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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devenios
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.■" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publ ¡cacao.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos
w

SUMARIO

I-
<

UJ
A Coragem do Apostólo
O
I-
00
"É Perigoso falar de Deus"
UJ
"A Vida Eterna Segundo o Novo Testamento"

Catolicismo e Religióes Nao-Católicas

Divida Externa: Questio Crucial

CD
O
OC
O.

ANO XXVIII J U N H O 1987 3oi


PERGUNTE E RESPONDEREMOS JUNHO-1987
Publicacáo mensal N2 301

Diretor-Responsável: SUMARIO
Estéveo Benencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico A CORAGEM DO APOSTÓLO 241

Oiretor-Administrador Tatíana Gorítcheva:


D. Hildebrando P. Martins OSB "É PERIGOSO FALAR OE DEUS . 242

Administrado e distribuicáo: "Nada além" (Krister Stendhal):


Edicdes Lumen Christi "ÁVIDA ETERNA SEGUNDO O

Dom Gerardo, 40 - 5? andar, S/501: NOVO TESTAMENTO" 252

Tel.:(021> 291-7122
Caixa postal 2666 Ecos do Encontró de Assis:
20001 - Rio de Janeiro - RJ CATOLICISMO E RELIGIÓES
NÁO-CATÓLICAS 266

"MARQUES-SARMVA"
. CHAncost turones s* P. Comissáo "Justica e Paz":
DÍVIDA EXTERNA: QUESTÁO
CRUCIAL 276

ASSINATURA EM 1987: NO PRÓXIMO NÚMERO

A partir de Janeiro de 1987 CzS 200,00 302-Julho- 1987


Número avulso: CzS 20,00
"A Máe do Redentor" (Joáo Paulo II).-
Queira depositar a importancia no Banco "0 Dom da Vida" (Congregacüo para a
do Brasil para crédito na Conta Corrente Doutrina da Fé). - As Réplicas á Bioética. -
o- 0031 304-1 em nome do Mosteiro de "Bem-aventurados os que sofrem perse
Sao Bento do Rio de Janeiro, pagável na guido". - Batizar changas morías? - As
Agencia da Praca Mauá (n? 0435) ou en "riquezas" do Vaticano.
viar VALE POSTAL pagável na Agencia
Central dos Correios do Rio de Janeiro.
COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ QUANTO ANTES COMUNIQUE-NOS QUALQUER


A SUA ASSINATURA MUDANCA DE ENDERECO
A coragem do Apostólo

A recente viagem do Papa Paulo II á Alemanha faz pensar... Fo¡


contestada a dois títulos principáis.

A Ética apregoada por S. Santidade e pela Igreja parece defasada


nos pafses do bem-estar e do consumo. Na verdade, Joáo Paulo II nao
faz senáo reafirmar as leis gravadas na natureza humana..., leís sem as
quais se destrói a própría dignidade da pessoa. O Papa sofre porque se
mantém fiel ao Evangelho, que, já conforme Sao Paulo, é "loucura e es
cándalo, mas loucura que encerra a auténtica sabedoria de Deus" (cf.
1Cor 1,23-25). Joáo Paulo II tem no Apostólo e na longa lista de mártires
do Cristianismo os seus dignos antecessores; padeceram por amor a
Cristo e também... aos homens, para lembrar a estes que a felicidade nao
está apenas no prazer, mas existe também na renuncia, na superagáo dos
impulsos desregrados e na configurado de urna personalidade harmo-
niosa; amor nSo é apenas eros (amor interesseiro, que procura sua com-
pensacáo), mas é principalmente ágape (cf. 1Cor 13,1-13), amor que de-
seja o bem do outro por causa do outro, sem preocupacáo de retorno;
afinal "amar nao é querer o outro construido, mas é querer construir o
outro".

O Pontífice também foi contestado porque a Igreja, dizem, nao se


mostrou suficientemente enérgica contra o nacional-socialismo. Chegou
a entrar em Concordata com este! - Os que assim falam, talvez nao sai-
bam exatamente o que é "Concordata". Longe de implicar "apoio", "a-
quiescéncia", significa, conforme o Dicionário de Aurelio, "convenció
entre o Estado e a Igreja acerca de assuntos religiosos de urna nacao"; é
a procura de um modus vivendi entre a Igreja e as autoridades governa-
mentáis (de centro, de direita ou de esquerda...) a respeito de questóes de
interesse comum, como escola, ensino catequético, assisténcia religiosa
aos Hospitais, ás Forcas Armadas, liberdade de culto; em suma, é a pro
cura de garantías para o exerclcio dos direitos religiosos dos cidadáos; tal
atitude nao implica aprovacáo da ideología governamental. Vé-se, pois,
quanto é inadequado apelar para a Concordata da Igreja com o nazismo
a fim de afirmar conivéncia daquela com este.

Os recentes acontecimentos nos ensinam que a historia da Igreja se


repete periódicamente. É a historia da Páscoa de Cristo, que so estará
consumada no fim dos tempos. Bem dizia Pascal que Jesús ficará em
agonia até o extremo dos séculos. Possam os fiéis católicos guardar viva
consciéncia desta verdade, sem a qual difícilmente entenderían) o que é
"ser cristáo"!

E.B.

241
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
ANO XXVIII - NS 301 - Junho de 1987

Tatiana Goritcheva:

"É perigoso falar de Deus"


Em símese: Tatiana Goritcheva, exilada russa em París por causa da
sua fé crisis, escreveu o livro "Parter de Dieu est dangereux" (tradugáo do
russo), no qual relata a sua conversáo e impressóes a respeito do Cristianis
mo. £ obra inflamada de fé e coragem, da qual váo, a seguir, reproduzidos em
portugués o capitulo Preferente ao itinerario espiritual de Tatiana assim como
trechos do Diario de exilio.

Tatiana Goritcheva esteve no Brasil em outubro de 1986, fazendo


conferencias. É urna professora russa de Filosofía, que vive exilada em
Paris por causa de sua profissio de fé crista. Nasuda em 1947 na cidade
de Leningrado, num lar ateu, Tatiana foi aos poucos descobrindo Oeus e
os valores da fé. Em 1984 publicou em russo algo da sua autobiografía
sob o titulo "A Esperanca para além da Esperanca" (Herder, Freiburg em
Breisgau). Este livro foi traducido para o alemáo e o francés, intitulándo
se: "E perigoso falar de Deus".1

Trata-se de obra vibrante, pois Tatiana é pessoa cheia de anseios


agucados pela inclemencia da vida que levou e leva. A seguir, publicamos
em traducáo portuguesa o capitulo 2- da obra (pp. 25-44 da edicáo fran
cesa), que narra a conversáo da autora; seguir-se-áo outros trechos sig
nificativos do mesmo livro, extraídos do Diario de exilio da autora.

I. A CONVERSÁO

"Conservo ainda na memoria o nosso apartamento comunitario,


com o seu corredor longo e estreito, fracamente iluminado por urna lám
pada nua... Os quarenta inquilinos se acotovelevam aos gritos, em meio
aos vapores da pequeña cozinha.

1 Parlar de Dieu est dangereux, Desclée de Brouwer, Paris 1985 (76bis.


Rué des Saints-Péres, 7S007- Paris, Franca).

242
"É PERIGOSO FALAR DE DEUS"

Aquele mundo nao me parecia táo assustador e desconfortável,


pois eu nao conhecia outro. A minha imaginacáo de enanca conseguía
transformar as sombrías dispensas e os subsolos onde brincávamos, em
palacios maravilhosos, nos quais cada mancha de parede escondía algum
pormenor existente em contos de fadas.

Meu pai, topógrafo, viajava freqüentemente. Era minha máe quem


cuidava de mim. Ela me educava muito severamente, espancava-me
multas vezes, a ponto que desde a adolescencia ela se me tornara estra-
nha ou mesmo objeto de odio. Meu temperamento se forjava desde ce
do: era urna menina tímida e cabecuda. Quanto mais eu apanhava e cer-
rava os dentes, tanto mais eu me fechava sobre mim mesma... Eu come-
cava a odiar a trama mesma da existencia cotidiana, impressionada pela
índole efémera da vida que me cercava.

Crianca como era, eu só tinha um sonho: fugir de casa. Apenas eu


nao sabia para onde.

A escola foi para mim um grande alivio. Eu estudava com aplica -


cao, levada por repentina alegría de conhecer, mas principalmente pelo
desejo de me autoafirmar. Era com prazer e avidez que eu recebia lou-
vores e sinais de atencáo. Sempre escolhida para ser representante da
turma, chefe do meu grupo de pioneiros, eu me desincumbia com garbo
apesar da minha timidez, pois eu me aútoafirmava mediante tais funcóes.

Assim vivia eu, sem compreender essa monstruosa duplicidade.


Em casa, era espancada, muitas vezes sem motivo, a quanto me parecia;
na escola, os louvores e as felicitacóes eram constantes...

Após a oitava serie, entrei, nao sei por qué, numa Escola de Radio
técnica. No Liceu, eu prefería a Literatura á Física... Mas a Escola, espe
cializada em língua alema, formava também tradutores técnicos. Naquela
época eu gostava, ácima de tudo, da língua alema, pois nao era minha
língua, mas urna língua estrangeira, longlnqua e misteriosa. Eu sentia a
seducáo da distancia...

Aos dezoito anos, eu vivía segundo os instintos, a semelhanga dos


meus colegas; seguía o rebanho. Como todos os jovens, aderi ao Kom
somol.1 Como todos os jovens, escrevi no meu pedido de adesáo:

1Uniáo Nacional Leninista da Juventude Comunista. Reproduz a es-


trutura do Partido Comunista, encarregando-se da educagáo política dos jo
vens (de 14 a 28 anos aproximadamente). A adesáo é, teóricamente, facultati
va, mas pratícamente obligatoria para quem quer fazer carreira.

243
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

Quero estar ñas primeiras fileiras da Juventude Soviética'. Eleita Chefe


da Organizacáo de Base da Juventude Comunista, tomei consciéncia,
como dizem nossos educadores soviéticos, das minhas responsabilidades
frente ao mundo, que eu tinha de tornar melhor, mais justo. Tomei-me
militante ativa da Juventude Comunista, como nao havia muitas naquela
época remota, sob Kruschev.

Naquela fase, eu metía medo a todos; exigía dos meus Komsomofs


urna escolaridade perfeita e atividades sociais; eu lutava contra os fu
mantes. Acabei até provendo-me de um caderno, no qual eu anotava
quem trazia as insignias e quem nao as trazia.

Convidavam-me para as altas esferas; conheci chefes komsomots do


quarteiráo e da cidade, geralmente funcionarios pouco simpáticos, de
palavras e gestos pré-fabricados e movidos por desejos bem terrestres
(um dos mais fortes era o de viajar para o estrangeiro, a fim de comprar
vestes elegantes).

O meu ardor komsomol foi-se estriando nao por causa deles, mas
porque descobri a Filosofía e um mundo que, se nao era espiritual, era,
ao menos, interior. Naquela época liberal, comecaram a editar as obras
de Sartre e Camus; as revistas publicavam artigos de critica sobre o exis-
tencialismo, com citacdes importantes. Apareciam termos novos como
'ser para a morte', 'o abandono'... Logo tornei-me existencialista, tendo
descoberto que havia nfveis do ser muito mais profundos do que as leis
da vida social.»

A queda no abismo comecou consciente, desordenada, escandalo


sa... Eu era urna individualista extremada, acreditando firmemente que o
mundo fora criado por mim, que ele era eu mesma e que bastaría que eu
me desviasse para que ele desaparecesse...

Era o existencialismo estoico de Camus que mais me falava. Urna


de suas frases nao me safa da cabeca: o homem é um drama eterno, urna
das aventuras mais arriscadas.

Era o culto da liberdade que mais me seduzia entre os existencia-


listas. Eu estava comovida até as profundezas da alma pela idéia, de Sar
tre, de que a cada instante da vida eu me faco a partir do náo-ser...

Imitávamos os mestres ocidentais: Nietzsche, Camus, Heidegger.


Pareciam-nos titas do pensamento e do espirito, grandes por seu senti-
mento profundo do absurdo e do desespero, mas também por sua sabia
aceitacáo deste absurdo. Agora que posso comparar a vida no Ocidente e
na Rússia, compreendo que o nosso niilismo russo, ou antes soviético,
era mais desesperado, mais definitivo.

244
"É PERIGOSO FALAR DE DEUS"

Nada tfnhamos: nem cultura, nem religiáo, nem educacáo. Durante


meio-século, o mais desumano e niilista de todos os poderes destruiu to
dos os valores tradicionais da cultura e da ética; matou todos os deuses;
levou embora todos os refugios. Nascemos num deserto. Um europeu
sempre tem diante dos olhos ao menos as tradicóes, ao menos urna for
ma de vida...

O Senhor nos dera pobreza e fraqueza; nao tfnhamos nem livros,


nem mestrés, nem educadores, nem mesmo as condiQóes favoráveis á
criacáo de obras de arte: escrevíamos poesías no bonde, e fa lavamos de
Spinoza ñas escadas.

Digo nos porque na época - na década de 60 e no inicio da de 70 -


o existencialismo estava em moda nos ambientes mais abertos da intelli-
gentzia soviética. Essa córreme se sobrepós ás ruinas da ideología, por
ocasiáo da morte de Stalin, depois que este último dos deuses foi ofi
cialmente destronado. Logo tornaram-se evidentes a inconsistencia de
toda ideología e a inepcia de todos os deuses e, através desta brecha,
apareceu o espago do vazio.

Minha vida parecia monótona... Durante o dia: a Biblioteca, a Uni-


versidade, as discussóes ¡ntelectuais. Á noite: o existencialismo prático,
isto é, a provocacáo, o escándalo..., a subversáo da Moral, da decencia,
a luta contra o natural e a natureza, urna aplicacáo lógica do principio do
absurdo a vida.

O Café Saigon, muito cómodo, situado na esquirla da Perspectiva


Nevski e da Rúa Liteínyi, tornou-se o lugar habitual do desabafo. Lá se
reuniam todos aqueles que haviam rompido com a ordem normal da
existencia: os boémios artísticos, os hippies, os ióguis, os drogados, os
ladróes e os revendedores...

Peta primeira vez encontrei amigos e pessoas que compartilhavam


minhas idéias... Fiquet ¡mpressionada e encantada por meus saigoneses
despreocupados e temerarios, que desprezavam o conforto, a calma, a
carreira... Para mim, eram seres extra-terrestres.

Sem demora apegaram-se a mim, e todas as noites ¡nventávamos


novos passa-tempos surrealistas...

Dávamos espetáculos na rúa, nos nosiíantasiávamos, provoca va


mos o público, cantando em alta voz cantos patrióticos soviéticos, éra
mos inesgotáveis em invencóes e indecencias.

A sociedade soviética oferece a provocacáo condicóes ideáis. Nada


de mais fácil do que chamar a atencáo: nacía tolera que se afaste da nor-

245
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

ma, sejam vestes, sejam idéias, seja comportamento. Mais de urna vez a
multidáo, irritada, nos levou, a mim e aos meus companheiros, ao Posto
de Policía, e os pobres milicianos, após nos ter preso um pouco, acaba-
vam por despedir-nos. Um dia, porém, num barco perto de Tcheliabinsk,
os passageiros furiosos exigiram que fóssemos desembarcados e os
acontecimentos quase deram origem a um processo.

Ocorria-me muitas vezes caminhar semi-despida, com mató de ba-


nho, ao longo da Perspectiva Nevski. Quando os milicianos se aproxima-
vam, eu explicava que me haviam roubado as vestes na praia. Eu gostava
de imitar as mulheres de má vida ou, mais ainda, de escandalizar a opi-
niáo pública numa cantina, faiaodo com o meu interlocutor a respeito dos
meus amores homossexuais: eu alternava os termos freudianos e os
pormenores íntimos. A reacáo era instantánea: os cidadáos soviéticos
educados no puritanismo punham-se a vomitar, os seus colegas corriam
para chamar um miliciano...

