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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(¡n memoriarñ)
APRESENTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.■" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
IL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
SUMARIO

Sadiamente Inconformado
00
LU

O
Ainda sobre a Origem dos Evangelhos
H
00 Liberdade Religiosa é Indiferentismo?
UJ

Aparipoes da Virgem em Guadalupe


o
"Jesús Viveu na India"?
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0.

ANO XXX FEVEREIRO 1989


321
•ERGUNTE E RESPONDEREMOS FEVEREIRO-1989
Publicarlo mensal N9 321

Diretor-Responsável: SUMARIO:
Es té vio Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico
Sadiamente Inconformado 49
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB
Novas descobertas:
Ainda sobre a Origem dos Evangelhos . . 50
Administracao e distribuicao:
Edícoes Lumen Christi
Ouvindoainda D. Lefebvre:
Oom Gerardo, 40 - 5? andar, S/501
Liberdade Religiosa é Indiferentismo?... 55
Tel.: (021) 291-7122
Caixa Postal 2666
20001 - Rio de Janeiro - RJ Um relato fiel das:
Aparipoes da Virgem em Guadalupe ... 72

Imaginacáo tendenciosa:
5 "tMKQUES-SAKAIVA" "Jesús Viveu na India"? 82
. atúreos crmTDflfSí.A

Hu* Simm Ho*l«u«s. M0 -


takto 0* SI - CC» »1»

tn-utt - rm d* jijira ian

NO PRÓXIMO NÚMERO:

322-Marpo- 1989

A autenticidade do Sudario de Turim. - Karl Marx: sim ou nao? — Existen


cia de Deus e Ciencia Contemporánea. — A "Senhora" Televisao. — O Ani
mismo e a Religiosidade primitiva.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

vSSINATURA ANUAL: NCzS 10,00


Pagamento (á escolha).

1. VALE POSTAL a Agencia Central dos Correios do Rio de Janeiro.

2. CHEQUE BANCÁRIO . , ,

3. No Banco do Brasil, para Jnjñten?. 0031,304-1 em


;. -: noms.do^MóétBiró •'•i?''flSÍJ irrolro, págável na Agencia da
Sadiamente Inconformado.
A Quaresma oferece-nos a oportunidade de reler o livro do Eclesiastes
(Coélet = Pregador), . .. livro que, á primeira vista, pode escandalizar, pols-
parece descreme de tudo e portador de azedume. Mas será que a Palavra de
Deus é simplesmente vefculo de amargura?
Para entender tal livro, devemos recuar até o sáculo 3? a.C. Um judeu,
ignorando a existencia de vida postuma consciente, julga que, após a morte,
as sombras (refaim) do individuo vá*o para o cheol, lugar subterráneo detre-
vas e torpor, no qual bons e maus se encontram promiscuamente. Portento
nSo há sancao postuma.
Antes, porém, da morte ou no decorrer da vida terrestre, o autor veri
fica que tambám nao há sancao: os maus prosperam, ao passo que os bons
sao marginalizados; a .sorte é irónica, favorecendo precisamente os que n!b
o merecem; cf. 7,15. — Esse mesmo autor, porém, senté em si o apelo da fe
licidad» e quer descobri-la. Por isto diz ter ter tentado varias vias para encon-
trá-la: as riquezas e o luxo de urna corte regia, as volúpias de urna conduta
hedonista, o estudo da sabedor¡a..., e verifica que tudo é insuficiente; nada
traz a plena satisfacáo. A felicidade é como fu maca, que escapa das rnSos de
quem a quer agarrar. .. Daf o seu desdém pela vida presente: "Eu felicito os
monos, que já morreram, mais que os vivos, que aínda vivem. E mais feliz
que ambos é aquele que ainda nao nasceu, que náfo vé a maldade que se co
mete debaixo do sol" (4,2s).
Estas expressoes, á primeira vista desconcertantes, tém sentido profun
do e positivo. Devem ser compreendidas como o brado do homem de todos
os tempos, que foi feito para a Vida, a Felicidade, a Verdade, o Amor..., e
nao sabe onde encontrar esses valores decisivos, é certo que a vida presente
oferece parcelas de tais bens. . ., mas parcelas mescladas de seu antídoto
(a vida é sempre ameacada pela morte, a verdade pelo erro, o amor pelo
odio. . .). Se nao há vida postuma consciente, com as devidas sancSes, real
mente a sorte do homem, feito para aPlenitude, á a mais frustrativa possf-
vel.
O Eclesiastes, portanto, é um inconformado, mas. . . sadiamente in
conformado, como, alias, inconformado deve ser todo homem, mesmo em
nossos dias, que nao creia na vida postuma e julgue que tudo termina na
térra. Muitos, assim pensando, preferem precipitar-se no suicidio. O livro
do Eclesiastes, desta forma, vem a ser um apelo ao Cristo e ao Evangelho.
Faltava-lhe conhecer a Boa-Nova, mas inconscientemente ele ansiava por
ela. Por isto, no final do livro, o autor faz urna advertencia: "Chega de dis
cursar; a procura da felicidade na*o tem fim. . . Portanto, na prática será
preciso temer a Oeus e observar os seus mandamentos, pois Ele há de levar
a jufzo tudo o que o homem tiver feito" (cf. Ecl 12,13s). Urna luz assim
parece despontar no horizonte do autor.

(continua na pág. 54)

49
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano XXX - N9 321 - Fevereiro de 1989

Novas descobertas:

Aínda sobre a Origem


dos Evangelhos

Em $ frítese: Os estudos de papirologia e paleografía vém confirmando


a existencia de manuscritos dos Evangelhos e de livros do Novo Testamento
Já no fim do secuto I. Há mesmo autores que julgam que a redacao escrita
dos Evangelhos comecou na década de 40, fazendo eco á pregacSo de Jesús
continuada pelos Apostólos. - Donde se vé que, pelo progresso da ciencia,
estao ultrapassadas as teorías segundo as quais o texto dos Evangelhos esta
ría cronológicamente distante de Jesús e, por isto merecería pouco crédito;
correspondería a f¡cedes e mitos concebidos pelos cristáos do sáculo II. Esta
hipótese preconcebida nao pode ser sustentada diante dos resultados das
pesquisas dos últimos decenios. - O presente artigo apresenta alguns espéd-
mens desses estudos recentes, comprovados pela experiencia e a boa crítica
de estudiosos austeros e destituidos de preconceitos.

* * *

Os debates sobre o filme "A Última Tentapao de Cristo" abordaram


mais de urna vez a questao da origem e da veracidade dos Evangelhos. Estes
foram considerados como pouco fidedignos, pois oriundos a grande distan
cia da vida terrestre e da morte de Jesús; os decenios te rao ocasionado a in-
sercSo de muitas lendas e ficcoes na verdadeira historia de Jesús.

A propósito já foi publicado um artigo em PR 318/1988, pp. 489-501,


que mostra, mediante criterios objetivos e científicos, a continuidade entre a
pregaca"o de Jesús, a dos Apostólos e a redacao dos Evangelhos no decorrer
mesmo do sáculo I. A tese de que os Evangelhos datam do sáculo 11 ou estáo
distanciados de Jesús por um hiato de decenios é a dos racionalistas do sácu
lo passado; já foi superada pelo próprio progresso do estudo.

50
AORIGEM DOS EVANGELHOS

Urna das últimas descobertas de papirologia e paleografía leva alguns


estudiosos a crer que o Evangelho segundo Marcos (Me, o mais antigo dos
que hoje temos) data do quarto decenio (40-50) da era crista". Esta proposl-
cao, surpreendente como ó, tem suscitado hesitacSes da parte de outros es
pecialistas. Mas yai aumentando o número dos que a professam após minu
cioso estudo da questá'o. Ora, se Me data do quarto decenio da era crista,
muito mais firme ainda se torna a credibilidade do texto sagrado.

A respeito desta tese muito recente já foi publicado um artigo em PR


288/1986, pp. 194-200'. Continuamos a estudá-la valendo-nos de novos es-
tudos do autor da descoberta: o Pe. José O'Callaghan S.J., professor do Pon
tificio Instituto Bíblico de Roma. Escreveu em La Civiltá Cattolica de
5/11/88, fase. 3321, pp. 268-272, a comunicacáo "Verso le origini del Nuo-
vo Testamento", cujo conteúdo vai, a seguir, transmitido aos nossos leitores.

1. O progresso da paleografía: 7Q 5

Os mais antigos manuscritos dos Evangelhos sSb papiros datados do sé-


culo II (os autógrafos se perderam, dada a fragilidade do material utilizado
pelos autores sagrados). Tais papiros se acham conservados ñas Bibliotecas
de grandes cidades (Londres, Paris, Viena, Berlim, Leningrado, Cairo, Nova
Iorque...), onde sSo acessíveis aos estudiosos.

Acontece que na década de 1930 o pesquisador inglés C.H. Roberts


descobriu o mais antigo dos manuscritos até entá"o conhecido2: era um pe
queño fragmento de 8,9 cm por 5,8cm; de aparéncia insignificante, foi com
prado com outros papiros no Egito em 1920; numa das faces desse fragmen
to se encontra o texto de Jo 18,31-33, e na outra face o de Jo 18,37s. Está
guardado no John Rylands Library de Manchester. Os papirologos atribuí-
ram as letras desse fragmento aos primeiros decenios do século II, mais pre
cisamente ao ano de 125. As conseqüfincias deste achado foram de* vasto
alcance: o papiro fora encontrado no Egito, a mais de 1.000 km da regiao
onde fora escrito o autógrafo de Joáo; vé-se entáo que no Egito se lia
o Evangelho de Joáo poucos decenios após a morte do Apostólo. Consp-
qüentemente os Evangelhos de Mt, Me e Le, anteriores ao de Jólo, foram
reconhecidos, com novo vigor, como obras da segunda metade do secuto I.

1 Muito se-recomenda a /e/tura desse artigo, pois oferece dados minuciosos


sobre a descoberta, que levou a reatar a datacao de Me para o quarto de
cenio.

2 CH. Roberts, An Unpublished Fragment of the Fourth Gospel in the


John Rylands Library. Manchester 1935.

51
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

Em 1972 os estudos bíblicos foram sacudidos por nova descoberta:


na Gruta 7 da Qumran, a N.O. do Mar Morto, foram encontrados palo Pe.
O'Callaghan S.J. papiros do Novo Testamento, entre os quais um fragmento
de Marcos (6,52-53), dito 7Q 5; este foi atribufdo ao ano de 50, conforme
cuidadosos estudos do descobridor. Todavía esta conclusáb foi tida como
precipitada e inaceitável por outros especialistas.

O caso parecía encerrado pela crítica contestataria, quando em 1984 o


professor C.P. Thiede, de Berlim, retomou os estudos, debrucando-se sobre
os papiros origináis em Jerusalém; em conclusffo, confirmou a sentenca de
O'Callaghan; os resultados de suas pesquisas estáb expostos no livro Die
tflteste Evangelien-Handschrift? Das Markus-Fragment von Qumran und die
Anfünge dar schriftiichen Ueberlieferung des Neuen Testaments {Wuppertal
1986); na traducao italiana dessa obra, p. 42, lé-se:

"Assim resumindo, foram aduzidas todas as provas positivas em favor


da exatidáfo da datacio; além disto, foram eliminadas todas as possfveis obje-
cdes. Na base das regras do trabalho paleográfico e da crítica do texto, é cer-
to que 7Q5éMc 6,52-53, o mais antigo fragmento conservado de um texto
do Novo Testamento, escrito por volta de 50, e ornamente antes de 68".

Em tal livro, encontra-se também o parecer do Dr. H. Hunger, outrora


Diretor da colecáo de Papiros da Biblioteca Nacional Austríaca e professor
emérito da Universidade de Viena. Depois de ter estudado o livro de Thiede
H. Hunger afirma: '

"O autor examinou escrupulosamente todos os principáis problemas


relativos ao fragmento 7Q 5 de Qumran e, a meu ver, dissipou todas as pos-
sfveis dúvidas. A identificado com Me 6.52-53 é convincente".

O mesmo professor publicou urna longa recensao do livro de Thiede,


concluindo com estas palavras: "Assim é de esperar que, com a presente pu-
blicacSo, comece finalmente a ¡mpor-se a ponderada opiniáb referente a
7Q 5" (Tyche 2,1988, p. 280).

A obra de Thiede mereceu ainda outros comentarios dos quais sá*o


aquí citados alguns:

Mons. G. Ghiberti. Presidente da AssociacSo Bíblica Italiana: "Embora


eu nao seja papirófogo, estou muito favoravelmente ¡mpressionado pelo con
junto de argumentos aduzidos para identificar 7Q 5" (Aegyptus 66, 1986,
p. 298).

52
A ORIGEN! DOS EVANGELHOS

O Prof. H. Staudinger, da Universidade de Paderborn (Alemanha) e


Diretor do Instituto para o Estudo dos Fundamentos da Teoría das Ciencias,
aos 27/03/88, escreveu na Frankfurter Allgemeine Zeitung: "A discussáo
científica internacional mostra, com sempre maior clareza, que ná"o se pode
duvidar seriamente da interpretacSo de O'Callaghan".

Ao lado dos estudos sobre 7Q 5, outros foram-se desenvolverlo no


campo papirológico dos últimos anos, vindo a corroborar a tese da antigui-
dade dos Evangelhos.

2. Outros Estudos

Em 1988 o Prof., Y. K. Kim publicou outro artigo significativo-Paleo-


graphical Dating of P46 to the late First Century, in Bíblica 69 (1988)
pp. 248-257. Este escrito resulta de doís anos de trabalho e consulta a emi
nentes especialistas ingleses como R. Coles, de Oxford; P. Parson, Professor
da mesma Universídade de Oxford e Vice-Presídente da Associacao Interna
cional de Papirólogos; M. Hengel e C. F. D. Moule, eminentes professores.
-Ora em tal artigo o Prof. Kim demonstra que o Papiro 46 (p46j da Cote-
cao Chester Beatty, portador de grande parte das epístolas de S. Paulo nao
data de 200 aproximadamente (como se pensava), mas do fim do sáculo I.

Urna das razoes evocadas pelo mestre é que as letras do P46 e o seu
estilo caligráfico nao tém paralelo algum após o sáculo I d.C: a forma das
fináis na parte inferior das letras pede datacao anterior; algumas letras (es
pecialmente o b e o y) sá*o de feitura amiga; no estilo paleográfico de P46
nao se véem vestigios dos ornamentos e da decoracáb típicos do sáculo II.
A comparacSo com outro pequeño papiro do sáculo III (que contám Fni
13-15 e 24-25) evidencia que o estilo caligráfico de P46 é muito anterior.
Além destas raz3es paleográficas, Kim aduziu outras de ordem fonética e de
gramática, que postulam a datacáb de fins do sáculo I.

Ora note-se que, no caso de P46, nSo se trata de um fragmento, como


nos casos atrás citados, mas de um código que consta de 86 folhas, isto é,
172 páginas (das quais parte se encontra em Dublin, e parte em Michigan);
sao folhas muito bem conservadas (com poucas excecSes), que apresentam
epístolas de Sa"o Paulo na ordem seguinte: Romanos, Hebreus, 1a e 2a aos
Corintios, Efésios, Gálatas, Filipenses, Colossensese 1a aos Tessalonicenses.
Tal código foi comprado por volta de 1930 num mercado de antiquários no
Egito; é obscura a sua origem, mas provavelmente devia encontrar-se entre
as ruinas de atguma igreja ou de um mosteiro cristab, talvez da regiSfo de
• El Fayum (Egito).

53
'PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

3. Conclusao

Vé-se que o progreso dos estudos vai abrindo caminho para que os
estudiosos se aproximem dos autógrafos do Novo Testamento. - Tais estu
dos e suas conclusdes ná"o sa"o inspirados por tendencias apologéticas precon
cebidas {defender a antiguidade dos Evangelhos frente aos racionalistas); isto
ná"o seria justificável aos olhos da citada.

Apesar deste recuo de datas em direpao do tempo de pregacao de Je


sús, deve-se admitir sempre que Jesús na"o escreveu nem mandou que os
Apostólos escrevessem; por isto ficará sempre um intervalo (preenchido pe-
la pregacSo oral) entre Jesús e a redacao dos Evangelhos; esse intervalo, po-
rém, vai-se tornando mais breve aos olhos do estudioso á medida que se váo
descobrindo antigos manuscritos do Evangelho; há mesmo quem julgue que
no segundo decenio após a morte de Cristo (na década de 40) se comecou
a redigir por escrito a pregacffo de Jesús continuada pelos Apostólos. Ver
C M. Martini, Testi neotertamentari tra i manoscritti del deserto di Qiuda?
em La Civiltá Cattolica 1972, pp. 156-158.

