


um artigo sobre Meditacáo Transcendental (MT). Esta é urna
técnica de exercícios mentáis oriunda da india e trazida aos
países ocidentais por Maharishi Mahesh Yogi: tenta levar a
pessoa á distensáo interior; nessas condi^óes o individuo pro
cura esquecer todas as realidades sensiveis e esvaziar a mente
de todas as imagens materiais que habitualmente a distraem;
cria-se assün um estado de «percepcáo vazia»; esta acarreta
a cessacáo de emogóes, sentimentos e afetos. Em conseqüén
cia, dizem os mestres da MT, a pessoa aprofunda-se em sua
consciéncia — o que lhe permite descobrir a realidade mais
intima do seu próprio ser. Nos sucessivos níveis de profundi-
dade da mente, o individuo se toma sempre mais consciente
da sua natureza divina. Este estado final é denominado «pura
percepcáo».

É com estas perspectivas e promessas que os mestres da


MT atraem novos discípulos. Todavia nem sempre a prática
corresponde á expectativa; registram-se numerosos casos de
queixas, da parte dos interessados, a respeito das técnicas da
MT. Além de induzir ao panteísmo, concepgáo filosófico-reli-
giosa que fere a lógica, a MT tem levado a resultados opostos
aos previstos, isto é, a disturbios de saúde psíquica e física
consideráveis, causando serios danos aos respectivos pra-
ticantes.

É o que atesta um depoimento publicado em Cahiers sur


l'oraison, do Cónego Henri Caffarel, n» 154 (julho-agosto
1977), pp. 117-126. Abaixo transcreveremos tal testemunho
em traducáo portuguesa, no intuito de completar e ilustrar
quanto foi dito em PR 215/1978, pp. 128-139.

— 190 —
MEDITACAO TRANSCENDENTAL 31

I. UM TESTEMUNHO

«Sou francesa. Tony, meu marido, é norte-americano. Durante


varios anos, estivemos profundamente engajados nos movimentos fun
dados pelo indiano Maharish Mahesh Yogi, movimentos que tém por
objetivo promover e ensinar a técnica da Meditacao Transcendental.
Ambos éramos instrutores dessa técnica, e dedicávamos todo o nosso
tempo a atividades de ensino, organizacño, publicidade, etc., sem
nos reservar tempo algum para lazeres.

Todavía o nosso estado de saúde deteriorou-se. O de Tony tor-


nou-se crítico, tanto no plano físico como no plano psicológico. Fisi-
comente, ele ia enfraquecendo cada vez mais, o que o impedia, por
exemplo, de transportar peso ou de caminhar rápidamente. Psicoló
gicamente, ele estova sujeito a manifestacSes esquizofrénicas: fre-
qüentes acessos de cólera e impulsos incontroláveis, que o deixavam
perplexo a respeito do que dentro dele estava ocorrendo. Tornou-se
evidente que esse estado de saúde estava diretamente ligado á prá-
tica da MT; agravava-se na proporcño do número de anos dessa
prátíca e em virtude dcñ participacáo de Tony em cursos especiáis
« em meditacoes prolongadas que eram reservadas aos instrutores.

A nossa reflexáo feita juntamente com outros instrutores ami


gos, que em parte também tinham graves problemas de saúde, le-
vou-nos a reencontrar a verdadeira mensagem de Deus, transmitida
aos homens por Jesús Cristo. Para mim, ¡sto significou o retorno ao
sacramento da reconciliacao após doze anos e, para Tony, o Batismo
(fora educado numa familia marxista atéia).

Que é a Meditacao Transcendental ?

É urna técnica mental muito simples, que nada; tem a ver com
o conceito cristao de meditacao ou de oracao, nem mesmo com o
conceito oriental de meditacáo-concentracao. Na verdade, praticar
a MT é repetirmos mentalmente urna determinada palavra dita «man-
tra» durante dois períodos de vinte minutos cada qual, sentados
numa cadeira ou numa poltrona, com os olhos fechados. Esta técnica
é ensínada por cinco movimentos fundados por Maharish Mahesh Yogi.

Os atrativos dessa técnica

Quando, em conferencia, os instrutores apresentam a vocé a MT,


«xplicam-lhe primeiramente todos os beneficios que vocé pode esperar
da prática regular cotidiana da mesma; ela aumenta a eficacia do

— 191 —
32 «PEKGUNTE E RESPONDEREMOS- 23-2/1931

trabalho intelectual e os resultados escolares, facilita as tomadas de


decisao na vida profisdonal ou familiar; facilita um relax fisiológico
ao nivel de todos os órgaos; diminuí a tensáo nervosa e a tensfio
arterial, atenúa os síntomas de molestias psicossomáticas, melhora
as relacoes interpessoais, etc.

Todos estes beneficios sao comprovados por exames científicos,


pois, na realidade, eles ocorrem ao menos por certo tempo. A técnica
da MT é praticada e ensinada há apenas quinze anos; que acarre-
tora ela dentro de prazo mais longo ?

Quem nao seria, em nossos dias, tentado por tais promessas?!


Todos nos aspiramos a um bem-estar interior e exterior; a corrida paro
a eficacia nos marca tanto ! Sao muito tentadores os raciocinios que
explicam que a MT é o recurso, por excelencia, para trazer a paz
ao mundo e provocar em muita gente urna atitude tranquila devida
a um intelecto claro e eficaz. Todas estas promessas se concatenan!
muito bem, e cada um pode ai encontrar um aspecto que o seduza.

A aprendizagem da MT

Para aprender a MT, há urna cerimónia de ¡niciacao em língua


sánscrita, para a qual o discípulo deve levar flores, frutas e um lenco
bronco. Estes objetos sfio utilizados para as oferendas realizadas no
decorrer da cerimónia em honra dos Mestres védicos, e, muito espe
cialmente, em honra do último dos representantes destes : o mestre
de Maharish. A cerimónia compreende dezesseis oferendas simbólicas,
hinos de louvor e homenagem, genuflexóes simbólicas e físicas. Tudo
isto é executado pelo instrutor. Utilizando o material trazido como
oferenda pelo discípulo, o instrutor faz que este partícipe dessa
especie de rito cúltico — embora ao aluno se diga, antes da ceri
mónia, que ele será apenas a testemunha da mesma e nao terá
que participar déla. De resto, nunca se dá ao aluno olguma explica-
Cao a respeito do .que é dito ou feito durante tal cerimónia ; apenas
Ihe explicam que esta nao é senáo um meio, para o instrutor, de
homenagear a tradicao dos Mestres. E muitos instrutores estáo pes-
soalmente convictos disto.

No fim da cerimónia, o discípulo recebe secretamente o seu


mantra, que ele nao deve revelar a quem quer que se¡a. Mesmo
os instrutores nao conversam entre si a re:peito da índole dos man-
tras nem comentam a reserva de mantnas que cada um tem á sua
disposicáo, nem falam dos criterios que adotam para distribuir esses
mantras. Depois de iniciado, o discípulo volta para casa com urna

— 192 —
MEDITAC-AO TRANSCENDENTAL 33

das flores, unía das frutas e o lenco bronco oferecidos no decorrer


da cerimónia.

A inctrucao nos países francofónicos custa 20 ou 25 % do


salario mensal, e consiste em quatro sessoes de duas horas cada
uma e outras tantas se:soes de verificacao. É interessante observar
que, como diz Maharishi, as pessoas hoje só tém confianca em coisas
que custam caro. Apenas «experiméntame, sem grande conviccao,
o que é gratuito.

Geralmente as motivacoes apresentadas durante as conferencias


sao bastante persuasivas, gracas as provas científicas aduzidas para
que os candidatos-discípulos aceitem todas as condicoes impostas ;
e isto ... apesar das fortes reticencias que ele; poderiam eventual-
mente conceber. Essas reticencias versam geralmente sobre a ceri
mónia e as coisas que sao solicitadas aos candidatos, sobre o preco
do curso, ou ainda sobre o sigilo que Ihes é imposto e que eles tém
de prometer mediante un documento assinado e datado.

Nem filosofía nem religiáo ?

A técnica é apresentada como pura e simples técnica que nao


faz apelo a capacidades especiáis nem a alguma crenca, e que nao
é nem filosofía nem religiáo.

Na verdade, porém, durante as quatro sessoes de instrucao,


depois de ter tratado de todos os pormenores práticos referentes á
maneira correta de utilizar o manfra, os ¡nstrutores apresentam a
filosofía para a qual a MT encaminha aqueles que se interessam
um pouco mais por e!a. Falam do objetivo para o qual tendem
(<que¡ram-no ou nao) aqueles que praricam a MT. Esse objetivo é
uma vida sem sofrimento, na qual, segundo tal filosofía, a conscien-
cia se dilata até o infinito. O sistema inspirador da MT deriva de
uma interprétaselo, própria a Maharishi, dos textos sagrados da
India, a saber : os Vedas e o Bhagavad-Gita.

No decorrer de cada meditacao, segundo a explicacao de Maha


rishi, a pessoa que medita mergulha além do aspecto mais sutil do
pensamento, feto é, mergulha na fonte mesma do pensamento, e
atinge o Absoluto mediante o recurso ao manirá.

Que Absoluto é esse ? Será Deus ? Se eremos nos ensinamentos


ministrados aos principiantes, esse Absoluto é considerado a fonte
de todas as leis naturais ou das leis que regem a Natureza. Pela
prática regular da Meditacao, a pessoa entra cada vez mais em
sintonía com o fundonamento das leis da Natureza, e assim recebe

— 193 —
34 vPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

o beneficio positivo dessos leis, o que, segundo a explicacao de


Maharishi, é a raza o pela qual a vida é facilitada.

A MT seria, pois, urna espirirualidade natural que proporciona


resultados muito reais em nivel natural (corpo, inteligencia, afetivi-
dade, etc.). Mas existe também na MT um ensinamento que promete
a felicidade neste mundo : o desaparecimento da dor, a eficacia
intelectual, urna saúde robustecida, menos nervosismo,... De algum
tempo para cá Maharishi fala aos instrutores, ocasionalmente, da
imortalidade do corpo neste mundo como sendo urna realidade que
se pode atingir mediante a prática da MT.

Julgar a árvore pelos frutos

Na primeira abordagem, os frutos produzidos pela árvore da


MT parecem bons. Todavía mais tarde comecam a aparecer outros
fruto; que parecem ser de natureza diferente. Estes, os estudos cien
tíficos nao os mostram, como se compreende, por duas razoes: pri-
meiramente, porque só tardíamente aparecem, de maneira mais vul
tuosa, em discípulos e instrutores da MT e, em segundo lugar, por
que os responsáveis do movimento nao tém interesse em que se
comenten! tais resultados.