Com o tempo a alegría dessas brincadeiras cedeu a profundo desá


nimo. De manhi eu nao tinha coragem para levantar-me; por vezes esta
va táo deprimida que eu desejava morrer.

Eu son ha va com verdadeira amizade, sem a encontrar... As pessoas


me inspiravam desprezo, desdém e até furor, pois eu estava certa de ser
mais inteligente, mais corajosa, mais instruida que os outros, etc.

Eu nao tinha contato com meus pais. Durante anos e anos, mora
mos juntos na mesma pec,a, sem conversarmos entre nos. Com dezesseis
anos lancei um desafio ¿ minha mae e, de menina espantada, passei a ser
a antipática... (Senhor, perdoa o meu coráceo de pedral).

Terminada a Faculdade, ofereceram-me urna bolsa do Estado para


preparar o meu doutorado. O meu diretor de tese aconsethou-me que,
quanto antes, me ¡nscrevesse no Partido, pois sem isto eu nSo poderia
fazer carreira em Filosofía. Logo Ihe disse que eu nunca me dobraria a
essa norma. Entáo o temor e o espanto se espelharam sobre o seu sem
blante. Depois, quando ele me encontrava na rúa, apressava-se por mu
dar de calcada.

Por pistolSo, arranjaram-me aulas de Ética e Estética (marxista,


sem dúvida, pois na URSS nao há outra coisa), numa Escola de Medicina.
Eu sabia que nao ficaria muito tempo no magisterio, pois eu nao supor
taría engañar os meus alunos. Segundo o programa, eu teria que falar de
'luta de classes', do 'espirito do Partido', na arte... Marxista, nSo conseguí
ser tal urna so vez na vida. Alias, n5o encontrei marxistes vivos em Le-
ningrado. NSo os havia na Filosofía...; existiam, sim, pessoas que falavam

246
"É PERIGOSO FALAR DE DEUS"

sempre 'como convém', 'como é de praxe', 'como Ihes fora dito'. Neo ti-
nham feito urna so opcáo durante toda a vida; por isto os outros nao a
deviam fazer. Eu tirava sistemáticamente as melhores notas em todas as
disciplinas marxistas: nos exames, bastava-me comecar dizendo como
que mágicamente: 'segundo o marxismo...' Nunca alguém me perguntou
o que eu pessoalmente pensava, pois pensar nao era recomendável.

O desdém pelo marxismo era geral... A aplica;áo do marxismo nos


aborrecía... Entre nos Marx nao teve sorte.

Despediram-me com urna acusacáo socrática: 'Nao te deixarei


corromper a nossa juventude', disse-me o Diretor e, para evitar alarde,
propds-me que eu pedisse a minha demissáo. Eu o fiz sem grande pesar,
embora o magisterio me agradasse. Mas, ácima de tudo, eu quería ser
totalmente independente.

Quase todos os meus amigos universitarios, eliminados dos am


bientes intelectuais oficiáis, exerciam as funcdes mais simples, mal remu
neradas, como motoristas, ascensoristas, vigias...

De novo, por pistoláo arranjaram-me o trabalho decente de Biblio-


tecária na Academia de Ciencias... Quando me ofereceram a transferencia
para o Museu Russo, no setor de Sociologia recém-criado, aceitei... O
KGB me dispensou deste novo emprego; depois disto, passei todo o
resto da minha vida na URSS trabalhando como ascensorista e bombei-
ra.

Aos vinte e quatro anos.descobri, de maneira inesperada, o mundo


do puro espirito. Entre os meus amigos saiganeses, havia um iógui, um
ceno V... Tentei esmagá-lo e submeté-lo, como eu fazia com meus ou
tros admiradores, utilizando todo o arsenal da terminología existencia-
lista. Mas nSo o conseguí... Com sobranceria ¡nabalável, ele me dísse que
o que eu fazia nao tinha valor, que a cultura, a Filosofía e a arte eram
apenas loucura vá e fastidiosa, vazia; eram o véu de maya.1 No principio
nada compreendi. Naquela época a religiáo, para mim, era urna fuga para
fora da realídade, salda para o mundo imaginario, 'o ventre maternal do
mito', etc.

Visto que eu sentia certa forca ñas palavras do meu amigo, tentei
fazer exerclcios de loga, diariamente dando especial atencSo a respiracáo,
ás diversas posicóes, á concentracáo, á meditacáo; impus a mim mesma
um regime severo... Oescobri com prazer que nao era livre em absoluto.

'Maya qyer dizer ilusfio no hindufsmo.- As coisas sensfveis seriam iluso


rias nesta perspectiva. (Nota do tradutor).

247
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

que nao era inteligente (como a minha presunto me apareceu ridicula e


lamentável, como tive vergonha de mim!}, que eu nao era forte (ao passo
que desde muito eu me considerava um super-homem) e que era estra-
nho que um ser táo inútil vivesse na térra... Naquela época eu nao falava
de Deus, para evitar toda alusáo ao 'psicologismo'. Com outros ióguis,
eu evocava, com certa ufania, a vida no plano astral e mental... A agita-
cao, a preocupacáo com coisas comezinhas, os problemas de carreira, de
dinheiro, de amor e de felicidade eram, aos meus olhos, um mal-enten
dido total, um pesadelo sem sentido. De entáo por diante a meta era clara
e o caminho calculado minuciosamente. Era preciso nao perder tempo,
para sair quanto antes do fluxo da relatividade a fim de aproximar-me do
Absoluto. Reinava em minha alma urna indiferente total frente a tudo
que me cercava. Era o que eu chamava urna vítória sobre as paixóes. Dia
e noite eu pronunciava em voz alta ou lentamente 'Om, om, om' para
me concentrar sobre o terceiro olho ¡nvisfvel da minha testa. Parei de
fumar, de beber, de comer carne; deixei as experiencias sexuais, única
mente com a finalidade de acumular energía.

Ao cabo de um ano, meus amigos, já muito evoluldos, estavam a


ponto de passar para outro mundo, como diziam eles. Quanto a mim,
parei e comecei a caminhar noutra direcSo. Em vez de me sentir garbosa,
como todo iógui..., experimentava cada vez mais o meu nada e a inaces-
sibilidade de Deus. 'Como podes ainda tolerar minha presenta na ter
ral' , exclamava eu multas vezes, esquecendo que Deus nao é um homem
e nao tem ouvidos. Agora compreendo que já naquela época o Senhor
me guiava, abrindo-me o único e o mais certo caminho para Ele - o ca
minho do arrependimento. Minha alma ficava, por vezes, chocada com
a indiferenc.a total dos ióguis em relacáo ao próximo. O outro parecía nao
existir para eles - havia somante o eu - e, se um iógui nao ofendía o se-
melhante, fazia-o apenas para nao gastar a preciosa energía, pois toda
apáo negativa era julgada nao do ponto de vista moral, mas sob o as
pecto 'energético'.

Um incidente em particular me decepcionou da loga.

Meu amigo V. trabalhava numa estacao de salvamento. Um dia,


énquanto ele meditava a margem do lago, viu um homem bébado a
ponto de se afogar. Já que nao quis interromper a sua meditado, V. dei-
xou-o morrer. Este episodio pos fim á nossa amizade; eu sentía terror
e fastio.

Ora eis que um dia {eu tínha vinte e seis anos entfio, parece-me) eu
caminhava num campo recitando o 'Pai Nosso'. As oracóes cristas ser-
viam também á meditado, pois considerávamos o Cristianismo como
urna variante inferior da loga. Após ter recitado o 'Pai Nosso' cerca de
seis vezes, sem fé na existencia do Pai Celeste, recebi repentinamente

248
"É PERIGOSO FALAR DE DEUS"

a resposta. Aconteceu o mais inesperado e ¡nimaginável. Tornou-se claro


para mim que Ele existia. Nao o Deus anónimo e abstrato dos ¡óguis,
mas o Pai Celeste, cheio de amor. Ele me amava; Ele amava tudo o que
me cercava. Isto me era táo claro quanto no primeiro dia da criagáo. A
miserável paisagem se iluminou com alegría insólita; cada erva, cada fo-
Iha pareciam exultar. Dir-se-ia que o mundo inteiro acabava de sair de
suas máos amorosas.

E nasci de novo. Desde entáo eu Lhe agradeco cada dia da minha


vida, oferecida e criada".

Esta narradlo fala por si mesma, mostrando como, a pesar de todos


os obstáculos, Tatiana (e quem sabe quantos russos com ela?) descobriu
o Deus do Evangelho. Ela, que buscava com sinceridade e ardor, foi visi
tada pelo Senhor.

Urna vez convertida e exilada para o Ocidente, a escritora pode


comparar o que via com a sua patria. As suas reflexóes sao altamente
significativas; por isto extraímos do seu Diario (obra citada, pp. 143-169)
os seguintes trechos:

2. O CRISTIANISMO OCIDENTAL

"7deoutubrade1980

Como é misteriosa a liberdade! Como o ar, so a apreciamos depois


que a perdemos. Vejo que o homem ocidental é pouco livre e, principal
mente, que ele pouco deseja a liberdade.

Aqui (no Ocidente) o niilismo se manifesta diversamente do que


acontece entre nos (na Rússia). Eis um exemplo. Ontem, ao chegar na
grande cidade alema de Francoforte, vi no alto da imensa estacáo ferro
viaria um gigantesco M. Perguntei á minha amiga: 'Seria um símbolo,
um slogan, algo de importante?' Ela me respondeu: 'Nao! É simples-
mente a publicidade de um tipo de champagne'. Em toda parte encon
tramos o mundo importuno da publicidade, o mundo invertido. No ci
nema, por exemplo, falam de futilidades, recomendam um tipo de roupa
ou urna escova com voz tao misteriosa e sugestiva, como se fossem coi
sas essenciais e necessárias. Mas, quando se trata do que é realmente ne-
cessário a todos, como a alma, o sentido da vida, a salvafáo, até os sa
cerdotes tém vergonha de falar. Realmente eu estou no mundo dos es-
pelhos deformantes!

Lembro-me precisamente de um sacerdote que acompanhava um


grupo em excursáo através da Alemanha, organizada por urna paróquia
de aldeia. Durante os dois dias de duracáo do passeio, o jovem sacerdote,
esportivo e alegre, nos falou de tudo: avióes e futebol, eleipóes e alimen-

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10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

ttcio; ríu muito, tentou divertir a todos; em poucas palavras, foi um bom
animador. Entrementes a natureza táo bela atrás dos vidros, com seus
pendios abruptos e o raiar das suas cores azul e violeta, fazia-me lembrar
espontáneamente versículos dos salmos: 'Divinas sao as tuas obras, Se-
nhorl Tudo foi criado por tua sabedoria!'

Urna, vez de volta ¿ casa, perguntei-lhe: 'Por que o senhor nao


mencionou urna só vez Deus e a beleza da criacáo?' Respondeu-me: 'Se
eu falasse de Deus, eu perdería a minha gente, eu f¡caria só!'- 'Mas a so-
lidáo nurtca foi um pecado', disse eu, enquanto pensava que na verdade
ele nao perdería a sua gente. Os camponeses sempre me ouviram com
prazer quando eu Ihes falava da nossa Igreja, e da Igreja em geral, da
oracáo. Eles me pediam que os fosse visitar de novo" (pp. 153-155).

"4 de marco de 1981

Na Rússia, a Igreja encarcerada, bloqueada, passiva frente ao mun


do, sem publicidade, atrai hoje tudo o que há de melhor no país, ao passo
'que no Ocidente a Igreja, apesar de enormes esforcos para acompanhar
o seu tempo, perde cada vez maior número de fiéis.

Atualmente a Igreja do Ocidente conhece tempos mais diffceis do


que a Igreja do Oriente. Em toda parte ela segué o caminho da Cruz, mas
sonriente na Rússia se vé a Cruz vencer, ao passo que aqui tudo está es
condido, nada é evidente" (pp. 159s).

"2 de abril de 1981

Assisti á assembléia das Igrejas protestantes de Hamburgo. Fui de-


sagradavelmente impressionada pela agitacáo politizante dos jovens.
Durante esse Congresso falaram táo pouco da fé e da Igreja! Eu tinha
a impressáo de me achar num ¡menso encontró de juventude comu
nista (como <5s havia na URSS, nos primeiros anos a pos a Revolucáo), em
que reina o espirito gregario, em que nao há semblantes, mas apenas
máscaras; nao há vozes humanas, mas apenas gritos; nao há idéias, mas
apenas demagogia" (pp. 160$).

"29dejulhode1980

Se na Rússia nos tfnhamos que utilizar boa parte das nossas fo rijas
vitáis para combater mil obstáculos devidos a um tipo de vida absurda e
difícil, como o barulho ñas rúas, as multidóes ñas tojas, as filas, a luta nos
meios de transporte, a grosseria, o nervosismo, etc., aqui (em Viena) es
tés obstáculos nSo existem. Mas aparecem outros: demasiadas coisas
' betas e sedutoras. Se nao somos bem atraídos para o céu, podemos ser
para sempre atraídos para a térra" (p. 147).

250
"É PERIGOSO FALAR OE DEUS" 11

"21 de mar^o de 1981

Sao felizes aqueles que acreditaram sem ter visto, mais do que
aqueles que acreditaram após ter visto. Mais felizes sao os verdadeiros
cristáos no Ocidente do que nos, os convertidos russos. Como Tomé, to
camos de maneira concreta e vislvel as chagas e a imortalidade do Cristo.
Experimentamos Deus, compreendemos que Ele é real mais do que o
mundo que nos cerca.

Aqui (no Ocidente) n3o encontró quase ninguém que tenha feito a
mesma experiencia. Apesar de tudo, encontró verdadeiros fiéis" (p. 160).

Como se vé, Tatiana Goritcheva formula um apelo que muitos con


vertidos russos lancam aos cristáos do Ocidente: nao se deixem dominar
pela civilizacáo do consumo e pela onda de hedonismo que os ameacam
e póem em risco a autenticidade do ser cristáo. Este é imposslvel sem a
configuracáo á Cruz de Cristo, a qual será sempre loucura e escándalo
para uns, mas, para os fiéis sinceros, fonte de salvacáo e vida eterna (cf.
1Cor 1,23s)! Possam os cristáosocidentais sentir-se interpelados portal
testemunho e avivem em si a chama da fé heroica dos mártires, pois fo-
mos talhados na rocha dos heróis e dos mártires (cf. Is 51,1)1

(ContinuagSo da p. 288):

internacionais, urgentes e complexas, e que mobilizem todas as suas ca


pacidades de acáo paraencontrar e por em prática solucóes de solidarte-
dade.

Em particular, nao terá chegado acaso o momento de suscitar um


vasto plano de cooperacáo e de assisténcia dos países industrializados,
em beneficio dos países em desenvolvimento?
Sem estabelecer um paralelo com o que se fez depois da Segunda
Guerra Mundial para acelerar a reconstrucáo e o novo impulso das eco
nomías dos países destruidos, nao se deve, porventura, estabelecer um
novo sistema de assisténcia dos países industrializados em beneficio dos
países mais pobres, e isto no interesse de todos, mas sobretudo para de
novo dar esperanca a todas as populacóes que sofrem? Essa contribuí-
cao, que deveria constituir um compromisso por muitos anos, aparece
como indispensável para permitir aos países em desenvolvimento lancar
e levar a cabo, em colaboracáo com os países industrializados e as orga
nizares internacionais, os programas a longo prazo, que devem ser ini
ciados o mais rápido possível.
Que este nosso apelo seja acolhido, antes que seja tarde demais.
27 de dezerñbro de 1986"

251
"Nada além" (Krister Stendhal):

"A vida eterna segundo


o Novo Testamento"
por Michel Gourges

Em sfntese: Michel Gourges, dominicano canadense. estuda principal-


menta a ressurreicáo de Cristo e a dos cristáos como afírmagóes básicas da
teología do Novo Testamento. Rejeita a tese da ressurreigáo ¡mediata após a
moite como sendo contraria á tradigáo judaica e á concepcáo paulina. Admite
que SSo Paulo tenha prolessado um estado intermediario entre a morte do
cristáo e a ressurreigáo dos morios no fim dos lempos; esse estado seria ca
racterizado por "estar com Cristo", conceito um pouco vago, que M. Gourges
podía ter completado com a afírmagéo paulina de que na outra vida veremos
Deus face-á-face (cf. 1Cor 13,12; Uo 3,1s). O tivro mostra como a doutrina
crista se distingue das teorías hindufstas da reencarnado (que considera o
corpo como cárcere-castigo) e do nirvana (que destruí a identidade da pes-
soa). Todavía deixa de mencionar elementos escalológicos que integram a
doutrina neotestamentária, como a viseo face-á-face e a doutrina da diversa
serte dos zelosos e dos tibios (1Cor 3,10-15), que seria a doutrina do purgato
rio. Como quer que se/a, o Svro tem seu valor, pois enfatiza pontos típicos da
doutrina bíblica (rente a ccncepcóes heterogéneas.

