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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEfsTTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
' visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar. este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XXXIV

MAR£O

1993

<n SUMARIO

co
tu A Sol ¡dio

I
UJ A Conferencia de Santo Domingo

"Jesús: Quem era Ele?" «VEJA, 23/12/92)


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O Recenseamento sob César Augusto e Quirino (Le 2,1-5)
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o Que é a ADHONEP?
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PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARCO 1993
Publicacáb mensal N9 370

Diretor-Responsável SUMARIO
EstévSo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico
A Solideo 97

Diretor-Administrador:
Urna crónica precisa:
D. Hildebrando P. Martins OSB
A Conferencia de Santo Domingo
(D.D.G.) 98
AdministracSo e distribuido:
Edicdes Lumen Christi
Preconceituoso e falso:
Oom Gerardo, 40 - 5? andar, s/501
"Jesús: Quem era Ele?"
Tel.: (021)291-7122
(VEJA. 23/12/92) 121
Caixa Postal 2666
20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
Ainda o artigo de VEJA:
FAX (021) 263-5679
O Recenseamento sob César
Impressao e Encadernacáo Augusto e Quirino (Le 2,1-5) 134

Organizacáo protestante:
Que é a ADHONEP? 141
•MARQUESSARAIVA "
GRÁFICOS E EDITOfí£S S.A.
Telt: 10211273-9498 ■ 273-944?

NO PRÓXIMO NÚMERO

O Catecismo da Igreja Católica. - A Ordenacio de Mulheres na Inglaterra.


- O Riso ñas Tradicóes Antigás e Medievais. - Preservativo ou Preven-
cao? - Encerrado o Caso Galileu.- Grupo CristSo Sao Francisco de Assis.

COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA

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a Revista.
fcíbCOTECA
A Solidáo

A solideo espanta muitas vezes as pessoas; provoca tedio e repu


dio. Este fenómeno é significativo, pois dá a ver que o ser humano nao
foi feito para encontrar em si mesmo a resposta ds suas aspiracóes mais
profundas; foi feito, sim, para outrem.
O Cardeal Josef Ratzinger comenta o fato:
"A solideo é, sem dúvida, urna das ralzes básicas das quais surge
o encontró do homem com Deus. Onde o homem experimenta a soli-
dSo, verifica, ao mesmo tempo, quanto a sua vida representa um brado
pelo tu e quáo pouco o homem é apto a ser um puro cu, encerrado em
si mesmo.
A solideo pode manifestar-se ao homem em profundezas diferen
tes. Primeiramente ela satisfaz-se com o encontró de um tu humano.

Mas desdobra-se um processo paradoxal, descrito por Claudel:


cada tu que o homem encentra, revela-se finalmente como urna pro-
messa irrealizada e irrealizável, porque todo tu, no fundo, representa
de novo urna desilusáo; há um ponto em que encontró nenhum é capaz
de vencer a derradeira solideo. E exatamente o achar e o ter-achado
voltam a ser um retorno á solideo, um grito pelo TU real e absoluto"
(Introducto ao Cristianismo, Herder, Sao Paulo 1970, p. 68).
Em suma, o autor lembra que, para vencer a solidáo, é espontáneo
a todo homem procurar outra criatura que possa compartilhar seus an-
seios e responder-lhes. A experiencia, porém, ensina que toda criatura
é limitada, de modo que as esperances depositadas no encontró com
um(a) semelhante sao, cedo ou tarde, desiludidas. Por mais que repita a
busca de resposta em algum ser humano, o homem se dá sempre por in-
sat¡sfe¡to~. E retorna á sua solidáo de origem, consciente de que só o
Bem Infinito é capaz de responder aos seus mais nobres desejos. Aflora
assim, mais nítidamente do que nunca, a conviecáo de que o homem é
um brado vivo em demanda do Bem Infinito.

S. Agostinho ilustra esta procura de Deus: "Interroga a beleza da


térra. Interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar, que se dilata
e difunde, interroga a beleza do cóu—, interroga todas essas realidades.
Todas te respondem: 'Vé, nos somos belas'. A sua beleza 6 urna confis-
sáo. Essas episas belas sujeitas á mudanca, quem as fez senáo o Belo,
nao sujeKo á mudanca?" (sermio 241,2).
Possa a Quaresma em curso propiciar o a profundamento dé tais
verdades, principalmente numa fase da historia em que tantas decepcóes
evidenciam ao homem o vazio das bolhas de sabio!

E.B.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano XXXIV - NS 370 - Marco de 1993

Urna crónica precisa:

A Conferencia de Santo Domingo

Em sfntese: O Sr. Bispo de SSo Joáo da Boa Vista (SP), D. Dadeus


Gríngs, membro participante da IV Conferencia do Episcopado Latino-ameri
cano em Santo Domingo, aprésenla urna resentía do desenrolar e das conclu-
sóes dos trabalhos efetuados naquele córtame. Póe em relevo a confíguracáo
da Assembléa, as dificuldades enfrentadas e o termo final dos debates. Res-
salta as novidades do Documento final da Conferencia, inspirado por profunda
té 'em Jesús Cristo ontem, hoje e sempre" (Hb 13.8). - A DirecSo de PR
agradece a D. Dadeus a elaboragáo desta interessante Crónica.

De 12 a 28 de outubro reaüzou-se, em Santo Domingo, na Repúbli


ca Dominicana, a IV Conferencia do Episcopado Latino-americano. Esta
térra foi o ber?o do anuncio de -Jesús Cristo ao Novo Mundo. Tinha como
objetivo celebrar os 500 anos de evangelízalo da América Latina e des-
cobrir novas estrategias pastorais para os próximos anos, prosseguindo e
aprofundando as conclusdes de Medellfn e Puebla.

A Assembláia contou com um total de 355 participantes, entre


membros, convidados, peritos e observadores. Aos 24 Cardeais e 200 re-
presentantes do Episcopado Latino-americano se juntaram 13 represen
tantes da Curia Romana, 21 sacerdotes, 4 diáconos permanentes, 15 Reli
giosos/as e 15 leigos/asm além de 11 Superiores Matares. Estavam tarñ-
bém, como convidados, 5 Nuncios Apostólicos e 19 representantes de
Conferencias Episcopais de outros continentes. Além destas figuras de
destaque, encontrou-se al¡ um verdadeiro exército de pessoas para os
mais diversos servicos.