De que se trata entao? — De serios problemas de saúde física


e mental... Os síntomas aparecem depois de certo tempo de prá
tica .- doís, cinco, dez anos e de maneira ora mais, 'ora menos ace
lerada, de acordó com a robustez do organismo das pessoas. Bem
parece que os disturbios psicológicos que ocorrem durante a apren-
dizagem da técnica ou qualquer outra fraqueza particular sao o
trampolim para que se agrave o estado de saúde do discípulo.
Maharishi mesmo se vé desarmado diante dos numerosos pro
blemas de saúde que ocorrem em muitos instrutores (os problemas
aparecem mais rápidamente em quem mais se entrega á Meditacáo);
nos últimos anos dirigiu um apelo a sumidades médicas trádidonais
dos nossos países e de outras culturas. A quanto parece, nao foi
encontrada alguma solucao eficaz para melhorar a sítuacáo a nao
ser a de diminuir ou mesmo suprimir a prática da MT. Como se com
preende, Maharishi nao aceítou até agora tal solucao.
Permanece no movimento o problema da saúde; por isto diver
sas pessoas questionam hoje a própría técnica da MT. Alias, em todas
as partes do mundo varios instrutores e discípulos da MT suspende
rá m toda atividade de magisterio e mesmo de prática pessoal, indu-
zidos por urna reflexáo sobre tais fatos.
Contudo o movimento continua firme, em parte porque dentro,
do mesmo ninguém sabe que alguns instrutores poem em xeque a

— 194 —
MEDITACAO TRANSCENDENTAL 35

própria técnica, em parte também porque todos os inrtrutores estao


persuadidos, conforme o ensinamento que eles ministram, de que
essas dores físicas e os problemas psicológicos sao expressoes pro
visorias da purificacao do sistema nervoso; tal purificacao é dita
«relaxamento de tensóes» ou aínda unstressing. Com efeito, todo o
edificio da MT repousa sobre a explicacao do relaxamento das ten-
s5es. Pode alguém achar-se em estado esquizofrénico dos mais ca
racterísticos, pregado ao leito sem poder andar, ter um braco para
usado...; mesmo entáo, como ensina a experiencia, haverá um
instrutor que garanta que é preciso ver nisso tudo apenas a mani
festado da purificacao do sistema nerovoso. Quonto a nos, só
encontramos urna solucáo para extinguir esses síntomas doentios:
suspender a prática da MT, colocar-nos ñas maos de Jesús Cristo e
vlver a sua mensagem de amor.

Observam-se outros efeitos da MT no tocante ao comporta-


mentó para conosco mesmos e para com os outros. Enquanto Maharishi
fala muito do amor que brota espontáneamente da prática da MT,
na realidade as coisas sao um pouco diferentes. Cada qual se preo
cupa muito com a evolucáo da sua própria consciéncia, porque
Maharishi explica que o desenvolvímento pleno do coracáo só ocorre
a pos o desenvolvímento pleno da consciéncia. Por isto a maioria dos
instrutores e dos discípulos da MT que seguem de perto o enrina-
mento de Maharishi, procuram meios suplementares para obter
quanto antes a puríficacao do seu sistema nervoso. Procuram, pois,
evitar situacoes de stress corporal e, para isto, suprimem o álcool,
os cigarros, o café, a carne, etc.; também fogem das situacoes qué
esgotam no plano das relacSes com os outros, evitando o contato
com pessoas doentes, debéis e outras consideradas como muito esgo-
tadas. De resto, os instrutores sao abertamente aconselhados a
abandonar as tarefas que exijam contato direto com tais pessoas.

Freqüentemente é posta a Maharishi a seguinte pergunta :


«Por que nao existe maíor amor dentro das estrururas do movimento
e entre os respectivos membros?» Maharishi respondeu-nos direta-
mente em dezembro 1975 que o amor se difundirá; quando maior
número de pessoas tiverem atingido o desenvolvímento pleno da sua
consciéncia.

MT e Tradicáo crista

Pode-se indagar: como um cristáo que se entrega á Meditacáo


e se adianto nesta vía, nao encontró todas as razóes para questionor
o sistema filosófico de Maharishi em cada fase do seu caminhar no

— 195 —
35 -/PERPUNTE E RESPONDEREMOS. 25C/19S1

movimento? — O motivo consiste em que tal pessoo se torna como


que espirituahnente cega á medida que ela se integra no sistema.
Podemos agora dizer que, gratas a Deus, os nossos olhos se abri-
ram para a oposicao categórica existente entre o Cristianismo e
a MT. Quando alguém entra em contato com verdaderos místicos
crisraos como Sao Joño da Cruz, Santa Teresa de Lisieux, Sao Fran
cisco de Assis, descobre que a vida mística deles em Cristo é algo
de totalmente diverso. Deixaram-nos instrucoes muito claras para
entrarmos na iniimidade com Jesús e, por Ele, com o Pai sob a
mocáo do Espirito Santo.

A via do Cristo é 'estreita', nao há dúvida, e ela exige sem-


pre o ultrapascamento de nos mesmos. Mas é também infinitamente
mais exaltante, pois nao estamos sos; a amizade de Jesús Cristo
está conosco. 'Ja nao vos chamo servos, mas amigos, porque vos
disse tudo o que recebi do Pai' (Jo 15,15)».

O testemunho dispensa comentarios... Para o cristáo,


significa mais um apelo a que tome consciéncia dos indizíveis
valores da mística proposta pelos documentos-fontes do Cris
tianismo; no bojo mesmo da doutrina crista se encontram os
mais auténticos incentivos e esteios á procura da experiencia
de Deus, presente a todo aquele que O queira procurar sin
ceramente.

A guisa de ilustracáo dos valores da Mística católica,


transcrevemos, a seguir, urna das belas e significativas poe-
sias de Santa Teresa de Ávila (f 1582).

II. UM DOCUMENTO
Certa vez Teresa ouviu durante a sua oragáo esta frase
misteriosa : «Procura-te em mim». — A titulo oe recreio espi
ritual propós o enigma ao seu irmáo Lourenco de Cepeda, que,
sob a direcáo de Teresa, se ia iniciando ardorosamente na vida
espiritual: procurasse decifrar o sentido do «Procura-te...»
Lourenco pediu a colaboracáo de tres dos seus amigos, entre
os quais Sao Joáo da Cruz. Foi estipulado que cada qual dos
companheiros refletiria á parte sobre a misteriosa frase e con
signaría por escrito as suas consideracóes. Após certo tempo,
os quatro trabalhos estavam redigidos; foram submetidos a Te
resa, incumbida pelo próprio bispo de Avila de fazer o julga-
mento. A santa exprimiu seu parecer em urna de suas mais
belas cartas, perpassada de malicia e bom senso, em que ela
desembaracadamente se dirigía a cada qual dos quatro amigos.

— 196 —
.MEDITACÁO TRANSCENDENTAL 37

O bispo de Ávila entáo intimou a Teresa, fizesse algo que su-


plantasse os quatro trabalhos apresentados. Ao que ela res-
pondeu mediante a poesía seguinte:

«Alma, é preciso que te procures em mim, e que me procures


■em ti».

Tal era o texto a comentar. Assim o parafraseou Teresa :

«O amor, ó alma, pode de tal modo tragar a tua efígia em


mim que o mais hábil pintor nao poderia com semelhante maestría
produzir igual ¡magem.

Foi meu amor que te formou, surprendentemente bela. Assim


pintada em meu coracáo, se te perdesses, minha bem-amada, sería
preciso que te procurasses em mim.

Sei que te encontrarías reproduzida em meu coracao, e repro-


duzida tao ao vivo que, se tu te visses, té regozijarias por te ver tao
bem pintada.

E, se por acaso nao soubesses onde encontrar a mim, nao


deverias vaguear por cá e por la; mas, se me queres encontrar, é
preciso que me procures em ti.

Pois tu és o meu lugar de repouso, és a casa em que resido.


Por isto clamo todas as vezes que verifico que em teu pensamento
a porta nao está aberta.

Fora de ti, nao me procures. Pois, para me procurar, basta


■apenas que me chames; e estarei presente a ti sem tardar. Basta
que me procures em ti».

(Histoire de sainte Thérese de Jésus, d'aprés les BoIIandistes,


I. II París, 4e. éd., 1886, p. 507).

A poesía nao é mais do que urna paráfrase das palavras


■de Jesús em Jo 14,20: «Vos em mim, e eu em vos». Pelo
Batismo o cristáo é enxertado em Cristo e passa a comungar
com a vida do próprio Deus; é inserido no fluxo da vida trini
taria. Reciprocamente, o Cristo Jesús habita em todos aque
les que se lhe abrem na fidelid^de aos sacramentos e aos pre-
•ceitos da Lei Divina : «Eis que estou á porta e bato; se alguém
«uvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e
cearei com ele, e ele comigo» (Ap 3,20).

— 197 —
N<

Em sintese : ••„ J4l\¡ Messiánica Mundial" sfio as desig-


nacoes de urna córreme . reveniente do Japao e fundada por
Meishu Sama em 1926. O >.. jdo doutrinário dessa corrente iá foi
exposto em PR 139/1971, pp. 3*8-335 e 208/1977, pp. 143-152. O que
atrai muitas pessoas ao "Messianismo", sfio os milagres atribuidos ao
Johrei ou á Luz Divina; por isto o presente artigo dedica algumas consi-
üeracoes a tais portentos.

Quem observa as religióes populares do Brasil contemporáneo veri


fica que todas elas propaem milagres e váo angariando adeptos em' troca
de curas maravilhosas. Ora é certo que tal efusfio de milagres nao é de
origem divina (ninguém pode ter poderes sobre o Senhor Deus de modo
a forcá-Lo a realizar prodigios mediante heneaos, "oracoes fortes", impo-
sicáo de mSos. comunicagáo de "luz divina", rituais diversos...), mas
deve-se ao poder da sugestáo; em geral, as pessoas enfermas e atribula
das que recorrem a um templo, já váo preconcebidas em favor da cura,
pois tém fé-confianca no curandeiro, no médium ou no ministro da bén-
cao... De resto, para que se possam levar a serio os apregoados por
tentos, seria preciso submeter os pacientes respectivos a rigorosos exames
médicos antes e depois do "milagre". Sem documentacio médica cientí
fica ou sem diagnóstico exato da molestia, é Inadequado falar-se de milagre

Comentario: A Igreja Messiánica Mundial do Brasil pubU-


cou um novo livro com o título «Os Milagres do Johrei» \ em
que sao recenseados varios casos de curas e solucóes de pro
blemas que, á primeira vista, parecem inexplicáveis ou mila
grosos ou devidos á intervencáo divina. Tais portentos sao
atribuidos pelo autor do livro (ou da ooletánea de depoimen-
tos) a Johrei; as pessoas doentes que recebam Johrei ou a Luz
Divina, sao interiormente purificadas e essa pureza interior
(segundo os dizeres do livro) se traduz na pureza corpórea,
ou seja, na cura de males físicos e na solu7áo das situacóes di-
fíceis que estejam afligindo o devoto. Assim a religiáo de
Johrei se apresenta ao público como a grande solugáo para os
males cotidianos que afetam a existencia de todos os homens.