A revista VEJA de 1-/4/87, p. 51, publicou a noticia de um livro da


autoría do bispo luterano sueco Krister Stendhal, que nega a ¡mortalida-
de da alma. Base¡a-se, segundo a resenha da revista, em textos do Antigo
Testamento:

"A visSo do Velho Testamento éadeum ser criado dopóe transforma


do em ser humano pelo poder energizante de Deus, o espirito... O pó retorna á
térra de onde ele veto, e o espirito retoma a Deus, que o criou", afirma Stend
hal, citando o Eclesiaste" (p. 51 da revista citada).

Na verdade, é difícil avaliar um livro através de táo breve noticia de


um periódico nao especializado na materia. Como quer que seja, a funda-
mentacáo aduzida no texto atrás transcrito é falha a dois títulos: 1) se o
espirito retorna a Deus, que o criou, ele ultrapassa a morte ou nao é trá-

252
A VIDA ETERNA NO NOVO TESTAMENTO 13

gado pela morte do composto humano; 2) os judeus do Antigo Testa


mento passaram por urna evolupáo de conceitos no tocante á vida pos
tuma: os livros mais antigos professavam o cheol, isto é, um lugar sub
terráneo no qual bons e maus se encontrariam adormecidos e incons
cientes após a morte, incapazes de receber alguma sancio.1 Todavia os
livros mais tardios do Antigo Testamento reconhecem a ressurreicáo dos
mortos (para a gloria ou para a perdicáo) e a vida ¡mortal consciente no
além (cf. Dn 12,2s; Sb 2-5; 2Mc 7,9.11.14).

Embora nao se possa penetrar exatamente no conteúdo do livro


sueco em foco sem ter acesso direto ao respectivo texto, o fato é que
provocou grande alarde por parecer negar a imortalidade pessoal da al
ma humana ou a vida postuma lúcida, na qual cada individuo recebe a
justa sancáo da parte de Deus. - Precisamente em vista da problemática,
passamos a analisar a obra do teólogo dominicano canadense Michel
Gourges, que tem por tftulo portugués: "Vida futura segundo o Novo
Testamento"2; o autor considera a temática como é formulada pelo Se-
nhor Jesús e pelo Apostólo Sao Paulo; á análise do livro seráo acrescen-
tados alguns comentarios.

Michel Gourges comeca lembrando que o tema "vida no além" está


muito em voga. Seja mencionada, entre outras teorias, a tese da reencar
nado, que pretende explicar algo do misterio do além-túmulo; merecem
referencia também os depoimentos cólhidos por Elizabeth Kübler-Ross e
Raymond Moody junto a pessoas que passaram por coma profundo.
Sendo assim, importa ao cristáo procurar tomar consciéncia sempre mais
profunda das proposites que a tal respeito se encontram no patrimonio
da fé.

O livro de M. Gourges compreende tres capítulos: 1) o ensinamento


de Jesús; 2) a ressurreicáo de Cristo, conforme Sao Paulo; 3) a ressurrei
cáo em geral nos escritos paulinos.

1. O ensinamento de Jesús (pp. 9-30)

A consciéncia de urna vida futura se acha implícita em toda a pre-


gagáo de Jesús, embora nao seja objeto de um tratado especial nos

^Notemos que, mesmo admitinda o cheol assim concebido, os judeus nao


professavam a destruicáo do ser humano após a morte; admitíam que o nú
cleo da personatidade (chamado retaim, sombras) subsistía no além, mas em
estado inconsciente.

2Traducáo do francés por Isabel Fontes Leal Ferreira. Colegio "Cademos


Bíblicos" n'43.- Ed. Paulinas, Sao Paulo 1986, 160 x 230 mm, 82 pp.

253
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

Evangelhos. O Senhor se refere a ela, propondo o Reino de Deus, a res-


surreicáo dos modos e o estágio entre a morte e a ressurreigáo.

1.1.0 Reino de Oeus

É algo que já comeca através da missáo de Jesús nes.te mundo,


mas tem repercussóes no além. Jesús fala com freqüéncia de "entrar no
Reino de Deus" após a vida presente:

Me 9,47s: "Se teu olho te escandalizar, arranca-o; melhor é entra


res com um só olho no Reino de Oeus do que, tendo os dois olhos, se
res atirado na geena, onde o verme nao morre e o fogo nao se extin
gue".

O Reino de Deus é comparado a um banquete, do qual a ceia de


Páscoa presente é um prenuncio e antegozo:

"Disponho para vos o Reino, como o Pai o dispós para mlm, a fim
de que comáis e bebáis á minha mesa em meu Reino..." (Le 22,29s).

"Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco antes de so-


frer, pois eu vos digo que já nao a comerei até que ela se cutnpra no
Reino de Deus" (Le 22.15s).

Jesús também fala do céu, onde os discípulos devem juntar seu te-
souro (cf. Mt 6,19-21), onde seus nomes se acham inscritos (cf. Le 10,20),
onde urna recompensa Ihes está reservada (cf. Mt 5,12).

Estas alusóes, um tanto genéricas, já acenam á vida postuma. Um


novo elemento é-lhes acrescentado quando o Senhor fala da

1.2. Ressurreicáo dos mortos

1. Jesús anunciou a sua própria ressurreicáo ao referir-se á Paixáo


futura:

"O Filho do Komem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos an


daos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto, e, depois
de tres dias. ressuscitar" (Me 8,31; cf. Me 9,31; 10, 54 e paralelos).

2. Além disto, falou da ressurreicáo dos mortos em geral, como em


Le 14,31 s:

"Quando deres urna festa, chama pobres, estropiados, coxos, ce-


gos; feliz serás entáo porque eles nao tém com que te retribuir. Serás,
porém, recompensado na ressurreicáo dos justos".

254
A VIDA ETERNA NO NOVO TESTAMENTO 15

3. O texto mais importante a propósito é o de Me 12,18-27 (Mt


22,23-33; Le 20,27-40): os saduceus, que (ao invésdos fariseus) nao acei-
tavam a ressurreigáo dos morios, queriam causar embarace a Jesús,
propondo-lhe a historia de uma mulher que, por efeito da lei do levirato,
teve sucessivamente sete maridos; ora, perguntavam os saduceus a Je
sús, se há ressurreicáo, de quem deverá ser esposa essa mulher? - A
pergunta dos interlocutores tinha certo fundamento ñas concepgóes ju
daicas da época de Jesús; com efeito, a literatura apócrifa afirmava que
os que tivessem conhecido a ressurreigáo "vi vería m até ter gerado mi-
Ihares de filhos" (Henoque I 10,17). Os tempos messiánicos eram conce
bidos como isentos de toda dor: "as mulheres nao sofreráo mais as dores
do parto, nem mais sentiráo angustia quando derem o fruto do seu seio"
(Apocalipse de Baruque 73,7).

Ora Jesús responde dizendo que, uma vez ressuscitadas, as criatu


ras humanas nao precisarao mais de se casar para obter posteridade,
pois nao mais morreráo: "Nem eles se casam, nem elas se dioem casa
mento, pois nem mesmo podem morrer; sao semelhantes aos anjos" (Le
20,36). A semelhanga com os anjos nao significa ausencia decorporeida-
de no caso, mas, sim, uma corporeidade ¡mortal e isenta das necessida-
des da vida vegetativa: a ressurreigáo náó significa a recomposigáo do
cadáver, mas, sim, a transfiguragáo do corpo á semelhanga do.corpo glo
rioso de Jesús: "Entáo os justos brilharáo como o sol no Reino do seu
Pai" (Mt 13,43).

O Senhor completa a sua resposta em Me 12,26s: "Quanto aos


mortos que háo de ressurgir, nao lestes no Mvro de Moisés, no trecho so
bre a sarga, como Deus Ihe disse: 'Eu sou o Deus de AbraSo, o Deus de
Isaque e o Deus de Jaco'? Ora Ele nao é Deus de mortos, mas sim, de vi
vos!" O sentido desta afirmagáo é o seguinte:

- Deus se apresentou a Moisés como o Deus dos Patri«rcas,que já


haviam morrido (cf. Ex 3,6);

- ora Deus nao é um Deus de mortos, mas, sim, de vivos. Dizer a


respeito de Deus que Ele é o Deus desta ou daquela pessoa, significa que
Ele é o Guia, o Protetor de tal pessoa. Ora, como se poderia dizer que
Deus é o Protetor de pessoas que Ele abandonou a morte? É urna con-
tradicáo falar de um Deus dos mortos;

- por conseguinte, os Patriarcas nao podem estar mortos; existe af


uma garantía em favor da sobrevivencia ou, explícitamente, em favor da
ressurreigáo (já que Jesús quer incutir a realidade da ressurrelgéo). .

Pergunta Michel Gourges:. "Será que esta passagem implica que a


ressurreigáo se dé ¡mediatamente após a morte? Jesús insinúa que os

255
16 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

Patriarcas já ressuscitaram?" E responde: "Havia harmonía e entendi-


mento entre os judeus para ver na ressurreicáo urna realidade do fim dos
tempos...; Deus se revelará Deus dos vivos, fiel em socorrer os Patriarcas,
quando os ressuscitar no fim dos tempos" (p. 19).

1.3. Entre a morte e a ressurreicáo

Há duas passagens nos Evangelhos que nos falam de um estado


postumo sem mencionar a ressurreicáo (a qual se dará no fim dos tem
pos).1 Abordam, pois, o estado intermediario entre a morte e a ressurrei
cáo. Examinemo-las:

1.3.1. Le 16,19-31:0 ricaco e Lázaro

Na primeira parte desta parábola (16,19-26), Jesús mostra duas


sortes diversas: a do justo e a do pecador; o antigo cheol dos judeus - lu
gar subterráneo onde eram recebidas as sombras (refaim) de todos os fale-
cidos, bons e maus, num estado de torpor e isentas de sancio - cede á
conviecáo de urna retribuicáo pessoal. No século II a.C. já aparece a dife-
renciacao: há no além compartimentos reservados aos justos, caracteriza
dos por luminosidade e fontes de agua (Henoque I 22, 2.9a), e comparti
mentos destinados aos maus, que sao obscuros e desconfortáveis (Heno
que I 22, 2.19-23). Além disto, a parábola evidencia que a alma humana,
mesmo separada do corpo ou antes da ressurreicáo, já goza, no além, da
sorte que Ihe compete. Nota M. Gourges: "A penetracáo, na Palestina, da
idéia grega de imortalidade levou a conceber a sobrevivencia da alma se
parada do corpo e já gozando de felicidade á espera de se reunir ao corpo
na ressurreicáo" (p. 24). - Com efeito, os filósofos gregos admitiam com
facilidade a sobrevivencia da alma sem corpo após a morte, ao passo que
os judeus só conheciam o cheoL Jesús, porém, ensina a sobrevivencia da
alma antes da ressurreicáo nao por influxo estranho ou heterogéneo da
filosofía grega, mas porque esta doutrina é verídica.

1.3.2. Le 23,39-43:0 bom ladreo

Jesús disse ao bom ladrSo que Ihe pedia misericordia quando Je


sús entrasse em seu Reino: "Em verdade eu te digo: hoje estarás comigo
no paraíso" (Le 23,43). A idéia do paraíso é inspirada por Gn 2; a litera
tura apocalíptica apresenta um paraíso escatológico, que é o premio dos
bons; assim reza, por exemplo, o Testamento de Daniel 5,12: "Os santos

'Para conoboar a idéia de que a ressurreicSo se dará táo-somente no fim


dos tempos, valetn as cartas paulinas, cuja doutrina será exposta logo a se
guir (ver. pp. 259-262).

256
A VIDA ETERNA NO NOVO TESTAMENTO 17

repousaráo no Edén, os justos se regozijaráo na Jerusalém renovada". A


resposta de Jesús ao bom ladráo promete o paraíso ou a felicidade pos
tuma nao para o fim dos tempos, mas em termos ¡mediatos ou logo de-
pois da morte desse pecador arrependido (= hoje); antes da ressurreicao
final, o bom ladráo teria a resposta do seu arrependimento.1 Ao falar de
paraíso, Jesús nao tem em vista um lugar dimensional; dizendo "Estarás
comigo", o Senhor disse tudo ao bom ladráo, pois o paraíso ou a felici
dade postuma consiste precisamente em "estar com Cristo", ¡ndepen-
dentemente de qualquer nocáo topográfica; a utilizacáo de símbolos
(paraíso) é o único recurso que temos para falar do além.

Passemos agora a novo titulo.

2. A ressurreicáo de Cristo (pp. 31-51)

A esperanza crista difere da judaica pelo fato de que se apoia nao


apenas numa doutrina, mastambém num acontecimento: "Cristo ressus-
citou ao terceiro dia, conforme as Escrituras" (1Cor 15,4).

No anuncio da ressurreicáo de Jesús podem-se distinguir textos de


tres carnadas cronológicas: 1) de 30 a 50 {afirma-se o fato); 2) de 50 a 70
(elabora-se o seu significado teológico); 3) de 70 ao fim doséculo I (des-
creve-se algo do como).

2.1. Os textos dos anos 30 a 50

Trata-se de niños litúrgicos ou de profissóes de fé da Igreja ñas-


cente, que Sao Paulo e Sao Lucas (Atos) consignam em seus escritos. As-
sim, por exemplo: 1Cor 15,3b-5 (o testemunho, por excelencia, da fé an-
tiga); Fl 2,6-11 (o hiño do Cristo despojado e exaltado); ITm 3,16 (a síme
se do misterio da Redengáo); Rm 10,9 (breve fórmula); At 2,22-36 (discur
so de Pedo em Pentecostés); At 3,12-15 (discurso de Pedro ao povo); 4,8-
12 (discurso de Pedro diante do Sinedrio); 13,16-41 (discurso de Paulo
em Antioquia).

Esta serie de textos primitivos enfatiza o fato da ressurreicáo de Je


sús, sem se preocupar com a descricáo do como; basta a Igreja nascente
proclamar que Jesús venceu a morte e é o Senhor (Rm 10,9; Fl 2,9), arre
batado á gloria do Pai (1Tm 3,16; At 3,13).

1Supóe-se que o bom ladráo tenha concebido um arrependimento tal que


pudesse usufruir togo da resposta benigna do Senhor, sem passar por urna
puriñcagáo postuma (= purgatorio).

257
18 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

2.2. Dos anos 50 a 70

Esta faixa corresponde á da redagáo das epístolas de Sao Paulo, da


1Pd e de Hb. Tais escritos desenvolvem a teología ou o significado teo
lógico da ressurreicáo: Cristo, vencendo a morte, torna-se o segundo
Adáo, pai de nova humanidade (ICor 15,44-49; Hb 2,9}; é o Sumo Sacer
dote que atravessou os céus (Hb 4,14) e entrou finalmente no santuario
celeste, onde Ele intercede diante da face do Pai em nosso favor (Hb
9,24); Ele está assentado á direita do Pai como o Messias de que fala o SI
109,1 (Rm 8,34; Cl 3,1; Ef 1,20; 1Pd 3,18-22). O SI 109.1 encontra assim
seu pleno cumprimento na glorificado de Jesús: "O Senhor (Javé) disse
ao meu Senhor (o Messias): 'Senta-se á minha direita, até que eu ponha
teus inimigos como escabelo de teus pés' ". A condicáo de Senhor que
compete a Jesús, é bem expressa nb texto de Hb 1,3s:

"É Ele o resplendor da gloria do Pai e a expressSo do seu ser; sustenta


o universo com o poder de sua palavra; e, depois de ter realizado a purifica-
cao dos pecados, sentou-se ñas alturas á direita da majestade, táo superior
aos anjos quanto o nome que herdou excede o deles".