* * *

(continuábalo da p. 49)

Era necessário que o Senhor Jesús viesse dizer ao homem que na rea-
lidade há urna outra vida, ainda mais rica de valores do que a presente. Os
absurdos que ocorrem na térra, devidos á fragilidade das criaturas (que Deus
nSb quer teleguiar), serlo sanados pela reposicSo da ordem adequada. O so-
frimento nao foi extinto pelo Cristo, pois ele é escola e amadurecimentó
(patrios mathos, já diziam os gregos antigos), mas foi transfigurado; o Fi-
Iho de Deus quis assumir tudo o que há de doloroso na condicáo dos ho-
mens a fim de o tornar passagem para a vida plena. É somente em funca"o
da existencia postuma que se pode entender a vida presente; sem aquela,
esta seria absurda.
Estas reflexoes estimulam o cristSo a repensar o mundo presente: tam-
bém está cheio de ¡ncoeréncias e aparentes absurdos, á primeira vista. . . A
Palavra de Deus, porém, nos ensina que Ele nSo está ausente desta realida-
de; permite que o homem carregue a sua cruz e experimente a sofreguidSo,
na certeza, porém, de que existe a Ressurreicfo após a morte; desde que o
Filho de Deus sofreu, morreu e ressuscitou na carne, os anelos do homem
tém resposta cabal; a Cruz perdeu seu sinal negativo; quem pacienta e morre
com Cristo, com Cristo vivera e reinará (cf. 2Tm 2,11-13).
Posso, portanto, reler o Eclesiastes, que há de alimentar em mim o
grande anseio pela Páscoa de Cristo e de todos os homens!

E.B.

54
Ouvindo ainda D. Lefebvre:

Liberdade Religiosa
é Indiferentismo?

Em sfntese: o tema da Liberdade Religiosa formulado pelo Concilio


do Vaticano II na sua Declaracao Dignitatis Humanas tem servido de apoio
a muitos católicos para se opor ao magisterio oficial da Igreja, pois julgam
que o Concilio se afastou da linha doutrinária clássica da Igreja. Em vista
disto, o presente artigo ana/isa a temática, pondo em evidencia o seguinte:
Frente ao agnosticismo liberal e racionalista do sáculo XIX, a Igreja, sob
Gregorio XVI e Pió X. afirmou as obrigacoes da criatura para com o seu
Criador e Redentor (obrigacdes que chamaríamos verticaty. Frente, porém,
aos totalitarismos perseguidores do sáculo XX, Pió XI e Pió XII incutiram as
dimensoes sócio-cMcas ^horizontais; da Liberdade Religiosa. Ora estes dois
aspectos complementares da verdade foram sintetizados pelo Concilio do
Vaticano II: este quis mostrar a inalienável dignidade natural da pessoa
humana, que nSo pode ser violentada em questdes de consciénda; mas tam-
bém incutiu a inutilidade da liberdade horizontal (frente ás instituicoes civis
e meramente humanas) se o ser humano nSo cuida de procurar a verdade;
desfigurase a pessoa se á negligente no tocante ao Fim Supremo ou ao sen
tido da sua vida; assemelhase ao viajante que se p5e a caminho, mas nSo se
dá ao trabalho de procurar saber qual o rumo que deve tomar.

* * *

Sabe-se que um dos pontos de apoio de D. Marcel Lefebvre e seus se


guidores para se opor ao Concilio do Vaticano II é a Declaracao conciliar
Dignhatis Humanae (DH) referentes Liberdade Religiosa.Tida como expres-
sao e incentivo do indiferentismo e do relativismo religiosos, é impugnada
pelos católicos tradicionalistas. Importa-nos, pois, examinar atentamente
a questSo, comecando por considerar o conceito de Liberdade Religiosa e os
dados do-problema como os tradicionalistas os formulam.

Para tanto, valer-nos-emos do livro do Pe. Bertrand de Margene S.J.:


Liberté Religieuse et Régne du Christ (Ed. du Cerf, 1988), que estuda exaus-
tivamente a temática, apresentando valioso documentário sobre a mesma.

55
'PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

Perguntamo-nos antes do mais:

1. Que ó Liberdade Religiosa?

1. Digamos primeramente em termos negativos:

- Liberdade Religiosa ná"o é o direito de procurar ou nao procurar a


verdade, especialmente a verdade em materia de religiao. Ao contrario, o
Concilio quis proclamar que todo homem tem obrigacSo, em consciéncia, de
procurar chegar ao conhecimento da verdade ef muito particularmente, da
verdade a respeito de Deus (existe Deus ou ná"o existe? Se existe, que disse
Ele e que preceitua?).

- ... Ná"o é a proclamado de relativismo doutrinário, como se ver


dade e erro tivessem os mesmos direitos ou como se nao houvesse norma
objetiva da verdade.

Todo homem está, pois, obrigado diante de Deus a pesquisar a respei


to da verdade - e da verdade religiosa. Tendo-a encontrado, tem a obrigacao
de a professar, rejeitando o erro. Tal dever decorre da própria fndole do ser
humano, que é dotado de inteligencia precisamente para poder descubrir a
verdade e viver segundo a mesma, afastando-se do indiferentismo, do relati
vismo e do pessimismo doutrinário.

2. Positivamente, a Liberdade Religiosa é o direito de pesquisar livre-


mente a respeito de Deus e da sua Palavra e de praticar livremente a religiao
dar decorrente. A Liberdade Religiosa, portanto, implica a ausencia de qual-
quer constrangimentó ou imposicao que, de fofa para dentro, afete ou sufo
que o relacionamento pessoal da criatura com o Criador. Em síntese: todo
homem é obrigado, em consciéncia ou por urna lei intrínseca, a procurar a
Deus; mas essa sua procura nao pode ser violentada por alguma forma de
coacao ou de lei extrínseca (proveniente de outros individuos, de grupos de
pressSo ou de autoridade governamental).

Tal foi, em poucas palavras, o conceito de Liberdade Religiosa profes-


sado pela Declaracao Dignttatit Humanae do Concilio. Para significar tal
conteúdo, o Concilio deu ao seu texto o sagú inte título: "Direito da Pessoa
e das Comunidades á liberdade social e civil em materia religiosa".

Percorramos agora as objecdes que sao levantadas contra tal con-


cepcSo.

56
QUE É LIBERDADE RELIGIOSA?

2. Os dados do problema
2.1. Pió VI

A problemática da Liberdade Religiosa comepou por ocasiao da Revo-


hjcáfo Francesa: aos-26/08/1789 foi promulgada em París a Dectaracáb dot
Direitos do Homem. Esta, posta sob os auspicios do Ser Supremo, reconhe-
c.a o d.re.to dos cidadáos a religUTo, concebendo, porém, a religiáo como
urna opimao subjetiva, individual; o ser humano era entao tído como "um
sujcito absoluto". Ver o artigo 10?, que reconhecía o direito á religiao mas
ao mesmo tempo impunha a tal direito os limites exigidos pela ordem públi-

A Declaracáo de Liberdade Religiosa assim formulada causou suspeitas


as autoridades eclesiásticas, pois era inspirada pela filosofía deísta1 ou racio
nalista dos mentores da Revolucáo Francesa; entre estes achava-se Jean-Jac-
ques Rousseau (t 1778), autor do Contrato Social, que muito contribuiu
para a elaboracao do lema "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" - Tais
idéias, como eram concebidas pelos seus ¡mediatos arautos, tinham significa
do anticnstlo. A própria atuacáo da Revoluto Francesa, que perseguíu san-
grentamente os cristSos fiéis, concorreu para torná-las ainda mais suspeitas-
na base da Declaracáo dos Direitos do Homem de 1789 foí redigida a "Cons-
tituipao Civil do Clero", que tentava dilacerar a Igreja.

Diante de tais documentos e fatos, o Papa Pío VI, aos 10/03/1791


co.idenou "a liberdade absoluta, establecida como um direito do homem
na sociedade, que nao só garante ao cidadao o direito de nSo ser perturbado
no tocante ás suas opiniSes religiosas, mas que outorga também a autoriza-
pao de pensar, dizer, escrever ou mesmo imprimir impunemente em materia
de religiao tudo o que a ¡maginacáo mais desregrada possa sugerir Tal direi
to monstruoso parece á Assembléia Nacional resultar da igualdade e da líber-
dade naturais concedidas a todos os homens" (Breve Quod Aliquantum).
Como se ve, em tal Breve Pió VI condenou o liberalismo absoluto
(desligado da fonte de todos os direitos, que é Deus) e o relativismo religio
so; nao se referiu ao artigo 10? da Declarado dos Direitos do Homem due
impunha certos limites á Liberdade Religiosa, exigidos pela ordem pública.

2.Z Gregorio XVI

Em 1832, o Papa Gregorio XVI, na Encíclica Mirari vos voltou ao as-


sunto. tendo a experiencia dos frutos das idéias revolucionarias desencadea-

1 Deísmo éa escola que professa Deus conheddo exclusivamente á luz da


razso, presctndmdo da Revelado Bíblica ou sobrenatural.

57
_1£ "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

das pela Enciclopedia Francesa. Condenou entáo "o indiferentismo, opiniao


perversa segundo a quat se poderia adquirir a salvacSo eterna mediante qual-
quer profissáfo de fé, desde que os costumes se|am retos e honestos". Esse
indiferentismo era, para o Papa Gregorio XVI, a fonte da liberdade de cons-
ciencia ou da liberdade de opinifo "plena e sem limites"; essa liberdade ili
mitada era tida como dalfrio. Com outras palavras: o Papa condenou a teoría
segundo a qual "os cidadaos tém direíto a plena liberdade (omnimodam li-
bertatem) de manifestar alta e publicamente as suas opinióes, quaisquerque
sejam, pela palavra, pela imprensa ou de qualquer outro modo, sem que a
autoridade eclesiástica ou civil a possa limitar".

De modo especial, Gregorio XVI numa Encfclica posterior, de


07/07/1834 (Singulari vo»), condenou o pensamento de Roben de Lamme-
nais (t 1854), que quería "estabelecer pela violencia a liberdade absoluta de
opinifo, de discurso e de conscifincia..." "A confirmacío de erros t5o graves,
dizia o Papa, o autor faz servir os ensinamentos do próprio Deus". Consti
tuía o humanitarismo liberal, hostil ao sobrenatural1.

É de notar que em ambas as Encíclicas Gregorio XVI quis condenar a


liberdade incondicional e irrestrita; sempre que se referiu á liberdade de
conscidncia e de opiniSo, acrescentou-lhe um ajdetivo, como ¡moderada.

2.3. Pió IX

Em 1864 o Papa Pió IX retomou a doutrína de Gregorio XVI nasua


Encfclica Quanta Cura e no Syllabus. Da primeira seja citado o seguinte tre
cho:

1 Eis alguns traeos da pensamento de Lammenais, extraídos do jornal


L'Avenir, fundado por este filósofo em colaborado com Montalembert e
Lacordaire:

"A cansura dos livros e dos escritos pode ser exercida pela Igreja? Nao"
(L'Avenir rfi 239, 12/06/1831, col. 5).

"A Igreja nSo pratica a censura preventiva, nem o poderia, mora/mente fa-
lando, sem desdizer os seus costumes eas suas tradicdes de dezoito sáculos"
(ib. n? 261,03/07/1831, col. 8 e 9).

Tais proposites foram condenadas, visto que desde os tempos de S. Paulo a


Igreja sabe que Ihe foi confiado o bom depósito da tápara que e/a o guarde
incólume: "Guarda o bom depósito, Timoteo, evite o palavreado vao e im
pío é as contradicoas de urna falsa ciencia, pois alguns, professando-a se des-
viaram dafá.'^(1 Tm 6J0s).

'"'■'V 58
QUE É LIBERDADE RELIGIOSA? 11

"A partir da idéia totalmente falsa de govemar a sodedade humana


sem levar em conta a religiSo, muitos nSo receíam favorecer a opiniio erró
nea e funesta para a Igreja Católica e para a salvacSo das almas, opiniio que
Nosso predecessor chamou delirio, segundo a qual a /¡bordado de constíén-
da e de culto é um direito que toda sodedade devidamente estabeledda de-
vería proclamaré protegermediante a leí".

t de notar que o texto de Gregorio XVI citado por Pío IX prosseguia


explicando que delirio 6 conceder plena liberdade a qualquer opiniffo, sem
que a autoridade eclesiástica ou civil a possa limitar (ver p. 58 deste fascículo).
Em ambos os casos tanto Gregorio XVI como Pió IX quiseram condenar a
tese do racionalismo, segundo o qual a consciéncia de cada individuo nSb
está sujeita a algum criterio superior, muito menos... á Leí de Oeus.

No Sílabo' foram rejeitadas as proposicoes seguintes:

"A razio humana nao está obrígada a levar em consideracao Deus ela
é a sua própria lei" (n? 3).

"Todas as verdades da religiSo derivam-se do acume nativo da razio


humana; por conseguinte, a razSo é a regra soberana segundo a qual o ho-
mem pode e deve adquirir o conhedmento das verdades de qualquer espe
cie" (n? 4).

"É lícito a cada um abracar e professara religiSo quejulgar verdadeira


de acordó com as luzes da razio" (n? 15).

"Os homens podem encontrar o caminho da salvacSo eterna e obter a


salvacSo eterna na prática de qualquer religiSo".

"Em nossa época, ¡á nSo é útil que a religiSo católica seja considerada
como a única religiSo do Estado, com exclusSo de todo outro culto. Por isso
ó com razSo que, em alguns países católicos, a lei prevé que os estrangeiros
lá residentes gozem do exercício público de seus cultos própríos" (n°. 77 e
78).

Como se vé, é condenada a autonomía absoluta da razSo, da qual se


derivariam o relativismo e o indiferentismo religiosos. Foi, pois, em vista da
interpretado racionalista que os Papas rejeitaram a liberdade religiosa.

ColetSnea de proposicoes erróneas colhidas no pensamento do sáculo XIX


e condenadas por Pió IX.

59
J2 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"321/1989

O auténtico significado do pensamento de Pío IX foi formulado pelo


Bispo de Orleáes, Mons. Dupanloup, num escrito que, aos 26/01/1865 co-
mentava a Encíclica Quinta Cura e o Syllabui:

"O Papa condena o indiferentismo religioso, -esse absurdo que de to


dos os lados e em todas as tonalidades nos ó incutido hoje em dia, a saber: o
Evangelño ou o AlcorSo, Buda ou Jesús Cristo, o verdadeiro e o falso, o bem
e o mal, tudo ó igual... Condenar a indiferenpa em materia de religiSo nao ó
condenar a liberdade política dos cultos".

Ora Pió IX, aos 4/02/1865, respondeu elogiosamente a Mons Dupan


loup, dizendo:

"Reprovastes tais erros no sentido em que Nos mesmos os reprova-


vamos... Estáis em condicoes de transmitir aos vossos fiéis o nosso auténtico
pensamento pelo fato mesmo de tardes refutado enérgicamente as interpre
tares erróneas do mesmo" (o texto de fío IX encontrase na sua íntegra la
tina no estudo de fí. Aubert: Mgr Dupanloup et le Syllabus. em Revue
d'Histoire Ecclásiastique, Louvain 51, 1956, p. 913).

2.4. Leáb XIII

No fim do sáculo XIX o Papa Leá"o XIII publicou duas Encíclicas so


bre as "liberdades modernas": a Immortale Dei e a Libertas. Destes docu
mentos depreende-se que o Pontífice tinha em vista condenar:

a) a liberdade de consciéncia individual, entendida como o direito de


seguir urna proposicao própria em materia religiosa, em vez de se procurar e
seguir a verdade revelada por Deus;

b) a liberdada de opiniáb, decorrente da tese de que todas as doutrinas


religiosas tém o mesmo valor ou nenhuma certeza é possfvel em materia reli
giosa;

c) a absoluta liberdade de propaganda, segundo a qual a verdade reli


giosa (suposto que seja possível conhecé-la) é um bem meramente individual
e privado, que nao pode ter significado e valor para a sociedade como tal. A
verdade e o bem gozam de direitos que ná"o tocam ao erro e ao mal Diz tex
tualmente S. Santidade: "O Direito 6 urna faculdade moral e, como dissemos
e jamáis diremos em demasía, seria absurdo crer que ele compete natural
mente, se.m distlncffo nem discemimento, á verdade e á mentira ao bem e ao
mal" (Encíclica Libarla* n? -16).

60
QUE É LIBERDADE RELIGIOSA? 13

Positivamente afirmava Leá"o XIII:

"Podase entender a liberdade de consciSncia no sentido de que o ho~


mem possui, na sociedade, o dimito de seguir, segundo a consciéncia do seu
dever, a vontade de Deus e cumprír os seus preceitos sem que algo o possa
impedir.