'Sem indicacao de lugar e data de edicSo, 125x18Smm, 220 pp.'

— 198 —
OS MILAGRES DO JOHREIx» 39

É precisamente esta perspectiva de curas que tem atraído mui-


tos adeptos ao Messianismo Mundial, cujo fundador é Meishu
Sama, que em 1926 disse ter recebido a iluminacáo necessárta
para iniciar a sua pregacáo.

A respeito das doutrinas professadas pelo Messianismo já


foram publicados dois artigos em PR, a saber: 139/1971, pp.
328-335 e 208/1977, pp. 143-152. Ñas páginas seguintes, ape
nas nos interessaremos pelos «milagres» do Johrei.

1. Que dizer ?

Quem lé a literatura das diversas correntes religiosas que


se vém difundindo últimamente no Brasil (de origem oriental
ou espirita ou umbandista ou esotérica ou protestante), encon
trará nos opúsculos e jomáis assim editados casos paralelos
aos «milagres de Johrei»: as curas «prodigiosas» váo-se multi
plicando — o que tanto atende as necessidades físicas como
satisfaz as aspiracóes místicas dos pacientes. De modo espe
cial, registramos aqui os programas protestantes e espiritas
emitidos constantemente pela Radio Copacabana do Rio de
Janeiro: muitos deles cativam seus ouvintes pela promessa cié
curas... A religiáo torna-se assim um sistema de terapia no
plano psíquico e no plano físico ou aínda um meio de obter
saúde em troca de preces; o teocentrismo da religiáo se diluí
quase por completo... Tenhamos em vista as expressóes
«Igreja Socorrista Evangélica», «Casa da Bénfiúo», «concen-
tracáo popular numa grande tarde de milagres»...

Em verdade, os numerosos prodigios anunciados pelos


arautos dessas crencas (incluidos os adeptos de «Universo em
Desencanto», que também faz «curas») nao passam de fenó
menos naturais, explicáveis á luz da psicología e da parapsi
cología; o sugestionamento de cura incutido ao paciente pelo
ambiente religioso em que ele se acha, é apto a desfazer os
bloqueios psicológicos que perturbam a saúde física dessa pes-
soa. O enfermo eré que será curado se ele se confiar á inter-
cessáo de Meishu Sama ou á do missionário evangélico N.N.,
ou á do médium X ou á do curandeiro Y; essa crenca firme
transforma o seu ánimo abatido, comunicando-lhe nova espe-
ranga e profundo otimismo; ora tal atitude positiva nao pode
deixar de ter repercussáo no físico do paciente, provocando o

— 199 —
40 PEKÜUNTE E RESPONDEREMOS 25G, 19S1

funcionamento normal de órgáos que estavam sendo afetados


por algum bloqueio psicossomático.

Dirá talvez alguém: esta explicado pode ser válida em


muitos casos, mas nao tira o caráter milagoroso ou «inexplicá-
vel» de varios outros.

— Respondemos que, para que algum fenómeno de cura


portentosa possa merecer a atengáo dos dentistas, é necessário
que se saina exatamente

a) qual o laudo preciso da medicina científica sobre o


paciente antes de ter sido «curado maravilhosamente». Nao
basta que se diga que o enfermo estava sofrendo..., mas é
preciso apresentar a comprovacáo médico-científica de que
padecía de cáncer ou de tumor no cerebro ou de compressáo
de ñervo... ;

b) qual o laudo da medicina científica sobre o paciente


apos a «cura maravilhosa». A pessoa «curada» seja submetida
a exames médicos sucessivos para que se possa averiguar se
a cura foi duradoura e, portanto, real, radical ou apenas tran
sitoria, dependente do efeito da sugestáo recebida.

_ Enquanto nao exista a suficiente e necessária documenta-


gao médico-científica a respeito do paciente beneficiado, nao
ha como trazer ao plano dos estudos serios e objetivos os por
tentos religiosos apregoados pela literatura religiosa popular
As correntes religiosas curandeiras desempenham todas a
mesma fungao (apenas recorrendo a nomes e símbolos diver
sos) : catalisam as boas disposigóes psíquicas e as energías
latentes no enfermo a fim de que supere a respectiva enfermi-
dade, desde que esta seja de índole funcional; sabemos, de resto,
que toda doenga é, em grau maior ou menor, psicossomática
O curanderismo (também o de Johrei) é eficiente na medida
em que a molestia esteja ligada as disposigóes psíquicas do
paciente. Quanto aos casos que paregam nao se enquadrar
nesta elucidagáo, nao podem ser discutidos com seriedade, se
vém apresentados apenas por depoimentos e relatos nao acom-
panhados de documentagáo científica (radiografías, exames de
laboratorio, laudos médicos, etc.).

Também os fiéis católicos estáo sujeitos a confundir ver-


dadeiros milagres (que a Igreja em certos casos admite) com

— 200 —
*OS MILAGRES DO JOHREI*. 41

fenómenos de curas ocorridos por sugestáo em ambiente cató


lico ou eclético. A Igreja exorta os fiéis a nao proclamar com
facilidade e sem base real a ocorréncia de milagres. Reconhega-
mos que os valores religiosos (independentemente de qualquer
confissáo religiosa) exercem influencia poderosa e profunda
sobre o psíquico do paciente: por isto podem ser utilizados com
grande eficacia como fatores psicoterápicos. É o que acontece
nos templos das religióes populares do Brasil sem que disto
tenham consciéncia nem os ministros ou pastores respectivos
nem os fiéis que a eles recorrem. É necessário, porém, que,
numa consideragáo objetiva e serena dos fatos, saibamos dis
cernir a agáo natural e humana da psicoterapia praticada sob
rótulos religiosos, de um lado, e, de outro lado, os auténticos
milagres em que Deus intervém superando as leis da natureza
para apresentar aos homens urna palavra mais eloqüente ou
um sinal (semoion, em grego) da sua misericordia para com as
criaturas.

2. Conchjsño

Aos fiéis que, acabrunhados pela dor, procuram a cura de


seus males em algum templo religioso (Casa da Béngáo, Igreja
Messiánica, centro espirita...), observaremos o seguinte:

1) Toda cura extraordinaria é urna graga gratuita e livre


da parte do Senhor Deus. Por conseguinte, é um contra-senso
querer institucionalizar as curas ou os carismas, tornando-as
«reais» por encomenda ou por efeito de «oragóes poderosas»,
imposigáo de máos, comunicagáo de luz, etc.

2) Deus é Pai ou o Primeiro Amor. Todo ser humano é


filho desse Pai. Ora entre filhos e pai nao há relacionamenlo
de receitas e ritos poderosos, mas há, da parte do filho, urna
atitude de confianga e amor; o filho expóe ao Pai suas indi
gencias e sabe que nao o faz em váo. Nada mais se torna
necessário; nao há gestos nem fórmulas que possam constran-
ger a Deus, nem há segredo de algum ministro religioso que
possa «dobrar» o Pai do céu. Nada há de mais belo e slo-
qüente diante de Deus do que um coragáo de filho aberto e
sequioso da graga divina. Dizia, alias, Jesús: «Quando rezar-
des,... nao fagáis como os pagaos; pensam que devido á forga
de muitas palavras é que sao atendidos... O vosso Pai sabe
do que precisáis antes de fazerdes o pedido» (Mt 6,7s).

— 201 —
42 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

Em outros termos: Deus sabe tudo, pois sonda o coráceo


de cada criatura,... de cada enfermo; e Ele o sabe nao como
Rei de tremenda majestade ou oom um frió computador, mas
como Pai. — Transmitindo esta mensagem, o Evangelho diz
o que de mais reconfortante pode haver para um enfermo:
reze ao Pai, exponha-Lhe a sua dor, una-se a Jesús, dizendo:
«Pai, se possível, passe este cálice sem que eu o beba; mas
faca-se a tua vontade e nao a minha», e tenha paz numa ati-
tudo de confianca e entrega Áquele que primeiro nos amou.
Nao há necessidade de deixar a Igreja Católica para obter
cura de enfermidade, pois nada há de mais eficaz do que a
oraqáo do filho ao Pai!

Ver a propósito :

FRIEDRICHS, E. A., Panorama da parapsicología ao alcance de


todos. — Ed. Loyola, S3o Paulo 1979.

LORENZATTO. J., Parapsicología e Rellgiáo. — Ed. Loyola. Sao


Paulo 1979.

QUEVEDO, O. G.. Curanderismo: um mal ou um bem? Ed


Loyola, Sao Paulo 1978.

LIYROS EM ESTANTE
(Contirtuagáo da pág. 224)

As Missdes Católicas. Pronunciamientos dos Papas desde Leao XIII


até Joio Paulo II e Documentos do Vaticano II. — Ed Vozes Petróoolis
1980. 135 x 210 mm, 325 pp.

Este livro aborda um tema que os Sumos Pontífices até o ano pre
sente vóm recordando com insistencia, mas que últimamente tem merecido
menos atencio, talvez em virtude de falsa compreensáo do ecumenismo e
do diálogo religioso apregoados pela Igreja Católica. Esta recebeu de Cristo
o mandato de anunciar a Boa-Nova a todos os povos, de tal modo que
nenhuma cultura ou fase da historia a pode dispensar dessa nobre mlssao.
O que o Concilio do Vaticano II preconizou, foi o respeito ás consciéncias;
os fiéis católicos nem por isto delxaráo de ser arautos do Evangelho nos
países nao cristáos; quem conhece o valor da mensagem de Cristo, expe
rimenta naturalmente a necessidade de compartllhá-la com os seus seme-
Ihantes, pois, como diz o axioma filosófico, «o bem é diiusivo de si».

Eis por que saudamos com prazer o compendio de exortac5es ponti


ficias referentes ás mlssoes católicas que os Missionários do Verbo Divino
houveram por bem entregar ao público mediante a Editora Vozes.

— 202 —
A Igreja Católica terá alterado

os mandamentos da lei de deus?