2.3. De 70 até o fim do sáculo I

É nesta época que se sitúa provavelmente a redagáo final dos


Evangelhos. Estes nao nos descrevem a ressurreicáo de Jesús como tal,
mas referem acontecímentos relacionados de perto com a ressurreicáo,
ou seja, as cristofanias. Tais narracóes, encontradas em Mt 28; Me 16; Le
24; Jo 20s nao pretendem transmitir a trama concatenada das sucessivas
aparigdes de Jesús, mas reminiscencias esporádicas, que cada Evange
lista guardou e consignou segundo o seu estilo próprio; o fato de nao ha-
ver paralelismo exato entre as quatro series de aparicóes relatadas nos
Evangelhos é até um testemunho da autenticidade desses relatos; corres-
pondem á impressáo do transcendental ou do misterio que os primeiros
cristáos conceberam diante do acontecimento da ressurreipáo: se deixa-
ram essas reminiscencias em "desordem", isto se deve á certeza que ti-
nham, de que cada qual exprimia a verdade a seu modo e nao era neces-
sário procurar a harmonía do cronista para que merecessem crédito.
Como quer que seja, essas cristofanias ou manifestares de Cristo res-
suscitado obedecem a um esquema que incluí tres elementos:

a) a iniciativa de Jesús. Este se apresenta aos Apostólos e ás santas


mulheres de man eirá totalmente inesperada;

b) o reconherimento. As testemunhas o percebem e experimentam


maior ou menor dose de hesitacáo ou dificuldades para reconhecé-lo; fi
nalmente a fé se expressa de diversas maneiras;

258
A VIOA ETERNA NO NOVO TESTAMENTO 19

c) missáo. A manifestando e o reconhecimento de Cristo ressusci-


tado sao seguidos de urna missáo, confiada ou cumplida.

Da leitura desses textos pode-se concluir que, para as primeiras


comunidades cristas, o falo da ressurreicáo e seu significado teológico ti-
veram mais importancia do que o como da mesma. "Cristo ressuscitou
ao terceiro dia", eis a grande certeza da Igreja nascente.

3. A ressurreicáo dos morios (pp. 52-78)

Os textos bíblicos proclamam nao apenas o significado da ressur


reicáo para Jesús, mas afirmam também a importancia da mesma para
nos. Nao se diz somente: "Ele ressuscitou", mas "Ele ressuscitou para
nos"; nem sonriente: "Ele está vivo", mas "Nos vivemos com Ele". Assim
lemos, por exemplo:

"A promessa feita a nossos país, Deus a realizou plenamente para nos,
seus fílhos, ressuscitando Jesús" (At 13.32s).

"Deus, que ressuscitou o Senhor, nos ressuscitará também pelo seu


poder (1Cor 6,14).

"Sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesús, ressuscitará


também a nos com Jesús e nos colocará ao lado dele" (2Cor 4,14). Ver aín
da Rm 6,11; 4,24s; 2Tm 2,11s; 1Pd 3,21s; At 5,31.

O texto mais importante de todos é o de 1Cor 15, que merece espe


cial atencáo:

3.1. A ressurreicáo de Cristo e a dos cristáos (ICor 15)

Este capitulo considera a resistencia dos fiéis gregos de Corinto á


mensagem da ressurreicáo. Impregnados de espirito dualista, repudia-
vam o corpo como túmulo ou prisáo (cf. At 17,32s); por isto faziam obje-
cóes á mensagem da ressurreicáo dos cristáos. Admitiam, sem hesitacáo,
que Cristo tivesse ressuscitado; julgavam, porém, que a sorte "infeliz" de
Cristo nao devia ser estendida a eles. Ciente disto, Sao Paulo Ihes res
ponde em duas etapas:

3.1.1. ICor 15,1-34: Todos ressusdtarSo

Cristo ressuscitou verdadeiramente, como os corintios mesmos


admitiam. Ora este fato fundamenta a certeza da ressurreicáo de todos os

259
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

cristáos, pois todos sao membros de um corpo do qual Cristo é a Cabega.


Eis como argumenta o Apostólo em duas seccóes paralelas:

15J33-15:

Negaféo Implieafio maior Implicares menores


Se nao há fessurreigáo ... Cristo nao ressusci- a) nossa pregaf áo é va* i a
dosmortos... |v. 13a) tou (v. 13b) |v. 14a)
e nos somos falsas
testemunhas (v. 15)
b) vossa (é é vazia (v. 14b)

15.16-19:

NegacSo tmplicacáo maior Implicafoes menores


Se nSo há ressurreifSo ... Cristo nao ressusci- a) a vossa fé é ilusoria (v.
dos morios... (v. 16a) tou (v. 16b) 17a)

b) ainda estáis nos vos-


sos pecados (v.17b)

c) a morte ficou com a


última palavra
(v. 181

d) a nossa vida é digna


decompaixáo (v. 19)

Para Sao Paulo, Deus Pat, ao ressuscitar Jesús (como homem),


"deu a todos nos urna garantía" (At 17,31) de ressurreicáo. A ressurreicSo
de Jesús é penhor da nossa. Cristo vem a ser "as primicias dos que
adormeceram": "Todos receberáo a vida. Cada um, porém, em sua or-
dem: como primicias, Cristo; depois, aqueles que pertencem a Cristo, por
ocasiáo da sua vinda" (15,23). Cristo é também dito "o Primogénito den-
tre os morios" (Cl 1,18 e Ap 1,5); o "chefe de fila, o pioneiro" de muitos
(At 3,15; 5,31; Hb 2,10; 12,2) ou ainda "o Precursor" (Hb 6,19s). "Como
Chefe de fila ou Precursor, Jesús chegou primeiro á meta e leva consigo
os outros - um pouco á semelhanga do primeiro da corda numa equipe
de alpinistas. O Cristo ressuscitado foi o primeiro a entrar na vida e para
lá levou os outros consigo" (p. 66).

3.1.2. ICor 15,35-58: Como ressuscitarao?

Os corintios tinham difículdade em conceber que um ser vivo en


tregue á morte pudesse recuperar a vida. Sao Paulo responde que isto
nao é impossível e cita o exemplo da sementé que, lancada ao solo,
mor re para renascer: ela reaparece nao mais como sementé, mas como
planta. Deus dá continuidade "a cada sementé de modo particular" (v.
38). Análogamente o corpo humano dito "corpo psíquico" (sujeito as leis
da natureza mortal) é lampado a térra e Deus o faz voltar como corpo

260
A VIDA ETERNA NO NOVO TESTAMENTO 21

pneumático (ou seja, totalmente penetrado pelo Pneuma ou pelo Espirito


Santo, que o glorifica e transfigura). Observemos as antfteses:

Carpo psíquico Corpo pneumático

15,42a: corruptlvel ¡ncorruptível


15,43a: desprezível glorioso
15,43b: fraco forte

O v. 44 formula a conclusáo: se há um corpo psíquico, há também


um corpo pneumático. Este corpo pneumático será a heranca que rece-
beremos do segundo Adáo, como o corpo psíquico é a heranga que rece
bemos do primeiro Adáo (w. 45-49); os ressuscitados teráo em si a ima-
gem do Ressuscitado (v. 49b).

Ainda urna observacáo: a primeira geracáo crista estava persuadida


da iminencia do fim dos tempos; ora, entre as realidades esperadas para
o fim dos séculos, havia a ressurreicáo dos mortos; dado que a ressurrei-
gáo de Cristo já ocorrera, os cristaos (principalmente os de origem judai
ca) podiam ver al um sinal de que os últimos tempos já haviam chegado;
é o que de fato ocorria em Tessalónica, como se depreende de 1/2Ts (es-
critas em 50/51). Todavia esta expectativa havia de ser desmentida pelo
próprio passar dos anos; Cristo nao havia de vottar até os nossos días.
Michel Gourges admite entáo que o próprio Sao Paulo se tenha dado
conta da dilagáo da parusia, ele que no ano de 51 esperava estar vivo por
ocasiáo da iminente volta do Senhor Jesús (cf. 1Ts 4,15-17).

3.2. A evolucao do pensamento paulino

As razóes pelas quais o pensamento de Sao Paulo foi evoluindo,


sao, segundo M. Gourges, de um lado, o atraso mesmo da segunda vinda
do Senhor e, de outro lado, as tribulacóes que o Apostólo ia padecendo e
que o levavam a crer que ele poderia nSo estar vivo por ocasiáo do fim
dos tempos. Assim lemos, por exemplo, na 2Cor, que é posterior a 1/2Ts
(data de 57 aproximadamente):

"Nao queremos, irmSos, que o ignoréis: a tribulacáo que padecemos na


Asia acabrunhou-nos ao extremo, além das nossas torcas, a ponto de per-
dennos a esperanca de sobreviver. Sím; recebáramos em nos mesmos a
nossa sentenca de morte" (2Cor 1,8s).

"Trazemos incessantemente em nosso corpo a agonía de Jesús" (2Cor


4,11).

"A morte realiza sua obra em nos" (4,12).

"Em nos o homem exterior se encaminha para a sua ruina" (A, 16).

261
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

"Nossas tribulacOes momentáneas sao leves em relagSo ao peso eter


no de gloria que elas nos preparam em excesso" (4,17).

Nao se sabe exatamente a que tipo de tribulacóes o Apostólo alu-


dia. 0 fato, porém, é que tal situacáo de morte ameacedora ou ¡mínente
¡nduzia Sao Paulo a pensar que nao vería, em carne viva, a segunda vin-
da de Cristo; qual seria entáo a condicáo dos cristáos no estado interme
diario entre a morte e a ressurreicáo dos morios (na consumado da his
toria)?

O Apostólo aborda o assunto em 2Cor 5,1-10: considera ai o caso


daqueles que estiverem vivos por ocasiáo da parusia; estes revestiráo a
gloria celeste sem ter que morrer; o seu corpo será transfigurado sem
passar pela morte. E aqueles que ¡á tiverem morrido antes da parusia ou
da segunda vinda de Cristo? Esses ressuscitaráo ou tomaráo um corpo
glorioso. Antes, porém, da ressurreicáo, o Apostólo julga que "estarao
junto do Senhor":

"Sim; estamos Chetos de confíanca, e preferimos deixara mansSo (teste


corpo para ir morar ¡unto do Senhor" (2Cor 5,8).

A mesma expressáo, em contexto idéntico, ocorre em Fl 1,23s:

"Sinto~me diante de um dilema: o meu desojo é partir e ir estar com


Cristo, pois isto me é muito melhor, mas o permanecer na carne 6 mais ne-
cessário por vossa causa".

"Morar junto do Senhor" ou "estar com Cristo" lembram as pala-


vras de Jesús ao bom ladrio: "Hoje estarás comigo no paraíso" (Le
23/13). Sao modos de falar um pouco vagos. Sao Paulo n§o tem palavras
para dizer o inefável, que será a oittra vida: "O que o olho nao viu, o que
o ouvido nao ouviu e o coráceo dó homem nao percebeu, eis o que Deus
preparou para aqueles que o amam" (ICor 2,9). Acrescenta Gourges:

"Por mais imprecisa que seja a expressáo 'estar com o Senhor', esta
indicacéo excluí a perspectiva de urna ressurreicáo individual ¡mediatamente
depois da morte. Paulo nunca cessou de esperar a ressurreicáo geral para o
ñm dos tempos, como testemunha FI3.21 e, mais tarde aínda, O 3,4" (p. 78).

Conseqüentemente vé-se que Sao Paulo parece professar a doutri-


na da "¡mortalidade da alma", segundo a qual a alma humana é por si
mesma ¡mortal (porque é espiritual); por conseguinte, quando se separa
do corpo desgastado na hora da morte, ela sobrevive sem corpo, usu-
fruindo do convivio com o Senhor, até o dia da consumacáo dos tempos,
quando se daráo a ressurreicao dos corpos e a recomposicáo do ser hu
mano (alma mais corpo).

262
A VIDA ETERNA NO NOVO TESTAMENTO 23

4. Conclusáo (pp. 79-82)

Michel Gourges propóe em poucas frases fináis a sfntese do seu


estudo:

1) A esperanza crista apoia-se essencialmente num acontecimento:


a ressurreicSo de Jesús. O que o Pai fez por Jesús, Ele o fará por cada
um de nos.

2) A esperanza crista tende á salvado integral: tanto a alma quanto


o corpo se beneficia rao da gloria final. O cristáo nao aceita o dualismo
(nao julga a materia má), embora professe a dualidade (a distincáo real
de corpo e alma).

3) 0 futuro do cristáo é de plenitude ou de comunháo com Oeus.


Isto excluí qualquer teoría reencarnacionista (a alma voltaria ao cárcere
ou ao castigo, que é o corpo) como exclui também a doutrina hindufsta
do nirvana, segundo a qual no além se extingue a identidade ou a perso-
nalidade do ser humano.

4) A ressurreicáo dos morios e a bem-aventuranca futura sao


efeitos do poder e da benevolencia de Deus.

5) A esperanca de um além,.recebido gratuitamente de Oeus, nao


suprime a responsabilidade do cristáo na construcáo do Reino de Deus
iniciado já neste mundo.

6} A gloria futura já é presente no cristáo mortal, pois este já possui


as arras ou o penhor do Espirito (Ef 1,12s); a ressurreicSo nao será senáo
o pleno desabrochamento dos dons já recebidos.

Passamos a

S. Breve comentario

A obra de M. Gourges apresenta varios pontos positivos, ao lado de


algumas lacunas.

5.1. Pontos positivos

O Hvro em foco é interessante e precioso nao so pelas suas proposi-


cóes fináis, que sao a sfntese do trabalho do autor, mas também pelo fato
de que, de ponta a ponta, mostra que a tese da ressurreicáo ¡mediata
após a morte contraria d tradicáo judaica anterior a Cristo e a mensagem
bíblica como tal. É muito evidente que a S. Escritura reserva a ressurrei-

263
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

Cao para o fim dos tempos, de tal modo que, entre a morte do individuo e
a ressurreicáo final, a alma humana, que é espiritual, sobrevive sem cor-
po e usufrui da presenta beatífica do Senhor. Por ocasiáo da segunda
vinda de Cristo (parusia), seré re-unida ao corpo que Ihe compete, para
integrar o ser humano como tal. - Alias, a doutrina da ressurreicáo logo
após a morte jé foi explícitamente rejeitada pela Congregado para a
Doutrina da Fé numa Carta já publicada e comentada em PR 238/1979,
pp. 399-404; 275/1984, pp 266-273. Seria para desejar que, ñas escolas
católicas e na pregacáo de nossas igrejas, nao mais se propusesse tal
doutrina contraria ao ensinamento bíblico; a Missa de 7- dia é, sim,
a Missa da Esperanca, mas nao é a Missa da RessurreicSo.

Vemos também que as crencas orientáis, que apregoam o desprezo


do corpo, a reencarnado como castigo e a perda da identidade pessoal
no nirvana, nao se coadunam com a profissáo de fé crista. Esta considera
o corpo como criatura de Deus, que tem de ser coibida em suas tenden
cias desregradas, mas que é chamada a tomar parte na gloria da alma
humana purificada dos resquicios do pecado.