Esta liberdade, a verdadeira liberdade, a liberdade digna dos fílhos de


Deus, que protege tSo gloriosamente a dignidade da pessoa humana, está áci
ma de toda violencia e de toda opressSo; ola sempre foi objeto dos anseios e
da especial estima da Igreja" (Ene. Libertas DS 3150).

Estas palavras de Leao XIII estío muito próximas dos termos de DH:
firmam a dignidade da pessoa humana, a independencia da consciéncia do
individuo frente ao Estado, o direito de seguir o ditame que esta consciéncia
propoe, sem sofrer constrangimento.

Em suma, o exame atento dos textos de Pió VI, Gregorio XVI, Pió IX
e LeSo XIII mostra que estes Papas nao quiseram condenar a liberdade inte
rior ou espiritual de que todo homem goza em materia religiosa. A Igreja
sempre afirmou que a fé nao se impoe pela forca; a fé é livre, a adesa"o á
verdade de Deus deve nascer do coracSo do homem sob a luz da inteligencia
convencida do que professa, e assistida pela grapa de Deus; a fé nao pode ser
incutida de fora para dentro. Os Papas do sáculo XIX tiveram em mira os
motivos atrás aduzidos para fazer restricSes a liberdade absoluta; tais eram o
indiferentismo religioso e o racionalismo, sistemas estes que ignoravam {e
¡gnoram) o caráter objetivo das verdades reveladas por Deus, negavam (e ne-
gam) o valor absoluto, a universalidade e a necessidade dessas verdades para
a salvacao do homem e o bem-estar da sociedade objetivamente (ou em si
mesmos) considerados; enfim, negavam (e negam) também que os indivi
duos e as sociedades possam chegar ao conhecimento de tais verdades.'

Examinemos agora a evolucSo da historia no século XX.

3. Os totalitarismos do século XX

Vimos que no século XIX os Papas combatiam o liberalismo, que dei-


xava ao Estado e aos cidadaos plena liberdade de opiniao, sem referencia á
Lei de Deus.

No século XX, porém, deu-se um fenómeno novo: apareceram siste


mas sócio-político-economicos que puseram em prática o contrario do libe
ralismo, a saber: o totalitarismo; o Estado seria o único sujeito pensante au-

61
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS'? 321/1989

tñríomo; os cidadáos deveriam configurar-se ao modo de pensar do Governo.


Tais foram o caso do comunismo, que desde 1917 passou a dominar a Rus-
sia; o caso do fascismo, atuante no governo da Italia desde 1922, e o do na
cional-socialismo, forte na chefia da Alemanha a partir de 1933. Aos súditos
foi imposta coacSo para que pensassem e vivessem segundo as normas do Es
tado, que no comunismo e no nacional-socialismo era contrario aos princi
pios da fá católica.

Tal nova ordem de coisas levou especialmente o Papa Pió XI a procla


mar a liberdade do ser humano no tocante ao seu modo de pensar e viver.
Em 1937 publlcóu S. Santidade a Encíclica Divini Redemptoris, que conde-
nava a sufocacao da liberdade individual e coletiva por parte do comunismo.
No mesmo ano escreveu a Encíclica Mit brennender Sorge contra o hitleris
mo, da qual vai aquí extraído aseguinte tópico:

"O ser humano como pessoa possui direitos que Ihe vém de Deus e
que devem permanecer fora de toda negacSo, prívacao ou entrave por parte
da sociodade" (A.A.S. 29, 1937, p. 159).

Por conseguinte, o fiel possui inalienável direito a confessar a sua fé e


a po-la em prática segundo os meios oportunos. As leis que impedem ou tor-
nam dificéis a confissá*o da fé e o seu exercício estafo em contradicho com a
lei natural.

Mais: Pió XI distinguiu entre liberdade das consciSncias e liberdade de


conscifincia. Rejeitou esta última fórmula como equívoca, porque geralmen-
te utilizada nos sistemas laicistas para designar "a absoluta independencia
das consciSncias, o que é absurdo para o homem criado e resgatado por
Deus". Pió XI, porém, reconheceu como válida "a liberdade das conscien-
cías", afirmando que "travava com alegría e garbo o bom combate em prol
da liberdade das conscifincias" (Non abbiamo bisogno, A.A.S. 1931, pp.
301s).

O Papa Pió XI, ao declarar tais coisas, ná"o tencionava derrogar ás sen-
tencas de seus antecessores, mas apenas desenvolvía a genuína doutrina cató
lica dentro das circunstancias que os regimes totalitarios da época apresenta-
vam. SSo palavras de Pío XI:

"O que Pió X condenou. Nos o condenamos também. Todas as vezes


que laieidada implica um sentido ou um propósito hostil a Deus e é religiSo,
Nos a rejeitamos de modo absoluto e declaramos abertamente que deve ser
recusada" YMaximarngravisfimamque, AAS. 16, 1924, p. 10).

62
QUE É LIBERDADE RELIGIOSA? 15

Nos decenios seguintes, o Papa Pió XII viu-se obrigado a reafirmar a li-
berdade do individuo para crer, lembrando, com a Tradicao crista", que a fé
nao pode ser imposta:

"Se dése/amosque suba a Deus a súplica comum de todo o Corpo Mis-


tico a fim de que todas as ove/has errantes se encontrem quanto antes no
único aprisco de Jesús Cristo, declaramos que é absolutamente necessárío
que isto se faca livremente e com plena espontaneidade, pois ninguém tem
fé sem o querer,

Eis por que, se há alguns que, sem ter fé, sSo constrangidos a entrar no
edificio da Igreja, a aproximarse do altar e receber os sacramentos, esses,
sem dúvida, nio se tornam verdadeiros crístaos; a fé deve ser urna livre ho-
menagem da inteligencia e da vontade" (Encíclica Mystici Corporis Christi
A.A.S. 35, 1943, DS 3822).

Considerando os regí mes ditatoriais da sua época, lembrava Pió XII:

"Proteger os direitos invioláveis dos homens e vigiar para que cada um


possa cumprir fácilmente suas obrigacdes, é o dever fundamental de todo
poder público" (Radio-mensagem de 19/06/1941, A. A.S. 33, 1941,p.200).

Sempre em vista dos totalitarismos políticos do secuto XX, o Papa


Joao XXIII afirmou na Encíclica Pacem in Terris:

"Todo ser humano tem direito ao respeito da sua pessoa..., á liberdade


na procura da verdade, na expressao e na difusSo do pensamento... desde
que as exigencias da ordem moral e do bem comum se/am salvaguardadas"
(Parte I).

Sao estes alguns trapos marcantes do ensinamento da Igreja no sáculo


XX frente as ideologias totalitarias atéias, que representavam um elemento
inédito na historia da humanidade.

Passemos agora ao contexto do Concilio do Vaticano II (1962-65).

4. A Declaracao conciliar sobre a Liberdade Religiosa

4.1. Preliminares

0 Concilio do Vaticano II (1962-65) reuniu-se para estudaros grandes


desafios que se punham á Igreja em meados do sáculo XX. Entre outros, ha*
vía o que resultava de duas series de pronunciamentos papáis devidos a su-
cessivas fases da historia: os que condenavam o liberalismo relativista, racio-

63
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

nalista, defsta dos sáculos XVIII/XIX, e os que rejeitavam os totalitarismos


sufocadores da liberdade no sáculo XX. 6m conseqüéncia, numerosos Bis-
pos conciliares pediram insistentemente que o Concilio se pronuncias» so
bre os direitos do homem, procurando fazer a sfntese de quanto fora até en-
tá"o dito na TradicSb recente da Igreja; seriam assim denunciados os exageros
tanto de um lado como do outro. As razo*es aduzidas pelos peticionarios
eram as seguintes:

1) Imperativo da verdade: A Igreja deve ensinar e defender o direito á


liberdade religiosa, pois se trata, em última análise, da verdade cuja guarda
foi por Cristo confiada á Igreja.

2) Razáb de defesa: A Igreja ná"o pode calar-se quando perto da meta-


de dos homens se v§ privada da liberdade religiosa por obra do materialismo
ateu de diversos tipos.

3) Raiáb de coabrtacáb pacífica: Hoje em todos os países do mundo


existem pessoas religiosas e outras sem religiSo; ná"o obstante, sao chamadas
a viver em paz numa única sociedade humana; a Igreja, guiada pela luz da
verdade, deve indicar os termos que facilitem essa coabitapao.

4) Razáb apologética: Grande número de nao católicos julgam ou sus-


peitam que a Igreja á maquiavélica. Com efeito; afirmam que ela exige o li-
vre exercício da religiSo quando os católicos sá*o mínoria num país, mas re
cusa essa liberdade quando os católicos sao majoritários.

Como se vé, era inevitável que o Concilio, para gozar de autoridade e


respeito frente ao grande público, enfrentasse a delicada questfo da liberda
de religiosa. Isto foi feito por etapas, através de reflexoes e debates que visa-
vam a considerar as diversas facetas do assunto.

4.Z O teor da Liberdade Religiosa

A Declaracá*o D¡gnrtat¡$ Humanas, que resultou desse prolongado estu-


do, incorpora tanto a condenacfo do liberalismo relativista quanto a do to
talitarismo sufocador. Com efeito, logo no seu inciso n? 1 o Concilio recha
ca qualquer forma de relativismo:

"Professa em primeiro lugar o Sacro Sínodo que o próprio Deus maní-


festou ao género humano o caminho pelo qual os homens, sen/indo a Ele,
podem salvarse e tornarse felizes em Cristo. Cromos que essa única verda-
delra RelígiSo subsiste na Igreja Católica e Apostólica, a quem o Senhor
Jesús conf/ou a tarefa de difundi-la aos homens todos, quando disse aos

64
QUE É LIBERDADE RELIGIOSA? 17

Apostólos: 'Ide, pois, e ensinai ospovos todos, batizando-os em nome do Pai


e do Filho e do Espirito Santo, ensinando-lhes a guardar tudo quanto vos
mandei'fMt 28, 19-20). Porsua vez, estio os homens todos obrígados a pro
curar a verdade, sobretudo aqueta que diz respeito a Deus e é Sua Igrefa e,
depois de conhecé-la, a abracé-la e a praticá-la... Continua integra a tradicio
doutrinária católica sobre o dever moral dos homens e das sociedades em
celacao á verdadeira religiao e á única Igreja de Cristo",

"Verdadeira religiao, única Igreja" sao nocdes muito contrarias ás do


liberalismo do sáculo XIX. Todo homem está, pois, obligado-diante de
Deus e da sua consciéncia a procurar a verdade religiosa revelada pelo pro-
prio Deus e subsistente na Igreja Católica, mas deve fazé-lo sem coacao ex
trínseca (física, moral ou jurídica). Por isto o subtítulo da Declaracáo DH
explícita sabiamente: "A respeito do direito da pessoa e das comunidades
á liberdade social e civil em materia religiosa", é, pois, no foro social e civil,
nao de modo absoluto nem no foro íntimo da consciéncia, que vigora a Li
berdade Religiosa.

Notemos que Pió VI, Gregorio XVI e Pió IX negavam essa liberdade
tal como era apregoada pelos racionalistas e relativistas: estes a fundamen-
tavam no individualismo inconsistente e volúvel dos cidadaos, fazendo do
individuo a regra suprema do comportamento humano. Ao contrario, o
Concilio do Vaticano II fundamenta essa liberdade no fato de que todo ho
mem é chamado por Deus a se ultrapassar e realizar plenamente em Deus e
deve dar este passo de maneira livre, humana, inteligente; todo homem tem
o direito natural de proceder com liberdade, especialmente por ocasiSo das
grandes decisóes da sua vida.

É o que o Concilio declara num texto denso (n? 2), do qual cada pa-
lavra merece ser especialmente ponderada:

"É postulado da própría dignidade, que os homens todos — porserem


pessoas, isto é, dotados de razio e de livre arbitrio e por isso enaltecidos
com a responsabilidade pessoal — se sintam por sua natureza impelidos e
mora/mente obrígados a procurar a verdade, sobretudo a que concerne a re
ligiao. Sa~o obrígados também a aderir é verdade conhecida e a ordenar toda
a vida segundo as exigencias da verdade. Nio podem, porém. satisfazer a essa
obrígacao de maneira consentínea i própría natureza, a nSo ser que gozem
de liberdade psicológica junto com a imunidade de coacSo externa. NSo é,
pois, na disposicSo subjetiva da pessoa, mas na sua mesma natureza que se
funda o direito é liberdade religiosa".

Há, pois, urna reciprocidade entre liberdade religiosa e obrigacao de


procurar a verdade religiosa, como notava o Bispo Mons. Ancel, Auxiliar de
Ufo durante o Concilio:

65
18 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

"Nio somonte nio há oposigio entre libertiade religiosa e obrigacio de


procurar a verdade, mas a liberdade religiosa se fundamenta sobre esta obri
gacio mesma e a obrigacio de procurar a verdade postula a liberdade religio
sa".

A Liberdade Religiosa implica, portanto, seria responsabilidade da pes-


soa diante de Deus.

4.3. E a funcáb do Estado?

Ao Estado é lícito professar oficialmente alguma confissao religiosa.


Existem hoje Estados mucuImanos no mundo, como existem Estados católi
cos. Todavía nao se pode admitir que o Estado faca discriminacao entre os
cidadSos por motivos de crenca, restringindo física ou jurídicamente a Liber
dade Religiosa dos mesmos. O Estado nao deve legislar em materia religiosa
confessional a nSo ser que corra perigo a justa ordem pública. Sao palavras
de LeSo XIII em 1885:

"Deus distribuiu o governo do género humano entre dois poderes: a


Igre/'a, encarregada das coisas divinas; o Estado, encarregado das coisas hu
manas" (Ene. Immortale Del).

"A sociedade civil, instituida para a utilidade de todos, deve promo


ver a prosperidade pública, cuidando nio somante de nSo perturbar os cida-
daos em coisa alguma na obtencao do Bem Supremo Imutável, ao qualaspl-
ram, mas também facilitando de todo modo a consecucSo desse Fim" (ib.).

"Urna sociedade civil que sufocasse as sociedades particulares, atacaría


a si mesma, pois todas as sociedades tém sua origem no mesmo principio, ou
seia. na natural sodabilidade dos homens" (Ene Rerum Novarum, A.A.S.
23, 1891, pp. 661-665).

Pió XII, no Natal de 1942, acentuou o conceito:

"O Estado deve estar a servico da sociedade no respeito absoluto da


pessoa humana e da sua atívidade em vista da sua finalidade eterna" (A.A.S.
35, 1943, p. 22).

Tal conceito de Estado está longe de ser laicista ou liberal, como nota
oCardeal Pavan:

"O modelo do Estado ao qual o documen to (DH) se refere, nSo é laicis


ta nem neutro; é, ao contrario, um Estado quejulga ser seu dever e seu direi-

66
QUE É LIBERDADE RELIGIOSA? 19

to desenvolver urna atividade positiva frente á crenpa religiosa, mas de modo


correspondente á sua índole própria. Primeramente, urna protecao eficaz do
direito á liberdade em materia religiosa torna menos difícil aos cidadSos o
cumprimento de seus deveres religiosos; e isto nSo pode deixar de ser positi
vo para a verdade. Sim; aqueles que aderem á verdadeira religiSo, tSmassim
a possibilidadede a pro'fessar e difundir; e aqueles que estio no erro, tSm a
ocasiao de o descobrir, mas de modo correspondente á sua dignidade e i
natureza da relacao que existe entre a pessoa e a verdade; isto implica des
cobrir a verdade sob a luz da verdade e nSo por motivo de pressdes exter
nas" fLa Liberté Religjeuse, pp. 187s).

0 próprio S. Tomás de Aquino (t 1274) sustenta a doutrina que dis


tingue a finalidade do Legislador Divino da do legislador humano:

"A finalidade da lei humana e a da lei divina nio se confundem. A lei


humana tem por objetivo a tranqüilidade da sociedade no tempo presente; a
lei atinge esta meta refreando os atos exteriores na medida em que a mal'da-
de pode perturbar a paz da sociedade. Mas a finalidade da lei divina é levar
o homem ao seu termo supremo ou é felicidade eterna... A lei humana con
tentase com impedir o que tornaría impossível a vida em sociedade; as ou-
tras coisas, ela as trata como lícitas, nao porque as aprove, mas porque nSo
as pune. Mas a lei divina nio deixa impune o que quer que contrarié a vir-
tude" fSuma Teológica //// qu. 98, art. 1; 95, 1; 11/1177,11).