Em stntese : Os textos bíblicos de Ex 20,1-17 e Dt 5, 6-18 apresen-


tam os mandamentos da Lei de Deus sem os numerar; apenas a Tradicáo
registrou que eram dez os preceitos do Senhor; cf. Ex 34, 28; Dt 4,13; 10,4
No decorrer dos tempos os estudiosos judeus e cristáos propuseram tres
manei.ras de dividir o texto bíblico em dez mandamentos • a do Talmud
a de Filón de Alexandria (f 40 d. C.) e a de S. Agostinho. Nenhumá
destas tres classificacóes é de autoridade divina. Os judeus adotaram até
hoje a forma do Talmud ; a Igreja Católica e os luteranos seguirán» S
Agostinho; Calvino e outros reformadores protestantes preferirán) a divisSo
de Filón. Qualquer destas tres classificacoes é aceitável, pois nenhuma
délas se impóe decisivamente, visto que nao é de origem bíblica.

Se a Igreja nao explicitou no Decálogo a proibicáo de se confeccio


naren) ídolos ou imageis a ser adoradas, isto n8o se deve ao desejo de
adorar imagens, pois tal prática é repudiada pelo Catolicismo, mas táo
somente ao fato de que a proibicáo de adorar (dolos está incluida no
preceito de cultuar o único Deus. De resto, é de notar que até os luteranos
dividem o decálogo como a Igreja Católica o faz, tal era (e ó) a autori
dade de S. Agostinho.

Após estas consideracóes, vé-se que nao há como falar de alleragáo


dos mandamentos da Lei de Deus por parte da Igreja Católica.

Comentario : Nao raro os protestantes atribuem á Igreja


Católica deturpagáo do texto dos dez mandamentos do Senhor.
Terá omitido a proibicáo de se confeccionaren! imagens con-
tida em Ex 20, 4, ou seja, o segundo mandamento, e, para
manter o total de dez, haverá desdobrado o último em dois.
Visto que tal acusagáo é grave, merece a atengáo que lhe de
dicaremos ñas páginas seguintes.

1. O texto bíblico

Há duas versees do Decálogo na Lei de Moisés ou no Pen


tateuco : a de Ex 20, 2-17 e a de Dt 5, 6-18. Verificam-se,
entre urna e outra, diferengas de pouca monta, como, ñor
exemplo, na justificativa do repouso do sétimo dia (cf. Ex
20,11 e Dt 5,11) e na formulagáo da proibicáo de cobigar bens

— 203 —
«PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 256/1981

alheios (Ex 20,17 e Dt 5, 18). Em suma, julga-se que as mías


versóes, muito próximas urna da outra, supóem um texto ori
ginal, que parece estar mais conservado em Ex 20 do que ern
Dt 5. Por isto faremos o nosso estudo na base de Ex 20,1-17,
que passamos a transcrever.

1110 Senhor pronunciou entáo todas estas palavras:

a 'Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair do Eglto, de urna casa
de escravidáo.

8 NSo terás outro deus além de Mim.

* NSo farás para ti imagens esculpidas, nem qualquer Imagem do


que existe no alto dos céus, ou do que existe em baixo na térra, ou do
que existe ñas aguas, por debaixo da térra. '

8 NSo te prostrarás diante délas e nao Ihes prestarás culto, porque


Eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus closo, que pune a iniqüldade dos
país nos filhos, até a terceira e a quarta geracSo daqueles que Me ofendem.

«E uso de misericordia até a milésima geracfio para com os que


Me amam e cumprem os meus mandamientos.

i N§o pronunciarás em vio o nome do Senhor, teu Deus, porque o


Senhor nao delxará Impune quem pronunciar o seu nome em váo.

8 Recorda-te do dia de sábado para o santificar.

9 Trabalharás durante seis dias e levarás a cabo todas as tuas tarefas.

io Mas o sétimo dia é dia de descanso, consagrado ao Senhor teu


Deus; nesse dia nao farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu fllho, nem
a tua fllha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem os teus animáis, nem
estrangeiro algum que estiver dentro das tuas portas.

«Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a térra, o mar e tudo


quanto contém, e descansou no sétimo; por isto o Senhor abencoou o día
de sábado e o santiflcou.

12 Honra o teu pal e a tua máe, para que os teus dias se prolonguem,
na térra que o Senhor teu Deus te dará.

uN§o matarás.

" Nao cometerás adulterio.

"NSo roubarás.

16 Nao dirás falso testemunho contra o teu próximo.

" Nao coblcarás a casa do teu próximo, nSo cobicarás a mulher do-
teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu bol nem o seu
lumento, nem coisa alguma que Jhe pertenca'".

— 204 —
OS DEZ MANDAMIENTOS 45

Como se vé, o texto bíblico nao numera os mandamentos;


apenas aprésente, um conjunto de preceitos, que a tradigño
judaica chamou 'asereth hadebarim, as dez palavras (cf. Ex
34, 28 ; Dt 4,13 ; 10,4) ou, na versáo grega alexandrina (dos
LXX), hoi delta logoi, ta deka rhémata. Entre judeus e cristáos
nao se duvidava de que dez eram os mandamentos do Senhcr.
Houve, porém, divergencias na maneira de distinguir entre si
os dez preceitos enunciados pelo texto bíblico.

Vejamos, pois, como procederam os mestres no decorrer


dos séculos.

2. Tres moneiras de dividir

Enunciaremos a divisáo proposta pelo Talmud, a de Filón


de Alexandria (f 40 d. C.) e a de S. Agostinho (f 430), apre-
sentando primeiramente o quadro sinótico, ao qual se segui-
ráo comentarios.

TALMUD FILÓN S. AGOSTINHO

1. Afirmado da so- 1. Adorar o único 1. Adorar o único


teranla do Senhor sobre Deus: Ex 20,3. Deus (o que Implica nfio
Israel: 20,2. confeccionar nem cul-
tuar ídolo): Ex 20,3-6.

2. Adorar o único 2. NSo adorar Ido- 2. Nao lomar o no-


Oeus e abster-se de los: Ex 20,4-6. me do Senhor em vfio:
culto de outros deuses Ex 20,7.
e de ídolos: Ex 20,3-6.

3. NSo tomar o nome 3. NSo tomar o no 3. Observar o séti


do Sanhor em v5o: Ex me do Senhor em váo: mo día: Ex 20,8-11.
20.7. Ex 20,7.

4. Observar o sétl- 4. Observar o séti 4. Respeltar pai e


mo dia: Ex 20,8-11. mo dia: Ex 20,8-11. máe: Ex 20,8-12.

5. Respeltar pai e 5. Respeitar pai e 5. NSo matar: Ex


mis : Ex 20,12. m8e : Ex 20,12. 20,13.

10 Talmud vem a ser a coletánea dos comentarios dos rabinos á


S. Escritura: contém assim o pensamento judaico transmitido ñas escolas
israelitas dos primelros séculos da era crista, fazendo eco a tradicoes mais
antigás.

— 205 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

TALMUD FILÓN S. AGOSTINHO

6. Nao matar: Ex 6. Nao malar: Ex 6. Nao cometer adul-


20,13. 20,13. tério: Ex 20,14.

7. Nao cometer adul- 7. Nao cometer 7. Nao roubar: Ex


tério: Ex 20,14. adulterio: Ex 20,14. 20,15.

8. NSo roubar: Ex 8. Nao roubar: Ex 8. Nao proferir falso


20,15. 20,15. testemunho: Ex 20,16.

9. NSo proferir falso 9. Nao proferir fal- 9. Nao cobicar a


testemunho: Ex 20,16. so testemunho: Ex mulher do próximo: Ex
20,16. 20.17a.

10. Nio cobicar os 10. Nao cobicar nem 10. Nao cobicar os
bens do próximo: Ex a mulher nem os ou- demais bens do próxi-
20,17. tros bens do próximo: mo : Ex 20,17b.
Ex 20,17.

1) A divisáo do Talmud, como se vé, entende 20,2 como


o preceito de prestar culto ao verdadeiro Deus. Os versículos
3-6 constituiriam o segundo preceito, que proibe o culto de
falsos deuses e de Ídolos (imagens). O terceiro preceito man
daría honrar o nome de Deus (v. 7). O décimo proibiria u
cobiga de qualquer bem alheio, inclusive a mulher (v. 17).
— É esta a divisáo que predomina entre os israelitas até hojc.

2) ilion, filósofo judeu de Alexandria (t 40 d. C), e


Flávio José (t 95 d. C), historiador israelita, propuseram
outra divisáo, muito semelhante á anterior: o primeiro man-
damento estaría enunciado pelos versículos 2-3, que incutem
o monoteísmo ou o culto de um só Deus. O segundo preceito
proibiria a confeccáo e a adoragáo de imagens ou ídolos1
(w. 4-6). O terceiro prescreveria reverencia pelo nome. do
Senhor (v. 7); o quarto proporia a observancia do dia do
Senhor (w. 8-11). Os seis restantes teriam por objeto o rela-
cionamento do homem com o seu próximo, de tal modo que o
nono proibiria a mentira (20,16) e o décimo a cobiga da casa,
da esposa, dos servos, dos animáis e demais bens do próximo
(20, 17).

■A palavra (dolo vem do grego eidolon, que significa imagem. ídolo,


portanto, vem a ser a imagem de um deus falso.

— 206 —
OS PEZ MANDAMENTOS 47

Esta divisáo foi aceita por escritores cristáos antigos como


Orígenes (f 250), Tertuliano ( t após 220), S. Gregorio de
Nazianzo (f 390), S. Cirilo de Alexandria (f 444), S. Ataná-
sio (t 373), Cassiano (t 435), S. Jerónimo (t 420).

No sáculo XVI, algumas correntes do Protestantismo


(nem todas, como se verá abaixo) adotaram a ordem pro
posta por Filón e Flávio José.

3) S. Agostinho (f 430) houve por bem adotar outra


divisáo do Decálogo, que parece ser da autoría de escritor
cristáo anterior. Para S. Agostinho, os preceitos de prestar
culto ao verdadeiro Deus e nao adorar deuses falsos e Ídolos
nao sao senáo um só mandamento formulado positiva e nega
tivamente; por isto o S. Doutor estendia o primeiro manda
mento do versículo 2 ao versículo 6 (na verdade, prestar culto
ao verdadeiro Deus excluí o culto de falsos deuses). No versí
culo 17, porém, Agostinho via dois preceitos distintos: o nono
e o décimo. Já isto lhe parecía insinuado pela repetigáo da
mesma fórmula no v. 17: «Nao cobicarás-..» Ora a formina
enunciada duas vezes coibe duas paixóes do homem : a paixáo
sexual, que cobica a mulher do próximo, e a paixáo de possoir,
que cobica os outros bens do próximo; por isto S. Agostinho
via nessas duas fórmulas dois mandamentos distintos (o fato
de estarem hoje estes dois mandamentos dentro de um só
verso nada significa, pois sabemos que a atual divisáo da
Biblia em capítulos e versículos, longe de ser original, só foi
introduzida no século XEQ por Estéváo Langton, arcebispo de
Cantuária).