5.2. Interrogacóes

5.2.1. A evolucáo do pensamento paulino

A tese que Michel Gourges parece abracar, segundo a qual Sao


Paulo tere evolufdo em seu modo de pensar, nao nos parece clara, pois:

a) já na sua primeira carta (ITs 4,14-16) o Apostólo mostra ter


consciéncia de que muitos cristáos já morreram antes do ano de 51;
achavam-se, pois, num estado intermediario entre a morte e a ressurrei
cáo final. Este estado intermediario nao é objeto de descoberta que Sao
Paulo teria feito a partir da sua experiencia paulatina. É claro que Sao
Paulo esperava nao morrer antes da parusia, mas ele sabia que outros já
tinham morrido sem ver o Cristo voltar;

b) entre 1Ts (51) e 2Cor (57) decorreram seis anos apenas. Ora este
prazo é breve demais para se falar de um "atraso" ou de adiamento
da parusia do Senhor. Parece artificial admitir em táo curto segmento a
evolucáo do pensamento paulino no tocante á sorte dos irmáos falecidos.
Cremos que o Apostólo foi fazendo naturalmente a slntese das doutrinas
da imortalidade natural da alma e da ressurreicáo dos corpos no fim dos
tempos.

S. 2.2.0 estado intermediario

A obra em foco nao leva em consideracáo dois pontos da teologia


paulina que parecem associados a este estado intermediario:

264
A VIDA ETERNA NO NOVO TESTAMENTO 25

a) em 1Cor 13,12 (e em 1 Jo 3.1-2) há referencia á visáo de Deusfa-


ce-á-face na vida postuma. Seria para desejar que M. Gourges tivesse
utilizado esses textos, que nao sao sequer citados em seu livro;

b) em ICor 3,10-15 há mencáo de dois tipos de salvacáo: a dos que


constroem com materia preciosa (os operarios zelosos na obra do Se-
nhor) e a dos que constroem, sim..., mas aplicam materia perecfvel e
combustivet (madeira, feno ou palha em vez de ouro, prata e pedras pre
ciosas...). Uns e outros se salvam por terem feito a obra do Senhor, mas
os menos zelosos sofreráo detrimento antes de conseguirem a salvacáo:
"O Dia tornará conhecida a obra de cada um... O fogo provará o que vale
a obra de cada um. Se a obra construida sobre o fundamento subsistir, o
operario receberá urna recompensa, Aquele, porém, cuja obra for quei-
mada, perderá a recompensa. Ele mesmo entretanto será salvo, mas co
mo que através do fogo" (ICor 3,13-15).

Seria de esperar que M. Gourges explanasse este texto; insinúa a


purificacáo postuma ou o purgatorio para aqueles que, tendo morrido
voltados para Deus, ainda sao portadores de resquicios do pecado ou de
negligencias cometidas na vida presente. Vé-se que o autor se deteve
principalmente no tema da ressurreicáo: ressurreicáo de Cristo e ressur
reicáo dos cristios, sem dar grande atencao a outros aspectos da doutri-
na escatológica do Novo Testamento.

Numa palavra: a obra é valiosa e muito pode contribuir para escla


recer o leitor contemporáneo interessado em questdes referentes á morte
e sacudido pelas mais diversas propostas filosófico-religiosas.

265
Ecos do Encontró de Assis (27/10/86):

Catol ¡ cismo e reí igioes


nao-católicas

Em sfntese: O Encontró de Oracáo de Assis (27/10/86) foi a aplicagáo


concreta dos dizeres da Declaracáo Nostra Aetate do Concilio do Vaticano
II relativa és religióes náo-cristás. O Concilio reafírmou a obra redentora de
Jesús Cristo como única e definitiva e a necessidade de que todos os homens
se incorporem á Igreja fundada por Cristo como sacramento primordial da sal-
vacío. Além disto, porém, reconheceu o que naja de verdadeiro e santo tora
do Catolicismo; sao lampejos daquela Verdade que ilumina todo homem (el. Jo
1,9). Na verdade, existe o senso religioso congénito em todo ser humano, se
gundo o qual os povos reconhecem a existencia de Deus ou do Transcen
dental, a quem se dirigem espontáneamente em oracáo. Ora foi na base des-
sa retigiosidade natural que o S. Padre Joáo Paulo II quis convidar chefes reli
giosos nSo-cristSos a fimde ¡ejuarem e orarem em Assis pela paz mundial.
Nao houve debate teológico nem tentativa de procurar um mínimo denomina
dor comum de todos os Credos; nem sequer foi redigido um formuiárió único
de oracoes. Ficou assim afastada qualquer aparéncia de sincretismo; no mo
mento culminante da Jomada, cada grupo religioso proferiu a sua prece, en-
quanto os dentáis assistiam em silencio. Assim foi dado um passo importante
para a aproximacSo dos homens entre si, com respeito á identidade de cada
Credo, nao porque todos os Credos sejam equivalentes entre si, mas porque
todos tém sua base comum no senso religioso ¡nato em todo homem.

O Encontró de Oracáo promovido pelo S. Padre Joáo Paulo II em


Assis (27/10/86) tem suscitado debates: o fato de se haverem reunido re
presentantes de crencas religiosas monoteístas, pantetstas e politeístas
para rezar (cada grupo a seu modo) na mesma assembléia pareceu a al-
guns significar que o Catolicismo admite hoje o relativismo das proposi-
cóes religiosas ou o indiferentismo religioso. Ora, deve-se dizer que a ini
ciativa-convite do S. Padre nao é senáo urna aplicagáo dos dizeres da De
clarado Nostra Aetate do Concilio do Vaticano II sobre as religióes náo-
cristás; para manter contato com os responsáveis destas diversas crencas,
a Santa Sé fundou, após o Concilio, o Secretariado para o Diálogo com as
Religióes Náo-Cristas.

266
CATOLICISMO E RELIGIÓES NÁO-CATÓLICAS 27

A atitude aberta da Igreja frente a outras correntes religiosas tem


levado teólogos a posicúes exageradas a respeito da validade das mes-
mas para a satvacáo eterna. Vamos, a seguir, enunciar o problema que as
novas teorías suscitam e fixar as linhas-mestras do Densamente» católico
a propósito.

1. O problema

1. Há quem diga que "a presenca salvffica de Deus é mais ampia do


que os seres humanos e a Igreja". Por conseguinte, as religioes náo-
cristás seriam "caminhos de salvacáo incluidos positivamente no plano
salvffico de Deus"; nelas estaría atuando a graca de Cristo, de modo que
aqueles que al se salvem, conseguiriam a salvacáo pela graca de Cristo,
"causa constitutiva" dos bens definitivos; todavía os adeptos de tais cren
cas religiosas ¡gnoram, diz Karl Rahner, a acáo mediadora de Cristo, de
modo que sao "cristáos anónimos", chamados, porém, a tornar-se cris-
táos explícitos, plenamente integrados na Igreja.

2. Outros teólogos váo mais longe. Consideram as religioes nao


cristas como vias de salvacSo independentes urnas das outras e de Cristo.
O Senhor Jesús nao seria a causa constitutiva da salvacSo nem a Igreja
seria necessária. A finalidade desta seria apenas a de revelare promover
o Reino de Deus, que se vai formando na térra desde o primeiro instante
da criacáo. Ora, Deus pode ter algo a dizer ou realizar além do que foi
dito e efetuado por Cristo; em conseqüéncia, os cristáos entram em diá
logo com outras correntes religiosas nao só para ensinar, mas também
para aprender o que eles nunca aprenderam. Contudo - dizem tais teólo
gos - Cristo é a revelacáo final de Deus e, por ¡sto, é normativo para to
das as religioes: embora Cristo nao seja a causa constitutiva da salvacáo,
Ele é a norma segundo a qual as religides devem aferir a sua validade, e
o termo final em que elas encontram a sua consumacáo. Cristo nao está
no interior das religides náo-cristSs, mas está ácima délas, como norma
definitiva e "catalisador crítico". Por conseguinte, é possfvel salvar-se
fora da Igreja, mas nao fora de Cristo. Tal é a posicao de Hans Küng.

3. Outros ainda se atiram mais longe. Afirmam que o Cristianismo


se coloca simplesmente ao lado das outras crencas religiosas e que Jesús
tem, para a salvacáo, a mesma importancia que os fundadores de outras
religides. Assim descreve tal posicáo P. Knitter no artigo La teología cat-
tolica detle religioni a un crocevia. na revista Condlium XXII (1/1986), pp.
138-140):

Tais teólogos estáo ptomovendo um modelo teológico que vé Cristo jun


tamente com outras religioes e outras figuras religiosas. Insistem em dizer que
é possfveVprovável que, com Cristo e o Cristianismo, outras traOcóes tenham

267
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

a sua validade própria e independente e o seu lugar ao sol. Como sugere o


mito da torre de Babel, o pluralismo pode ser vontade de Deus. A verdade po
de nao estar ligada á unidade (Pannikar). Mais concretamente: ...pode aconte
cer que o budismo e o rúndutsmo sejam tño Importantes para a historia da sal
vacáo quanto o Cristianismo e que outros mestres e salvadores sejam táo im
portantes quanto Jesús de Nazaré.

Pode-se dizer que esta nova perspectiva é a etapa mais recente de


urna evolucáo natural no interior da Teología católica das religióes; essa evo-
lucáo passaria do eclesiocentrismo (Cristo/lgreja contra as religióes} ao Cris-
tocentrísmo (Cristo dentro ou ácima das religióes) e, finalmente, ao Teocen-
trismo. O centro da historia da salvacáo e ponto de partida para o diálogo ín
ter-religioso seria nSo mais a Igreja (como necessária á salvacáo), nem Cristo
(como normativo para a salvacáo), mas Deus como Misterio Divino".

Os fiéis católicos que adotam tais teorías recentes, perdem o seu


zelo missionário ou o interesse pela conversSo dos náo-católicos á fé da
Igreja; perguntam: "Se os homens se salvam também em outras corren-
tes religiosas, qual a necessidade de crer em Cristo e de pertencer d Igre
ja? Qual o papel de Cristo e da Igreja na obra de salvacáo dos homens?"
Com outras palavras: "Se a graca de Deus age ñas outras correntes reli
giosas e salva os que Ihes aderem com sinceridade e boa fé, por que de-
veria a Igreja ¡nteressar-se pela conversso dos náo-cristáos ao Cristia
nismo?" - Tais indagacóes deixam muitas pessoas inquietas e exigem es-
clarecimentos seguros.

2. O plano divino de salvacáo

Podemos resumir em cinco proposicóes a doutrina católica refe


rente á salvacáo:

2.1. "Deus quer que todos os homens sejam salvos" (ITm 2,3s)

Sao palavras do Apostólo: "Deus nosso Salvador quer que todos os


homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (ITm
2,3s}. Algo de semelhante se lé na 2Pd 3,9: "O Sen no r nao tarda a cum-
prir a sua promessa, como pensam alguns, entendendo que há demora;
ele está usando de paciencia para convosco, porque neo quer que alguém
se perca, mas que todos venham a oonverter-se".

No Evangelho o Senhor manifesta sua vontade salvífica universal


quando se despede dos Apostólos:

"Ide e fazei que todas as nagóes se tornem discípulos, batízando-as em


nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo, e ensinando-as a observar tudo

268
CATOLICISMO E RELIGIÓES NÁO-CATÓLICAS 29

quanto vos ordenei. E eis que estou convosco todos os días até a consuma-
cáo dos séculos" (Mt 28,19s; cf. Me 16,15s).

Já os profetas do Antigo Testamento apregoavam esse mesmo de


signio salvífico válido para todos os povos:

"Otas viráo em que o monte da casa do Senhor será estabelecido no


mais alto das montanhas e se algara ácima de todos os outeiros. A ele acorre
rlo todas as nagóes; muitos povos viráo dizenao: 'Vinde, subamos ao monte
do Senhor, á casa do Deus de Jaco, para que ele nos instrua a respeito dos
seus caminhos e assim andemos ñas suas veredas'. Com efeito, de Sion sai-
rá a Leí, e de Jerusalém a palavra do Senhor. Ele julgará as nagóes, com'girá
muitos povos. Estes quebraráo as suas espadas, transformando-as em re
inas, e as suas tancas, a fím de fazerem podadeiras. Urna nacáo nao levanta
rá a espada contra outra, nem aprenderSo mais a fazer guerra. Ó casa de Ja
co, vinde, andemos na luz do Senhor!" (Is 2,2-5).

No livro do profeta Isaías, o Servidor de Javé é chamado a levar a


salva?áo de Deus até as extremidades da térra (cf. Is 49,6). Joñas foi en
viado a pregar aos habitantes de Nfnive paga, a fim de que se convertes-
sem e salvassem (cf. Jn 3,1 -10).

Essa vontade salvffica de Deus nao é meramente teórica; ao con


trario, implica que o Senhor dé a todos os homens os meios ou a grapa
para libertar-se do pecado e das suas conseqüéncias, chegando assim
a receber urna vida nova, que os póe em comunháo com o próprio Deus.
Ninguém se salva por suas próprias forjas, mas táo-somente por grapa
de Deus.

2.2. O designio saMftco de Deus se exerce por Jesús Cristo e so-


mente por Jesús Cristo

Jesús é o Salvador..., e o único Salvador. Eis duas proposicóes


muito claras ñas fontes da fé.

a) "Cristo Jesús veio ao mundo para salvar os pecadores", afirma


Sao Paulo (1Tm 1,15). Ele "veio para procurare salvar o que se perderá"
(Le 19,10). "Como pela desobediencia de um so homem todos foram fei-
tos pecadores, assim também pela obediencia de um só todos sao justifi
cados" (Rm 5,19). Ainda afirma o Apostólo: "Todos pecaram eestáo pri
vados da gloria de Deus, mas sao justificados gratuitamente pela sua gra-
ca, em virtude da redencáo realizada por Jesús Cristo" (Rm 3,23s).

b) Jesús nao é um Salvador, ao lado de Buda, Moisés, Zaratustra,


Lao-Tse, Confúcio, Maomé... Como os demais homens, também estes

269
30 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

chefes religiosos precisam da salvacáo que vem de Jesús Cristo. Este é a


Porta, que dá acesso ao rebanho de Deus: "Eu sou a Porta; se alguém
entra por mim, será salvo" (Jo 10,9).

Por ¡sto Sao Pedro pode professar diante do Sinedrio: "Em ne-
nhum outro (se nao em Jesús) há salvacáo; com efeito, nao foi dado cu-
tro nome aos homens debaixo do céu, pelo qual possamos ser salvos"
<At4.12).

c) Jesús, único Salvador, é também o Salvador definitivo: a salva


cáo trazida por Ele nao será substituida por nenhuma outra dispensado
da graca: "Ninguém vai ao Pai senáo por mim", pois Jesús "é o Cami-
nho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). É Sao Paulo quem escreve: "Há um
só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, o homem Jesús
Cristo, que se deu em resgate por todos" (1Tm 2,5s>.

A posicáo de Jesús como Salvador nao se deriva da grandeza da


sua personalidade humana nem da profundidade da sua mensagem, mas
do fato de que Ele é o Filho de Deus feito homem. Jesús nao é simples-
mente um grande profeta ou um chefe dinámico nem um místico ardoro
so, penetrado do senso de Deus mais do que os outros mestres; Ele ul
tra passa todas estas categorías, visto que é o próprio Deus manifestado
na carne humana.

2.3. A salvacáo obtida por Cristo pressupóe o Batismo e certa for


ma de pertenca a Igreja instituida por Jesús e confiada a Pedro

Na verdade, ninguém pode entrar no Reino de Deus se nao nasce


da agua e do Espirito Santo (cf. Jo 3,5), isto é, se nao recebe o Batismo,
que incorpora o fiel ao novo povo de Deus, que é a Igreja: "Ide por todo
o mundo, e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for balizado,
será salvo, mas quem nSo crer será condenado" (Me 16,15s). Por isto o
Concilio do Vaticano II "ensina, apoiando-se sobre a S. Escritura e a Tra-
dicáo, que esta Igreja peregrina é necessária á salvacáo" (Constituicáo
Lumen Gentium n-14). Mais explícitamente diz o Concilio:

"Somente Cristo presente para nos em seu Corpo, que é a Igreja, é o


Mediador e a via da satvacáo; ora, Ele, inculcando expressamente a necessi-
dade da fé e do Batismo, confírmou também a necessidade da Igreja, na qual
os homens entram mediante o Batismo como por urna porta" (Constituigáo
Lumen Gentium n? 14).