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CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO

A IV Conferencia do Episcopado Latino-americano pode ser vista


sob muitos enfoques: na sua prepa rapio, ao longo de varios anos, em to
do o continente; no seu contexto em Santo Domingo; na sua espirituali-
dade; na participacáo dos delegados; no conteúdo de seus documentos;
na dinámica de seus trabalhos e na continuidade de seu impulso.

Convém, desde o inicio, destacar a presenca do Papa. Foi quem


convocou a Assembléia e aabriu com um discurso programático, que ser-
viu de base para as reflexóes dos participantes. Esteva, além disso, urna
tarde toda, na Assembléa, ouvindo as intervencóes. Quis, a pos a inau-
guracüo dos trabalhos, cumplimentar cada bispo em particular, presen-
teando-o com urna cruz peitoral calcada sobre a da evangelizado da
América Latina. No segundo dia fez questáo de dar a máo eos leigos que
ali serviram com um carinho digno de nota.

1. O Ambiente em Santo Domingo

A Igreja de Santo Domingo se esmerou na preparacáo deste im


portante evento. Fez do melhor para acolher o Santo Padre e os delega
dos da Conferencia. Nao dispunha de um local único para hospedar tan
tas pessoas e ali fazer reunióes plenárias e em grupos menores. Colocou
por isso os seus hospedes nos grandes notéis da cidade e os transportou
diariamente para o local das concentrscóes, no Seminario, em cujo re
cinto realizavam as celebracóes litúrgicas, as assembléias e as refeicóes
do almoco e do jantar. As 30 comissóes que foram criadas para os diver
sos assuntos se reuníram, inicialmente, na Universídade Católica, um
pouco mais distante dali, com maior número de salas disponíveis. Como,
porém, a locomocSo atra pal nava os trabalhos, preferiu-se, depois, conti
nuar so no Seminario.

A cidade de Santo Domingo encontra-se em zona tropical. O calor


é intenso. Mas, apesar dos dois milhóes de habitantes, a capital da Repú
blica Dominicana, vista de cima, parece um bosque: há muito verde e as
construcóes sao baixas. Isto, se, de um lado, proporciona um ambiente
mais humano, torna, de outro lado, tudo mais distante e difícil. De hoite,
a cidade é bastante escura e nao é costume caminhar pelas calcadas, mal
cuidadas é mal iluminadas. A agua das tornelras nao é potável. Havia
também muito recelo de atentados, de inspiracso estrangeira, que pu-
dessem atingir algu'm membro da Conferencia. Por isso foram tomada-
das rigorosas providencias de seguranca, destacando-se üm considerável
número de pessoas para garantir a incolumidade dos participantes.

Se houve urna insatisfacáo, principalmente da parte brasileira, esta


foi no sentido de reclamar do excessivo conforto que se tentou propor-

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4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

donar, por nao se coadunar plenamente com a opcáo preferencial pelos


pobres. Mas a explicado para estas medidas foi: primeiro, a generosida-
de e a delicadeza de quem hospedava; segundo, a preocupadlo pela se-
guranca de todos; e terceiro, o cuidado de proporcionar aos delegados as
condicóes mais favoráveis posslveis, para que se pudessem dedicar to
talmente, e de modo tranquilo, ao trabalho da própria Conferencia. Isto
tudo lembrava a rainha das abelhas, que é tratada com geléia real exclu
sivamente para produzir o que Ihe é próprio.

2. A Grande O pelo

O grande objetivo desta IV Conferencia foi celebrar Jesús Cristo,


nos quinhentos anos de seu anuncio neste Continente. Por isso se rea-
firmou a fé em Jesús Cristo, ontem hoje e sempre (Hb 13,8), colocando-o
na base de toda a vida. Unindo todos a mesma fé, esperanca e amor, sob
a protepáo de Nossa Senhora de Guadalupe, assumiu-se o compromisso
de urna nova evangelizado de nossos povos. A esta tarefa todos sao
chamados, destacando-se a participacáo dos leigos e dos jovens. Far-se-
á através da educacáo e celebracáo da fé, que deve expandir-se além das
próprias fronteiras. Realca-se assim a dimensáo catequética, litúrgica e
missionáría.

O segundo compromisso se refere á promocáo integral do povo la


tino-americano, tendo em vista a situacáo dos pobres, a servico da vida e
da famdia.

Como terceiro compromisso está a evangelizado inculturada, que


penetre mais profundamente as nossas cidades, se encarne ñas culturas
indígenas e afro-americanas, por meio de urna comunicacáo moderna.

3. A Espiritualidade da IV Conferencia

Já que a IV Conferencia do episcopado latino-americano, em Santo


Domingo, tinha como objetivo principal celebrar os 500 anos da evangeli
zacao deste continente, a espiritualidade deveria, evidentemente, ocupar
lugar de destaque. Toda a Igreja se preparou para este acontecimento
por meio de intenso estudo, debates em diversos ntveis, publicares es
pecializadas e, particularmente, por meio da oracáo em todas as comuni
dades edesiais.

Nove anos atrás, o Papa, também numa viagem ao Novo Mundo,


inaugurou o novenario de preparacáo para esta celebracáo. Foram nove

100
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO

anos dedicados ao desenvolvimento deste tema e de pedidos a Deus para


que iluminasse os trabalhos desta Conferencia. O próprio Santo Padre
elaborou uma oracáo que foi amiúde recitada pelos cristáos e suas co
munidades.

3.1. As Celebrares Litúrgicas

As atividades de cada dia da Conferencia iniciavam-se com a Santa


Missa, concelebrada por todos os participantes, na cápela do Seminario, a
terminavam com a oracáo da tarde, rezada e cantada no auditorio dos
trabalhos. O Departamento de Liturgia do CELAM editou um livro espe
cial de 450 páginas, como Missal para as celebrares. Como o continente
compreende varias Ifnguas, é obvio que elas também fossem tomadas
em considerado. A maior parte das celebrares se serviu do espanhol,
algumas do portugués, uma do francés e uma do inglés. Foram feitas
preces em diversas llnguas nativas.