A divisáo adotada por S. Agostinho tornou-se comum


entre os escritores cristáos da Idade Media. Tenham-se em
vista, entre outros, S. Tomás de Aquino, Suma Teológica,
qu. 100, a. 4s ; Opusculum m, De lege amorte et de decem
praeceptis; S. Boaventura, In IV Sententíarum, 1. m, dist.
XXXVII, a. 2 ; Duns Scotus, In IV Sententiarum 1. m, dist.
xxxvn.

A divisáo de S. Agostinho foi seguida também por Lutero


(t 1546) e pelos luteranos. Tem seus aspectos válidos; com
efeito, ao prescrever o culto do único Deus, a Lei do Senhor
já está proibindo a adoragáo de falsos deuses e a confeceáo
de estatuas ou ídolos tais como os tém os povos pagaos; nao
há, pois, necessidade dé considerar como preceito próprio a
proibigáo de se fabricarem ídolos. De outro lado, o desdobra-

— 207 —
48 .PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

mentó do v. 17 em dois preceitos respeita melhor a singula-


ridade da mulher.

A divisáo proposta pelo Talmud e por Filón é mais con


forme aos costumes dos judeus. Estes estavam habituados a
reproduzir os preceitos sobre duas tábuas; daí o interesse em
reparti-los em duas series de cinco. Por isto, do v. 2 ao v. 12
reconheciam cinco preceitos, que prescreviam a atitude reli
giosa diante de Deus, autor da vida, e diante dos genitores,
transmissores da vida. Os cinco mandamentos subseqüentes,
a partir do v. 13, apresentariam os deveres para com o pró
ximo (pessoa, vida e outros bens do próximo). Calvino (t 1564)
e os seus seguidores, também os socinianos e os anglicanos
adotaram a divisáo proposta por Filón.

3. Reflexa* final

A Igreja adotou no seu Catecismo, editado no século XVI


e reproduzido até os nossos dias, a divisáo sancionada pela
autoridade de S. Agostinho e dos grandes doutores medieve.is.
Adotou-a, porque, dentre as tres divisóes propostas pelos estu
diosos, nenhuma era de autoridade divina (ensinada pela pró-
pria S. Escritura); as tres baseavam-se sobre razóes suficien
tes, nao, porém, decisivas; a divisáo de S. Agostinho era a que
se apresentava mais lógica e plausível. — Em conseqüénda,
vé-se que nao se pode acusar a Igreja de ter alterado á S.
Escritura; esta hipótese está fora de propósito; só pode ser
suscitada por quem nao conheca o assunto em foco. Os pró-
prios protestantes, em sua denominacáo luterana, seguem tam
bém a classificacáo proposta por S. Agostinho; Lutero reve-
renciava profundamente o doutor de Hipona.

O fato de que a Igreja, na serie dos mandamentos do


Decálogo, nao explicite a proibicáo de confeccionar ídolos nao
provém do desejo de adorar imagens, como julgam algumas
seitas protestantes. Seria absurdo imaginar que a Igreja adore
imagens ou fabrique ídolos. As imagens exibidas no Catoli
cismo tém por fungáo apenas recordar aos fiéis o Senhor
Jesús, María SS., e outros santos, a fim de instruir os igno
rantes e fomentar a verdadeira piedade. A Igreja repudia a
idolatría e o falso culto de imagens.

— 208 —
OS PEZ MANDAMENTOS 49

£m complemento, registramos que os adventistas (fun


dados no sáculo passado em 1845) contam doze mandamentos
da Leí de Deus, pois assim dividem o texto de Ex 20,3-5:

1? mandamiento: «Nao teras outros deuses diante de


mim» (20, 3).

2' mandamento: «Nao farás para ti imagem de escul


tura...» (20, 4).

3? mandamento: «Nao te prostrarás diante déla nem


Ihe prestarás culto» (20, 5).

O que, na verdade, é um mandamento só ou o preceito


do monoteísmo, para os adventistas, vem a ser tres preceitos.
Ora a enumeragáo de doze mandamentos da Lei de Deus con
traria a própria Tradigáo biblica, que, como vimos, sempre
falou de «dez palavras» ou de «deka logob (= Decálogo) ;
cf. Ex 34, 28; Dt 4, 13; 10,4. Nao tem, pois, fundamento
algum a classificacáo adventista. Chega mesmo a ser estranha,
visto que os adventistas sao muito dosos de observar as Es
crituras do Antigo Testamento.

Em conclusáo, qualquer que seja a divisáo do Decálogo


adotada, o que importa a católicos, protestantes e judeus é
que se ponha em prática tudo o que o texto de Ex 20, 1-17
prescreve. Sabemos com certeza que Deus quer que o homem
adore o seu Criador, e somente a Este; nao cobice nem a mu-
lher do próximo nem os bens alheios. Que ele o faga porque
tal é o mandamento primeiro, segundo, nono ou décimo, isto
importa pouco aos olhos do Senhor; faca-o porque é man
damento divino; isto basta. — E principalmente que ninguém
condene o próximo sem conhecimento de causa! É esta a lei
da caridade, o primeiro e máximo preceito do Cristianismo.

Bibliografía:

. BROUILLARD. R., Décalogue, in Calhollcisme, t. III. Paris 1952, pp.


500-505.

DUBLANCHY, E., Décalogue, in Dictlonnalre de Théologie Calholique,


t. IV/1. París 1939, pp. 162-175.

PR 3/1957, pp. 14-18.

SCHNEIDER, H., Dekalog, In Lexikon fuer Theologie und Klrche.


Band III. Freiburg I./Br. 1959, pp. 199-201.

— 209 —
Voltando á URSS.:

a tragedia do padre dmitri dudko

£m sinlese : O artigo aprésenla ao leitor cinco documentos relativos


ao sacerdote ortodoxo russo Pe. Dmitri Dudko. Este ardoroso pregador da
fé crista foi mais de urna vez cerceado e impugnado pelo Governo soviético
até que em Janeiro de 1980 se viu lampado no cárcere. Em junho do mesmo
ano apareceu na televisáo e na imprensa soviéticas renegando as suas
posicdes anteriores como se fossem contrarias aos interesses da patria e
da Igreja ortodoxa russa. Em cinco meses o Pe. Dudko, guardado no
cárcere, terá mudado radicalmente de modo de pensar. Ora tal atitude foi
tida pelos comentadores como resultado de lavagem cerebral ou de pro-
cesso pslquico-farmacéutico a que terá sido submetido o sacerdote a fim
de se "converter" á ideologia imperante na U.R.S.S. O testamento do
Pe. Dudko lavrado em 29/03/79 e a sua retratacSo, datada de 5/06/80,
estáo em evidente contraste entre si. O Cardeal Rogar Etchegaray, de Mar-
selha, reflete sobre tal fato com muita sabedoria, observando: "Ninguém
acredita na vitlma que fala a linguagem do carrasco". Além disto, acham-se
ñas páginas subseqüentes cartas dos amigos do Pe. Dudko que refletem
sobre o encarceramento do mesmo

Comentario: Em PR 221/1978, pp. 200s apresentamcs


o Pe. Dmitri Dudko, heroico arauto da fé na U.R.S.S.

O relato da obra pastoral do Pe. Dudko foi publicado em


livro da autoría do próprio sacerdote; editado em russo no
ano de 1974, foi traduádo para o italiano com o título «Padre
.Dmitrij Dudko. Párroco a Mosca. Conversazioni sdralb (Miloo
1176, 256 pp.). A publicagáo italiana se deve ao «Centro Studi
Russia Christiana».

O padre Dudko era responsável pela igreja de S. Nicolsu,


perto do cemitério Preobrazenskij nos arredores de Moscou;
embora seja de difícil acesso, essa igreja era procurada todas
as noites por cristáos e nao cristáos provenientes de todas as
partes da cidade. O padre Dudko trabalhou corajosamente
durante quinze anos nessa paróquia, embora tivesse passado
anteriormente por um campo de concentracáo staliniano.

— 210 —
O PROCESSO DO PADRE DUDKO 51

Incomodadas, as autoridades comunistas em fins de 1974


transferirán! o padre Dudko para urna aldeia distante 85 km
de Moscou, e em fins de dezembro de 1975 lhe proibiram todo
e qualquer ministerio sacerdotal.

Visto que o sacerdote nao se dobrou á injuncáo de silen


cio, foi novamente encarcerado aos 15/01/1980... Inespera
damente aos 20/06/80 Dudko apareceu na televisáo soviética
fazendo solene retratacáo do seu trabalho pastoral e da s-ua
pregagáo ocorridos durante vinte e mais anos a fio. Mais:
aos 21/06/80, o jornal Izvestia publicava urna «Declaracáo do
Padre Dudko» datada de 5/06/80, segundo a qual reconhecia
ter exercido «atividades anti-soviéticas» e ter enviado ao es-
trangeiro textos antipatrióticos. Um dos destinatarios destcs
textos, mencionado explícitamente pelo Pe. Dudko na sua
alocucáo de televisáo, teria sido Mons. Basilio Krivocheine,
arcebispo ortodoxo de Bruxelas. Ora Mons. Basilio afirmou,
de público, nunca ter recebido do Pe. Dudko algum documento
de tal tipo e protestou solenemente junto a Leonid Brejnev a
propósito do encarceramento do sacerdote.

Ora o estranho desfecho do ministerio apostólico do Pe.


Dudko tem sido objeto de comentarios numerosos por parte
das autoridades religiosas e da imprensa em geral.

Nestas páginas publicaremos : lj documentos que se se-


guiram ¡mediatamente á prisáo do Pe. Dudko em Janeiro 80x;
2) o testamento do Pe. Dudko ; 3) a retratacáo deste sacer-
dote e o comentario que lhe fez o cardeal Roger Etchegaray,
de Marselha (Franca) 2.

1. Logo após a prisáo de Dudko

Seguem-se urna carta de cristáos russos e urna declaracáo


do escritor Alexandre Soljenitzin.

1 Estes documentos foram traduzldos a partir do texto francés publi


cado por La Documentation Catholique n? 1789, 4/05/1980, pp. 448s.

'Tanto o testamento de Dudko quanto estes documentos foram colhi-


dos em La OocumentaUon CaUtolique rf? 1795, 2/11/1980, pp. 1030s.

— 211 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

1.1. Urna carta ao Patriarca de Moscou

Um grupo de cristáos russos ortodoxos e de «filhos espi-


rituais» do Pe. Dudko enviaram ao Patriarca Pimen, de Mos
cou, a seguinte carta em favor do referido sacerdote1.

«Santidade,

Aos quinze de ¡aneiro de 1980, na festa do confessor e terte-


munha do Senhor Serafim de Sarov, logo após a celebracSo da
Divina Liturgia, foi encarcerado um homem que vos ordenastes : o
sacerdote Dmitri Dudko.