Eis, porém, que a obrigacáo de pertencer á Igreja só se impóe


aqueles que conhecem a Igreja e sabem que é, por disposicáo divina, ne
cessária á salvacáo. Diz o Concilio:

270
CATOLICISMO E RELIG1ÓES NÁO-CATÓLICAS 31

"Nao podem salvarse aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi
fundada por Deus mediante Jesús Cristo como instítuicéo necessária, apesar
disto nao querem entrar nela ou nela perseverar" (Const. Lumen Gentium n-
14).

Tal caso parece raro; identifica-se com o pecado contra o Espirito


Santo, que é a recusa explícita e consciente da graca de Deus. Muito mais
freqüente é o caso daqueles que, sem culpa (por falta de adequada ins-
trucáo religiosa), ignoram o auténtico sentido do Evangelho e da Igreja.
Estes nao tém em consciéncia a obrigacáo de aderir á Igreja para sal-
var-se; o Senhor Deus nao Ihes pede o que eles nao podem dar; salvar-
se-ao se procurarem sinceramente fazer a vontade de Deus como a co-
nhecem, mesmo permanecendo fora da Igreja visfvel. Sao palavras do
Concilio:

"Aqueles que, sem culpa, ignoram o Evangelho de Cristo e sua Igreja,


mas buscam a Deus de coracáo sincero e tentam, sob o influxo da graga,
cumprirpor obras a Sua vontade conhecida através do ditame da consciéncia,
podem conseguir a salvacáo eterna. E a Divina Providencia nao nega os auxf-
lios necessários á salvacáo aqueles que sem culpa ainda nao chegaram ao
conhecimento expresso de Deus e se esforcam, nao sem a divina graca, por
levar urna vida reta. Tudo o que de bom e verdadeiro se encontra entre eles, a
Igreja julga-o como preparacáo evangélica, dada por Aquele que ilumina todo
homem, para que tenha a vida" (Const Lumen Gentium n916).

Estas palavras se aplicam até aos ateus que de boa fé estejam no


ateísmo. Educados em ambiente hostil á religiáo, só conhecendo carica
turas de Deus e do Evangelho, muitos cidadios dos países comunistas
podem dizer-se ateus simplesmente por nao conhecerem a verdadeira
face de Deus; nao obstante, pode-se admitir que em alguns casos ha ja
urna consciéncia sincera, capaz de se sacrificar em prol da verdade que
conhecem, em prol do bem, da honra, da fidelidade, da responsabilidade,
etc. Só nao sao crentes, porque nunca Ihes foi proposta a auténtica ima-
gem de Deus. Esses podem salvar-se com a graga de Deus, mediante o
sangue de Cristo e pelo sacramento da Igreja.

Essa mediacáo da Igreja, "corpo prolongado de Cristo" (cf. Cl 1,24),


pode ser visfvel ou invisfvel. Visivel-. no caso dos fiéis que explicitamente
pertencem á Igreja. Invisfvel-. no caso dos que nao professam a mesma
fé ou nao obedecem aos mesmos pastores; estes, desde que estejam sin
ceramente de boa fé em sua posicáo filosófico-religiosa, pertencem invi-
sivelmente á Igreja, pois sao atingidos, sem o saber, pela salvacáo que
passa pela Igreja; a fe ensina que Cristo Redentor e sua Igreja, confiada a
Pedro e seus sucessores, sao inseparáveis um do outro.

271
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

Com outras palavras pode-se aínda dizer: todos os homens que se


salvam, salvam-se mediante o Batismo ministrado por Cristo e pela
Igreja. Todavía distinga-se:

1) o Batismo de agua, receñido por quem pertence visivelmente á Igreja;

explícito: no caso dos catecúmenos que mor-


ram antes do Batismo de agua;

implícito: tal é o caso das pessoas que, embora


ignorem a necessidade do sacra-
2) o Batismo de desejo i mentó do Batismo, vivem táo reta e
sinceramente que, se conhecessem a
instituicáo do Batismo por parte do
Senhor Deus, logo o pediriam. Tais
pessoas esforcam-se por correspon
der em tudo ás inspiracóes de Deus,
tais como as podem captar.

Mais de urna vez, o Concilio do Vaticano II incutiu a posicáo singu


lar da Igreja Católica entre todas as demais comunidades religiosas. As-
si m a própria Declaracáo sobre a Liberdade Religiosa enfatiza:

"Professa em primeiro lugar o Sacro Sínodo que o próprio Deus mani-


festou ao género humano o caminho pelo qualos homens, servindo a Ele, pu-
dessem salvarse e tomarse feSzes em Cristo. Cremos que essa única e
verdadeira Religiáo subsiste na Igreja Católica e Apostólica, a quem o Senhor
Jesús confíou a tárela de difundí-la aos homens todos, quando disse aos
apostólos: 'Ide, pois, e ensinai os povos todos, batizando-os em nome do Pal,
do Rlho e do Espirito Santo, ensinando-lhes a guardar tudo quanto vos man-
dei" (Mt 28,19s). Por sua vez, esláo os homens todos obrigados a procurar a
verdade, sobretudo aqueta que diz respeito a Deus e á sua Igreja e, depois de
conhecé-la, a abragá-la e a praticá-la" (Declaracáo Dignttatis Humanae
rí^1)

O mesmo se lé na Constituicáo Lumen Gentium:

"Esta é a única Igreja de Cristo, que no Símbolo confessamos una,


santa, católica e apostólica; que nosso Salvador, depois da sua ressurreicáo,
entregou a Pedro para apascentar (Jo 21,17) e confíou a ele e aos demais
apóstalos para a propagar e reger (el. Mt 28, 18-20), erguendo-a para sem-
pre como coluna e fundamento da verdade (el. 1Tm 3,15). Esta Igreja, consti
tuida e organizada neste mundo como urna sociedade, subsiste na Igreja Ca
tólica govemada pelo sucessor de Pedro e pelos Bisóos em comunháo com
ele, embora tora de sua visfvel estrutura se encontrem varios elementos de

272
CATOLICISMO E RELIGIÓES NÁO-CATÓLICAS 33

santificacSo e verdade. Esles elementos, como dons próprios á Igreja de


Cristo, impelem á unidade católica" (n*8).

O verbo subsiste ocorrente nos dois textos ácima quer dizer que
a Igreja de Cristo se encontra, com todos os seus elementos essenciais e
santificadores, na Igreja Católica confiada a Pedro e seus sucessores; ao
lado desta, existem comunidades eclesiais que possuem elementos da
Igreja (a Biblia, o Batismo, a oracio, o espirito de mortificacáo...), mas
nao os possuem todos; nelas a Igreja de Cristo so pode existir ¡mperfeita
ou incompleta.

2.4. Em conseqüentia toca á Igreja Católica o dever misstonárío de


anunciar o Evangelho

É o que declara o Decreto Ad Gentes sobre a acáo missionária da


Igreja:

"O motivo dessa aívidade missionária está na vontade de Deus, que


'quer que todos os homens sejam salvos e venham ao conhecimento da ver
dade. Porque um 6 Deus, um é também o mediador entre Deus e os homens,
o bomem Cristo Jesús, que se entregou para a redenc&o de todos' (1Tm
2,4s). 'E em nenhum outro há salvacéo' (At 4,12). É necessário que pela pre-
gagSo da Igreja todos O reconhecam e a Ele se convertam e pelo Batismo
sejam incorporados nele e na Igreja seu Como. Cristo mesmo por sua vez, in
culcando com palavras expressas a necessidade da fé e do Batismo, ao
mesmo lempo conñrmou a necessidade da Igreja, na qual os homens entram
pelo Batismo como por urna porta... Por feto a aUvidade missionária hoje como
sempre conserva íntegra a sua torca e necessidade" (nB 7).

Pregar o Evangelho a quem nao o conhece, é dever de caridade


fraterna que incumbe a todo fiel católico, pois o Pao da Palavra que leva
a vida eterna, ainda é mais necessário do que o pao de mesa. Nio se
confunda essa aciío missionária com proselitismo. Este consiste em vio
lentar a consciéncia dos ouvintes, constrangendo-os a abracar a fé crista
mediante promessas de emprego, assisténcia médica, escola, etc. É in
digno do pregador aumentar o número de seus seguidores mediante tais
recursos, que exploram a indigencia dos irmáos e os violenta; as verda
des da fé hSo de ser apregoadas com clareza e amor, de modo que os
ouvintes as possam perceber e, se quiserem, livremente abracar. Tam
bém nao se deve confundir a pregacáo missionária com dominacáo cul
tural; o fato de que alguém transmite a verdade a seu semelhante, nao
Ihe dá o direito de o dominar, como também nao se torna dominador
aquele que alfabetiza ou comunica traeos de civilizacSo universal.

273
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

25. A Igreja Católica reconhece a existencia de auténticos valares


religiosos lora do Catolicismo

Esta afirmacáo fundamenta-se sobre duas observacóes:

1) Existe urna religiosidade natural congénita em todo e qualquer


ser humano: assim todos reconhecem com certa facilidade a existencia de
Deus ou do Misterio e do Transcendental; todos sao propensos a invocar
a Divindade, especialmente nos momentos de tribu lacáo; todos tém urna
consciSncia moral (ainda que rudimentar}, a qual é a voz de Deus, pronta
a denunciar o pecado e a exaltar a virtude; em geral, os povos professam
também o amor ao próximo, principalmente aos mais necessitados
(existe urna compaixáo natural)... Daf surgem diversas formas de culto
religioso natural (sem dúvida, mescladas de aberracóes em muitos ca
sos).

2) Alguns grupos religiosos ultrapassam a religiosidade mera


mente natural e professsm elementos da religiáo revelada. Assim os ju-
deus, que tém os livros do Antigo Testamento e a expectativa do Reino
de Deus em sua plenitude. Assim também os muculmanos, que reconhe
cem traeos e figuras do Antigo e do Novo Testamento: o patriarca Abraáo,
Moisés. Jesús Cristo (embora só o considerem como Profeta), María
Santlssima, a total submissáo a Deus (Isla significa submissáo).

Declara o Concilio:

"A Igreja Católica nada rejeita do que há de verdadeiro e santo nessas


retigióes (nSo católicas). Considera ela com sincera atengáo aqueles modos
de agir e vivar, aqueles preceitos e doutrinas. Se bem que em muitos pontos
estejam em desacordó com os que Ela mesma tem e anuncia, nao raro, con-
tudo, refletem lampejos daquela Verdade que ilumina todos os homens (cf. Jo
1,9)...

Exorta por feto seus filhos a que, com prudencia e amor, através do
diálogo e da cotaboracáo com os seguidores de outras religióes, testemu-
nhando sempre afee a vida cristas, reconhecam, mantenham e desenvotvam
os bens espirituais e moráis, como também os valores sódo-culturais que en
tre eles se encontram" (DeclaracSo Nostra Aetate nB2).

É á luz destas proposites que repassamos.

3. O Encontró de Assis

Tal assembléia reuniu, pela primeira vez na historia, representantes


da Igreja Católica, de outras comunidades cristas e das principáis reli-

274
CATOLICISMO E RELIGIÓES NAO-CATÓLICAS 35

gióes do mundo ¡nteiro, a fim de se dedicarem ao jejum e á oracáo em


prol da paz mundial.

É de notar que o Encontró de Assis nao discutiu doutrinas. N3o


tentou encontrar um mínimo denominador comum de todos os Credos.
Mas baseou-se no fato - eloqüentemente comprovado pela historia das
religióes - de que todo e qualquer homem, além de ser homo faber, ho
mo ludens, homo sapiens, é também homo religiosus..., homem que
acredita numa Realidade absoluta e que tem por experiencia fundamental
a experiencia do Sagrado. Foi em funcáo desta dimensáo comum e fun
damental que os homens se reuniram em Assis; a oracáo é a expressáo
mais espontánea e universal dos anseios religiosos do ser humano, an-
seios que a Declaracio Nostra Aetate assim descreve:

"Por meto de religióes diversas procuran) os homens urna resposta aos


profundos enigmas para a condigno humana, que tanto ontem como hoje afíi-
gem intimamente os espfrítos dos homens, quais sejam: que é o homem, qual
o sentido e o fim de nossa vida, que é bem e que é pecado, qual a origem dos
sofrimentos e qual sua tinalidade, qual o caminho para obter a verdadeira feli-
cidade, que é a morte, ojulgamento e a retribuigáo após a morte e, finalmente,
que é aquele supremo e inefável misterio que envolve nossa existencia, donde
nos originamos e para o qual caminhamos" (ne 1).

Para evitar toda aparéncia de ecleticismo e por respeito aos diver


sos Credos, nao houve urna fórmula única de oracáo, mas cada grupo re-
zou a seu modo em presenca dos demais. No ponto culminante do En
contró de Assis, ou seja, na tarde de 27/10/86, houve especial empenho
por evitar todo sincretismo: na praca adjacente á Basílica inferior de Sao
Francisco, foi colocado um estrado, ao qual tiveram acesso sucessiva-
mente os diversos grupos religiosos, a fim de proferir a sua oracáo; os
demais representantes religiosos, dispostos em semicírculo, assistiam em
silencio. Assim foram mantidas as diferencas num clima de aspiragóes
convergentes e expressóes similares. Oeu-se um passo inédito no sentido
de aproximar os homens entre si, salvaguardada a identidade religiosa de
cada qual - o que está bem na- linha do diálogo religioso preconizado
pelo Concilio do Vaticano II.

Em vez de recear, possam os fiéis católicos regozijar-se por quanto


se deu na memorável Jornada de 27/10/86!

/Veste artigo muito nos servimos do Editorial Salvesa in Cristo e le


religión! non cristiane, de La Civiltá Cattolica, 07/02/1987, n? 3279.
pp. 209-221.

275
Pontificia Comisséo "Justina e Paz":

Divida externa:
questáo crucial

Em símese: A Pontificia Comissáo "Justiga e Paz", a pedido do Santo


Padre, realizou um estudo sobre o grave problema da divida externa dos paí
ses em vías de desenvolvimento. Acentúa fortemente os deveres de solida
riedade e co-responsabilidade que tocam a devedores e credores resta hora
difícil. Termina com a proposta de um projeto similar ao Plano Marshall, que
reergueu os países vfíimas da Segunda Guerra Mundial: as nagóes industriali
zadas prestariam especial assisténcia ás mais pobres a fím de que estas
consigan) reerguer os seus ánimos e concentrar suas torcas na recuperacño
da respectiva economía.

O problema da divida externa acabrunha o Brasil e outros países.


Entre as muitas facetas da questáo, está o seu aspecto ético. Este interes-
sa á consciéncia crista; por isto a Igreja se manifestou oficialmente a res-
peito num documento notável, datado de 27/12/86 e assinado pelo Car-
deal Roger Etchegaray e por Mons. Jorge Mejla, respectivamente Presi
dente e Vice-presidente da Comissáo Pontificia "Justiga e Paz".

O documento consta de Introducáo, tres capítulos (19, Principios


éticos; 2?, Encarar as Urgencias; 3?, Assumir de modo solidario as Res
ponsabilidades do Futuro) e urna Proposta Final. É perpassado por ape
los á solidariedade, á co-responsabilidade, a relacáo de confianca, a saber
compartilhar esforcos e sacrificios, a suscitar a participacáo de todos e a
articular as medidas de urgencia e as de longo prazo. Detém-se princi
palmente no enunciado das responsabilidades, que háo de ser assumidas
solidariamente tanto pelos países industrializados como pelos pafses em
desenvolvimento (3. 1-4). Por ser esta a parte mais importante do texto,
transcrevemo-la por inteiro a seguir.