Cada dia apresentou-se um tema litúrgico especial. No dia 12 o


Santo Padre abriu a Conferencia com um discurso programático e oracáo
inicial. No dia 13, como inicio dos trabalhos, foi apresentado Jesús Cristo,
Salvador do mundo. O dia 14 celebrou o Espirito Santo, que chama os
povos da América á fé. No dia 15 a Igreja viveu os conselhos evangélicos,
era a festa de Santa Teresa; após a homilía, os Religiosos e Religiosas re-
novaram, diante da Assembléia dos fiispos, seus compromissos de se-
guimento de Cristo. No dia 16, comemoracao do aniversario de eleicáo
do Papa Joáo Paulo II, foi a vez dos leigos e leigas renovarem seu com-
promisso batismal. No dia 17, festa de Santo Inácio de Antioquia, os Mi
nistros ordenados, bispos, presbíteros, diáconos re novaram seus com
promissos assumidos na ordenafáo. No dia 19 de outubro foi lembrado o
compromisso missionário da Igreja: os missionários, tanto os que vieram
de outros continentes para cá, como os que daqui se dispSem a ir para
outras plagas, receberam especial destaque, com a gratidáo e o envió;
cantou-se o hiño do quinto centenario: "América do indio, América do
branco, América do negro, América do canto, América crista, há qui-
nhentos anos". O dia 20 trouxe a ribalta a Igreja que cresce e amadurece
na fé, com a acáo dos catequistas, educadores e das CEBs. O dia 21 des-
tacou a familia, considerando a Igreja como defensora da vida; foi a vez
de os casáis presentes renovarem seus compromissos matrimoniáis. O
dia 22 lembrou o misterio do sofrimento na vida crista, comemorando os
enfermos, os encarcerados, os pobres, as vílimas do odio e das divisóes e
todos os necessitados. O dia 23, sexta-feira, celebrou a Igreja como sinal
de reconciliacjo; foi o dia penitencial, quando se pediu perdáo ao Senhor
por todo o mal cometido ao longo de cinco séculos, no continente latino
americano. No dia 24 contemplamos nossos Santos, ou seja, a Igreja co-

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•PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

mo testemunho de santidade; era a comemoracáo de Santo Antonio


María Claret; in¡c¡ou-se com a ladainha de Nossa Senhora, invocada pelo
titulo que Ihe é próprio em cada ñafio; depois, foram invocados os
apostólos e evangelistas, e ped¡u-se a intercessio dos santos que atua-
ram e iluminaram, com sua santidade, nosso continente. O día 26 deou-
tubro destacou a Igreja como promotora da justica e da paz. O dia 27 di-
rigiu o olhar a Maria Santfssima para dizer que, com Maria, os povos da
América encontram a Jesús. O dia 28 concluiu a serie solenemente na
catedral de Santo Domingo, com Jesús Cristo, Senhor da Historia "on-
tem, hoje e sempre".

3.2. A participacáo popular

Os dois domingos que ocorreram durante a Conferencia, foram


deixados livres para as iniciativas dos participantes. Grande parte dos
Bispos fez contatos com as paróquias da cidade e ali celebrou a Santa
Missa. Eu mesmo fui, no primeiro domingo, até a paróquia de S. Barto-
lomeu, cujo pároco é um diácono permanente e por isso sai cada semana
á cata de algum padre para celebrar ñas duas paróquias que estao aos
seus cuidados. No segundo, fui ó paróquia de Sao Paulo da Cruz, onde
celebrei Missa campal, porque ainda nao há igreja, nem qualquer lugar
de celebracio que nao seja ao ar livre. A paróquia está confiada a um lei-
go, engenheiro, que deixou sua profissáo para se dedicar a este ministe
rio. Em cada paróquia, após a Missa, houve urna conversa mais longa
com as liderancas e, depois, o almoco numa casa de familia, com mais
alguns convidados.

Além da oracáo dos bispos delegados da Conferencia, devemos re


gistrar a da populacáo local. Todos os días grupos especiáis participavam
das celebracóes. Mais importante foi a adoracao constante ao Santlssimo,
onde, de hora em hora, se revezavam grupos paroquiais, numa cápela
especialmente montada para isso, perto do recinto da Conferencia.

É preciso recordar também a oracáo de toda a América Latina, que


invocou as béncáos e luzes durante todo o tempo da Conferencia.

Ademáis convém lembrar o clima de fraternidade de todos os parti


cipantes no grande evento. Estavam, ali reunidos, os mais destacados
expoentes religiosos da América Latina. Este encontró, por si só, enri
quece a cada um que participa. Mesmo com visóes muito diferentes, por
que as próprias realidades sao diferentes, unia-os o mesmo espirito.
Vendo essas personalidades, percebe-se a torca de Cristo. Todos eles,
pessoas de altas capacidades, deixaram tudo para O seguir. Nenhum de
les teve a mínima dúvida em afirmar que Cristo é sua única opcáo e Sal-

102
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO

vador. O problema apenas é como fazer chegar este testemunho e esta fé


a todos e a cada um dos habitantes de táo grande continente.

4. A Preparadlo da Conferencia

A Conferencia de Santo Domingo reuniu os principáis responsáveis


religiosos do continente para um estudo da mais alta significacáo.

O tema proposto pelo Papa era tríplice: nova evangelizado, pro-


mocáo humana e cultura crista. Seu estudo se intensificou nos dois últi
mos anos, em todo o Continente. Foram pedidas sugestóes para o tema.
Elaborou-se inicialmente, em 1930, um instrumento de trabalho com o
titulo "Elementos para urna reflexáo pastoral em preparando á IV Confe
rencia Geral do Episcopado Latino-americano". Com as contribuicóes de
todo o episcopado, editou-se, em 1991, um segundo "Documento de
Consulta", com mais de 200 páginas. Seguiram-se outros debates e se
chegou ao "Documento de Trabalho" de 1992, com igual número de pá
ginas, mas profundamente reelaborado. Pensava-se que seria este o
texto a ser aprovado pelos Bispos em Santo Domingo.

4.1. As Conferencias Anteriores

Em 1955 ocorreu a Primeira Conferencia do Episcopado Latino


americano, com sede no Rio de Janeiro. Seu objetivo era "salvaguardar o
patrimonio da fé católica" neste continente. Deu-se especial enfase aos
agentes, de modo particular ao clero. Os leigos apareciam apenas como
auxiliares.

Medelltn reuniu, em 1968, a II Conferencia. Seu objetivo era atuali-


zar a Igreja latino-americana segundo as normas do Concilio Vaticano II.
Teve profunda repercussio no contexto da Conferencia a encíclica de
Paulo VI "Populorum Progressio". O acento predominante foi o homem
latino-americano, enfatizando-se a necessidade de seu desenvolvimento
integral.