Dor muito viva e profunda perplexidade levam-nos a nos, seus


filhos espirituais, a dirigir-nos a vos, Patriarca da nossa lgre¡a russa
ortodoxa, para vos suplicar ojuda.

Toda a atívidade pastoral do Padre Dmitri assume caráter excep


cional para a nossa época. Na Igreja, como sabemos, existem duas
vías fundamentáis : a pregacao e o ministerio. Ambas sao legítimas.

0 Pe. Dmitri escolheu a via da pregacao : «Ide ao mundo


inteiro e pregai o Evangelho a todos os povos» (Me 16,15). Este
apelo evangélico esteve no ámago mesmo de toda a sua vida.
Tendo levado existencia difícil — infancia em familia camponesa,
entre muiros irmaos, guerra, repressóes em massa, das quais ele
mesmo foi vítima —, o Pe. Dmitri tomou sobre si o fardo do pecado
do homem, trazendo, por assim dizer, a responsabilidade pessoal do
destino do nosso povo. O empobredmento do espirito e, conseqüente-
mente, a degradacáo moral — embriagues, divorcio, onda cerscente
de crimes — tudo isto suscita dor muito profunda no coracao do
pastor, do patriota, do cidadáo.

Milhares de pessoas balizadas, que volta.-am do pecado para


a vida : eis a principal atividade pastoral do Pe. Dmitri. Além da
pureza moral e do completo esquedmento de si, Deus Ihé concedeu,
para o servico da Igreja, o dom particular da pregacao : a lin-
guagem que estabelece o contato com o mundo contemporáneo o

1 Deve-se notar que os cristáos ortodoxos russos estáo separados de


Roma desde o séc. XI, constitulndo urna comunidade ecleslal autocéfala,
que tem o seu Patriarca ou principal pastor em Moscou. — O Patriarca
Pimen é, a diversos títulos, tributarlo e dependente do Governo soviético
sem o beneplácito do qual ele nao se poderla manter na sé patriarcal.

— 212 —
O PROCESSO DO PADRE DUDKO 53

que Ihe mereceu notoriedade nao somente em toda a Rússia, mas


também no mundo inteiro. Manso no sentido evangélico do termo,
era intransigente para com os inimigos da Igreja e, em especial, pora
eom os 'falsos profetas que vao ter convosco sob aparéncia de ove-
Ihas, mas por dentro sao lobos vorazes'.

Era-lhes especialmente penoso verificar, de um lado, o depau-


peramento espiritual sob a marcara de piedade exterior e, de outro
lado, o desejo de modernizar a antiga estrutura tradicional da nossa
Igreja.

Pastor cheio de zelo, vé a raiz do mal no ateísmo e entra em


guerra contra este em nome de Cristo e com a doutrina de Nosso
Senhor Jesús Cristo.

Santidade, a Igreja russa ortodoxa atravessa hoje um período


particularmente difícil e responsável da sua historia milenar.

Hoje, quando se esboca o retorno do povo russo ao seio da


ortodoxia, a pregagáo evangélica toma importncia de primeiro plano.
Mas esta pregacáo provoca a cólera dos inimigos da l,greja. 6 preci
samente por «sta razao que a via pastoral do Pe. Dmitri é intencio-
nalmente deformada : de um lado, tentam identificá-la com política,
chegando mesmo a atribuir-lhe caráter antigovernamental; de outro
lado, acusam-na de nao r-er eclesial. Vém a propósito as palavras
do bispo russo Teófanes o Rec'uso, lao notável por sua piedade :

'Aínda que de elevadas origens proceda o mal, este nao deixa


de ser o mal. O nosso dever de vigiar nao é, por isto, menos Impe
rioso. Vejam quanto o mal ronda em torno de nos; infiltra-se em
fiossos ouvidos e nossos olhos a fim de penetrar o interior e ai matar
a verdade que amamos e veneramos. Oreio que, diante disso tudo,
muítas vezes brotou do fundo do nosso coracao a pergunta : Que
fazer ? — Faremos, sem mais nem menos, o que sempre fizeram os
cristaos quando a mentira impugnou a verdade: ficaremos de pé na
fé e pela fé\

Santidade, pedimos voseas santas oracóes em favor do pastor


perseguido e oracóes redobradas no dia da festa do seu santo pa
trono, o confessor 1 Dmitri Prilutkov, aos 24 de fevereiro deste ano.

1Confessor, neste contexto, é a pessoa que professa a fé por um


teor de vida santa.

— 213 —
§4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

Nos difíceis dios que vivemos, ousamos pedir-vos que intercedáis


¡unto as autoridades civis, segundo a tradicao dos nossos santos,
que sempre protegeram os perseguidos e os ofendidos.

O encarceramento do Pe. Omitri é um golpe desferido contra a


Igreja ortodoxa. Torna-se dever de consciéncia de todo o povo cristao
sustentar a sua atividade de confessor, táo cheia de abnegacao.

Nestas circun-.táncias extraordinariamente difíceis, pedimos a


vossa béncao sobre todos os meios de santificaqao que a Igreja póe
á nossa disposicao, a fim de proteger os auténticos confessores frente
aos que perseguem o Cristo.

Apesar da nossa indignidade, pedimo-lo a Vossa Santidade.

Nicolai Tchestnikh Valerü Borchtchou Sergei Boudarov

Nicolai Popovitch Vicror Bourdiouk Vladimir Sadov

Margarita Popova

Moscou, aos 17 de fevereiro de 1980.

Um exemplar deste texto foi por nos enviado a todos os digni-


tórios da Igreja russa ortodoxa.

Além de nos, quarenta e oiio filhos espiritual do Pe. Dmitri


assinaram o original».

1.2. Dedaracáo de Alexandre Sol¡enitzin

«Ja se foi o tempo dos slogans comunistas tonitruantes: 'Agar


remos Deus pelo pescóos !' Hoje, apesar de todo o seu poderío
totalitario, os comunistas recusam-se a reconhecer que eles perse
guem a fé e a reduzem a cinzas.

Na Rússia floresceu um homem independente, corajoso, estimado


muito além dos limites da sua paróquia : o sacerdote Dmitri Dudko,
homem que nao baixou a cabeca diante do regimentó tehekista
oficial da Igreja. No coracao do povo, ele renovou a pregacáo
crista tradicional, proibida na U. R. S. S., e o povo, depois de ter
estado faminto da palavra de Deus durante meio-século, acorreu a
ele em multidáo.

Precisamente por este motivo hoje os comunista» aniquilam o


Pe. Dmitri. Todavía um grande Estado tem medo de agir abertamente.

— 214 —
O PROCESSO DO PADRE DUDKO 55

Eis precisamente que acabamos de ser informados por Moscou de


que o KGB está preparando, entre os adolescentes, falsas testemu-
nhas em vista de um processo artificialmente construido, no qual o
padre será vergonhosamente acusado de homossexualismo e orgias
regadas por bebedeiras. Tal é a imagem que a policía concebe a
respeito das reunióes com os jovens realizadas na paróquia, imagem
próxima do nivel de compreensáo dos agentes do Governo.

Outro sacerdote independente e corajoso, o Pe. G!eb Yakounin,


que, antes dos demais, alertou o mundo para a perseguicao de
Khrouchtchev á Igreja, sacerdote que durante quinze anos intrépida
mente defendeu todos os fiéis perseguidos na U. R. S. S., i«rá levado
a ¡ulgamento, nao, porém, por explícitos motivos de fé e de verdade
cristas. Contra ele está sendo preparada outra acusacao mentirosa:
a da especulando em torno dos icones1. Ora precisamente quem
levanta esta acusacao, é o maior ladrao e especulador de toda a
historia russa : o Governo soviético, que apreendeu e desviou para
o estrangeiro, em troca de divisas, tesouros inalienáveis da religiao
ortodoxa e da arte russa.

Conheco pessoalmente, há muitos anos, estes dois sacerdotes


inspirados e cheios de abnegacáo, e dou testemunho em favor deles,
a fim de que o mundo de antemSo conheca o ato de covardia sovié
tica que se está preparando. Hoje Brejnev desencadeia contra a fé
urna perseguigáo total : lancam as prisoes seminaristas aislaos, urna
¡uventude .que comeca a abrir os olhos. Todos acabaráo ¡ulgados por
motivos mentirosos.

Os comunistas no Governo conservara bastante poder para


prender pessoas e tomar posse até de inteiros continentes, mas nao
Ihes fica suficiente coragem para sustenta'r olhos que se abriram.

Alexandre Soljenitzin
Vermont, aos 20 de marco de 1980».

Passamos agora ao texto do testamento do Pe. Dmitri


Dudko, redigido antes que o sacerdote fosse aprisionado pela
última vez, texto que bem revela a tempera forte e a fé con
victa desse heroico mensageiro da fé.

'Icone, do grego elkon, é a imagem sagrada, que os orientáis orto


doxos costumam venerar com grande respeito ñas suas ¡grejas. Trata-se
de pecas artísticas altamente valiosas.

— 215 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 256/1981

2. O testamento do Podre Dudko

Depois que o Pe. Dudko foi encarcerado em Janeiro de 1980,


abriu-se o seu testamento datado de 29 de marco de 1979 é
assim concebido:

«Nao é esta a primeira vez que escrevo o meu testamento.


Que é croe me leva o fazé-lo? A idade? A doenca? Nao me parece.
Nada disto me preocupa. A idade permire-me aínda e'tar cheio de
forca. Nao sofro de molestia especial. E entao? Urna intuicao me diz
que a morte se aproxima secretamente de mim? Mas devo saber que
na minha vida tudo acontece imprevistamente: assim fui tota'mente
curado após o acídente automobilístico'. Desse acídente nenhum
vestigio ficou a nao ser urna certa imoressSo de festa. Quando acon-
teceu e, lancado fora do carro, eu ¡azia imóvel por térra, eu pensava:
'Eis que até a morte vem a mim de maneira inesperada'.

Temos que estar prontos para tudo. Em con'eqüéncia, louva re


mos a Deus por tudo. Hoje mesmo bendigo o desconhecido día de
minha morte. Vira imprevistamente? Que Deus entao esteía comígo
como esteve no día do desastre: nada aconteceu too tranquilamente
na minha vida quanto aquele acídente. Nao houve para mim nem
deratino nem dor; recebi de Deus a ocurrencia como urna graca.
Creio que a morte será urna graca aínda maior.

Mas depois de mim ficaráo outros. Que Ihes poderío eu deixar?


E fácil deixar quando a'guém possui algo; mas que é que «u possuo?
Como está escrito, 'Nosci nu e nu voltarei a térra' (Jó 1, 2»).