Visto que o exercfcio da religiao consiste, antes do mais, em atos inte


riores voluntarios e Hvres, pelos quais o homem se volta diretamente para
Deus, tais atos nao podem ser nem impostos nem proibidos por algum poder
meramente humano.

"Os atos religiosos, pelos quais os homens se relacionam por íntima


conviccSo, em particular e em público, com Deus, transcendem pela própria
natureza a ordem terrestre e temporal das coisas. Por isso, o poder civil, cu/o
fim próprio é velar pelo bem comum temporal, deve, é claro, reconhécer a
vida religiosa dos cidadSos e favorecé-la, mas hade verse acusado de exceder
os limites, caso presumir orientar ou impedir atos religiosos" (n? 3).

S. Tomás vai mais longe aínda: baseando-se em Sao Paulo (Rm 14,22s;
1Cor 8,7-13), afirma que "todo homem tem obrigacao de agir conforme os'
ditames de sua consciéncia, mesmo quando esta Ihe preceitua um ato intrín
secamente mau" (Super Epistulas S. Pauli Lectura, § 1120, sobre Rm 14,14).

Isto quer dizer: a consciéncia candida, sincera e de boa fé obriga o su-


jeito a agir, mesmo quando esteja inculpadamente errónea.

67
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

É por isto que a Declaraclo OH observa que a Liberdade Religiosa é


direito também daqueles que erram: "O dtreito a essa imunidade continua a
existir, ainda para aqueles que nao satisfazem á obrigacao de procurar a ver-
dade e de a ela aderir. Seu exercfcio nfo pode ser impedido, contanto que se
preserve a justa ordem pública" {DH n? 2).

A preservacSb da justa ordem pública... Tal é o limite que o Estado


pode e deve opor ao exercfcio da Liberdade Religiosa; ver DH n? 7:

"Como a sociedade civil, além disso, possui o direito de protegerse


contra abusos que possam surgir sob pretexto de liberdade religiosa, penen-
es sobretodo ao poder civil garantir tal protecao. Há de fazé-lo porém nao
de modo arbitrario, ou, quem sabe, com favoritismo injusto para urna parte,
mas segundo normas jurídicas, de acordó com a ordem moral objetiva, nor
mas que se requerem: para a eficaz tutela dos direitos em favor de todos os
cidadios e de urna composicao pacífica de tais direitos; e ainda para a pro-
mocio adequada daquela honesta paz pública que é a convivencia ordenada
na verdadeira justica; e também para a devida protejo da moralidade públi
ca. Tudo isso constituí parte fundamental do bem comum e cai sob a nocao
de ordem pública".

Poe-se agora urna questáo:

5. Que valor doutrinário toca á Declaracao DH?

Há quem diga que nem os Papas Pió VI, Gregorio XVI, Pío IX nem o
Concilio do Vaticano II proferiram definicoes ex-cathedra ou solenes ao tra
tar da Liberdade Religiosa. Por isto ficaria a criterio de cada fiel católico
pensar o que quisesse a respeito; especialmente estaria, em consciéncia, livre
para nSo aceitar a Declaracáo DH.

Tal conclusao seria errónea. Com efeito; os Papas citados nao falaram
como mestres particulares para comunidades privadas, mas falaram a toda a
Igreja como Pontífices. Os seus documentos fazem parte do magisterio au
téntico do Sumo Pontífice, ao qual se deve prestar "um assentimento reli
gioso da vontade e da inteligencia... urna adesá"o sincera" (cf. Lumen Gen-
tium n? 25).

Sao Roberto Belarmino julga que, segundo Le 22,32, Jesús obteve,


por sua oracáo em favor de Pedro e seus sucessores, a grapa de jamáis ensinar
algo contra a verdadeira fé, e acrescenta: "Pelas palavras 'Apascenta os meus
cordeiros, apascenta as minhas ovelhas' (Jo 21,15s), Pedro foi constituido
Pastor e Doutor de toda a Igreja; por conseguinte, a Igreja inteira deve escu-

68
QUE É UBERDADE RELIGIOSA? 21

tá-lo e segui-lo; portanto, se ele erra, toda a Igreja erra" (De Romano Ponti
fica IV 3).

É claro que neste raciocinio nao se considera o Papa como mestre pri
vado, mas, sim, como doutor público da Igreja universal, mesmo que ele nao
defina proposicoes ex-cathedra. É muito procedente e sabio o arrazoado de
Sao Belarmino.

Ora verif¡ca-se que os Papas do sáculo XIX, ao condenar o liberalismo,


o fizeram com insistencia e mediante documentos de peso, que sao as Encí
clicas. Por conseguinte, as suas afirmacSes merecem acato; sao pronuncia-
mentos do magisterio ordinario da Igreja.

Pelos mesmos motivos deve-se dizer que varios Papas e um Concilio


Ecuménico no sáculo XX, ensinando a respeito da liberdadeda pessoa huma
na, mesmo sem explicitar o caráter solene de suas afirmacóes, gozaram da as-
sisténcia infalível do Espirito Santo. - Nao se poderia imaginar que tenham
arrestado a Igreja inteira para o erro num setor tao importante. Por conse
guinte, o Concflio do Vaticano II ná"o renegou as declaracfies dos Papas do
sáculo XIX; ao contrario, completou-as, acrescentando-lhes proposicoes de-
correntes da experiencia da Igreja no sáculo XX. O próprio texto da Decla-
racao DH comeca afirmando que o Concflio "perscrutou a sagrada Tradica"o
e doutrina da Igreja, tirando daf coisas novas sempre de acordó com as verda
des antigás" (n? 1).

Paulo VI, alias, aos 12/01/1966, um mes e pouco após a promulgacSo


de DH (7/12/1965), proferiu as seguintes palavras numa audiencia geral:

"Nio devemos dissociar os ensinamentos do Concflio do patrimonio


doutrinério da Igreja; mas, antes, ver como se inserem neste, como sao coe-
rentes com este e como o sen conteúdo vem a ser, para este patrimonio, um
testemunho, um desenvolvímanto, urna explicacao, urna aplicacao. Entao,
até as novidades doutrinérias do Concflio... deixario de provocar objecoes
referentes á fídelidade da Igreja á sua missao de ensinar.

Por conseguinte, afastar-se-iam da verdade aqueles que julgassem que,


frente ao ensino tradicional da Igreja, o Concflio significa urna separacao,
urna ruptura ou mesmo, como dizem alguns, urna emancipado. O Concf
lio... evitou proclamar, de maneira extraordinaria, dogmas apresentados co
mo infalfveis. Todavia deu aos seus ensinamentos a autoridade do supremo
magisterio ordinario. Este magisterio ordinario deve ser acolhido dócilmente
por todos os fiéis" flnsegnamenti di Paolo VI, vol. IV, 1966, p. 698).

69
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

Donde se vfi que as declarares conciliares referentes á Liberdade Reli


giosa tém o peso do magisterio ordinario da Igreja, a qual o Espirito Santo
presta sua assisténcia, para que ná*o erre e para que possa merecer a adesáo
fie) de todos os católicos. Afirmou o Concilio do Vaticano I em 1870:

"Fide divina et cathotica ea omnia credenda sunt quae in verbo Del


scrípto ve/ tradito contínentur et ab Ecclesia sive solemni iudicio sive ordi
nario et universal/' magisterio tamquam divinitus revelata credenda propo-
nuntur.

Com fé divina e católica devemse crer todas as proposicoes contídas


na Palavra de Deus escrita ou oral e propostas como reveladas por Deus e
dignas de fé palo magisterio da Igreja, querem definicSo so/ene, querpelo seu
magisterio ordinario e universal" (DS 3011).

Em sintese: frente ao agnosticismo liberal e racionalista do sáculo XIX


a Igreja de Gregorio XVI e Pió IX afirmou as obrigacoes (verticais) da criatu
ra para com o seu Criador e Redentor. Frente aos totalitarismos perseguido
res do sáculo XX, Pió XI e Pió XII incutiram as dimensSes socio-cívicas (ho-
rizontais) da Liberdade Religiosa. Ora estes dois aspectos complementares
da verdade foram sintetizados pelo Concilio do Vaticano II: este quis mos
trar a inalienável dignidade natural da pessoa humana, que nao pode ser vio
lentada em questSes de consciéncia; mas tambórn incutiu a inutilidade da li
berdade horizontal (frente ás instituicSes civis e meramente humanas) se o
ser humano nao cuida de procurar a verdade; desfigura-se a pessoa que é ne
gligente no tocante ao Fim Supremo ou ao sentido da sua vida; assemelha-se
ao viajante que se p3e a caminho, mas ná"o cuida de saber qual o rumo que
deve tomar.

6. Conclusao

Verifica-se, num estudo mais exato, que os textos da Igreja atinentes á


Liberdade da pessoa humana nSb se contradizem; apenas poem em relevo as-
pectos parciais do mesmo tema sugeridos pelas circunstancias de cada apoca.
Quem o percebe, nao tem dificuldade em fazer a sintese harmoniosa da dou-
trina.

Seria descabido crer que o Senhor Jesús tenha abandonado a sua Igre
ja, permitindo que um Concilio, como6rgá*odo magisterio ordinario da Igre
ja, caisse em graves erros de doutrina ou de Moral. Aqueles a quem custa
aceitar os ensinamentos do Concilio, tém a possibilidade de um exame obje
tivo e sereno das sucessivas declaracSes da Igreja, em virtude do qual perce-
berá que nSo há contradicho. Mais: resta-Inés aínda o que é mais importante:

70
QUE É LIBERDADE RELIGIOSA? 23

a fé no Senhor Jesús e ñas suas promessas de assisténcia infairvel por Ele fei-
tas á sua Igreja. A fé em Jesús Cristo é inseparável de atitudes concretas de-
cortentes da adesao ao Senhor. - é de esperar que os irmaos tradicionalis-
tas, cujas boas ¡ntencoes sao inegáveis, percebam a plena verdade e se abste-
nham de seguir rumos desastrosos para a causa que precisamente eles tanto
amam.

* * *

(continuafio da p. 96)

6. Na espiritualidade do Coracao de Jesús, a relagao do homem com


Deus, com os irmaos e com o mundo, se expressa pela oracáo, prática de
piedade, freqüéncia aos sacramentos; pelo servico preferencial aos mais fra-
cos, empobrecidos e sofredores, oferecendo-lhes ajuda, apoio e solidarieda-
de; pelo compromisso com a mudanca das relacSes entre os homens na bus
ca de urna sociedade justa e fraterna.

7. A experiencia da justica misericordiosa de Deus, revelada no Cora-


gao de Jesús, exige a prática da justica em funcáo da misericordia.

8. A auténtica espiritualidade do Coracáo de Jesús garante o equilibrio


entre fé e vida; entre contemplagáo e engajamento social; entre práticas de-
vocionais da tradigao popular e exigencias atuais da oracSo e ceiebracao. A
adoracao, a consagracao, a reparagao, características da espiritualidade do
Coráceo de Jesús, devem ser assim entendidas e vividas.

9. A dimensáo profética da espiritualidade do Coragao de Jesús incluí


o anuncio do ardente amor de Deus pela humanidade e a denuncia daquilo
que desfigura a imagem de Deus na pessoa.

10. Portanto, os que se comprometem a viver e difundir aespirituali-


dade do Coracao de Jesús devem:

a) empenhar-se na formacSo do povo de Deus;

b) participar na construcao de urna sociedade justa e fraterna — civili-


zagáo do amor — sinal do Reino definitivo;

c) engajar-se no anuncio pleno de Jesús e de sua mensagem;

d) assumir a evangélica opgao preferencial pelos pobres;

e) comprometer-se com a libertagío integral do homem.

Nessa perspectiva estará sendo concretizado o lema: "UM CORACÁO


NOVO PARA UM MUNDO NOVO".

71
Um relato fiel das

Aparigóes da Virgem
em Guadalupe

Em símese: As aparicoes de Nossa Senhora na colina de Tepeyacac


(México) sob o título de Nossa Senhora de Guadalupe, gozam de grande
verossimilhanca; os exames científicos a que foisubmetida a imagem da Vir
gem de Guadalupe, apresentam características inexplicáveis pelo saber hu
mano. - Para ilustrar o evento, publicamos, a seguir, a historia dos aconte-
amentos que acompanharam as aparicoes:o fndioJuan Diego foi enviado pela
Virgem María ao Bispo de México para pedir-lhe a construcao de urna igreja;
mas o prelado nSo quis dar crédito é mensagem. Em conseqüénda, a Virgem
concedeu ao Bispo sinais irrefutáveis da autenticidade da noticia, a saber:
um ramalhete de belfssimas rosas encontradas na colina árida em estacao
gélida, e a impressao da efigie da Virgem sobre o manto de Juan Diego
(a imagem tem nos olhos os traeos do Indio, do Bispo e da comitiva episco
pal, como se a Virgem estivesse presenciando a cena de revelacao da ima
gem).

0 relato abaixo data do século XVI, sendo pouco posterior aos fatos.

* * *

As aparicoes de Nossa Senhora de Guadalupe (México) no século XVI


tém em favor de sua autenticidade algo que realmente merece considerapao:
os olhos da estampa de María gravada sobre o avental do indio foram subirte-
tidos ao processo de digitalizacao em 1980, resultando desse exame verifica-
coes inesperadas.

Em que consiste tal processo?

Sabemos que na córnea do olho humano se reflete o que a pessoa está


vendo no momento. O doutor Aste Tonsmann fez fotografar (sem que ele
estivesse presente) os olhos de urna filha sua, e, utilizando o procedimento
denominado "processo de digitalizar imagens", pode, sem mais, averiguar

72
APARIgQES DA VIRGEM EM GUADALUPE 25

tudo quanto via sua filha no momento de ser fotografada. Este mesmo den
tista, cuja profissao atual é a de captar as imagens da Térra transmitidas no
espaco pelos satélites artificiáis, "digitalizou" em 1980 a imagem da Vírgem
de Guadalupe. Consiste o procedimento em dividir a imagem em quadrfculas
microscópicas até o ponto de, numa superficie de um milímetro quadrado,
caberem vinte e setiTmil sétécéntos e setenta e oito ínfimos, mínimos qua-
dradinhos. Urna vez feito isto, cada mini-quadrfcula pode ser ampliada, mul-
tiplicando-se por dois mil, o que permite a observacáo de pormenores ¡m-
possfveis de serem captados a olho nu. Ora os pormenores que se observa-
ram na Cris da imagem guadalupana safo: um fndio no ato de desdobrar sua
tilma perante um franciscano; o próprio franciscano, que era o Bispo, em
cujo rosto se vé escorrer urna lágrima, urna pessoa muito jovem, tendo a mao
sobre a barba com ar de consternado; um fndio com o torso' desnudo em
atitude quase orante; urna mulher de cábelo crespo, provavelmente urna ne
gra, servical do Bispo; um varao, urna mulher e urnas criancas com a cabeca
meio-raspada e mais outros Religiosos vestidos com hábito franciscano, is
to é. . . o mesmo episodio relatado em náhualt por um escritor indígena na
primeira metade do sáculo XVI e editado em náhualt e em espanhol por
Lasso de la Vega em 1649.

Estudos ¡nconográficos foram fe:tos a fim de comparar estas figuras


com os retratos conhecidos do Arcebispo Zumárraga e de pessoas de seu
tempo ou do lugar. O que é radicalmente ¡mpossfvel, é que num espaco tao
pequeño como a córnea de um olho, situada numa imagem de tamanho
aproximado ao natural, um miniaturista tenha podido pintar aquilo que foi
necessário ampliar em duas mil vezes para que pudesse ser percebido.

A propósito já foi publicada urna crónica minuciosa em PR 262/1982


pp. 208-212.

O fato, estupendo e inexplicável como é, reforca a credibilidade das


aparicoes de Nossa Senhora em Guadalupe. Completando, pois, os elemen
tos publicados em PR 262, transmitimos agora, em traducío portuguesa, o
relato dos acontecimentos que cercaram tais aparicoes, como nos é consigna
do em primeira mao por Don Antonio Valeriano. Este escreveu em náhuatl,
dialeto local indígena, urna narracao, que foi completada por Alva Ixtlixo-
chtl1.

Traduzimos o texto a partir do francés publicado em Le Christ au Monde,


setembro-outubro 1988, pp. 295-304. Visto, porém, que contém repeticoes
e pormenores que alongam desnecessariamente a narracSo, sintetizamos ou
omitimos urna ou outra passagem.

73
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

O RELATO

"Dez anos após a queda da cidade do México, a guerra terminou. Hou-


ve paz ñas aldeias e comecaram a se propagar o conhecimento e a fé no ver-
dadeiro Deus, autor da vida. Naquele tempo, em 1631, alguns días após o
inicio do más de dezembro, vivia um pobre indio, chamado Juan Diego, su-
postamente nascido em Cuantitlan. A vida da Igreja estava concentrada em
Tlatilolco.