Puebla, em 1979, acolhe a III Conferencia. Tem como paño de fun


do a Exortacio Apostólica "Evangelii Nuntíandi". A palavra-chave foi
"comunhio e participacSo". Seguiu, na elaboracSo de seu documento, o
método "ver-julgar-agir". Mas já se havia dado conta de que o "ver" de-
veria ter urna conotacáo própría. Nao bastaría urna visáo puramente so
ciológica ou psicológica. Por isso deu por titulo a primeira Parte: "Visio
pastoral da realidade latino-americana". A segunda Parte, para o julgar,
foi intitulada "Designio de Deus sobre a realidade latino-americana"; a

103
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

terceira Parte, correspondente ao agir: "Evangelizacáo na Igreja da Amé


rica Latina: Comunháo e partidpacao". A quarta Parte continua o mesmo
tema com as opcóes preferenciais.

4.2. O Documento de Trabalho

Foi preparado, com muito cuidado e partidpacáo de todo o conti


nente, urna especie de anteprojeto para a Conferencia de Santo Domin
go. Seguiu o mesmo esquema geral de Puebla. A primeira Parte apre-
sentava a visáo pastoral da realidade latino-americana. A segunda Parte
trazia como titulo: "lluminacáo teológico-pastoral, Jesús Cristo ontem,
hoje e sempre". A terceira Parte apresentava as "Propostas Pastorais".
Terminava com a sugestáo de opcóes novas: pela vida e missáo dos lei-
gos; pela evangelizacáo da cultura; por urna nova comunicacáo; pelas
culturas amerindias e afro-americanas e outras opcóes como: a missáo
"ad gentes", a Igreja defensora da vida e a Igreja em face aos novos gru
pos religiosos.

O esquema estava claramente calcado no método ver-julgar-


agir. A perspectiva o colocava como texto de discussáo a ser, eventual-
mente, corrigido, ampliado, ou simplesmente aprovado.

5. Os Debates do Episcopado

Guando os Bispos chegaram á IV Conferénda, em Santo Domingo,


traziam consigo ampia bagagem espiritual e intelectual. Neles como que
se encarnou o resultado de todas as oracóes, feitas por milhóes de pes-
soas pelo feliz éxito da Assembléia, bem como toda a pesquisa feita e
publicada em sua preparacáo.. Em plenário, foram proporcionados mais
cinco documentos, como o discurso inaugural do Santo Padre e quatro
conferencias, respectivamente sobre "Jesús Cristo, ontem, hoje e sem
pre" a "Nova Evangelizacáo", a "Promocáo Humana" e a "Cultura cris
ta".

Com todo este material ñas máos, os participantes da IV Conferén


da do Episcopado latino-americano estavam plenamente aparelhados
para iniciar o grande debate. E o fizeram com total liberdade, sem outro
compromisso que nao o da fidelidade a propria consciénda, á fé crista e
ao povo latino-americano. Nao se limitaram, pois, a trabalhar sobre um
texto, mas colocaram livremente seus pontos de vista, tracando inclusive
os objetivos e a dinámica de suas atividades, dentro do tema proposto
pelo Santo Padre.

104
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO

S.1. A Proposta de Temas

Na convocacáo da Conferencia, o Papa indicou tres grandes as-


suntos a serem tratados: a Nova Evangelizado, a Promocáo Humana e a
Cultura Crista. Dentro deste grande panorama se perguntava, ¡nidal'
mente, aos participantes quais os temas específicos que deveriam ser in
cluidos na pauta dos trabalhos. Apareceram dois grandes capítulos: a
realidade eclesial e a realidade social. Na primeira se situaram cinco te
mas básicos: a santidade na Igreja, o profetismo, a comunháo, a celebra-
cao e a diaconia. Na segunda foram colocados seis temas: urna ¡ntrodu-
cáo histórica, a dimensio ética, social, económica, política e cultural. Cada
um destes 11 temas foi subdividido em varios subtemas.

Feitas estas propostas pela Assembléia, a Direcio criou trinta Co


missóes. Cada participante se inscrevia livremente naquela em que se
sentisse mais preparado, indicando também segunda ou terceira opgáo,
de modo que cada Comissáo contasse cerca de dez membros.

As trinta Comissóes especializadas se reuniram em torno dos se-


guintes temas: 1. Preámbulo; 2. Realidade Histórica; 3. A Santidade na
Igreja; 4. Profetismo; 5. Familia e Demografía; 6. Comunidades Eclesiais,
Paróquia, Igreja particular, Movimentos Apostólicos e Pastoral Orgánica;
7. Vida Consagrada; 8. Ecumenismo, Diálogo Inter-religioso, Seitas e No-
vos Movimentos Religiosos; 9. Celebracáo; 10. Leigos na Igreja e no
Mundo; 11. Ministerio Ordenado: Bispos, Comunháo Pastoral, Formacáo
permanente dos Sacerdotes e Diáconos; 12. Promocáo das Vocacóes a
Vida Sacerdotal e Formacáo nos Seminarios e Casas Religiosas; 13. Igreja
Missionáría para dentro e para fora; 14. Ética; 15. Infancia, Adolescencia e
Juventude; 16. Mulher; 17. Trabalho; 18. Migracóes e a Mobilidade Hu
mana; 19. Pobreza e empobrecimento. Economía informal e Economía
da solidariedade; 20. Economía, nova ordem económica internacional, e
economía de mercado; 21. Térra; 22. Ecología; 23. Democracia, Igreja e
Estado; 24. Integrscáo latino-americana e mundial; 25. Direítos Humanos;
26. Unidade e Pluralidade das Culturas: culturas indígenas, culturas afro
americanas e culturas masticas; 27. Educacáo; 28. Secularizedlo e Indife
rentismo; 29. Nova Cultura (modernidade, pós-modernidade). Cultura
urbana; 30. Comunicacáo Social e Cultura.

5.2. A Metodología

Pela vastidáo e importancia destes temas e em vista das pessoas


destacadas para estudá-los, percebe-se o alcance da Conferencia. Antes
de ir para o trabalho em Comissóes, foi necessário estabelecer também o
método e a dimensáo do documento que se desejava. Foi votado que o

105
10 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

documento deveria ser sensivelmente maís breve que o de Puebla e que


o método deveria ser invertido: iniciar cada tema com a ¡luminacáo teo
lógica, depois detectar os desafios e por fim tracar as linhas pastorais. Em
outras palavras, comecar-se-ia com o plano de Deus: o que Ele quer e
revelou acerca de cada tema. A seguir, exam¡nar-se-ia a resposta huma
na a este plano, para constatar eventuais divergencias. Surgiría entáo a
necessidade da acáo da Igreja portadora da Redencao de Cristo, a fim de
se chegar novamente ao plano original de Deus, de acordó com a obra de
Cristo.