O Cristo prometeu aos discípulos o Reino, mas aquí na térra


nada prometeu; o Reino está nos céus. Ele prometeu também o amor.
O Cristo prometeu o Reino nos céus porque Ele o detinha, mas eu
nada tenho nem no céu nem na térra. O Cristo prometeu o amor por
que Ele mesmo é o Amor. Mas que posso eu ousar dizer a respeito
do meu pobre amor ?

Senhor, é terrível apresentarmo-nos diante de Ti cheios de pe


cados e sem amor. Como nu e pobre... Em vez de vos deixar o
que quer que seja, preciso de implorar a vossa ajuda: vas que fica-
reis, rogai por mim.

Certamente haverá os que hSo de chorar. Como vos posso con- •


solar? Nao choréis; nos nao estaremos separados. Se o Senhor me

>AlusSo ao desastre provocado pela policía, em conseqQéncla do


qual o Pe. Dudko teve as pernas fraturadas. (N. d. T.)

— 216 —
O PROCESSO DO PADRE DUDKO 57

permitir interceder por vos, rezare! sabendo em que mundo e em


qoe situacoes vos vos encontrareis. Se, depoís- de mim, ficarem alguns
dos meus próximos, minha esposa, meus fílhos, meus irmáos, eu Ihes
suplico que nao se inquietem. Nao ¡untéis riquezas para vos, mas
rogo aos meus amigos que vos ajudem I

A heranca que agora nos é comum, fique sendo tal na plena


acepcao da palavra! Isto será o vosso consoló, e o vosso consolo
será o meu. Mas repito : para além de toda aparéncia, eu nao dou,
eu peco. Eu vos peco que oréis.

Todas as nossas riquezas estáo em Cristo. Eu vos peco perdáo


por tudo. Adeus e até a vista! Eu vos aguardo.

O Cristo ressuscitou esmagando a morte pela sua morte. 'Na


tua luz veremos a luz' (SI 35, 10). Concede, Senhor, tua misericordia
a todos os homens e lembra-te também de mim, o último dos teus
servidores b

Este documento vem a ser heroica profissáo de fé, pela


qual o Pe. Dudko reconhece que «todas as nossas riquezas es
táo em Cristo», e em Cristo ressuscitado. — Ele, o sacerdote,
manifestou a intencáo de morrer pobre de bens materiais, mas
rico das riquezas de Cristo.

Ora um fato estranho se deu em junho de 1980.

3. Retratasen e comentario

3.1. Retratacáo

Aos 5 de junho de 1980 o Pe. Dmitri Dudko assinou a


seguinte carta dirigida ao Patriarca Pimen, de Moscou, e publi
cada no Jurnal Moskovskoi Patriarkhii (Jornal do Patriarcado
de Moscou) de setembro 1980. Observe-se que, em relacáo ao
testamento do padre, este texto toma posicáo antitética, su-
pondo radical mudanca de mente.

«Vossa Santidade,

£ com profundo sentimento de humildade e de arrependimento


que vos escrevo esta carta. Melhor tena sido se já a tivesse escrito
há mais tempo. Mas evidentemente assim aprouve a Deus a fim de

— 217 —
58 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 256/1981

que eu domine o meu orgulho arraigado em mim há muitos anos,


orgulho que ninguém correguiu extinguir, como se eu tivesse de fazer
em mim a experiencia da minha própria miseria. Eis-me agora retor
nado á poeira; ninguém é culpado disto a nao ser eu mesmo. Foi-me
necessária grande coragem para o reconhecer. Mas, gracas a Deus,
as forcas nao me faltaram e hoje, como crianca recém-nascida, diri-
jo-me a Vo*sa Santidade.

A minha primeira palavra é esta: perdoai-me. Tente! ensinar-


•vos que nao seguíeis o caminho devido. Mas, se seguís precisamente
o caminho que? seguis, isto :e dá porque os vossos predecessores
entraran) por ele. Por seguir este caminho, a Igreja está de pé e
realiza a sua obra; qua'quer outra vía ou redunda simplesmente em
rumor festivo ou se transforma em politicagem. Ora foi por esta última
via que me deixei arrastar, e dicto me arrependo profundamente.

A obra de Deus se efetua na modestia e na tranqüilidade, na


paciencia e na humildade, e nao como eu sonhava na minha ima-
ginacáo.

Nao ouso pedir-vos que me recebáis entre os vossos ministros;


basta-me, como diz o Evangelho, ser o mercenario que se aprésenla
na décima primeira hora e estar perto da minha tgreja russa orto
doxa, que realiza a obra estabelecida por Deus.

Perdoai-me todos os meus «tos desarrazoados, todas as ofen


sas e os ma'es que causei a vos, assim como aos meus filhos espiri-
tuais e a todos os fiéis, para nao falar da vergonha que acarretei
para a minha patria, levado a tanto pelo amor próprio. Experimento
hoje toda a vergonha daí decorrente.

Quisera principalmente enfatizar que nao observei o nrianda


mento evangélico : 'Toda autoridade vem de. Deus1>. Ho¡e é por
tal razao que sou entregue a julgamento, como é devido. Com efeito,
sou culpado diante da autoridade soviética, e nao apenas diante
de urna autoridade qualquer, mas diante daqueta sob a qual foi

«A propósito desta cltac/áo, que se encontra também no artigo de


Izveslla, Olivler Clément escreve em France-Calhollque Ecclesia (4/07/1980):
"O Pe. Dudko cita o texto do Novo Testamento multo conhecldo, o
qual afirma que toda autoridade vem de Deus. Ora ele atribuí esta palavra
ao Cristo, aos Evangelhos, quando na verdade ela é de Sao Paulo (Rm
13,1). Nunca o Pe. Dudko, citando espontáneamente, com toda a lucidez,
teria cometido tal erro. O erro está asslnado".
(Nota do Tradutor do texto em La Documentallon Cathollque, ifi 1795,
2/11/1980, capa 3).

— 218 —
O PROCESSO DO PADRE DUDKO 59

restaurado o Patriarcado supresso pelo czar Pedro I, o qual se con-


siderava o campeao da ortodoxia.

O humilde servidor de Vossa Santidade, indigno


de ser chamado sacerdote, mas, se permitís a
ousadia de tal designacüo, o indigno sacerdote

Dmitri Dudko

Aos 5 de ¡unho de 1980».

Diante de táo surpreendentes declaracóes do Pe. Dmitri


Dudko, a opiniáo pública manifestou estranheza. Como é obvio,
muitos comentadores julgaram tratar-se do efeito de «lava-
gem de cránio»; os regimes totalitarios costumam submeter
os súditos renitentes a procesaos farmacéuticos e psicológicos
que Ihes afetam o personalidade, levando-os a assumir atitudes
contrarias as que espontáneamente tenham manifestado. Isto
ocorre ñas prisóes e nos «hospitais psiquiátricos» soviéticos.
Entre aqueles que nao acreditaram na espontaneidade das de-
claragóes do Pe. Dudko, está o Cardeal Roger Etchegaray, de
Marselha, que, no boletim «L'Eglise aujourd'hui k Marseille
(A Igreja hoje em Marselha)», publicou o artigo que trans-
crevemos a seguir, em traduQáo portuguesa.

3.2. A posi(6o do Cardeal Etchegaray

Eis o depoimento do Cardeal de Marselha, presidente da


Conferencia Nacional dos Bispos da Franca.

«TU ÉS SEMPRE DMITRI DUDKO»

Padre Dmifri, ouve o meu clamor, o clamor de um irmao. é em


teu favor que grito, nao é contra os outros. Eu quisera que o meu
clamor fosse suficientemente forte para cobrir a tua 'confissáo pública'.

Quando aos 20 de ¡unho, na televisao de Moscou, expuseste os


leus 'crimes', nao te deram crédito nem aqueles que assim te fizeram
falar, nem aqueles que te escutavam. Nem tua mulher,' nem teus
fílhos, nem teus numerosos filhos espirituais. Ninguém acreditou em
ti, pois nao era nem mermo a sombra de ti mesmo. Haviam-te entre
gue á forma mais terrível e humilhante de mortírior haviam devas
tado o teu espirito, respeitando o teu corpo.

Cristo ensinou-nos a temer Aquele que pode fazer perecer a alma


mais do que os que maram o corpo. Padre Dmitri, nao temas, pois

— 219 —
©O «PERGUNTE E RESPONDEREMOS;» 256/1981

ninguém acreditou ñas tuas palavras sem alma. Num só instante,


nao podes renegar urna longa vida e todas as tuas convienes : esses
oito anos de Gulagl que passaste como seminarista, os diálogos
pastarais que o mundo inteiro saboreou, essas provacóes da lgre¡a,
essas intrigas do Governo. Quando tu desabonas tudo o que fizeste,
'considerando minha pretensa luta contra o ateísmo como luta contra
o poder soviético que se comportou com paciencia para comigo', tu
nem chegas a mentir, pois tua 'confissáo' é demasiado grosseira,
estereotipada. Ninguém eré na vitima que fala a linguagem do car
rasco. Tu bem o sabes, pois a tua pregaeño sempre foi isenta de
ambigüedades, mas também sem odio e plenamente leal para com o
teu país, em favor do qual, como soldado, derramaste o sangue na
frente de guerra.

Padre Dmitri, com o Pe. Gleb Yakounin, que acaba de ser dura
mente condenado, ficas sendo o sacerdote mais popular, o mais
ouvido no seio da tua Igreja, cujo combate cotidiano é o da sobre
vivencia. Quantos jovens, quantos intelectuais, quantos ateus segui
rá m com paixáo as tuas conversas sobre o Evangelho, que hoje cha
mas 'ondas de mentiras'! Lastimavelmente aviltado até na tua iden-
tidade, pregas aínda como o Cristo sobre a cruz 'abandonado pelo
Pai'. Dize : nao fo:te tu que respondeste, certa vez, que na Rússia
os homens créem mais fácilmente do que no esirangeiro porque lá
eles se encontram no Gólgota. . . e a ressurreicáo nao está longe?

Nao; tu nao traiste a esperanza que está em nos e tu és sempre


para nos o Pe. Dmitri Dudko.

Aos 7 de setembro de 1980


Roger Etchegaray»

Este depoimento representa bem o modo de pensar do


grande público logo que tomou conhecimento da «retratasáo»
do Pe. Dudko. A guiñada implicada por tal desabono é artifi
cial ou espuria no contexto da personalidade do Pe. Dmitri
Dudko, mas é muito compreensível dentro do quadro dos pro-
cedimentos do regime soviético, para o qual as «lavagens de
cránio» se tornaram obra rotineira.