Num sábado de manhf cedo, Juan Diego ia á Missa e dispunha-se a tra


tar de assuntos de seus interesses. Quando chegou a pequeña colina de
Tepeyacac, o dia se levantava. Ouviu um canto que parecía descer do alto da
colina; assemelhava-se ao de varios pássaros. Em dado momento, a voz dos
cantores calou-se e os pendios toscos da colina pareceram responder-lheem
eco. 0 seu canto, muito suave e agradável, ultrapassava o do coyoltototl e
o do tzinizcan e o dos outros belos pássaros maviosos. Juan Diego parou pa
ra olhar e disse consigo mesmo: 'Sereí digno do que ouco? Estarei sonhan-
do? Estou realmente acordado? Onde estou? Talvez no paraíso terrestre, do
qual falam nossos ancestrais. Estarei eu já no céu?'

Olhava para o Oriente, onde se encontrava o ápice da colina e donde


parecía provir o belo canto celeste. Quando este cessou de repente e se fez
silencio, Juan ouviu alguém que o chamava do alto, dizendo: 'Juan, Juan
Dieguito!'

Pós-se entao a caminhar em direcáo da voz. Nao estava espantado; ao


contrario, cheio de alegría escalou a colina para ver o lugar donde o chama-
vam. Quando chegou ao topo, viu urna Dama, que Ihe fez sinal para aproxi-
mar-se. Chegado á presenca déla, ficou impressionado pela sua magnificencia
sobre-humana; as suas vestes eram radiantes como o sol; a rocha sobre a qual
os seus pés pousavam, iluminada pelos raios, parecía um anel de pedras pre
ciosas, e a térra brilhava como o arco-iris. Os arvoredos e as outras plantas
que lá cresciam, pareciam-se com a esmeralda; sua folhagem era como tur
quesa e os ramos cintilavam como ouro.

Ajoelhou-se diante da Dama, ao ouvir as suas palavras tao gentis, tá"o


suaves, portadoras de muita estima. Dizia: 'Juanito, o menor dos meus f¡-
Ihos, aonde vais?' Respondeu: 'Minha Senhora..., eu devo ir á tua casa em
México Tlatilolco para continuar a estudar os misterios divinos que nos sao
explicados por nossos sacerdotes, os enviados de Nosso Senhor'.

EntJTo ela revelou sua vontade santa e benévola: 'Que todos saibam e
compreendam por teu intermedio, 6 mínimo de meus filhos, que eu sou
María, sempre Virgem e Santa Mae do Verdadeiro Deus, de quem vem toda

74
APARICOES DA VIRGEMEM GUADALUPE 27

vida. Criador, Senhor do céu e da térra. Desejo ardentemente que se cons-


trua aquí urna igreja para mim, a fim de que eu possa mostrar e oferecer to
do o meu amor, minha compaixffo, minha ajuda e minha protecSo, pois eu
sou a vossa Ma*e misericordiosa. Aqui desejo ouvir e ajudar a ti e a todos os
que me amam, me invocam e pdem sua confianca em mim; quero ouvir vos-
sos queixumes, dar remedio ¿s vossas tristezas, dificuldades e dores. Para po
der executar o que a minha misericordia deseja, deves ir á residencia do Bis
po de México e dizer-lhe que eu te envío para manifestar claramente que eu
desejo que ele construa urna igreja para mim neste local; deve ras dizer-lhe
exatamente tudo o que viste de maravilhoso e tudo o que ouviste.

Tem certeza de que te serei grata e te recompensarei, pois eu te farei


feliz e merecerás urna grande retríbuicao em troco do sacrificio e dos esfor-
cos decorrentes da missao que te confio. Ouviste as minhas palavras, meu fi-
Iho, o menor dentre todos Vai agora, e aplica-te com todo o teu ardor'.

Após estas palavras, Juan inclinou-se profundamente diante da Dama e


disse: 'Minha Senhora, vou agora transmitir tuas ordens; despeco-me de ti'.
Desceu a colina para executar o que Ihe fora confiado; e dirigiu-se pela estra
da grande que leva a México.

Tendo entrado na cidade, procurou logo a residencia do Bispo. Este,


recém-nomeado, chegara havia pouco. Chamava-se Freí Juan de Zumárraga,
e era Religioso franciscano. Juan Diego pediu jos serventes que avisassem o
prelado. Após certo tempo, chamaram-no, pois o Bispo estava para recebé-lo.

Diego inclinou-se na presenca do Bispo e transmitiu-lhe logo a mensa-


gem da Dama do Céu, contando tudo quanto vira e ouvira. Após escutar tu
do, o Bispo parecia nao acreditar e disse: 'Has de voltar, meu filho, a fim de
que com mais calma eu possa ouvir o que tens a me contar; tenho que refle-
tir nisso cuidadosamente, como devo levar em conta a boa vonta'de e a ex
pectativa com que vieste'.

Juan Diego foi-se muito triste, pois nao atingirá a finalidade da sua vi
sita.

No mesmo dia retornou ao cume da colina e encontrou a Dama do


Céu, que o esperava no mesmo lugar onde ele a vira antes. Logo caiu de joe-
Ihos e disse: 'Senhora, fui aonde me enviaste a transmitir as tuas ordens. Em-
bora me tenha sido difícil entrar na ante-cámara do Bispo, eu o vi e Ihe dei a
saber as tuas instrucdes como pedirás. Ele recebeu-me gentilmente e me ou-
viu com atencáfo, mas, pelo que ele disse, está claro que náfo me deu crédito.
Disse: 'Deverás voltar e eu te ouvirei com mais atencá"o; examinarei tudo des
de o comeco e ref letirei sobre o pedido e a boa vontade com que vieste.

75
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

Compreendi muito bem que ele ¡rnaginava que eu tinha inventado o


pedido da igreja que tu queres para ti... Por conseguinte, eu te peco que con
fies a alguém mais importante a mensagem..., pois eu sou um homem fra-
co,... o último dos últimos... Perdoa-me se te aborreco, minha Senhora e
minha Mestra'.

A Santfssima Virgem respondeu-lhe:"... É necessário que tu me ajudes


e que através de ti se cumpram as minhas ordens. Meu filho, eu te ordeno
com insistencia e firmeza que amanhá voltes a ter com o Bispo. Fala-lhe em
meu nome e dá-lhe a compreender as minhas disposicoes: que ele comece a
construir a igreja que Ihe peco. Dize-lhe que é a Santa Virgem María, a Má"e
de Deus em pessoa, que te envía'.

Juan Diego aceitou a nova ordem e retírou-se.

O día seguinte era um domingo. Cedo levantou-se a fim de ¡r a Tlati-


lolco para a ¡nstrucSb religiosa... Chegou precisamente antes das dez e assis-
tíu á Missa... Quando a multidáo se dispersou, ele se dirígiu á residencia do
Bispo. Logo que chegou, insístiu em ser recebido. Após muitas difículdades,
foi introduzído na presen ca do prelado.

Chorando, repetiu-lhe as ordens que recebera da Dama do Céu. Dése-


java ansiosamente que Ihe dessem crédito e que o Bispo aceítasse o pedido,
da Imaculada, de construir urna ¡greja no exato lugar que ela indicara. Para
examinar as coisas, o Bispo formulou muitas perguntas: Onde ele a vira?
Como era ela? Juan Diego fez um relato completo... Mas mesmo assim o Bis
po nao Ihe quis dar crédito. Disse que nao podía proceder únicamente na
base da narracao de Diego e que era necessário receber um sinal para crer
que a mensagem vinha de Nossa Senhora. Perguntou-lhe entáo Diego: 'Mon-
senhor, que tipo de sinal pedis? Eu irei e o pedirei á Dama do Céu que me
envía'.

Quando o Bispo viu que Diego confirmava tudo o que dissera sem he-
sitacoes nem mudancas, ele o mandou seguir por varios de seus servidores,
homens de confíanca, para que o observassem e vissem aonde ia, quem ele
encontrava e a quem ele falava... Juan tomou logo a grande estrada. Os que
o seguiam perderam-no de vista no ponto em que a estrada seguía pelo bar
ranco antes da ponte de Tepeyacac; embora olhassem por toda parte ao re
dor, nSo viram vestigio dele. Voltaram aborrecidos nSo so porque escapara
aos olhares deles, mas porque o comportamento dele os perturbava. Depois
que contaram ao Bispo o que acontecerá, este concluiu que toda a historia
era falsa, de mais a mais que os servidores dísseram que haviam sido engaña
dos e que Juan Diego inventara o que contara. Em suma, decidíram que, se
por acaso Diego voltasse, eles o puníriam severamente a fím de que nao
contasse mais mentiras e deixasse de cacoar deles.

76
APARICÓES DA VIRGEM EM GUADALUPE 29

No mesmo momento Juan Diego estava com a SS. Virgem para Ihe dar
a resposta do Bispo. Tendo-a ouvido, disse ela: Tudo acontece para bem,
meu filho, voltarás amarina para levar o sinal que o Bispo pediu. Entao ele
acreditará e ninguém desconfiará de ti../

No dia seguinte, segunda-feira, quando Juan devia levar o sinal ao Bis


po, nao compareceu ao encontró com a Senhora. Com efeito; chegando em
casa na noite anterior, encontrara seu tio Juan Bernardino de cama e tSo gra
vemente enfermo que estava a ponto de morrer. Foi primeramente procurar
um médico, que aliviou os sofrimentos do doenta, mas nao p6de fazer mais
nada. Durante a noite, o tío pediu-lhe que, quanto antes, fosse a Tlatilolco
procurar um sacerdote a fim de se confessar e receber os sacramentos antes
de morrer.

Na terca-feira, antes do nascer do dia, Juan Diego estava a caminho de


Tlaltilolco para chamar o padre. Como a estrada passasse por perto da coli
na de Tepeyacac, dizia consigo mesmo: 'Se eu seguir reto, a Senhora me verá
e eu nao poderei evitar receber o sinal que ela preparou para o Bispo. Antes
do mais, porém, eu tenho que procurar um sacerdote para aliviar meu tio,
que deve estar ansiosamente a minha espera'.

Juan Diego, portante, seguiu por outro caminho, que o levaría mais rá
pidamente á cidade de México, evitando ser detido pela Dama do Céu. Ele
julgava que isto a impediría de o ver, mas ela tudo contempla sempre e em
toda parte. Com efeito, ele a viu aproximar-se, descendo a colina ao mesmo
tempo que olhava para o lugar onde Ihe aparecerá duas vezes.

Chegou-se perto e disse-lhe: 'Que está acontecendo, meu filho? Aonde


vais?'

Inclinou-se diante déla e disse: 'Minha Senhora..., ser-te-á doloroso ou-


vir o que tenho a te dizer. Tu sabes que um dos teus pobres servidores, meu
tio, está milito doente e perto de morrer. Apresso-me para ir á tua casa em
México a fim de chamar um dos sacerdotes bem-amados do Senhor para
confessá-lo e prepará-lo a encontrar Nosso Senhor... É claro que depois iref
bvar a tua mensagem... Sé paciente comigo... Voltarei aqui amanhásem fal
ta'.

Terido ouvido as palavras de Juan Diego, a Mae muito misericordiosa


disse: 'Escuta e compreende, meu filho... Nao tenhas medo dessa doenca...
A tua Mae nao está junto de ti?... Nada te deve afligir, nem a doenca do teu
tio, pois ele nao morrerá. Está certo de que neste momento ele já está cura
do' (naquele momento o tio recuperava a saúde, como Diego pode verificar
mais tarde).

77
30 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

Quando Juan ouvíu tais palavras, ficou muito contente e pediu que a
Dama do Céu Ihe desse um sinal para autenticar as aparicoes.

Ela respondeu: 'Sobe ao cume desta colina, tá onde me viste. Encon


trarás ali muitas flores. Colhe-as cuidadosamente, faze um ramalhete, traze-
as e mostra-as a mim'.

Juan Diego subiu logo a colina e ficou muito surpreso por ver af mui
tas e variadas rosas de Castela apesar do frió e do gelo da estacao. Exalavam
suave perfume e estavam cobertas pela geada que cafra durante a noíte... Co-
Iheu-as, fez um ramalhete, que ele colocou dentro do seu manto; aquele lu
gar jamáis produzira flores por causa das pedras e da seca; s6 dava cardos,
plantas espinhosas e cactus; como fosse o mes de dezembro, o frió e o gelo
matavam todas as plantas frágeis..

Desceu a colina para levar as rosas á Dama do Céu. Ela as tomou ñas
míos e disse: 'Meu filho, estas rosas sSo o sinal e a prova que deves levar ao
Bispo. Tu Ihe dirás que isto o deve excitar a compreender e executar o meu
desejo. Tu és o embaixador da minha confianca. Eu te mando que nao abras
o teu manto sob pretexto algum, nem mostres seu conteúdo a quem quer que
seja, antes de chegares á presenca do Bispo. Contarás tudo com muita exati-
dao: que eu te mandei ao topo da colina colher as flores e fazer um ramalhe
te, e tudo o que viste... Deves convencé-lo de que dé sua ajuda para a cons-
trucao da igreja que eu quero aquí'.

Quando a Senhora do Céu terminou suas ¡nstrucoes, Diego prosseguiu


a caminhada pela estrada que levava a México. Sentíanse feliz e já convicto
de que dessa vez tudo correría bem; levava o seu precioso tesouro bem es
condido para protegé-lo e impedir que algo caisse, enquanto ele se deleitava
com o perfume de todas aquelas flores.

Chegando á residencia episcopal, o mordomo e os outros servidores o


seguraram e ¡mpediram que fosse adiante. Diego implorou-lhes que avisas-
sem ao Bispo que chegara, mas todos o recusaram, alegando que nao com-
preendiam Diego, que era cedo demais; que o conheciam como perturbador
da ordem por sua repetida insistencia. Sabiam que ele havia desaparecido aos
olhos dos companheiros que tinham recebido a ordem de o seguirem. Diego
ficou parado por muito tempo, de cabeca baixa, a espera de que o quisessem
chamar. Os servidores notaram entao que ele parecia trazer alguma coisa;
aproximaram-se dele e tentaram satisfazer á sua curiosidade.

Quando Juan Diego viu que nSo podia esconder o que ele trazia, re-
ceou que acabassem por espancá-lo; entre-abriu entáo as bordas do seu man
to. Vendo que continha rosas de Castela, diferentes urnas das outras, produ-

78
APARICOES DA VIRGEM EM GUADALUPE

zidas fora da estaco, surpreenderam-se profundamente. Tentaram segúra


las, mas por tres vezes elas Ihes cairam dos dedos; antes, em vez de rosas fres
cas, eles só viam flores gue pareciam pintadas, cosidas ou bordadas no man
to.

Foram dizer ao Bispo o gue tinham visto e falaram-lhe do pobre indio


gue esperava havia muito. O prelado imaginou que se tratava do sinal solici
tado para ¡nduzi-lo a crer e a atender ao pedido de Nossa Senhora. Mandou
gue ¡mediatamente introduzissem o indio. Tendo entrado, Juan Diego repe-
tiu tudo o que ele vira, assim como a mensagem. Disse:

'Senhor Bispo, fiz como pedistes... Disse á Senhora que prometí tra-
zer-vos o sinal solicitado. Ela compreendeu a vossa prudencia e acolheu o pe
dido com benevolencia. Muito cedo hoje de manhS... ela me mandou ao cu-
me da colina... Eu sabia que lá nunca houvera flores, mas nfo duvidei das pa-
lavras da Senhora. Quando cheguei ao lugar indicado, parecia-me estar no
parafso. Havia lá grande variedade de rosas de Castela, todas reluzentes por
causa da geada. Eu as colhi e as trouxe para a Dama; ela mesma as tomou em
suas maos e colocou-as no meu poncho, para que eu vo-las trouxesse.

Ela me disse por que é que eu tinha de fazer isso. Eu o fiz para que ve-
jais nessas flores o sinal solicitado e executeis o pedido da Senhora... Ei-las,
tomai-as'.

Diego abriu entáfo o manto branco que ele trazia fechado sobre o peí-
to. Enquanto as rosas se espalhavam pelo chfo, apareceu de repente sobre a
veste a magnífica imagem da Virgem María, Mae de Deus, exatamente aque-
la que se pode ver ainda em nossos dias na sua igreja de Tepeyacac, com o tí
tulo de Guadalupe. Vendo-a, o Bispo e todas as pessoas presentes cairam de
joelhos, considerando-a com admiracSo por muito tempo, profundamente
tocados e comovidos por aquí lo que eles viam. A seguir, ficararn tristes e
aflitos — o que mostra que a contemplavam com o; seus coracSes e a sua in
teligencia.