276
DfVIDA EXTERNA 37

O TEXTO DA SANTA SÉ
"3. ASSUMIR DE MODO SOLIDARIO AS RESPONSABILIDADES
DO FUTURO

3.1. Responsabilidades dos países industrializados

Num mundo de crescente interdependencia entre as nacóes, urna


ética de solidariedade ampliada contribuirá para transformar as relacces
económicas (comerciáis, financeiras e monetarias) em relacóes de justica
e de servico recíproco, urna vez que com freqüéncia sao apenas relacóes
de forca e de interesse.5

Em razáo do seu maior poder económico, os países industrializados


tém urna responsabilidade mais seria, que devem reconhecer e aceitar,
ainda que a crise económica os tenha posto muitas vezes diante dos gra
ves problemas do desemprego e da recessio.6 Estamos longe do tempo
em que eles podiam agir, sem levar em conta os efeitos da sua própria
política sobre as outras nacóes. Correspqnde-lhes avaliar as repercus-
sóes, positivas e negativas, nos outros membros da comunidade interna
cional, e modificá-las, se as conseqüéncias pesam demasiado sobre ou
tros países, especialmente os mais pobres. Descurar tais efeitos da inter
dependencia ou nao procurar avaliá-los e controlá-los é fruto do egoís
mo coletivo de urna nació. Formar a opiniáo para a abertura internacio
nal e para os deveres da solidariedade ampliada, compete ás autoridades
sociais, económicas, educativas, religiosas e também, de modo especial,
aos dirigentes políticos, cor., freqüéncia mais inclinados a dar prioridade
exclusiva aos interesses nacionais, em vez de explicarem aos seus conci-
dadáos os aspectos positivos de urna distribuicáo mais equitativa dos
bens a nivel internacional. O Papa Paulo VI indicava-o já na sua Encíclica
sobre 'O desenvolvimento dos povos' (n. 84): 'Homens de Estado, a vos
compete mobilizar as vossas comunidades mima solidariedade mundial

5Congregacáo para a Doutrina da Fé, Instrueáo sobre a Liberdade Cris


ta e a Libertacáo, n. 16: "Entre as nacóes dotadas de poderío e as que dele
sao privadas ¡nstalaram-se novas relagóes de desigualdade e de opressáo. A
busca do interesse próprio parece ser a regra das relagóes intemacionais,
sem que se leve em consideracSo o bem comum da humanidade."

6Cf. ibid., n. 90: "O principio da destinagSo universal dos bens, juntamente
com o da Iraternidade humana e sobrenatural, impóe aos países mais ricos
deveres para com os países pobres. Deveres que sao de sotidariedade na
ajuda aos países em desenvolvimento. de justica social, mediante urna revi-
sáo, em termos corretos, das relacóes comerciáis entre Norte e Sul e pela
promocéo de um mundo mais humano para todos."

277
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

mais eficaz, e antes de tudo fazé-las aceitar as necessárias diminuicóes do


seu luxo e dos seus gastos, para promover o desenvolvimento e salvar a
paz'. Falar de partilha ou, antes, de uma certa austeridade, sÓ será enten
dido, se se fizer apelo aos valores de fraternidade e de solidariedade, em
vista da paz e do desenvolvimento.

Ante o desafio da divida crescente nos países em desenvolvimento,


a responsabilidade dos países industrializados aplica-se aos seguintes
campos específicos:

1. A divida dos países em desenvolvimento agravou-se por causa


da crise económica mundial, cujos efeitos (baixa do nivel de vida dos
mais pobres, aumento do desemprego...) tém pesado sobre as popula-
c.óes. Uma retomada duradoura e sustentada do crescimento nos países
industrializados ajudará a economía mundial a sair da crise, e aos países
endividados a fazer frente ás obrigacóes da sua divida a medio e tongo
prazo, sem comprometer muito o seu próprio desenvolvimento. Me
diante a sua política económica, os países industrializados esforcam-:
se, por parte de seus governos e das suas populares, por reanimar o
crescimento económico: mas devem medir os efeitos que isto produz so
bre os países em desenvolvimento e modificar, se necessário, as regras
atuais do comercio internacional, que se opóem a uma distribuido mais
justa dos frutos desse crescimento. Do contrario, cresceria ainda a margi-
nalizacáo dos países mais pobres e aumentaria a desigualdade entre as
nacóes. Por em prática políticas económicas que dém um novo impulso
ao crescimento em beneficio de todos os povos, controlando ao mesmo
tempo a inflacáo, fonte de novas desigualdades, é uma tarefa difícil, mas
estimulante. Ela exige dos dirigentes políticos, económicos e sociais,
qualidades de competencia e desinteresse, abertura ás necessidades das
outras nacóes e ¡maginacáo para encontrar novos caminhos.

- 2. Os países industrializados precisam renunciar ás medidas de


protecionismo, que criam dificuldades ás exportacóes dos países em de
senvolvimento. Isto estimularía a capacidade económica desses países,
sobretudo se os conhecimentos técnicos forem compartilhados. Os paí
ses industrializados serio levados a prever uma recessSo das suas eco
nomías, controlando preventivamente os efeitos sociais ñas suas popula-
cóes. A atual concurrencia técnica e económica entre todos os países -
em primeiro lugar, entre os mesmos países industrializados - tem sido
desenfreada, assumindo o aspecto de uma guerra cruel, que ignora os
efeitos perniciosos sobre os mais fracos. A Igreja, atenta aos apelos des-
tes, convida todos os homens de boa vontade e, de modo especial, os
responsáveis pela política económica, a buscar os meios para uma me-
Ihor distrtbuicáo internacional das atividades económicas e do trabalho.7

7CU JOÁO PAULO II, Encíclica Laborem Exercens, 14 de setembro de


1981, n. 18.

278
DÍVIDA EXTERNA 39

3. As taxas de juro aplicadas pelos países industrializados sao ele


vadas e dificultam o reembolso por parte dos países em desenvolvimento
endividados. Uma coordenado das políticas financeiras e monetarias dos
países industrializados permitirá abaixá-las a um nivel razoável e evitar
as flutuafóes imprevislveis das taxas de cambio. Estas últimas favorecem
ganhos especulativos ilícitos e as evasóes de capitais nacionais, nova cau
sa de empobrecimento para os países em desenvolvimento.

4. Deve fazer-se novo e atento exame das condicóes do comercio


internacional (em particular, a instabilidade dos precos das materias-pri
mas), de acordó com todos os países e utilizando as competencias das
instituicóes internacionais interessadas, a fim de fazer prevalecer melhor
as exigencias de justiga e de solidariedade internacionais, onde dominam
exclusivamente os interesses nacionais.

Tomar decisóes para rea ti va r o crescimento, reduzir o protecionis-


mo, abaixar as taxas de juro; valorizar as materias-primas, tudo isto pa
rece corresponder hoje á responsabilidade dos países industrializados,
a fim de cooperar para um desenvolvimento solidario da humanidade.8

3.2. Responsabilidades dos países em desenvolvimento

Aceitar a co-responsabilidade internacional significa, para os países


em desenvolvimento, proceder a um exame das causas internas que
contribuíram para aumentar a divida. Significa também considerar as po
líticas necessárias de saneamento de suas financas, a fim de aliviar, ha-
quilo que deles depende, o peso da divida, e promover o seu próprio de
senvolvimento conforme a perspectiva da Encíclica de Paulo VI já citada:
'A solidariedade mundial, cada vez mais eficiente, permita a todos os po-
vos tomarem-se artífices do seu destino', com a aspiracéo de que 'venha
um dia em que as retacees internacionais hio-de possuir o cunho de res-
peito mutuo e amizade, de interdependencia na colaborando e de promo-
cáo comum, sob a responsabilidade de cada individuo'.9

Um exame correto da divida atual revelará a particularídade de ca


da país em desenvotvimento, tanto a respeito das causas internas e ex
ternas como das solucóes e possibilidades futuras. A diversidade destas
situacóes nasce de fatores múltiplos: recursos naturais mais ou menos
bem administrados (produtos energéticos e minerais, espacos cultiváveis,
clima, facilidades de comunicacáo); valorizacáo dos recursos humanos;

8CI. PAULO VI, Enciclica Populorum Progressio, nn. 56 a 66.

9lbid., n. 65.

279
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

orientacóes das políticas nacionais (económica, social, financeira, mone


taria). O exame de cada caso permitirá urna avaliacáo mais justa das res
ponsabilidades e das solucces adotadas, tendo sempre em conta a soli-
dariedade entre todos os países em desenvolvimento, que podem enten-
der-se, com razáo, em nivel regional e mundial.

É de desejar que todos os dirigentes de um pafs participen! neste


exame da situacáo, especialmente da crise financeira e monetaria que ele
atravessa. Deverao ter a coragem cívica e moral de informar as popula*
cóes, com um empenho de verdade e participacáo, acerca da responsabi-
lidade própria de cada um e de cada categoría social, a fim de se criar um
consenso sobre os ajustamentos económicos a serem feitos, sobre as
prioridades nos objetivos. Em particular, os dirigentes de um pafs com
dificuldades económicas e financeiras tém, muitas vezes, a tentacáo de
lanzar toda a responsabilidade sobre outros países, para evitarem a expli-
cacáo dos seus próprios comportamentos, erros ou abusos e a proposta
de mudancas que os afetariam diretamente. A denuncia das injusticas,
cometidas ou consentidas pelos outros, para ser escutada, deve ser
acompanhada de um esclarecimento sobre a própria conduta. 'É dema
siadamente fácil alijar sobre os outros a responsabilidade das injusticas,
se nao se toma consciéncia, ao mesmo tempo, de como se tem parte ne-
la, e de como a conversáo pessoal é necessária, mais do que qualquer
outra coisa'.tO Também a Igreja caminha por esta vía.11
A linha de demarcado entre ricos e pobres nao passa apenas entre
as nacóes. Passa também, em cada nacáo, entre as classes sociais e as
regióes. Há ricos nos países pobres, e pobres nos pafses ricos. Num
mesmo territorio nacional há regióes mais pobres e regióes prósperas. Já
em 1961, Joáo XXIII sublinhava estes novos aspectos da justica: 'O avan
eo da historia faz ressaltar, cada vez mais, as exigencias da justica e da
eqüidade, que nao intervem apenas ñas relacóes entre operarios e em
presas ou a direcáo destas, mas dizem também respeito as relacóes entre
os diversos setores económicos, entre zonas económicamente desenvol
vidas e zonas económicamente menos desenvolvidas dentro da econo
mía nacional, e, no plano mundial, as relacóes entre Pafses desigual
mente desenvolvidos em materia económica e social'.12

10PAULO VI, Carta Octogésima Adveniens ao Card. Maurice Roy, 14 de


mato de 1971, n. 48.

. Sínodo dos Bispos. Justina no Mundo, nn. 42a 51.

12JOÁO XXIII, Encíclica Mater et Magistra, 15 de /nato de 1961, n. 122;


cf. também Congregagáo para a Doulrina da Fé, Instrucao sobre a Liberda-
de Crista e a Libertacao: "Entre as nacóes dotadas de poderío e as que dele

280
DÍVIDA EXTERNA 41

As categorías que detém o poder, nos países em desenvolvimento,


devem aceitar que os seus comportamentos e as suas eventuais respon
sabilidades na dtvida dos seus países sejam esclarecidos: negligencia na
¡nstalacao de estruturas adequadas ou abuso das estruturas existentes
(fraudes fiscais, corrupcáo, especulares financeiras, fuga de capitais pri
vados),13 'bakshishs' (propinas, remunerares ilícitas) nos contratos in-
ternacionais... Este dever de transparencia e de veracidade ajudaria a es-
tabelecer melhor as responsabilidades de cada um, a evitar as suspeitas
injustificadas e a propor as reformas adequadas e necessárias, tanto para
as instituicóes como para os comportamentos. 'A verdade, porém, é que
as estruturas instauradas para o bem das pessoas, por si mesmas, sao in-
capazes de realizá-lo e de garanti-lo. Prova-o a corrupcao que, em certos
países, atinge dirigentes e burocracia do Estado, destruindo qualquer vi
da social honesta. A retidáo dos costumes é condicáo indispensável para
a saúde da sociedade. É preciso, pois, trabalhar, ao mesmo tempo, para a
conversáo dos coracóes e a melhoria das estruturas...'14

O saneamento das práticas individuáis e colativas perante o di-


nheiro, e as reformas das instituicóes15 favoreceráo ou restabeleceráo a
confianca dos cidadáos, e também dos demais países, em ordem a acei-
tarem as necessárias medidas de correcáo e a cooperarem na sua aplica-
cao eficaz. Os dirigentes políticos, económicos e sociais tém a obrigacáo
moral de pór-se efetivamente a servico do bem comum do seu país, sem
buscar vantagens pessoais. Devem conceber a sua funcáo como um ser-

(continuacáo da nota 12):


sao privadas instalaram-se novas relagóes de desiguatdade e de opressáo"
(n. 16). "Ouem dispóe das tecnologías, possui o poder sobre a tena e sobre
os homens. Dafnascem formas de desigualdade, até entSo deseonhecidas,
entre os detentares do saber e aqueles que simptesmenta utitizam a técnica"
(n. 12):

13A "fuga de capitais" racionáis para outros patees nao é específica ape
nas dos países em vías de desenvolvimento, mas tem conseqüéncías mais
graves para esses países, quando estáo endividados, sobretudo se a fuga de
capitais atinge somas consideráveis. Neste ámbito novo, o jubo moral deve
partir em primeiro lugar de urna anáüse profunda, antes de propor respostas.

14Congregacáo para a Doutrina da F6, Instruyo sobre a Liberdade


Crista e a Libertacao, n. 75.

15Exame objetivo, saneamento do comportamento e reformas das institui


cóes nao competem apenas aos dirigentes dos países em desenvolvimento,
mas também aos dos países industrializados, nos seus espacos nactonais e
ñas retacees intemacionais.

281
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

yigo á comunidade, com a preocupacáo de que ha ja entre todos urna dis-


tribuicáo equitativa dos bens, dos servidos e dos empregos, dando priori-
dade ás necessidades dos mais pobres e evitando que recaia sobre eles o
peso das medidas económicas e financeiras que em consciéncia eles jul-
gam necessárias. Esta busca da justica social ñas decisóes políticas e eco
nómicas será tanto mais confiável e eficaz quanto mais os próprios diri
gentes adotarem um estilo de vida próximo daquele que os seus conci-
dadáos se véem obrigados a aceitar, ñas diffceis circunstancias do país.
Nesse sentido, os dirigentes cristáos deixar-se-áo estimular pelas exigen
cias do Evangelho.

Face a urna divida crescente, a responsabilidade própria dos países


em desenvolvimento se aplicará, em particular, aos campos seguintes,
tendo-se em conta a diversidade das suas respectivas situacóes:

1. Convém mobilizar todos os recursos nacionais disponlveis -


materiais e humanos - a fim de promover um crescimento económico
firme e assegurar o desenvolvimento do pats. O crescimento económico
nio é em si urna meta: é um meio necessário para responder as necessi
dades essenciais das populacóes, tendo-se em conta o aumento demo
gráfico e a legitima aspiracáo a melhoria dos nlveis de vida (saúde, edu-
cacáor cultura, assim como o consumo de bens materiais). A criacáo de
riqueza deve ser estimulada, a fim de poder assegurar-lhe a distribuicáo
entre todos, mais ampia e justamente.

Os fatores do crescimento económico sao varios e complexos, as


vezes diflceis de controlar e coordenar. É dever dos dirigentes - do setor
público e privado - leva-los todos em consideracáo ñas suas decisóes, o
que implica, da sua parte, competencia e preocupacáo pelo bem comum.
Tais fatores sao, entre outros, a escolha dos setores prioritarios, a selecáo
rigorosa dos investimentos, a reduelo dos gastos do Estado (especial
mente os gastos de representacao, ou com armamentos), a administra-
cao mais rigorosa das empresas públicas, o controle da inflacáo, a sus-
tencáo da moeda, a reforma fiscal, urna sadia reforma agraria, os estí
mulos as iniciativas privadas, a criacáo de empregos; outros tantos seto-
res em que a Igreja, recordando a dimensáo humana e ética, convida em
particular os cristáos a que elaborem solucóes concretas.