Isto significa que houve opcáo por urna nova metodología. Cons-
tatou-se, de fato, certa contradicio na aplicacáo do método ver-julgar-
agir.

O ver cristáo nao pode ser o do sociólogo ou o do psicólogo, que


prescindem da fé. Nem professamos a ideologia positivista. Por isso jé
Puebla, bem como o Documento de Trabalho de Santo Domingo, nao
referiam apenas um simples ver a realidade, mas calcavam no adjetivo
"pastoral", a "visáo pastoral" se faz a partir de certos pressupostos. Alias
ninguém vé nada sem determinados pressupostos, que nem sempre sao
explicitados e muitas vezes nem sao conscientes. Prendem-se, em gran
de parte, a ideologias.

Nada mais coerente, pois, que se inicie um estudo com a exposicáo


dos pressupostos, ou da perspectiva na qual se quer ver algo. E esta
perspectiva, para o cristáo, é a fé. A fé apresenta seus conteúdos a partir
da Revelacao divina.

A opcáo metodológica de Santo Domingo é, pois, profundamente


teológica. Nao despreza as cié.ncias, principalmente as humanas, mas as
póe no segundo plano. Elas nos revelam os desafios. Mas os desafios só
se véem claramente á luz da fé. Assim, por exemplo, nao posso definir o
homem apenas pela constatacáo sociológica ou psicológica dos seres
humanos. Necessito de um modelo, que, para nos cristSos, é Jesús Cris
to. A partir dele vemos cada homem e descubrimos sua inalienável dig-
nidade.

A metodología de Santo Domingo se pauta, pois, pelo esquema da


dialfitica. Inicia-se com a tese, que nos é proposta nao pelas ciencias
humanas, mas pelo próprio Deus; continua pela antltese, colocando a
tese no contexto que pretendemos estudar, e conclui com a sfntese, no
empenho de transformar esta realidade que destoa do plano de Deus e
causa tantos dissabores, para levar-lhe a salvacáo trazida por Cristo.

106
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO

6. As Conclusóes de Santo Domingo

As trinta Comissóes trabalharam intensamente, vendo sob varios


enfoques seu tema. Tendo determinado que o documento deveria ser
relativamente breve, ficou estabelecido que os resultados de cada grupo
seriam resumidos num máximo de tres páginas. Eu pessoalmente partí-
cipei da Comissáo que estudou o tema da familia.

O assunto foi varias vezes ao plenário e voltou para as Comissóes


para novas precisares. Nao fosse a decidida opcáo pela brevidade, ¡á
nos primeiros dias o documento teña ultrapassado o meio-milhar de pá
ginas. O esquema geral foi votado por toda a assembléia e sofreu varias
modificacóes, ficando porém sempre o esqueleto fundamental, que tem
Jesús Cristo como inicio, meio e fim.

Alguém disse, numa das assembléias, que nao nos falta a luz, mas
o caminho. Ou seja: todos conhecemos muito bem a doutrina católica,
mas nao sabemos como aplicá-la concretamente. Divergimos nao na fé
crista, mas na prática pastoral. Ninguém dos Pastores duvida da opcáo
por Jesús Cristo, mas todos sentem a dificuldade de transmití-la e tor-
ná-la vida para nosso Povo.

A esta dificuldade o próprio Cristo responde: "Eu sou o Caminho, a


Verdade e a Vida" (Jo 14,6). Ele nao ó só a Luz, ou seja, a Verdade, mas
também o Caminho. Num mundo de tantas incertezas percebemos, hoje
mais claramente, que só Ele é o caminho, que nos leva á verdade e que
só esta verdade, que Ele é e nos revela, proporciona vida plena.

6.1. Jesús Cristo

A Conferencia de Santo Domingo nao quer deixar dúvida de que


Jesús Cristo é sua grande opcao. É Ele, e nao nos, o Salvador. Por isso só
a fá nele salva, é verdade que esta fé deve manifestar-se em obras. O
grande desafio que se enfrenta na América Latina é o divorcio entre fé e
vida. Santo Domingo estuda as estrategias para traduzir a fé na vida. Mas
antes e ácima disso quer deixar claro o próprio principio da fé: Jesús, o
Cristo, o Filho de Deus, é o Salvador.

O Documento de Santo Domingo, como expressio da fé e da refle-


xSo da IV Conferencia, está pois estruturado sobre Jesús Cristo. A pri-
mejra e a terceira partes sio respectivamente a introducio e a conclusáo
do documento. A primeira olha o passado e a terceira o futuro: o aspecto
histórico e o empenho de construcáo, respectivamente. A primeira Parte
tem como titulo: "Jesús Cristo, Evangelho do Pai". Representa a grande

107
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

profissáo de fé, que engloba o Pai a enviar seu Filho ao mundo; a realiza-
cao do Reino por Jesús Cristo, a presenta do Espirito Santo e a Igreja.
Nao esquece a dramática situacáo do pecado, como origem dos males
individuáis e coletivos que lamentamos na América Latina. Lembra tam-
bém a figura maternal de María, como educadora do povo latino-ameri
cano.

A terceira Parte: "Jesús Cristo, vida e esperance da América Latina"


a presenta as linhas pastorais prioritarias: urna nova evangelizado de
nossos povos; urna promovió integral dos povos latino-americanos e
caribenses; e urna evangelizacáo inculturada.

A segunda Parte apresenta "Jesús Cristo Evangelizador vivo em


sua Igreja". É o núcleo central e ocupa 80% do documento.

Como se vé pelos títulos, nada se pensa sem Jesús Cristo. Tudo é


visto á sua luz. Ele nao é apenas a presentado como a verdade, mas ta-
bém como o caminho. Em outras palavras, tenta-se superar toda dico
tomía, bem como a metodologia que situasse Cristo apenas numa fase
do processo, como se Ele apenas fosse o Mestre que iluminasse e depois
deixasse a responsabilidade dos homens sua execucáo. Ele é a verdade
que ilumina, mas também o caminho que leva á execucáo.

