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Qual a importância de Cristo para crenças não-cristãs?

Engana-se quem pensa que a


resposta é nenhuma…

Por: Rodrigo Carreiro

O filho de Deus. O espírito mais evoluído que já veio à Terra. Um das reencarnações do
Buda. Um profeta sábio, o mais sábio de todos. Um rebelde radical com fome de
reformas sociais. Um estudioso de religiões antigas que assimilou influências da cabala.
Um mestre com poderes místicos que tinha o poder de fazer a comunidade o ver com o
rosto de outro homem. Seria a mesma pessoa?

Resposta: não é apenas a mesma pessoa, mas a personalidade mais conhecida de toda a
história humana. Estamos falando de Jesus Cristo. Essas são apenas algumas facetas
assumidas pelo nazareno diante das grandes religiões não-católicas do planeta. Engana-
se quem acredita que Jesus só é respeitado pelos devotos da Igreja Católica. Pelo
contrário: esse ser humano extraordinário, cuja existência há cerca de dois mil anos
nunca foi inteiramente comprovada pela Arqueologia, é visto com admiração por
praticamente todo os povos do planeta.

Todas as grandes religiões, sejam elas monoteístas (que acreditam em um Deus único)
ou politeístas, consideram Jesus como um sábio, um ser humano de capacidade acima
dos demais. Alguns estudiosos vão mais longe do que isso. Hindus acreditam que Cristo
viveu na Índia entre os 18 e os 30 anos (um período que a Bíblia não menciona da
biografia do capinteiro de Nazaré), e lá estudou o hinduismo e o budismo, incorporando
elementos dessas religiões nas suas pregações.

Judeus acreditam que Cristo era versado nos ensinamentos da cabala, muito populares
na Palestina na época em que viveu, e passava mensagens subliminares dentro dos
discursos que proferia. Isso não passa de conjectura. Fato, na verdade, há apenas um: a
mensagem de paz e amor que Cristo pregou encontra resposta em praticamente todas as
religiões do planeta.

Na verdade, o modo como as grandes religiões encaram Jesus só é diferente do


cristianismo em um ponto: a natureza divina do filho de Maria. Os cristãos acreditam
que Jesus teria sido, ao mesmo tempo, o filho de Deus e a encarnação Dele na Terra.
Enquanto isso, todos os grandes credos não cristãos – hinduísmo, budismo, islamismo,
judaísmo – rejeitam a idéia de que Cristo tenha sido gerado diretamente por Deus.
Acham mais difícil ainda que ele fosse a própria divindade, assumindo forma humana.

Basta examinar com cuidado a história e os conceitos básicos por trás de cada uma das
grandes religiões para entender como esse raciocínio faz sentido. Muita gente não sabe,
por exemplo, que a Igreja Católica se constitui como, na verdade, uma dissidência do
judaísmo. O judaísmo, religião oficial do povo judeu, existe desde aproximadamente
2.100 a.C. A religião nasceu como o primeiro culto monoteísta da história.

O Velho Testamento (primeira parte da Bíblia) é todo aceito pelos judeus. Na verdade,
Jesus é a pessoa que vai provocar o racha: ao contrário dos cristãos, os judeus não
acreditam que Cristo tenha sido o messias previsto na Torá (os cinco primeiros livros do
Velho Testamento). O judaísmo rejeita a natureza divina de Cristo. Os adeptos do
judaísmo rejeitam o Novo Testamento e continuam, até hoje, esperando a chegada do
enviado divino.

O islamismo, religião mais popular do mundo árabe, com 1,2 bilhão de adeptos,
também é uma dissidência, mas do próprio cristianismo. O islamismo nasceu no século
VI, a partir das visões do profeta Maomé. Para Maomé, Cristo seria o messias, sim, mas
teria falhado na missão recebida na Terra. Os islâmicos acreditam que Jesus não morreu
na cruz. Alguns crêem que ele enganou os romanos, usando seus poderes místicos e
descendo da cruz sem que ninguém visse; outros acham que ele sequer foi crucificado,
mas mudou de rosto e mandou outra pessoa no lugar dele; há até quem sugira que Cristo
teria suportado todo o tormento da crucificação e sobrevivido.

Quem viu o filme “A Última Tentação de Cristo” vai perceber que a narrativa de Martin
Scorsese bebe diretamente das idéias islâmicas a respeito do destino de Jesus após a
crucificaçãoDetalhe importante é que uma parte dos cristãos, antes mesmo de Maomé,
já duvidava da versão dos quatro Evangelhos oficiais. Alguns dos Evangelhos apócrifos
dos séculos I, II e III d. C. chegam a afirmar que Cristo teria sobrevivido à experiência
da crucificação.

Para os islâmicos, Jesus foi um profeta sábio, mas não o filho de Deus. Ele seria, na
verdade, mais um de uma longa linhagem de profetas judaicos, como Abraão e Moisés,
capazes de conversar diretamente com Deus. O islamismo, como se vê, também é uma
religião monoteísta, e também acredita em conceitos como Céu e Inferno, da mesma
forma que os cristãos. Para eles, contudo, Jesus era apenas um grande profeta – e nem
sequer o maior deles, já que Maomé tem esse posto.