A reativacáo do crescimento permitirá responder melhor, progres-


sivamente, aos compromissos financeiros com o exterior (divida e paga
mento da divida) e a restabelecer relacóes máis equilibradas e confiáveis
com os outros países. Atenderá também ás necessidades das geracóes
futuras. Trata-se de um dever de solidariedade e de justica para com elas.

2. Para os países em desenvolvimento, a solidariedade internacio


nal implica urna abertura, que, se é justa e equilibrada, é um bem. Entre

282
DÍVIDA EXTERNA 43

os obstáculos a superar para conseguir um desenvolvimento solidario da


humanidade, o Papa Paulo VI assinala o nacionalismo: '0 nacionalismo
isola os povos, contrariando o seu verdadeiro bem. E seria particular
mente nocivo, onde a fraqueza das economías nacionais exige, ao con
trario do ¡solamente, que se ponham em comum esfonjos, conhecimen-
tos e recursos financeiros, para se realizarem programas de desenvolvi
mento, e aumentarem os intercambios comerciáis e culturáis'.'"'

É raro que um país disponha de todos os recursos necessários para


assegurar por si só o seu desenvolvimento e satisfazer és necessidades
da sua populacáo. É, por isso mesmo, levado a buscar no exterior capí-
tais, tecnologias, equipamentos. Urna criteriosa selecáo das importacóes
evitará aumentar a divida, sem por isso entravar o desenvolvimento.

Já a liberalizacjio ¡mediata e total do comercio internacional corre o


risco de criar urna competicio perigosa para as economías dos países em
desenvoivimento e de forcar adaptacóes demasiadamente rápidas e
traumáticas de certos setores de atividade. É preciso elaborar regras de
eqúidade para conter esses perigos e estabelecer melhor igualdade de
oportunidades. 'A justica social exige do comercio internacional, para ser
humano e moral, que restabeleca, entre as duas partes, pelo menos certa
igualdade de possibilidades... Quem duvida de que tal esforco comum,
no sentido de maior justica ñas relacóes comerciáis entre os povos, traria
aos países em desenvolvimento um auxilio positivo, cujos efeitos seriam
nao só ¡mediatos, mas também duradouros?'17

Hoje, o intercambio internacional incluí tecnología, capital, moedas,


servicos que requerem igual poder de barganha: 'Criar urna igualdade
real ñas discussóes e negociacóes... estabelecer normas gerais'.18
Em particular, as tecnologias modernas - se sao adequadas ao nivel
de desenvolvimento e a cultura de um país - favorecem o crescimento
económico. As nacóes que as inventam, dispóem, gracas a elas, de um
capital e de um poder que devem ser postos a servico de todos.19

- A cooperacáo regional, de modo especial entre os países em de


senvolvimento, é urna expressSo da solidariedade que se deve promover

16PAULO VI, Populorum Progressio, n. 6B.


17ltíd., a 61.

19Cf. JOÁO PAULO II, Encíclica Laborem Exercens, na 5 e 12. Congre-


gagSo para a Doutrina da Fó. Instrucáo sobre a Ltberdade Crista e a Li-
bertacáo. a 12.

283
44 "PERGUNTE £ RESPONDEREMOS" 301/1987

também no ámbito financeiro e monetario, inclusive para elaborar solu-


coes justas para os problemas nascidos da divida.

3.3. Responsabilidades dos credores para com os devedores

Ante as situacóes de urgencia, em que podem encontrar-se os paí


ses devedores, ¡ncapazes de satisfazer o pagamento da sua divida externa
- e nem sequer o pagamento dos juros anuais -, as responsabilidades
dos diversos credores podem ser precisadas no quadro de urna solidarie
dade de sobrevivencia. Essas disposicóes nao suprimem os di reí tos e de
veres respectivos, que vinculam credores e devedores.

O exame das causas - externas e internas - da dfvida, do seu au


mento, dos reembolsos exiglveis cada ano, para cada país, permitirá es
clarecer, mediante o diálogo, as responsabilidades do devedor e dos seus
diversos credores (Estados, bancos comerciáis) no sentido de encontrar
solufóes conforme á eqúidade.

Exceto quando os empréstimos foram combinados com taxas


usurarias, ou quando serviram para financiar projetos aceitos a prepos
abusivos, gratas a complacencias fraudulentas - casos em que se pode-
ria, em justifa, solicitar urna revisáo -, os credores tém direitos, reconhe-
cidos pelos devedores, quanto ao pagamento dos juros, ás condicóes e
aos prazos de reembolso. O respeito do contrato, de urna e de outra
parte, mantém a confianza. Todavia, os credores n§o podem exigir o pa
gamento a qualquer prego, sobretudo se o devedor se encontra em ex
trema necessidade.

1. Os Estados credores examinarSo as condicóes de reembolso que


sejam compatfveis com o atendimento das necessidades essenciais de
cada devedor; é necessário deixar a cada país urna suficiente capacidade
de financiar o próprio crescimento e, simultáneamente, posibilitar o
posterior pagamento da divida.

A diminuido das taxas de juro, a capitalizado dos pagamentos


ácima de urna taxa mínima de juro, um reescalonamento da divida num
prazo mais longo, facilidades de pagamento em moeda nacional..., sao
algumas das disposicdes concretas a serem negociadas com os países
endividados, a fim de aliviar o pagamento da divida e ajudar urna reto
mada do crescimento. Credores e devedores entrarSo em acordó sobre
as novas condicóes e prazos de pagamento, em espirito de solidariedade
e de partilha dos estorbos a aceitar. Em caso de desacordó sobre estas
modalidades, urna conciliacáo ou urna arbitragem podem ser solicitadas
e reconhecidas pelas duas partes. Um código de conduta internacional
seria útil para guiar, com algumas normas de valor ético, as negccbgóes.

284
DÍVIDA EXTERNA 45

Os Estados credores dedica rao urna particular atencáo aos países


mais pobres. Nalguns casos, eles poderáo converter os empréstimos em
doacóes; esta remissáo da divida, entretanto, nao deve empanar a credi-
bilidade financeira, económica e política dos países 'menos adiantados' e
bloquear novos fluxos de capitais provenientes dos Bancos.

Os fluxos de capitais públicos dos países industrializados devem de


novo alcancar o nivel dos compromissos concordados (ajuda pública ao
desenvolvimento) por via bilateral ou multilateral. Por meio de disposi-
cóes fiscais e financeiras, e com garantías contra riscos eventuais, os Es
tados credores ¡mpeliráo os Bancos comerciáis a continuar os emprésti
mos aos países em desenvolvimento, e, por meio de políticas concorda
tas monetarias, financeiras e comerciáis, eles favoreceráo o equilibrio das
bataneas de pagamento dos países em desenvolvimento, e, por isso
mesmo, o pagamento da sua divida.

2. Os Bancos comerciáis sao credores diretos dos países em desen


volvimento (Estados e empresas). Se os deveres destes Bancos para
com aqueles que Ihes confiam os seus depósitos, sao essenciais, e a con-
fianca destes só se mantém se tais deveres forem cumpridos, estes de-
veres nao sao os únicos e devem ser combinados com o respeito aos de-
vedores, cujas necessidades sao muitas vezes mais urgentes.

Os Bancos comerciáis deveráo participar nos esforcos dos Estados


credores e das organizacóes internacionais para a solucáo dos problemas
da dfvida: reescalonamento da divida, revisáo das taxas de juro, novo im
pulso dos investimentos nos países em desenvolvimento, financiamento
de projetos em funcáo do seu impacto social sobre o crescimento, com
preferencia aos projetos cuja rentabilidade é mais ¡mediata e mais segu
ra, e a outros cuja utilidade é discutlvel (equipamentos de luxo, arma
mentos...). Sem dúvida, esta atitude ultrapassa a funcáo tradicional dos
Bancos, convidando-os a um discernimento, que supere os criterios de
rentabilidade e seguranca dos capitais emprestados. Mas por que nao
aceitariam eles assumir urna parte de responsabilidade ante o maior de
safio do npsso tempo: promover o desenvolvimento solidario de todos os
povos e contribuir assim para a paz internacional? Todos os homens de
boa vontade sao convocados para essa tarefa, cada um segundo a sua
competencia, o seu compromisso profissional e o seu sentido de solida-
riedade.

3. As empresas multinacionais participam no fluxo internacional de


capitais, sob forma de investimentos produtivos e também de distribui
do de capitais (beneficios e amortizacóes). As suas políticas económicas
e financeiras infiuem assim sobre a balanca de pagamentos dos países
em desenvolvimento, de modo positivo ou negativo (novos investimen-

285
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

tos, reinversóes no mesmo lugar, ou remessa de lucros ao seu país e


venda de ativos).

Á medida que dirigem as atividades dessas empresas para partici


par nos planos de desenvolvimento (código nacional de investimento), os
poderes públicos dos patses em desenvolvimento estabeleceráo contra
tos com as empresas a fim de determinar as obrigacSes reciprocas, em
particular no que se refere aos fluxos de capitais e á fiscalizado.

As empresas multinacionais dispóem de um ampio poder económi


co, financeiro, tecnológico. As suas estrategias ultrapassam os próprios
limites geográficos e atravessam as nacfies. Elas devem participar ñas
soluc.oes destinadas a aliviar a divida dos pafses em desenvolvimento.
Protagonistas económicas e financeiras no campo internacional, elas sao
chamadas a co-responsabilidade e á solidariedade, para além dos seus
próprios interesses.

3.4. Responsabilidades das organizacSes financeiras muttilatsrais

Superadas as violencias e as desordens da Segunda Guerra Mun


dial, as nacóes associaram-se para promover a paz e a cooperacao inter
nacional, favorecer o desenvolvimento dos povos, responder, por meio
de instituicOes especializadas, ás necessidades essenciais dos homens
(saúde, alimentacáo, educacáo, cultura), e regular com eqüidade os seus
intercambios (comercio, industria). A Igreja tem sempre animado esses
esforcos em prol da construcáo de um mundo mais justo e mais solida
rio.20

Atualmente, as organizares internacionais encontram-se diante de


responsabilidades novas e urgentes: contribuir para resolver a crise da
divida dos países em desenvolvimento; evitar a derrocada generalizada
do sistema financeiro internacional; ajudar os povos, especialmente os
mais fráeos, a assegurar o seu desenvolvimento, lutar contra a ampliagáo
da pobreza sob as suas diferentes formas e, por este meio, promover a
paz eliminando as ameacas de confuto. Entre estas ameacas está, nao o
esquecamos, 'a ¡mprevisfvel e flutuante situacáo financeira, com o seu
impacto direto em Países que tém grandes dividas e que lutam para che-
gar a um desenvolvimento positivo'.21

20Cf. JOÁO PAULO II, Mensagem para a 40? Assembléia geral da


ONU, 18 de outubro de 1985, nn. 2-3.

21JOÁO PAULO II, Mensagem para a celebrado do Dia Mundial da


Paz - 1986, n. 2. Entre as sugestóes: reduzir as tensóos NorteSul: "Pensó
na divida que as nagóes pobres carregam e num uso melhor e mais respon-
sáveldos créditos nos 'países endividados'".

286
DÍVIDA EXTERNA 47

Aos Estados membros, especialmente aqueles que, pelo seu poder


económico e aporte de capitais, tém urna influencia preponderante ñas
decisóes, corresponde apoiar ativamente essas organizacóes, precisar as
suas tarefas, ampliar as suas iniciativas e transformar esses lugares de
poder em centros de diálogo e de cooperacao, em vista do bem comum
internacional.

A cada urna das organizacóes multilaterais: Fundo Monetario Inter


nacional (FMI), Banco Mundial, Bancos regionais, cabem funcóes especí
ficas e, portanto, responsabilidades próprias. Para sublinhar o seu caráter
de solidariedade e de harmonizacáó, estas instancias reconhecem a ne-
cessidade de intensificar a representacao dos países em desenvolvimento
e a sua participacáo ñas grandes decisóes económicas ¡nternacionais que
Ihes concernem. Elas trataráo de coordenar os seus esforcos e as suas
políticas a fim de responderem, de maneira coerente e específica, ás ne-
cessidades mais urgentes da divida, com perspectivas para o futuro. Pro-
curaráo de igual modo entrar em acordó com os outros atores financei-
ros ¡nternacionais, para fixar, em diálogo com os países endividados, as
medidas a tomar, e para assumir os respectivos encargos, segundo as
possibilidades e a funcáo de cada urna.

Sem entrar em pormenores, próprios da 'vocacáo dos leigos que


atuam por sua própria iniciativa com os seus concidadaos',24 a Igreja
chama a atencáo das organizacóes financeiras multilaterais e daqueles
que nelas trabalham, para alguns pontos dignos de consideracáo:

- examinar, de modo público e adaptado a cada país em desenvol


vimento, as 'condicóes' postas pelo FMI para os empréstimos; levar em
conta o componente humano na hora de 'aumentar a vigilancia' sobre as
medidas de ajustamento (da economía interna) e de julgar os resultados
obtidos;

- estimular novos capitais - públicos e privados - para financia-


mentó de projetos prioritarios para os países em desenvolvimento;

- favorecer o diálogo entre credores e devedores, em ordem a um


reescalonamento das dividas e urna atenuacao do montante das parcelas,
distribuidas em um ou, se possível, em varios anos;

24CI. Congregagao para a Doutrina da Fé, Instrucao sobre a Liberdade


Cristi e a Libertario, n. 80.

287
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 301/1987

- prever disposicóes especiáis para remediar as dificuldades finan


ceiras devidas a catástrofes naturais, a variacdes excessivas dos precos
das materias-primas indispensáveis {agrícolas, energéticas, minerais), és
bruscas flutuacóes das taxas de cambio. Estes fenómenos incontroláveis
transtornam, pela sua rapidez, pela sua amplidáo e pelas suas conse-
qüéncias financeiras, os planos económicos, especialmente dos pafses em
desenvolvimento, e criam urna inseguranca internacional arriscada e dis
pendiosa;

- suscitar urna melhor coordenacáo das políticas económicas e


monetarias dos países industrializados, favorecendo as que tiverem urna
incidencia positiva nos países em desenvolvimento;
- examinar os novos problemas, de hoje e de amanhá, para ela
borar ¡mediatamente solucóes, que tenham em conta as evolucóes muito
diversificadas das economías nacionais e as possibilidades futuras de ca
da país. Esta previsáo, difícil e necessária, é responsabilidade de todos
parante as geracóes futuras. Ela permitirá prever o acesso de situacóes
conflitivas graves. Num mundo de mudancas rápidas e profundas, 'se o
homem se deixa superar e nao prevé em tempo a emergencia dos novos
problemas sociais, estes se tornaráo demasiado graves para que se possa
esperar urna solucáo pacifica';25

- ocupar-se com atencáo da escolha e formacáo de todos os que


trabalham ñas organizacóes multilateral e partidpam ñas análises das
situacóes, ñas decisóes e na sua execucáo. Compete-lhes, coletiva e indi
vidualmente, urna importante responsabilidade. O perigo existe de se li
mitar a meras aproximacóes e a solucóes muito teóricas e técnicas, e
também burocráticas, quando estáo em jogo vidas humanas, o desenvol
vimento dos povos, a solidariedade entre as nacóes. A competencia em
materia económica é indispensável, bem como a sensibilidade por outras
culturas e urna experiencia concreta e vivida dos homens e das suas exi
gencias. A essas qualidades humanas, deve-se ajuntar, para melhor fun-
damentá-las, urna consciéncia viva da solidariedade e da justica interna
cional, que deve ser promovida.

UMA PROPOSTA FINAL

Para fazer frente ao grave desafio que aprésenla hoje a divida dos
pafses em desenvolvimento, a Igreja propóe a todos os homens de boa
vontade que abram a própria consciéncia a estas novas responsabilidades

(continua na p. 251)

ctogesima adveniens ao Card. Maurice Roy, 14 de


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H 'i. . .i ..
288
"T\f f, r f. f>
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