Ñas assembléias, de vez em quando, voltava a admoestacáo acerca


do pelagianismo, que pretende reduzir a acao de Cristo á iluminacáo.
Esta heresia eré que Jesús nada mais fez que dar o bom exemplo e trazer
urna doutrina que nos ajude a discernir do falso o verdadeiro. A Confe
rencia, ao contrario, quer enfatizar que Cristo também executa a salvacáo,
em nossos dias e em nosso continente, se nao encontrar resistencias.

6.2. O tríplice desafio

A segunda Parte do documento, sob o titulo "Jesús Cristo Evange


lizador vivo em sua Igreja", trata dos tres grandes temas da IV Conferen
cia: a nova evangelizado, a promopáo humana e a cultura crista.

No prímeiro tema sitúa a Igreja. Mostra como Ela está convocada


para a santidade. Realiza-se em comunidades vivas e dinámicas em qua-
tro esferas, dentro da catolicidade: a diocese, chamada Igreja particular, a
paróquia, a comunidade eclesial de base e a familia. Cada esfera merece
especial considerado, com maior destaque da paróquia e da familia.

A consideracSo deste tema desee depois para os agentes: "na uní-


dade do Espirito e com a diversidade dos ministerios e carismas". É o lu-

108
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO 13

gar dos ministerios ordenados; das vocales ao ministerio presbiteral e


dos seminarios; da vida consagrada; dos fiéis leigos; das mulheres; dos
adolescentes e jovens.

Estes agentes tém como missio anunciar o Reino a todos os Povos


Fala-se entáo da missio aos pagaos; da necessidade de vivificar a fé dos
batizados que estáo afastados; de reunir todos os irmáos em Cristo; de
dialogar com as religióes náo-cristás; de convocar os sem-Deus e os in
diferentes.

O segundo tema póe a promocáo humana como dimensáo privile


giada da Nova Evangelizacio. Quer romper o divorcio entre fé e vida.
Aprésente os novos sinais dos tempos em grandes desafios ¿ evangeliza
do: os direitos humanos; a ecología; a térra, como dom de Deus; o em-
pobrecimento e a solidariedade humana; a ordem democrética; a nova
ordem económica; a integrado latino-americana.

Póe, depois, em destaque a familia e a vida, considerados como de


safios de especial urgencia. Define a familia como santuario da vida e
propóe os grandes problemas neste campo.

O terceiro tema, o da "cultura crista", inicia-se colocando Cristo


como medida de nossa conduta moral. Fala depois das culturas de nosso
continente, destacando as indígenas! afro-americanas e as masticas.
Mostra, a seguir, a face da nova cultura: é moderna e urbana.

Neste tema entra a acjio educativa da Igreja e a atuacjio da comuni-


cacáo social.

7. A Mensagem aos Povos da América Latina

O V Centenario da América Latina suscitou muitas discussóes. É


que ele envolve varios aspectos, nem todos positivos. Alguns preferíram
realfar os aspectos negativos, que a historia de qualquer pessoa e de
qualquer povo cortamente registra pródigamente. Nada é perfeito neste
mundo. E, se na América Latina tudo fosse perfeito, nao teria sido neces-
sárÍQ convocar urna Conferencia Episcopal para estudar novas estrategias
de evangelizado. Teria bastado reunir um certo grupo de pessoas num
único dia em Santo Domingo para urna solene celebragio de acáo de
gracas pelos quinhentos anos de presenca do Evangelho neste continen
te.

É preciso saber distinguir do mal o bem, do falso o verdadeiro. Nao


se pode condenar globalmente nem aceitar indiscriminadamente qual-

109
14 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

quer situado. De um lado, poder-se-ia considerar o descontentamente)


dos Indios pela invasáo de suas térras por parte dos brancos; e,de outro
lado, a revolta dos negros pelo translado forcado, arrancados que foram
de suas térras para serem escravizados no Novo Continente. Acontece
que há mais de um século nSo existem mais, nestas térras, nem invasores
nem escravizadores. Estas condiedes, gracas a um ingente esforco con
junto, foram superadas há varias geracSes. Os que hoje vivem neste con
tinente, que continua sendo chamado o "Continente da Esperance", ñas-
ceram aquí, livres e iguais. Todos sao ddadáos de seus respectivos paí
ses, com plenos direitos e deveres recíprocos.

Por isso a IV Conferencia de Santo Domingo, constatando alguns


resquicios e ressentimentos do passado, lanca sua grande mensagem aos
povos da América Latina e do Caribe, apontando para a "grande Patria"
que todos devemos construir. "Estamos efetivamente persuadidos de
que o futuro com as rafees cristas e católicas comuns a nossos países
dará á América latina a unidade desejada".

Para que isto aconteca, a IV Conferencia oferece os elementos ne-


cessários. Sao quatro: 1) a reconciliacáo, pela qual se superam antigás e
novas discordias, se dá o perdüo reciproco por antigás e novas ofensas e
se restaura a paz; 2) a solidariedade para carregar com os outros os pesos
e repartir com eles os sucessos; 3) a integradlo, que venca as barreiras,
discriminacóes e o isolamento; 4) a comunháo que leve a urna polttica de
progresso e bem-estar.

7.1. Os caminhos de Deus

O Cardeal Gantin, natural do Benin, África, Prefeito da Congrega-


cáo para os Bispos, em Roma,, e presidente da ComissSo para a América
Latina, num discurso significativo e comovente, falou da primeira evan-
gelizacáo da costa ocidental da África. Agradece á América Latina a se
menté do Evangelho na África. Qualificou-a como ironía da Historia e sa-
bedoria da Providencia. Negros transportados para o Brasil, como escra-
vos, após sua libertacáo, voltaram para suas térras levando consigo a fé
católica, que difundiram entre seus concidadSos. Eram, pois, leigos os
primeiros evangelizadores da África. Souberam distinguir o regime da
escravidáo, que para eles jé era coisa do passado, o sofrimento que Ihes
fora infligido, da fé crista que receberam. No Brasil deixaram as lembran-
cas do negativo e levaram consigo, de regresso para a África, o que en-
contraram de bom: o Evangelho de Jesús Cristo. Levaram também a arte
culinaria da Bahía... Vieram para o Brasil escravos e voltavam para a Áfri
ca como libertos do Senhor.