O Bispo, com lágrimas de tristeza, orou e pediu perdáo por nao ter
realizado a tarefa que a Senhora solicitara. Quando se reergueu, retirou dos
ombros de Juan Diego o manto no qual se gravara a imagem da Dama do
Céu. Levou-.o para o seu oratorio. Reteve Juan Diego por mais um día em sua
casa. E no dia posterior disse: 'Saiamos para ver o lugar onde a Senhora do
Céu quer que Ihe construamos um templo'. Convidou todos os presentes a
acompanhá-lo. Logo que Juan mostrou o lugar designado pela Senhora do
Céu, pediu licenca para retirar-se. Queria voltar para junto dos seus a fim de
ver o seu tio que estava gravemente enfermo quando Diego partiu para Tía-

79
32 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

tilolco a procura de um sacerdote... e que a Senhora Ihe dissera estar cura


do...

Nao deixaram Juan Diego ir-se a sos, mas foram juntos com ele. Urna
vez chegados á casa de Diego, encontraran) o tio de boa saúde, sem dores e
sem febre. O anciáo ficou surpreso por ver o sobrinho chegar com tSo ilus
tre comitiva e perguntou pela causa de tantas honras. 0 sobrinho explicou
que, quando partirá para procurar o sacerdote, a Senhora do céu Ihe apare
ce u e Ihe disse... que na*o se afligisse por causa da doenca do tio... Este res-
pondeu que, naquele momento preciso, ele recuperara a saúde, pois viu a
Virgem assim como ela aparecía ao sobrinho e sabia que ela enviara Diego á
casa do Bispo em México. A Dama também mandou ao anciáo que, logo
que visse o Bispo, Ihe revelasse o nome da imagem: o daSantíssima Virgem
de Guadalupe.

Levaram entao Juan Bernardino á presenca do Bispo para que pudesse


transmitir pessoalmente as informacSes. Ambos, o tio e o sobrinho, ficaram
varios dias até que a igreja da Rainha de Tepeyacac estivesse terminada no
lugar onde Juan Diego a vira pela primeira vez. O Bispo mandou transferir a
imagem da bem-amada Senhora do Céu para a igreja, onde ficou exposta á
veneracao de todo o povo. A cidade inteira, profundamente tocada, foi ver
a imagem benta e rezar diante déla. As pessoas se surpreendiam vivamente
por ter aparecido de maneira tSo milagrosa, pois ninguém no mundo te ría
podido pintar essa bela ¡magem.

A veste sobre a qual a imagem da Senhora do Céu apareceu milagrosa


mente, era o poncho de Juan Diego: um ayate rígido, cuidadosamente teci-
do, pois naquele tempo as vestes dos indios eram feitas com fibra de ayate...
A imagem é tá"o grande que, da planta dos pés ao cume do crSnio, mede seis
palmos e meio. A bela figura é seria e nobre, de colorido um pouco embacia-
do. O seu rosto é de humildade; tem as mSos postas sobre o peito. O cinto é
de cor purpúrea. O pé direito mostra apenas a extremidade do calcado de
cor cinza. A veste, na medida em que pode ser contemplada, é de cor rósea,
mas parece vermelha em suas dobras; traz flores bordadas em dourado. Do
Descoco pende-lhe um colar dourado com raios negros para os lados e urna
cruz no centro. A Senhora traz urna blusa branca fina que mal se distingue,
apenada em torno dos punhos, cujas orlas sSo bordadas. A mantilha que a
envolve, é azul; cai-lhe bem sobre a cabeca, deixando aparecer o rosto intei-
ro; está recamada de 46 estrelas de ouro.

A cabeca está inclinada para a direita. Ácima do véu há urna coroa de


ouro... Aos pés se vé a Lúa... A imagem tem por fundo o Sol, cujos raios se
expandem em todas as direcSes; sSo cento e um, alguns muito longos, ou-
tros menos; doze Ihe cercam a cabeca.

80
APARIQOES DA VIRGEMEM GUADALUPE 33

A bela imagem é sustentada por um anjo aparentemente talhado h al


tura do peito; a sua cintura está ¡mersa em urna nuvem. As extremidades in
feriores da túnica e do manto da Sen hora do Céu estendem-se mais longe do
que os seus pés e sao sustentadas pelas mSos do anjo... Em suma, a imagem
aparece carregada pelas maos do anjo, que parece muito feliz por trazer as-
slm a Rainha do Céu";
♦ * *

O texto que acaba de ser apresentado, tem o sabor da simplícidade e


da generosidade dos cristáfos que acompanharam de perto as-aparicdes da
Virgem de Guadalupe. A Igreja nib impoe á fé dos cristaos alguma revelado
particular, mas deixa ao criterio de cada um aceitar ou nao as respectivas
narracSes. As que se referem a Guadalupe, tém forte cunho de verossimi-
Ihanca, dados os estudos científicos efetuados a respeito da imagem de Nos-
sa Sen hora de Tepeyacac.

A Historia do Nascimento de María. Proto-Evangelho de Tiago.


Colegio "Biblia Apócrifa". A. Novo Testamento, vol. 19. - TradugSo, organiza-
gao e notas do Pe. Lincoln Ramos. Ed. Vozes, Petrópolis 1988, 130 x 180mm,
67pp.

O público em geral se interessa pelos livros apócrifos, ou seja, livros


que, tendo a aparéncia de escritos bíblicos, nao entraram no catálogo sagra
do, mas contém, ao lado de elementos fantasiosos e falsos, muitos dados
históricos referentes a Jesús e á Igreja nascente.
Ora a Ed. Vozes dá ¡nielo á publicagáo de apócrifos, até hoje inéditos
em portugués do Brasil. Comega por um livro do secuto II d.C, portanto de
venerável antigüidade: o Proto-Evangelho de Tiago. A obra consta de tres
partes: 1) a Natividade de Mana (cap. I-XVI);2) o Nascimento de Cristo (XVII-
XX); 3) a malanga dos inocentes e o martirio de Zacarías, paideJoáo Batista
(XXI-XXIV). Em estilo imaginoso, o autor (que deve ser um judeo-cristSo de
Alexandria) quer enaltecer a figura de Mana, principalmente a sua matemidade
virginal: Mana nasce de Ana, mulher estéril agraciada por Deus (IV, 2); a
crianga nao pisa o chSo antes de se apresentar no Templo (VI, 1) e Ana pre-
para-lhe um santuario no quarto (VI, 1). A virgindade de María é enfatizada:
antes do parto, pela prova da agua (XVI); durante o parto, pelo exame corporal
feito por Salomé (XIX-XX); depois do parto, pois os "irmáos de Jesús" sao ti-
dos como filhos de José num casamento anterior (IX).
O livro é de leitura muito suave, facilitada pelas notas explicativas de
roda-pe" e peta IntroducSo preliminar. Tem grande importancia teológica, pois
atesta a fé dos cristaos no secuto II, portanto em continuidade com a geragño
dos Apostólos. É de lembrar que nem toda a Boa-Nova de Jesús foi consig
nada nos Evangelhos canónicos, como nota S. JoSo (20,30s; 21,25). A varios
tñutos, portanto, o Proto-Evangelho de Tiago merece a atengáo dos cristSos.

81
Imaginapao tendenciosa:

"Jesús Viveu na India"?

por Holgar Kersten

Em sfntese: 0 livro de H. Kersten é tendencioso;aborda a figura e a vi


da de Jesús a partir de premissas gratuitamente preconcebidas; Jesús vem a
ser, segundo o autor, um Bodhisattwa; por conseguir)te, deve ter forcosa-
mente tido relacoes com a india e sua filosofía religiosa. Estabeiecida esta
tese, Kersten forca os textos bíblicos e nao bíblicos a fim de fundamenta
rem o seu pensamento, chegando por vezes ás raías do ridiculo. O livro assim
tem pouco valor científico; representa urna expressao singular da filosofía
religiosa contemporánea, que tem contra si testemunhos da arqueología, da
historiografía, da medicina e de vinte sáculos de tradicao crista; 6 difícil crer
que só no sáculo XX (dezenove sáculos e mais após a morte de Jesús) se
tenha podido chegar á verdade a respeito dele; hoje saberíamos mais sobre
Jesús do que souberam as primeiras geracoes crístSs; estas terao sido todas
¡ludidas e simplonas; terao transmitido a falsidade ata nossos temposl...
A singularidade da vida e da doutrína de Jesús se depreende de um exame
atento de sua mensagem, que pode ser estudada nos livros de doutrína do
Catolicismo.
* * *

Holger Kersten é um estudioso alemío que viajou pelo Oriente até a


fndia e julga ter descoberto vestigios de passagem de Jesús por diversos paí
ses (Turquía, Mesopotamia, Pérsia, Afeganistao...). Jesús terá finalmente
morrido em Srinagar, na Caxemira (l'ndia), onde dizem que se encontra a sua
sepultura. 0 autor compartilha a filosofía budista e julga poder enquadrar
Jesús dentro dos moldes de um Bodhisattwa (manifestado do Divino, se
gundo o panteísmo indiano).

O livro em que H. Kersten propoe suas ¡déias, conheceu oito edicSes


sucessivas na Alemán ha. Traduzido para o inglés com alguns retoques do au
tor, foi vertido para o portugués, com o título "Jesús viveu na India", obra
que já está em segunda edicao no Brasil.1

1 Jesús viveu na India. A desconhecida historia de Cristo antes e depois da


Crueif¡cacao. Ed. Best Sellar, Sio Paulo 1988 (2a edj.

82
"JESÚS VIVEU NA l'NDIA"? 35

Examinaremos, a seguir, o conteúdo desse livro e Ihe faremos comen


tarios.

1. A tese do autor

Holger Kersten aceita que Jesús tenha nascido em Belém da Palestina


(cf. p. 106). Todavía nao fo¡ um judeu ortodoxo (cf. p. 83}. O título de Na
zareno que Ihe atribuiram, ná*o se refere a Nazaré, cidade onde Jesús terá vi
vido, mas a seita dos Nazireus ou Essfinios, aos quaís Jesús se filiou (cf. pp.
110s}; fo¡ iniciado na sabedoria budista em Alexandria, quando menino re
fugiado no Egito para escapar da perseguido de Herodes (cf. 105). Mais tar
de Jesús deve ter estado, durante algum tempo, em Qumran (cf. pp. 117.
148), sede dos Essénios junto ao Mar Morto. Tal seita compartilhava teorías
orientáis esotéricas, conforme Kersten. Jesús viajou para a l'ndia, onde se
aprofundou ñas doutrinas do budismo, inclusive na da reencarnacao. Já for
mado, voltou para a Palestina; visto, porém, que a sua pregagao ¡ncomodava
os israelitas, foi condenado á morte e crucificado. Todavía nao morreu na
Cruz; o exame atento do Sudario de Turim, conforme Kersten, revela que
nele foi envolvido um homem ainda vivo. Ora Jesús se refez das contusoes
recebidas por ocasiá"o da sua Paixao; para isto contribuiu um sedativo (vina
gre) que Ele tomou quando estava pregado á cruz; isto o ajudou a repousar
no sepulcro e sair deste nao necessariamente tres dias depois de sepultado,
mas em data posterior {cf. pp. 173-5). Os essénios, companheiros de Jesús,
devem ter colaborado para que o Mestre se recuperasse aos poucos. Uma vez
refeito, Jesús primeramente foi para Damasco (Siria); apareceu a Paulo na
estrada de Damasco (cf. p. 199); depois foi-se dirigindo de novo para a In
dia, onde ainda pregou intensamente com o nome de Yaz Asaf; deve ter
morrido como budista fiel por cerca de 80, com 80 anos de idade aproxi
madamente! O autor chega a admitir que Jesús tenha viajado também para
o Ocidente, onde teria visitado a Franpa e talvez a Inglaterra "para instruir
Congregares afilhadas" (p. 205). Jesús ná*o pregou a ressurreicáo, mas a re
encarnado. O nome Cristo é equivalente a Krishna.

O Cristianismo hoje existente, conforme Kersten, ná"o corresponde, ao


pensamento de Jesús, que tinha algo de esotérico ou secreto (cf. p. 203),
mas é obra de S. Paulo, que recorreu a concepgoes gregas, inclusive á da
morte expiatoria, para elaborar a mensagem expressa em suas cartas. Os
Evangelhos sá*o pouco fidedignos, pois terá*o sido escrito tardíamente, diz
H. Kersten, reproduzindo um modo de ver alheio a Jesús.

Para corroborar sua tese, o autor afirma que AbraSo era oriundo da In
dia; neste pafs existe uma pequeña cidade chamada Hará", que deve corres
ponder a Hará, donde o Patriarca emigrou conforme Gn 11, 32 (cf. p. 50).

83
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

O povo de Abraáo passou para o Egito; reduzido á escravidSo, foi tirado do


cativeíro por Moisés, cujo túmulo se acha em Caxemira, conforme Kersten
(cf. p. 59). SalomSo foi instruido na India (cf. p. 64). O diluvio bíblico deve
ter ocorrido na India {cf. p. 66). As dez tribos que se separaram da casa de
Davi após a morte de SalomJo (930), emigraram para o Oriente e foram de-
ter-se na India (Caxemira), onde Kersten d¡¿ haver grande número de israeli
tas até hoje (cf. pp. 72-82). Joffo Batista terá sido educado na India (cf. p.
129).

Em suma, Kersten revoluciona todas as concepcoes do Antigo e do


Novo Testamento, dando a historia bíblica urna interpretacSo hindú ísta ou
budista. Para tanto, apoia-se freqüentemente nos escritos da Sra. Helena
Blavatsky, fundadora da Teosofía no século passado. Serve-se também de
obras modernas de historia das religides e arqueología; reproduz numerosas
fotografías e gráficos, dando assim um cunho aparatoso ao seu livro, apto a
impressionar um leitor imperito.

Procuremos refletir sobre a tese de Kersten.

2. Ponderando os dados...

Quem lé atentamente a explanacao do autor alemao, é logo incitado a


perguntar: quais as fontes e premissas que a sustentam?
Eis a resposta: Kersten professa a cosmovisao religiosa hindui'sta (ora
sob a forma do budismo, ora sob a da Teosofía1). Em conseqüéncia, aborda
a Biblia com a intencao de reduzir toda a mensagem desta ao sistema budis
ta: o povo de Israel era ligado á India; Jesús foi budista, aprendeu na India
antes de ensinar na Palestina e voltou á India para pregar depoís que escapou
da morte de cruz. Esta teoría apela para

1) a lacuna existente nos Evangelhos entre os doze e trinta anos de vi


da de Jesús;

2) o Sudario de Turim, que parece ter envolvido um homem vivo e


nao um cadáver, conforme Kersten ;

3) os apócrifos do Antigo e do Novo Testamento.

1 Teosofía (de The6s = Deus, e sophia = sabedoria) é um sistema de filoso


fía religiosa que teve origem no século passado por obra da Sra. Helena Bla
vatsky e do Cel. H. Olcott, inspirándose em fontes místicas e práticas ascé
ticas da india e do Tibe. As suas duas principáis doutrinas sSo: o panteísmo
(tudo ó Deus ou a Divindade se identifica com a natureza e o fntimo do ho
mem) e a reencarnacao, segundo a leí do Karma. Conseqüentemente, a
Teosofía é dualista ou tem a materia na conta de elemento mau, do qual o
homem tem que se desfazer para conseguir sua verdadeira felicidade.

84
"JESÚS VIVEU NA fNDIA"? 37

É preciso, pois, que indaguemos qual o valor destas pilastras da teoria


de Kersten.

2.1. A lacuna entre os 12 e 30 anos de Jesús

" ' Muitos. leitores se impressionam pelo fato de que os evangelistas nada
dizem sobre o período dos 12 áos 30 anos de Jesús; Mateus e Lucas referem
algo sobre a infancia de Jesús até os dois anos de idade; Lucas narra um epi
sodio ocorrido aos doze anos; depois cala-se a;é o Batismo de Jesús aos trin-
ta anos (cf. Le 3,23). Marcos comeca simplesmente com Joá"o Batista a pre
gar e batizar no deserto (cf. Me 1,1 -11).

Tal silencio leva diversos autores modernos a su por que os evangelis


tas nada sabiam a respeito de tal período, porque Jesús terá viajado para o
exterior, a fim de se imbuir da sabedoria tibetana, indiana ou egipcia; Jesús
terá sido um dos grandes iniciados em doutrinas ocultas e reservadas... As-
sim pensam os rosa-crucianos, os esotéricos em geral, os teosofistas, muitos
espiritas... Esta concepeáo difunde-se com insistencia, podendo calar ñas
mentes de leitores despreparados.