Estabelecer uma relação entre Cristo e o hinduísmo pode parecer difícil, mas não.
Muitos hindus acreditam que Cristo possa ter sido um “avatar” (uma encarnação divina
que veio à Terra voluntariamente, para ajudar na salvação da humanidade, sem
benefício próprio).

Para compreender a forma como esses hindus encaram Cristo, é preciso conhecer um
pouco da doutrina, que tem hoje cerca de 650 milhões de seguidores, a maioria na Índia.
O hinduísmo é a primeira religião a acreditar na reencarnação e no carma. Para os
hindus, todo ser vivo (humano ou não) possui um espírito imortal, que reencarna
seguidas vezes, em busca de alcançar um estágio de perfeição.

A reencarnação viria a se transformar, no século XVIII, na regra mais importante do


espiritismo. Mas nem todos os hindus vêem Cristo como um “avatar”. A maioria prefere
encarar Jesus Cristo como um “shidda” (espírito perfeito). O “shidda” seria um espírito
que teria alcançado o estágio de perfeição que a maioria das almas da humanidade
continuam a buscar. Ele não chegaria a ser um Deus. Teria sido um sábio, mas de
natureza somente humana.

Os adeptos do Espiritismo têm uma visão muito semelhante de Cristo. A religião,


surgida na França, em 1857, tem como pedra fundamental a reencarnação. Segundo
Allan Kardec, o maior teórico da doutrina, os espíritos terrestres existem em muitas
dimensões. As ações de cada indivíduo durante a vida determinam que o espírito
ascenda de dimensão ou permaneça na mesma. Jesus ocuparia a dimensão mais alta que
existe (o Céu, para os cristãos).
Os espíritas crêem, portanto, que Jesus Cristo tenha sido uma encarnação do espírito
mais evoluído que existe na Terra, que veio para ensinar os homens menos evoluídos a
atingir, também, aquele patamar. Os espíritas aceitam a idéia de que Jesus seja um filho
de Deus, mas negam a idéia de que Cristo fosse uma encarnação terrena do próprio
Deus.

Outra religião que vê Cristo de forma igual é o budismo. Há que se observar, contudo,
que a raiz do budismo está no hinduísmo, assim como o cristianismo uma religião que
nasceu do judaísmo. No budismo, o princípio indiano do samsara – a lógica da
reencarnação – também forma a base da doutrina.

A diferença entre as duas doutrinas é geográfica. Por razões históricas, o budismo


ganhou mais adeptos na Ásia Oriental (Japão, Tibete, Nepal), enquanto o hinduismo
prosperou na Índia. Como os hindus, os budistas acreditam no nirvana, que
corresponderia ao estágio de iluminação absoluta – o Céu dos cristãos, ou a dimensão
perfeita dos espíritas. Aqueles que o atingem são denominados bodhisattvas, ou
encarnações terrenas do deus Vishnu (o príncipe indiano Sidarta Gautama, o Buda, que
viveu há 2.500 anos e deu início à religião, teria sido a nona encarnação dessa
divindade).

Muitos budistas acreditam que Jesus Cristo foi um bodhisattva que desceu à Terra para
tentar ajudar a humanidade (uma crença muito parecida com a dos hindus). Para alguns
budistas – não todos – Cristo teria sido uma reencarnação de Buda. A idéia de que
Cristo pudesse ser filho de Deus, ou parte de uma Santa Trindade, não encontra eco no
budismo por um motivo simples: o budismo, como o hinduísmo, é uma religião
politeísta – ou seja, nela existem vários deuses, como Brahma e Shiva.

Nos outros credos cristãos, como o protestantismo e a Igreja Ortodoxa, Jesus Cristo
mantém o mesmo status de que desfruta no catolicismo. Nos dois casos, as religiões são
dissidências do cristianismo que surgiram por razões meramente políticas. A Igreja
Ortodoxa separou-se da Católica no século XI, quando o bispo de Constantinopla
recusou obediência ao Papa e transformou-se no principal representante da nova
religião.

Já os credos protestantes começaram a surgir depois da excomunhão de Martinho


Lutero, em 1521. Lutero revoltou-se contra a venda de indulgências pela Igreja Católica
da época. As indulgências eram cartas de perdão, que comerciantes compravam para
garantir um lugar no Céu sem precisar se confessar. Mas Lutero jamais questionou a
mensagem ou a natureza divina de Cristo. Ele sempre condenou, como vários dos
credos protestantes atuais, o culto aos santos ou às imagens da Virgem Maria, mas
sempre achou que Jesus era o filho de Deus.

Como se vê, nenhuma das grandes religiões da humanidade discute a importância e a


validade dos ensinamentos de Cristo. Todas as divergências estão fundamentadas na
relação que ele mantinha com Deus (ou deuses, dependendo da religião). Até mesmo
agnósticos (sujeitos que crêem em uma força superior que não seja necessariamente
uma entidade consciente) respeitam Jesus. Eles encontram nele um sujeito que não veio
ao mundo para falar bobagem.

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