110
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO 15

Uma novidade de nomenclatura aparece na IV Conferencia. E é


sintomático. A Conferencia do Episcopado Latino-americano ocorreu na
República Dominicana, que pertence ao Caribe. Ora o Caribe, segundo a
denominado geográfica, nao pertence á América Latina. Trata-se de um
conjunto de ¡Ihas, sendo que as maiores sao Cuba, a ilha da República
Dominicana e do Haití, Jamaica e Porto Rico. Algumas délas sao de lln-
gua francesa e outras de llngua inglesa. Suas Igrejas, porém, participam
das Conferencias do Episcopado Latino-americano. Sendo realizada a IV
Conferencia em Santo Domingo, no Caribe, tornou-se necessário aores-
centar, em todos os documentos, a expressáo "América Latina e Caribe".

A atitude é significativa, exatamente nesta Conferencia, porque


quer atender as diversas culturas e integrar todo o continente, especial
mente os mais afastados. A assembléia nao quis que ficasse marginaliza-
da do enorme esforco latino-americano uma pequeña porcáo do Povo de
Deus.

A atitude é táo nova que se sentiu até dificuldade em designar seus


habitantes em portugués. O espanhol os denomina "caribeños". Em
portugués deveráo ser chamados "caribenses".

7.2. Uma mensagem de esperance

A IV Conferencia se serve do episodio dos discípulos de Emaús (Le


24,13-35} para ilustrar a mensagem da Nova Evangelizado na América
Latina.

Comeca mostrando como Jesús vai ao encontró da humanidade


que caminha. Busca as pessoas e caminha com elas, para assumir suas
alegrías e esperanzas, dificuldades e tristezas. Dá a entender assim em
que consiste a promocSo humana: tornar-se o bom samaritano que
atende aos doentes, aos idosos, as enancas abandonadas, ás vftimas das
injusticas, aos marginal izados e aos que sofrem de outras formas de
opressdo, como a violencia, a pornografía, as drogas, o terrorismo etc.

Jesús ilumina, com as Escrituras, o caminho dos homens, de


monstrando assim o lugar da cultura na vida humana. O drama dos ca-
minhantes era que tinham perdido a esperance. Este desencanto se ilu-
minou com a explicacáo das Escrituras. Jesús corrige os erras de um
messianismo puramente temporal e os erras das ideologías que escravi-
zam o homem. Hoje a Doutrina Social da Igreja cumpre esta missao. Ela
faz parte integrante da mensagem crista.

Jesús se dá a conhecer na fracio do pió. A explicacáo das Escritu


ras nao foi suficiente para abrir os olhos dos discípulos. Tornou-se ne-

111
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

cessário abrir a porta para quem era peregrino. E ali, na intimidado, na


sua atitude de repartir, reconheceram Aquele que durante toda a sua vida
nao fez senáo dar-se aos irmSos.

Surge, em conseqüénda, um novo ardor nos discípulos. Saem ale


gres para a tarefa missionária. Oeixam sua aldeia para ir ao encontró dos
outros discípulos. A vivencia da fé se realiza em comunidade e traz em
seu bojo a missáo de difundi-la.

A stntese da Mensagem de Santo Domingo aos Povos da América


Latina e do Caribe é que Jesús Cristo- o mesmo ontem, hoje e sempre-
está conosco. A fé nele nos salvará.

8. As Novídades de Santo Domingo

A curiosidade humana sempre está atenta ao novo. Era de praxe,


na defesa de urna tese, o professor perguntar ao doutorando: que traz
tua tese de novo? Para simplesmente reeditar o que já se disse, nio há
necessidade de fazer grande pesquisa, nem reunir urna assembléia conti
nental.

Pergunta-se entao: que é que a Conferencia do episcopado latino


americano de Santo Domingo nos traz de novo? Trata-se da IV Confe
rencia do género. Há inegáveis valores e avancos ñas tres precedentes,
que marcaram decididamente nosso continente. Houve por isso recelos,
que muitas vezes se transformavam em pressóes, de que Santo Domingo
nao seguisse a mesma linha. Nao faltou quem pensasse que a IV Confe
rencia n3o deveria senáo reeditar as opcóes das anteriores e, eventual-
mente, acrescentar alguma outra.

Ora os Bispos em Santo Domingo tiveram plena consciéncía de


serem protagonistas numa historia que nao comeca com eles. Logo se
percebeu que nio há necessidade de reeditar tudo o que já foi dito, o que
nao significa menosprezá-lo. Pelo contrario; se já foi dito, nio é preciso
repeti-lo. Mas é preciso deixar claro que se trata de urna nova Conferen
cia. Podemos reduzir sua novidade a tres grandes perspectivas.

8.1. A Opcáo Básica

Quando se lancou a questio das opcóes prioritarias, estava-se


dentro da perspectiva de Medellln e Puebla. As sugestóes pulularam.

112
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO 17

Além das já firmadas ñas Conferencias anteriores, apresentaram-se mais


algumas dezenas. E cada urna com argumentos contundentes.

Houve um momento como que de perplexidade. Acolher todas era


inviável, porque n§o priorizaria nada. Optar por alguma seria postergar
outras. A votacáo em plenário, que parecería a solucáo, nao seria de
molde a entusiasmar ninguém.

Foi nesta hora que soprou o Espfrito. D. Luciano Mendes apresen-


tou urna proposta da Comissáo de redacáo, que mudava totalmente o
enfoque e de ¡mediato agradou a todos. Trocou a expressáo "opcáo pre-
ferencial" para "linhas pastorais prioritarias". A grande e única opcáo é a
fé em Jesús Cristo, "ontem, hoje e sempre". O resto sao compromissos
de trabaiho, que se póem dentro dos tres grandes temas da Conferencia:
para uma nova evangelizado, para urna promocáo integral do povo lati
no-americano e caribense e para uma evangelizacSo inculturada. Nao
sao, pois, anexos, que se póem a parte do Documento. Constituem o
próprio Documento.

8.2. A Metodología

A superacáo das ideologias beneficiou também o trabaiho da Igre-


ja. Nao é mais a sociología, mas a teología que ocupa o primeiro lugar. É
preciso sempre cometer com o Plano de Deus e, nestá perspectiva, ver a
realidade.