Que dizer?

O assunto já foi longamente abordado em PR 206/1977, pp. 68-72.


Sumariamente deve-se observar: a tese de Kersten e seus correligionarios su-
poe que os Evangelhos sejam uma biografía. Ora toda biografía comeca com
o nascimento do herói, percorre os anos de sua formacao, de sua carreira
profissional e descreve o seu declfnio. Se falta algum destes elementos, o lei-
tor tem razao de estranhar.

Tal, porém, nao é o género literario dos Evangelhos. Estes nao foram
concebidos como biografías de Jesús, mas, sim, como o eco escrito da prega-
cao oral dos Apostólos. Ora a pregacao dos Apostólos comecava pela Páscoa
final de Jesús, anunciando, antes do mais, que Ele morreu e ressuscitou para
nos salvar... Quem aceitasse esta mensagem (querigma), era entlo catequiza
do ou recebia os ensinamentos apregoados por Jesús durante a sua vida pú
blica, ou seja, a partir dos trinta anos... Com isto encerrava-se a tarefa dos
arautos da Boa-Nova; por conseguinte, com isto encerrava-se também a, tare
fa dos Evangelistas; Sao Marcos ateve-se estritamente a este esquema, percor-
rendo apenas a vida pública e a glorificacao final do Senhor. — Sao Mateus e
Sao Lucas quiseram, por conta própria, acrescentar a tal esquema alguns da
dos atinentes á infancia de Jesús; sao quadros mais ou menos avulsos ou
urnas poucas noticias referentes a Zacarías e sua familia, a María, a José, e
aos primeiros tempos do Menino Jesús; há um intervalo entre Jesús aos qua-
renta dias no templo de Jerusalém e Jesús aos doze anos entre os doutores,
como também há uma lacuna entre os doze e os trinta anos de Jesús; ne-
nhum desses hiatos desmerecía a missao dos Evangelistas, que tinham em vis-

85
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

ta estrita apenas a pregacao e a glorificarlo de Jesús. Donde se ve que nao


se deve estranhar a ausencia de noticias sobre Jesús entre os doze e trinta
anos. Só concebe surpresa quem nao conhece o assunto e o encara a partir
de categorías estranhas.

Em smtese, eis a diferenca entre biografía e "Evangelho":

BIOGRAFÍA:

Nascimento ^ Formacáo »■ Vida pública ^Declfnio


12 3 4

EVANGELHO:

Infancia -4 Vida pública -* Páscoa final


3 2 1

Isto nao quer dizer que os Evangelistas tenham comegado a escrever a


partir da Páscoa final de Jesús, mas, sim, que a mensagem evangélica se foi
desenvolvendo oralmente a partir da Páscoa e gloríficacáb de Jesús.

De resto, sabe-se que Jesús, anteriormente a sua vida pública, era car-
pinteiro e vivia em Nazaré, como se depreende de Mt 13,55 e Me 6,3; os
numerosos ouvintes na sinagoga de Nazaré perguntavam: "Nao é este o car-
pinteiro, o filho de Maria, ¡rmao de Tiago, Joset, Judas e Simao?".

Vé-se, pois, que é totalmente gratuita a hipótese de que Jesús tenha


ido ao Oriente remoto antes de sua vida pública. Nao há fundamento para
se sustentar isto. Ao contrario, a literatura apócrifa narra episodios da vida
de Jesús em Nazaré, exercendo a profissSo de carpínteiro. Ver a propósito
PR 318/1988, pp. 500s.

2.2. Jmus náb morreu na Cruz?

Os argumentos aduzidos por H. Kersten para afirmar que Jesús nao


morreu na Cruz, sao, em grande parte, depreendidos do exame do Sudario
de Turim (cf. pp. 141-190). - A propósito observe-se:

1) O Sudario nSo pode servir de base para estruturar alguma teoría,


visto que a sua autenticidade aínda está em díscussao.

2) Mesmo que se admita a genuinidade da Mortalha, ela leva a crer que


Jesús morreu realmente e a( foi envolvido. O Dr. Pierre Barbet, cirurgiao
francés, escreveu a respeito um livro minucioso de índole científica, recons-
tituindo a PaixSo e a Morte de Jesús á luz da imagem do Sudario1. Além dis-
1 "A PaixSo de Cristo segundo o CirurgiSo". Ed. Loyola, SSo Paulo.

86
"JESÚS VIVEU NA fNDIA"? 39

to, os dentistas sempre viram no Sudario a imagem de um homem realmen


te morto. A tese de Kersten é totalmente singular.

3) I ndependentemente do Sudario, a morte de Jesús na Cruz consta


das narracoes do Evangelho e de toda a Tradicfo crista. Os maus tratos e a
- perda de sangue queJesus padeceu desde a agonia no horto das Oliveiras até
a crucifixáb, explicam a sua morte ru> Cruz; esta, de resto, foi averiguada pe
los soldados, que ná~o Ihe quiseram quebrar as pernas, como fizeram aos dois
ladroes crucificados ao lado de Jesús; por cautela, transpassaram-lhe o lado
com um golpe de tanca, que por si bastaría para matar Jesús' (cf. Jo 19,31-
37).

4) A fim de fugir da forca probatoria dos fatos, Kersten afirma que o


golpe de lanca fot apenas "urna arranhadura ou escoriáceo superficial, e nao
um golpe violento e muito menos um ferimento profundo" (p. 182). Tam-
bém para escapar á evidencia dos argumentos, julga Kersten que Jesús ficou
mais de tres dias no sepulcro em tratamento (possivelmente proporcionado a
Jesús por companheiros nazarenos ou essénios); cf. p. 195. Tais explicares
sao artificiáis porque inspiradas por preconceitos, como, alias, também é ri
dicula a explicacáo dada á AscensSo de Jesús quarenta dias depois de res-
suscitado: "O caminho para Betánia segué em direcao ao Sul, nos contrafor
tes do Monte das Oliveiras até o pico da AscensSo num aclive bastante pro
nunciado. Quem chega até o pico da montanha, logo é perdido de vista pelos
que ficam um pouco mais abaixo" (p. 196). Isto quer dizer que Jesús terá
descido para o outro lado da montanha, de modo n desaparecer aos olhos
dos Apostólos; nao se terá elevado nos céus!...

5) Toda a Tradicao professa a morte de Jesús na Cruz e indica seu se


pulcro em Jerusalém. Nao há, entre os cristaos, noticia alguma de sepultura
de Jesús na India; se a houvesse, os cristaos teriam peregrinado até lá, como
peregrinaram a Jerusalém, desde cedo até nossos dias. É, pois, totalmente fo-
ra de contexto e de verossimilhanpa a hipótese de Kersten; é somente o dese-
jo de fazer de Jesús um Bodhisattwa que explica a sua engenhosidade fanta
siosa.

6) Os preconceitos de Kersten sao mais e mais evidentes. Assim, por


exemplo, em Mt 26,48 e paralelos se IS que a Jesús, antes de morrer, deram
a beber vinagre, bebida acidulada de que usavam os soldados romanos. —
Ora Kersten levanta a hipótese de que se tratava de urna bebida usual na I n-
dia (o suco da planta asclepias acida), "que permitía que as pessoas familia
rizadas com a droga ficassem aparentemente mortas por varios dias, desper
tando depois em estado de euforia que durava também varios dias. Em tal
estado de fixtase religioso, podia manifestarse urna conscifincia mais elevada,
dotada de novos poderes de percepcao" (p. 173). Ora é gratuito procurar

87
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

nos costumes da India urna interpretadlo para o vinagre que Jesús bebeu an
tes de morrer.

É também sumaria demais a explicacSo dada as chagas dos pés de Je


sús: "Experiencias cirúrgicas com cadáveres tém demonstrado que a crucifica-
cao por cravos nao destrói nem os vasos sanguíneos mais importantes nem
qualquer osso. O cravo foi introduzido entre oito ossos do pulso, afastando-
os levemente. A perfuracao do pé ocorreu no segundo metatarso, ferindo
apenas a carne. Depois das feridas maiores terem-se fechado, o homem viti-
mado precisaría apenas de paz e tranqüilidade para se restabelecer, o que po-
deria ter sido conseguido através da bebida narcótica" (pp. 193s).

H. Kersten nfo leva em conta o fator mais decisivo para a morte dos
crucificados, que era a asfixia. Mesmo que as chagas produzidas pelos cravos
nao fossem moríais, a posicáo de quem pendia na cruz levava á morte rápida
por asfixia. Eis o que se lé no livro do Dr. Barbet:

"A fixacio dos bracos levantados, portanto em posicio de Inspiracio,


acarreta relativa imobilidade das costelas e grande incómodo na respiracSo; o
crucificado tem a impressio de sufocamento... O coracSo deverá trabalhar
mais, suas pulsacoes se precipltam e enfraquecem. Segue-se urna certa estag-
nació dos vasos de todo o corpo. E como, por outro lado, a oxigenacao se
faz mal nos pulmdes que funcionan) insuficientemente, a sobrecarga de áci
do carbónico provoca excitacio das fibras musculares e, como conseqüéncia.
urna especie de estado tetánico de todo o corpo" (p. 99).

Mais:

"Podemos citar o testemunho de dois antigos prisioneros de Dachau,


que, varias vezes, presenciaran) a aplicacao do suplicio e dele conservam ter-
rifícante lembranca... Suspendiam o condenado pelas duas mios, quer urna
ao lado da outra, quer separadas. Os pés ficavam a certa distancia do solo.

Em pouco tempo, o incómodo respiratorio ficava intolerável. O paci


ente procurava remediá-lo erguendo-se com os bracos para poder retomar fO-
lego; conseguíase manter no ar até 30 e 60 segundos.

Prendiam-lhe, entio, pesos aos pés para dificultar os soerguimentos. A


asfixia se desfechava entao rápidamente em tres ou quatro minutos. No últi
mo momento, tiravam os pesos, permitindo de novo os soerguimentos para
que, retomando fólego, conseguisse reviver...

Após urna hora de suspensao, tornavamse estas contracdes cada vez


mais freqüentes, mas também mais tracas e a asfixia se estabelecia progressi-

88
"JESÚS VIVEU NA I'NDIA"? 41

va e definitivamente. A testemunha descreve a caixa torácica intumescida ao


máximo, a cavidade epigástrica muito profunda. As pernas rifas pendiam
sem se agitar. A pele ficava violeta. Abundante suor aparecía em todo o cor-
po, escorrendo até o chSo e manchando o cimento. Especialmente profuso
era este suor nos poucos minutos que precediam a morte; os cábelos e a bar
ba ficavam literalmente ensopados, aínda em temperaturas próximas ao ze-
ro. Deviam esses agonizantes ter urna temperatura bem elevada.

Depois da morte ficava o corpo em extrema rigidez. A cabeca cafa pa


ra a frente, no eixo do corpo. A morte sobrevinha, em media, ao cabo de
tres horas; ou. um pouco mais tarde, quando as mSos ficavam separadas"
(pp. WJs).

Por conseguinte, o estudo atento e objetivo do Evangelho colocado no


contexto da arqueología e da medicina confirma que Jesús realmente mor-
reu na Cruz.

Passemos a outra das teorías de H. Kersten.

2.3. Jesús foi um Bodhisattawa?

A p. 83 do livro de Kersten lé-se o seguinte:

"O fato de Jesús poder ser considerado como a perfeita encamacSo do


ideal que floresceu na india com o budismo Mahayana é de singular impor
tancia. Mesmo nos pequeños detalhes, ele apresenta as características do Bo-
dhisattwa ideal delineadas no sáculo 3? a.C, quando o budismo abandonou
o intímismo dos monges Hinayana, para tornarse urna religiao popular e
universal. A existencia terrena deum Bodhísattwa á totalmente determinada
por sua missao de salvador, destinado a introduzir todas as almas no cami-
nho reto da redencSo dos sofrimentos humanos.

Apesar de todas as tentativas feitas no sentido de obscurecerá verda-


deira origem dos ensinamerítos de Jesús, e apesar da rigorosa canonizacao
dos evangelhos, aínda encontramos mais de 'cem passagens' claramente en
raizadas na antíga tradicao budista" (p. 83).

A fim de avaliar esta afirmacao, perguntamo-nos: que é o Budismo?

- 0 Budismo é um sistema filosófico pantefsta; identifica a Divinda-


de, o mundo e o homem como sendo urna só substancia. Em conseqüéncia,
nSo é Deus quem salva o homem, mas é o homem que salva a si mesmo me
diante a serie de reencarnacoes (samsara), que dáo á pessoa a chance de ex-
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

tinguir o apego a materia mediante rigorosa ascese e esvaziamento interior.


O corpo é tido como algo de desprezível; quem se reencarna, está sendo pu
nido pela lei do karma; o ideal á desencarnar-se definitivamente1.

Ora a doutrina de Jesús é radicalmente diversa de tal sistema. Com efeito

— Jesús se sitúa no termo de chegada do Amigo Testamento, que pro-


fessava o monoteísmo estrito e a transcendencia de Deus; cf. Mt 5,17-19.
Ele veio trazer a plenitude da Revelacao iniciada no judaismo, afirmando a
unicidade de um só Deus, cuja vida é tao rica que ela subsiste em tres Pes-
soas (as quais nao perfazem tres deuses);

— para Jesús, a materia nao é má; por isto a consumacáo do homem se


dará mediante a ressurreicao dos corpos; cf. Mt 22,29-32. Ele mesmo predis-
se a sua ressurreicao (cf. Mt 16,21; 17,22s; 20,17-19) e ressuscitou (cf. Mt
28,1-20...). Examinaremos á parte (cf. pp. 91-95) as passagens do Evangelho
aduzidas em favor da reencarnarlo.

— "Quase tudo o que foi dito sobre Jesús encontra paralelo ñas antigás
lendas indianas" (p. 136). - Kersten aponta milagres de mestres indianos pa
ra firmar sua sentenca. Ora este ponto de contato é tenue. Muitos homens,
especialmente na India, dotados de faculdades parapsicológicas, podem ter
efetuado facanhas surpreendentes, tidas como milagrosas. Isto, porém, nao
basta para que estabelecamos o paralelo dos mesmos com Jesús.

— Sfo Paulo é o grande teólogo a quem se deve urna profunda penetra-


pao do pensamento de Cristo nos escritos do Novo Testamento. Com efeito;
Sao Paulo tinha consciéncia de ser discípulo de Jesús (cf. Gl 1,15-24; At 9,
26-30; 22,3-21; 26,4-23); só quería testemunhar o que de Jesús aprenderá
(cf. 1Cor 15,3-10; 11,23-32); refere-se a Jesús como Filho de Davi (cf. Rm
1,3), nascido da mulher (Gl 4,4}... O grande mérito de Sao Paulo foi ter
mostrado que a Lei de Moisés se consumou em Cristo, de modo que Este
trouxe o cumprimento das promessas feitas aos Patriarcas de Israel (2Cor
1,20). O pensamento paulino deve ser entendido a partir das premissas ju
daicas e bíblicas do Apostólo muito mais do que em funcSo de categorías
do helenismo. Eis a propósito as observares de G. Bellinato:

1 O panteísmo de Kersten se manifesta na seguinte passagem:


"A principal causa desse equívoco (declfnio do senso religioso) é urna má in
terpretado do conceito de Deus. O divino nio se coloca a urna distancia
utópica, mas dentro de cada um de nos, inspirando urna vida em harmonía
com o Infinito o o nconhecimento de que nossa curta existencia nSo passa
de um momento da eternidade, da qual faz parte" (p. 14).

90
"JESÚS VIVEU NA l'NDIA"? 43

"NSo obstante o impacto da educacSo grega, a coloracSo peculiar da


personalidade de Paulo, o seu vulto espiritual e a raíz profunda de sua con-
textura existencia! sSo hebraicas. 'SSo hebreus?' (= conhecedores aprimora-
dos da Kngua hebraica), também eu. SSo descendentes (semen) de AbraSo?
(= desfrutando da absoluta pureza da raca), também eu' (2Cor 1122).
Sim, Paulo, ao enséjóda defesa pessoal contra os judaizantes, tem palavras
de ufanía e altivez, por ser um legítimo rebento da estirpe judaica (cf. Fl 3,
4-6). Paulo vive num contexto grego, mas respira num clima espiritual he
braico" (Paulo: Cartas e Mensagens, p. 11).