O Pe. Dudko continua a merecer o respeito e a veneragáo


que tocam aos heróis da fé, ao mesmo tempo que mais evidente
se toma ao público a hipocrisia satánica dos regimes tota
litarios.

1 Campo de concentraefio.

— 220 —
Psicofientologia ou

o método silva de controle mental

Está muito em voga a Psicorientologia ou o Método Silva


de Controle Mental. Visto que deixa dúvidas e interrogacóes
em pessoas que acompanham tal Método, diremos, a seguir,
em que consiste, e o que se possa pensar a respeito numa pers
pectiva crista.

Este artigo completa o que já foi publicado em PR


201/1976, pp. 384-391.

1. Em que consiste ?

O Método Silva deve-se ao Sr. José Silva, cidadáo mexi


cano que se transferiu para os Estados Unidos. Iniciou suas
pesquisas em 1944 na cidade de Laredo (Texas, U.S.A.).
Estudava o fator Q.I. (quociente de inteligencia) e a maneira
de afetá-lo mediante treinamento mental : verificou que,
quando as freqüéncias ou ondas cerebrais sao mais baixas, a
mente humana dispóe de capacidades de agáo mais ampias.

José Silva comecou as suas experiencias com mangas,


pois estas sao mais espontáneas e, com mais facilidade do que
os adultos, obedecem as instrucóes do mestre. Assim o pes-
quisador foi elaborando urna serie de técnicas que visam a
a) colocar o paciente em nivel baixo, ou seja, em estado
de distensáo psíquica (nivel 1, nivel alfa);

b) ensinar ao paciente posto em nivel de distensáo psí


quica recursos que o sugestionem a fim de que consiga tal
ou tal resultado (ausencia de dores, comportamento correto,
abandono do cigarro, diminuicáo de peso, etc.).

Destarte surgiu o Método Silva de Controle Mental, que


leva a pessoa a descobrir e utilizar as energías latentes em
sua personalidade; mediante o recurso a tais energías, o pa
ciente pode atingir resultados surpreendentes. Nao nos dete
mos na exposicáo de pormenores do Método, pois isto já foi
feito no citado artigo de PR.

— 221 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 256/1981

2. Que cfizer?
Em PR 201/1976, pp. 384-391 analisamos o Método Silva
de Controle Mental em termos negativos mais do que positi
vos; a filosofía panteista adotada pela Psicorientologia parecía
prejudicar o sistema inteiro.

1. Após novas reflexóes e experiencias sobre o assunto


desejamos distinguir entre a filosofía e a técnica da Psico
rientologia.

A filosofía panteista transparece em certas expressóes


como

"Em lels mentáis, quando criamos urna imagem-solucáo, entramos


em sintonía com a Mente Universal, onde reside toda a Informacio dispo-
nível a quem procura" (Método Silva de Medliacao Dinámica, p. 26j.

"Quando vocé está operando dinámicamente em Atpha, está em con


tato com a Inteligencia Superior" (O Método Silva de Controle Menta),
pp. 38s).

Nao há dúvida, as alusóes ao panteísmo sao reais, mas


também sao leves e relativamente raras ñas obras da Psico
rientologia.

Ademáis o Mind Control tem finalidades eminentemente


práticas, ou seja, visa a levar a pessoa a utilizar melhor os
seus recursos mentáis e conseguir assim o dominio do físico
pelo psíquico: a Psicorientologia tem em mira curar, restau
rar, proporcionar autodominio... Ora as técnicas ensinadas
em vista de tais fins podem ser consideradas e praticadas in-
dependentemente de determinado sistema filosófico. Com ou-
tras palavras: se os fundadores e mentores da Psicorientologia
adotaram a filosofía panteista, o discípulo dessa escola pode
perfeitamente abstrair de tal sistema filosófico para apenas
utilizar as técnicas recomendadas. Estas, como tais, podem ser
benéficas, pois provocam a sugestáo e desencadeiam energías
latentes no sujeito.

Tenha-se em vista o caso paralelo da Yoga: esta escola


de exercícios físicos e mentáis teve origem em ambientes de
pilosofia panteista, ou seja, no bramanismo e no budismo da
india. Todavía as técnicas ensinadas pela Yoga podem ser
assumidas e praticadas independentemente da filosofía pan-
teísta que os primeiros mestres professavam. Atualmente existe
o que se chama «a Yoga para cristáos», ou seja, a prática dos
exercícios físicos e mentáis da Yoga numa perspectiva filosó-
fico-teológica crista. — Ora o mesmo pode acontecer na Psi-

— 222 —
O MÉTODO SILVA 63

corientologia, como realmente tem acontecido no caso de nume


rosos cristáos, que se filiam a tal escola sem perda das suas
concepgóes cristas.

2. É preciso, porém, acrescentar duas importantes obser-


vagóes:

1) As técnicas e as ponderacóes do Método Silva de


Controle Mental fazem o paciente correr o risco de se deixar
confinar no ámbito do psiquismo; a solugáo dos problemas
humanos parece encontrar-se táo somente dentro do homem
ou parece depender apenas da harmonizacáo interior da pes-
soa. Ora tal concepgáo é faina: na verdade, dentro do homem
existe o apelo ao Infinito; o ser humano só se ¿xplica e realiza
devidamente se posto em contato com o Transcendental ou
com o Bem Infinito, que é o próprio Deus. Por isto o cristáo
que use as técnicas do Controle Mental deverá sempre recorrer
também, e primordialmente, aos valores da fé e da Religiáo.
Sem a grasa de Deus e sem orientacáo para Deus o homem
jamáis pode realizar-se plenamente.

2) Os escritos e os instrutores do Controle Mental citam,


por vezes, as passagens do Evangelho onde Jesús afirma a um
enfermo que a fé o salvou ou curou (cf. Mt 8,13; 9,22.29).
Parecem entender, no caso, a fé como se fosse urna atitude
subjetiva psicológica, mediante a qual a saúde seria restabe-
lecida no paciente. Ora no Evangelho a fé é, sim, urna atitude
subjetiva de expectativa e confianza em Deus; todavía a fé
nao é o fator que cura; a fé é apenas urna condi?áo para que
o Senhor Deus cure o paciente que a Ele se dirige. É o Senhor
Deus quem milagrosamente cura o enfermo nú Evangelho, e
nao é o paciente quem cura a si mesmo mediante as suas dis-
posic.5es psicológicas. Ao contrario, no Método Silva de Con
trole Mental pode-se dizer que é o próprio paciente quem (com
o auxilio da grasa divina) cura a si mesmo.

Sao estas as considerares que nos interessava propor aos


Ieitores em conseqüéncia de ulteriores estudos do Método Silva
de Controle Mental.

. A propósito : •

SILVA J. E. MIELE PH., O Método Silva de Controle Mental. — Ed.


Record, Rio de Janeiro 1977.
Opúsculos e escritos de uso Interno da Escola de Controle Mental
José Silva.

Esteva© Bettencourt O.S.B.

— 223 —
livros em estante
Eucaristía. Comunhao de amor com Deus e com os innios, por
Ir. Aparecida Crepaldi OSB. Livro do Catequista e Livro da Crianca. —
Ed. Vozes, Petrópolis 1980, 180 X 260 mm, 74 pp. (Catequista), 93 pp.
(cr ¡angas).

Sao muitos os manuais de catequese publicados nos últimos tempos.


Diferenclam-se dos antigos por tentarem aplicar á catequese normas de
psicopedagogia recente e recursos audiovisuais. Todavía Jiem todos sao
bem sucedidos; nao raro observa-se, da parte dos autores, certa timidez de
talar das verdades da fé propriamente ditas ou preocupado excessiva com
os valores meramente humanos e horizontais. — Tal nao é o caso dos dois
volumes em toco: resumem com (idelidade as grandes proposiccies do Credo
referentes a Deus (SS. Trindade), a Jesús, á tgreja, aos sacramentos, a
María SS... A doutrina apresentada é sólida e válida, Além disto, o ma
nual do mestre tiaz indica?óes sobre como preparar e dar urna aula, sobre
roteiro de reunioes com os pais, programa de retiro para as crianzas...
O livro da crianga é dotado de sugestóes audiovisuais adequadas e cons-
trutivas.
Eis por que nos regozijamos com a diocese de Presidente Prudente
(SP) e sua equipe de catequistas orientada pela Ir. Aparecida Crepaldi,
fazendo votos para que o trabalho, assim amadurecido durante anos de
experiencia catequética, dé copiosos frutos.
Por um mundo mais feliz. ColecSo de manuais de catequese para
alunos da 2? serie do 1? grau (As pessoas do inundo de Deus), da 3?
serie do 1? grau (Ser gente), da 4? serie do 1? grau (A festa da vida).
Autoría da Coordenacao Pastoral da diocese de Itabira. — Ed. Vozes, Pe
trópolis, 207 x 278 mm, 114 pp. (2? serie), 130 pp. (3? serle), 147 pp.
(4? serie).

Esta colegáo parece-nos menos bem realizada do que a anterior.


Pouco aprésenla da mensagem típicamente religiosa, pois se detém prin
cipalmente em valores meramente humanos: assim, na 2? serie, «As coisas
das pessoasi, «A vida das pessoas», «O trabalho das pessoas», «O desen-
volvimento das pessoas», sao os títulos das quatro unidades da catequese
a ser ministrada. Na 3? serie, as unidades assim se intitulam: «Ser gente»,
«Gente tem corpo, «Gente tem inteligencia», «Gente é livre», «Gente con
vive com os outros», «Gente tem urna historia». A 4? serie estuda «Festas
populares» (Carnaval, SSo Joao, Futebol), «Festas religiosas». «Festas cívi
cas» (22/04, 07/09, 19/11), «Festas uní versáis» (Dia do Trabalho, Dia dos
mortos, Oia da AcSo de Grasas), «Festas da familia», «Festas da escola»...
Como dito, o conteúdo religioso de tais seccoes é tenue, de tal sorte
que os livros mals parecem levar & formacSo moral e cfvlca do que á
evangelizado plena e completa das nossas enancas.
O S. Padre Joáo Paulo II tem lembrado. repetidamente que a cate
quese há de ser integral: «O método e a linguagem utilizados na cate
quese devem conservar-se verdaderamente como Instrumento para comu
nicar a totalidade e nao apenas urna parte das palavras de vida eterna ou
dos caminhos da vida» (Catechesi Tradendae n? 31).
Seria desejável que os nossos manuais de catequese nao receassem
apresentar Deus e o seu plano de salvagáo sistemática e minuciosamente.
O que a crianca nao aprende no inicio da sua formacSo crista, difícilmente
o aprenderá depols; é nos primeiros anos de aprendizagem que se coló-
cam os fundamentos de auténtica formagfio e vivencia de fé católica.
(Continua na pág. 202)

— 224 —
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