2.4. Os apócrifos

Os apócrifos do Novo Testamento sao livros oriundos nos primeiros


cinco sáculos da Igreja, com aparéncia de textos bíblicos. Apresentam-se
como complementacao da literatura bíblica canónica, falando dos anees-
trais de Maria SS., da infancia de María, da infancia de Jesús, da sua vida
oculta, da sua Paixao, etc. Sao marcados por tres trapos característicos:

— contém elementos de historia aceitáveis ou fidedignos, pois nem


tudo o que se refere a Jesús foi consignado nos Evangelhos canónicos. A
Igreja tira dos apócrifos os nomes dos genitores de Maria (Joaquim e Ana),
a apresentacao de Maria no Templo aos tres anos de idade, os esponsais de
Maria e José...;

— contém elementos altamente fantasiosos, devidos ao fervor exube


rante de antigos cristaos, que imaginavam um Jesús portentoso do nascer
ao morrer;

— contém elementos heréticos, isto é, doutrinas destoantes da mensa-


gem oficial da Igreja. Para dar maior énfase ou urna aparente autoridade as
suas doutrinas, muitas escolas teológicas dissidentes redigiam-nas em estilo
de Evangelhos, Atos de Apostólos, epístolas, etc.

Sendo assim, vS-se que é necessária certa cautela quando se abordam


os apócrifos; fácilmente poderá alguém dar crédito indevido a um ou outro
trapo dos mesmos. A Palavra de Deus pregada pelos Profetas e por Jesús vive
no ámago da S. Igreja assistida por Jesús Cristo e por seu Espirito, a fim de
que nao se deteriore o depósito da Revelacao Divina.

3. A Reencarnacáo e o Cristianismo

3.1. A Reencarnacáo nos Evangelhos

Os escritos do Novo Testamento estáo intimamente associados ao pen-


samento judaico pré-cristáo. Ora este nSo admitia a reencarnacáo das almas.
Sendo esta doutrina professada por filósofos gregos, os judeus se fecharam a

91
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

ela, pois eram intensos a qualquer tipo de sincretismo religioso. - Foi nesse
ambiente que Jesús pregou o seu Evangelho.

Feita esta observacfo, passemos ao exame sucinto dos textos bíblicos


geralmente citados em favor da reencarnado.

3.1.1. Joáb Batista e Elias

Mt 17, 10-13: Os judeus julgavam que Elias nao morrera, mas fora ar
rebatado aos céus (cf. 2Rs 2,11) e, por isto, voltaria a térra para revelar e un
gir o Messias. Ora, nos tempos de Cristo, politicamente agitados, o profeta
Elias era esperado em Israel com particular insistencia. Pois bem; Jesús res-
pondeu que Joao Batista fizera as vezes de Elias por reproduzir as atitudes
fortes e destemidas do profeta {cf. Le 1,17). O próprio Joao Batista negou
peremptoriamente ser Elias, quando os enviados dos judeus o ¡nterrogaram
(cf. Jo 1,21). Á luz destas ponderacoes, entenda-se também o texto de Mt

Mais: no momento da Transfiguracáo apareceram a Jesús Moisés e


Elias (cf. Mt 17,3}. Ora, naquele tempo Joá*o já fora executado por Heredes
ou já morrera. Por conseguinte, deveria aparecer a Jesús JoSb Batista e nao
Elias, conforme a doutrina da reencarnacio, pois esta ensina que, quando o
espirito se materializa, sempre se apresenta na forma da última encarnacáo.
- Donde se vé que Joá*o Batista ná"o era a reencarnacá*o de Elias.

3.1.Z Jesús e Nicodemos

Jo 3,3: O adverbio grego ánothen, que por vezes é traduzido por de


novo, reaparece em Mt 26, 51, para significar que, por ocasiao da morte de
Jesús, o véu do Templo se cindiu ánothen, isto ó, de cima a baixo (nao de
novo).

Nicodemos nao entenderá as palavras de Jesús; fiel aos ensinamentos


judaicos, julgava impossfvel a reencarnacao: "Como pode um homem nascer
sendo velho? Poderá entrar segunda vez no seio de sua mffe e voltar a nas
cer?" (Jo 3,4). Jesús logo dissipou a dúvida, explicando que nao se tratava
de renascer no sentido biológico, mas, sim, de nascer de outro modo, ou se-
ja, pela agua e pelo Espirito: "Em verdade, em verdade te digo: quem nao
nascer da agua e do Espirito, ná"o poderá entrar no Reino de Deus" (Jo 3,5).
Positivamente, Jesús tinha em vista o Batismo, que torna o homem filho de
Deus.

3.1.3. Jesús e o cegó de nascenca

Jo 9,1 s: Os judeus julgavam que todo mal á conseqüéncia de um peca


do. Por conseguinte, no caso, de um cegó de nascenca, pensariam num peca-

92
"JESÚS VIVEU NA l'NDIA"? 45

do dos pais (que, segundo a mentalidade do cláf, seria punido sobre os fi-
Ihos), ou num pecado do próprio cegó; esta última hipótese deveria parecer-
Ihes absurda, pois sabiam que as enancas nascem sem ter cometido previa
mente nem bem nem mal (cf. Rm 9,11). Assim perplexos, lancaramsuas in-
.terrogacóes a Jesús, sem se dar ao trabalho de procurar terceira solucao para
o caso. Ora, JesúsTespondeu sem abordar o aspecto especulativo da questSo,
elucidando diretamente a situacao concreta que Ihe apresentcvam: nem urna
hipótese nem outra, mas um designio superior de Deus ("... para se manifes
taren! nele, cegó, as obras de Deus").

De resto, a Escritura é diretamente contraria á reencarnacao quando,


por exemplo, afirma: "Foi estabelecido, para os homens, morrer urna só
vez; depois do qué, há o julgamento" (Hb 9,27). Notemos também as pala-
vras de Jesús ao bom ladrao: "Hoje mesmo estarás comigo no paraíso" (Le
23,43). Os textos muito enfáticos em que Jesús e os Apostólos anunciam a
ressurreigao dos mortos, o céu e o inferno, sao outros tantos testemunhos
que se opoem á reencamapao: vejam-se Mt 5,22; 13,50; 22, 23-33; Me 3,29;
9, 43-48; Jo 5, 28s; 6, 54; 1Cor 15,13-19.

3.2. A Reencarnapáb na Tradicao da Igreja

Examinemos os testemunhos dos primeiros sáculos do Cristianismo.

Clemente o> Alexandria (t215) julga ser a doutrina da reencarnacao


arbitraria, porque nao se baseia nem ñas sugestoes da nossa consciéncia nem
na fé católica; lembra que a Igreja nao a professa, mas, sim, os hereges, espe
cialmente Basilides e os Marcionistas. Cf. Eclogae ex Scripturis Propheticis
XVII PG 9, 706; Excerpta ex Scriptis Theodoti XXVIII, PG 9,674;Stroma-
ta III, 3; IV, 12 PG 1114$. 1290s.

S. Irineu (t 202) observa que em nossa memoria nao se encontra vesti


gio de pretensas existencias anteriores (Adv. Haer II, 33, PG 7, 830s); em
nome da fé, op5e o dogma da ressurreícao dos corpos: nosso Deus é bastante
poderoso para restituir a cada alma o seu próprio corpo (ib. II 33, PG 7,
833).

Outros autores antigos se poderiam citar a propor semelhantes ponde-


racSes. O mais importante, porém, é Origenes de Alexandria (|254). Este
propós, á guisa de hipótese, a preexistencia das almas: todos os espfritos te-
riam sido criados desde toda a eternidade e dotados da mesma perfeicao ini
cial; muitos, porém, terao abusado da sua liberdade e pecado. Tal pecado ha-
verá sido, para Deus, a ocasiao de criar um mundo material, a fim de servir
de lugar de castigo e purificacao. Conforme a falta cometida, cada espirito
teve que tomar, em púnica"©, um corpo mais ou menos grosseiro. Os que ná"o
se purificassem devidamente nesta vida, deveriam passar, depois da morte,

93
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

para "um lugar de fogo". Mas finalmente todos seriam reintegrados na su


prema felicidade com Deus; o inferno ná*o seria eterno.

Notemos que estas idéias foram propostas com reservas e a título de


hipóteses (cf. Peri Archon; PG 11,224). Todavía os discípulos de Orígenes,
chamados origenistas, eram monges do Egito, da Palestina e da Siria, que se
beneficiavam dos escritos ascéticos e místicos do mestre, mas eram pouco
versados em teología; por conseguíate, nao tinham criterios para distinguir
entre as verdades de fé e as proposicSes hipotéticas de Orígenes. Os origenis
tas, portante, nos séculos IV/VI professaram como artigos de fé nao só a
preexistencia das almas e a restauracao final de todos na felicidade inicial,
mas tambero a reencarnacáo. Contrariavarh assim o pensamento do próprio
Orígenes, que era avesso a reencarnacSo, tida por ele como "fábula inepta e
impía" (In Rom. V. PG 14, 1015).

As doutrinas dos origenistas chamaram a atencao das autoridades da


Igreja. Em 543, o Patriarca Menas de Constantinopla redigiu e promulgou
quinze anatemas contra Orígenes, dos quais os quatro primeiros nos interes-
samdiretamente:

/. "Se alguém crer na fabulosa preexistencia das almas e na repudiávef


reabilitafio das mesmas (que é geralmente associada ¿que/a), seja anatema.

2. Se alguém disser que os espfritos racionáis foram todos criados in-


dependente/vente da materia e alheios ao corpo, e que varios deles rejeita-
ram .a visio de Daus, entregándose a atos ilícitos, cada qual seguindo suas
más inclinacoes, de modo que foram unidos a corpos, uns mais, outros me
nos perfeitos, se/a anatema.

3. Se alguém disser que o sol, a lúa e as estrelas pertencem ao conjunto


dos seres racionáis e que se tomaram o que eles hoje sSo por se voltarem pa
ra o mal, seja anatema.

4. Se alguém disser que os seres racionáis nos quais o amor a Deus se


arrefeceu, se ocultaram dentro de corpos grosseiros como sSo os nossos, e
foram em conseqüéncia chamados homens, ao passo que aqueles que atingi-
ram o último grau do mal tiveram, como partilha, corpos fríos e tenebrosos,
tornándose o que chamamos demonios e esp fritos maus, seja anatema".

O Papa Vigílio e os demais Patriarcas deram a sua aprovacao a esses ar


tigos. Concluímos, pois, que a doutrina da reencarnacáfo nunca foi professa-
da oficialmente pela Igreja Católica (contradiz ao Credo cristao); todavia
após Orígenes (século III) foi professada por grupos particulares de monges
orientáis, pouco iniciados em teología; em 543 foi solenemente rejeitada

94
"JESÚS VIVEU NA l'NDIA"? 47

pelas autoridades da Igreja. A mesma condenaca*o ocorreu nos Concilios


ecuménicos de Liao (1274) e Florenca (1439), que ensinam a ¡mediata pas-
sagem desta vida para a sorte definitiva no alám (DS 857 [464] e 1306
[693]). O Concilio Vaticano II, por sua vez, fala do "único curso da nossa
vida terrestre (Hb 9,27)", tencionando assim opor-se á teoría da migracáb
daralmas; cf. Lumen Gentium n? 48.

4. Conclusao

Vérifica-se que o livro de H. Kersten é tendencioso; aborda a figura e


a vida de Jesús a partir de premissas gratuitamente preconcebidas; Jesús se
ria um Bodhisattwa; por conseguinte deve ter forzosamente tido relacSes
com a India e sua filosofía religiosa. Estabelecida esta tese, o autor forca os
textos bíblicos e nao bíblicos a fim de fundamentarem o seu pensamento,
chegando por vezes ás raías do ridículo. O livro assim tem pouco valor cien
tífico; representa urna expressao singular da filosofa religiosa contemporá
nea, que tem contra si testemunhos da arqueología, da historiografía, da me
dicina, e de vinte sáculos de Tradicao crista; é difícil crer que só no sáculo
XX (dezenove sáculos após a morte de Jesús) se tenha podido chegar a ver-
dade a respeito dele; hoje saberíamos mais sobre Jesús do que souberam as
primeiras gerapSes cristas; estas te rao sido todas iludidas e simplonas; terao
transmitido a ilusáo até nossos dias!

A singularidade da vida e da doutrina de Jesús se depreende de um


exame atento de sua mensagem, que pode ser estudada no livro "Riquezas
da Mensagem Crista" de D. Cirilo Folch Gomes (Ed. Lumen Christi, C. p.
2666, 20001 Rio-RJ) ou no Curso de Iniciacao Teológica por Correspon
dencia (C.p. 1362,20001 Rio-RJ).
Estéváo Bettertcourt O.S.B
* * *

Arte para a Fé, por Mons. Guilherme Schubert. - Ed. Loyola, Sao
Paulo 1987 (2? edicSo revista e ampliada), 136 x 208 mm, 299 pp. de texto,
além de 80 pp. de llustracóes.

Este livro, devido a urna das maiores autoridades em Arte Sacra.no


Brasil, sai em segunda edicSo revista e ampliada, trazando um complemento
relativo ao Código de Direito Canónico e á Arte Sacra. Tornase obra indis-
ponsável a_quem cuide de construcao de igrejas, capetas, ornamentado de
altar, alfaias religiosas, etc. A arte sacra tem que ser a expressSo da fó;¡amáis
poderá confundirse com a arte profana, que exprime intuicSes humanas
muito válidas, mas em estilos diversos, nem sempre propicios é oracSo.

E.B.

95
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 321/1989

MENSAGEM DO PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL DE


ESPIRITUALIDADE DO CORAgAO DE JESÚS (Itaici, 4-8/10/88)

1. A espiritualidade do Coracao de Jesús coloca no centro da vida cris


ta" o amor de Deus, revelado na Pessoa de Jesús Cristo - em todo o miste
rio de sua vida, morte e ressurreicáo - e, de maneira muito expressiva, no
Coracáo transpassado.

Profundamente enraizada na revelacá"o bíblica, vivenciada, com algu-


mas variantes, na Tradipao crista através dos sáculos, é incentivada e apoiada
pelo Magisterio da Igreja, e assimilada na fé do povo.

2. Trata-se de urna espiritualidade que contém o potencial transforma


dor do Cristo que afirma: "O que fizestes a um destes pequeninos, é a mim
que o fizestes".

3. O Coracao de Cristo é a plena revelacao do misterio de Deus que se


inclina, compassivo, para a humanidade; Deus que se compromete com a his
toria dos homens e com a pessoa humana: Deus cheio de misericordia e ter
nura. A espiritualidade do CoracSo de Cristo é um processo pedagógico de
reconhecimento e testemunho do Deus-A mor, uno e trino, revelado em
Jesús.

4. María, peregrina da fé, Mae de Jesús e Máe da Igreja, ocupa um lu


gar próprio nessa espiritualidade. Tanto nos Evangelhos como na TradicSc-
crista, ela aparece como aqueta que nos precede na fé. Mestra de espirituali
dade, educadora da fé, María nos leva ao CoracSo de seu Filho.

5. Pelo batismo, os cristá"os sao chamados a ser Igreja. Fidelidad© á


Igreja e comunháo com o povo de Deus sá"o os criterios básicos de autentici-
dade em qualquer expressao de vida espiritual.

O seguimento de Jesús leva á identificacSb com sua missao que se pro


longa na missSo da Igreja. Daf a dimensao eclesial, apostólica e missionária
da espiritualidade do Coracáo de Jesús. Reflete-se isso, inclusive, na denomi-
nacao dos movimentos e institutos que colocam o Coracáo de Jesús no cen
tro de sua espiritualidade: discípulos(as), apóstolos(as), missionários(as),
servos(as), filhos(as).

(continua na pég. 23)

96
Revista "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" de 1988
encardenada em percalina, com índice analítico
600 páginas NCz$ 20,00

RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA

Por D. Cirilo Folch Gomes OSB


Reimpresslo da 2a edicáo (Jan. 1989).
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graus NCzS 2,60
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PAULO II, CONFERENCIAS de um Congresso Interna
cional, 280 pág. - 1985 NCzS 2,90
DOM PEDRO MARÍA DE LACERDA - último Bispo do
Imperio, Dom Jerónimo Lemos OSB, 610 pág NCzS 8,20
1590 - OMOSTEIRODESAOBENTO - 1990

IV Centenario de fundado

Como nem todos podem vir ao Rio de Janeiro ou penetrar na clausu


ra, poderao contudo admirar a beleza arquitetdnica desse monumento co
lonial do inicio do sáculo XVII, adquirindo o grande Álbum em estojo, enti-
tulado O MOSTEIRO DE SAO BENTO.

Contém 18 fotografías artísticas (preto-e-branco) por Hugo Leal, o


mesmo que fotografou Ouro Preto e Salvador (BA) — Texto portugués-
inglés por D. Marcos Barbosa.

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