Á primeira vista, isto poderia parecer um afastamento da realidade


concreta e levar a um distanciamento dos problemas reais de nossos po-
vos. De fato, se alguém ficasse na considerado teológica e se enclausu-
rasse em reflexóes sobre a Palavra de Deus, dentro de seu gabinete,
correría este risco. Mas, depois de se inteirar plenamente do Plano de
Deus, que Ele mesmo nos revelou, o fiel é instado a examinar os desafios
que a realidade concreta póe ao ideal divino. E sao muitos. Verido-os
exatamente a luz do Plano de Deus, o fiel 6 capaz de percebé-los com
maior profundidade e - por que nao o dizer?- com maior realismo. Ven-
do-os assim, entende também melhor o sentido da redencáo de Cristo e
se empenha para que ela acóntela em cada caso concreto. Fluem, pois,
dos desafios, vistos a luz do Plano de Deus, as grandes linhas pastorais,
que devem animar os agentes. Assim evitamos os perigos das ideologías
e organizamos uma pastoral verdaderamente eclesial. Temos algo espe
cífico para este mundo, que é a redencáo de Cristo. Devemos ter isto
claro em toda a dinámica metodológica: é sempre Cristo quem salva. Nos
somos apenas operarios seus. Á sua luz vemos a realidade, e sua graca,
que age em nos, a transforma.

113
18 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

8.3. A centralidade dos fiéis leigos

Urna das acusacóes, que mais freqüentemente se ouvem contra


a Igreja Católica, é que ela é demasiadamente clerical. Ninguém, eviden
temente, póe em dúvida a necessidade do clero na Igreja. Trata-se de
urna categoría especial de pessoas, baseada no sacramento da Ordem,
pelo qual seus ministros se conformam de modo especial a Cristo-Pastor
e sao investidos de poderes divinos de salvacáo, a servico do Povo de
Deus. Mas o clero nao constituí os únicos membros e agentes da Igreja.

Acontece que a Igreja 6 um organismo vivo, que S. Paulo compara


ao corpo. Puebla calcou a "comunháo e participacáo" de todos. Medellln
e Puebla propóem a opcáo preferencia! pelos pobres. Santo Domingo dá
um passo adiante e concretiza estas linhas-mestras. Fala do "especial
protagonismo dos leigos" na nova evangelizacáo, na promocáo humana
e na inculturacáo da fé.

Quem olha a lista dos desafios que Santo Domingo propóe a nossa
pastoral, nao terá dúvidas sobre este protagonismo. Lembremos os de
safios da vida e da familia, os desafíos das culturas, os desafios da cidade,
da ecología, da térra, da mobilidade humana, da ordem democrática e da
ordem económica, da integracáo da América Latina...

Sao problemas políticos? Insístindo no protagonismo dos fiéis lei


gos, quer-se, primeiramente, evitar que estes desafios sejam tratados ou
resolvidos na base de certas ideologías, ou entáo que se busque urna so-
lucio puramente técnica ou até legal. Santo Domingo nos quer, antes de
tudo, mostrar que existe um Plano de Deus. Portanto estas realidades
desafiam os fiéis, ou seja, interpelam aqueles que créem em Cristo. É
preciso superar o divorcio entre fé e vida. O fiel leigo - e nao o leigo que
nao é fiel - senté o compromisso de sua fé na sua acáo no mundo.

Santo Domingo procura, pois, levar ao concreto o que se estabele-


ceu ñas Conferencias anteriores. Mantém a expressio "evangélica e re
novada opcáo preferencial pelos pobres" e a concretiza: "a servico da vi
da e da familia". Mostra assim o que significa optar pelos pobres e quais
sao estes pobres: sao aqueles que nao vivem plenamente em si e nao
convívem amorosamente numa familia. A pobreza se liga d vida. Cristo
veio para que os homens tenham vida e a tenham em abundancia (Jo
10,10).

Entre os leigos, a IV Conferencia realca duas categorías, quer por


que particularmente necessítados de apoio, quer porque eminentemente
ricos de dinamismo pastoral: as mulheres e os jovens. Sao fiéis leigos dos

114
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO 19

quais se espera especial protagonismo na evangelizacáo e para cujas lu-


tas, no sentido de dignificado humana e crescimento espiritual, se hipo
teca maior solidariedade.

9. Questóes Espinhosas

A IV Conferencia do Episcopado Latino-americano, reunindo os


maiores expoentes católicos do Continente, teve evidentemente também
momentos diffceis e enfrentou divergencias. Nenhuma dificuldade se ve-
rificou no plano da fé e da doutrina. Mas na questáo da metodología e
das estrategias pastorais as coisas nao foram pacificas. É que a própria
realidade da América Latina e do Caribe apresenta muitas diferencas e as
mentalidades dos pastores cortamente nao coíncidem entre si.

A primeira discussüo se formou em torno do Documento a ser pro-


duzido: sobre sua utilidade e características. Chegou-se ao consenso de
que deveria ser sensivelmente mais breve que o de Puebla, redigido nu-
ma linguagem "impactante" e simples.

Outra discussáo que movimentou bastante a Assembléia, foi á da


metodología. Alguns bispos brasileiros, acostumados ao sistema da di
námica da CNB6, mostraram amarguras quanto ao regimentó adotado.
Houve modificacSes da dinámica no decorrer dos próprios trabalhos, so
licitadas pela Assembléia e aceitas pela presidencia.

9.1. Fé e Vida

Alguém disse, com muita propríedade, que a Península Ibérica


trouxe para o Novo Continente a fé católica, mas a impregnou com a
moral e os costumes árabes. É bom lembrar que na época do descobri-
mentó fazia pouco que Portugal e Espanha se haviam subtraldo ao jugo
maometano e firmado na fé católica. O mesmo nao aconteceu no-plano
moral, que marcou muitas geracóes peninsulares. É sabido que alguns
mandamientos da Lei de Deus inexistem na relígiáo musulmana, mor-
mente do 5? ao 10?. Dal o divorcio, em nosso continente, entre fé e vida.
A fé é crista, mas a vida, em grande parte, continua moldada pelos cos
tumes árabes.

9.2. Protagonismo dos Letgos

É certo que a terminología se presta a equívocos.! Vista de modo


¡solado, poderla dar a entender que, de agora em diante, quem vai dirigir
a Igreja sao os leigos, ou'que eles devem ocupar um espaco maior junto

115
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

ao altar. Na Assembléia das Igrejas particulares de Sao Paulo, CNBB Sul


1, realizada nos días 6, 7 e 8 de novembro de 1992, em Itaici, urna leiga
palestrante expds em público a mágoa de seus colegas. Na hora da co-
munháo, os bispos e padres havíam comungado no altar e a eles a Euca
ristía fora servida fora do presbiterio. Julgaram-se com isto diminuidos e
marginalizados... Faltava só pedir que também se desse aos leigos vez
para presidir a celebracáo eucarística...

Acontece que, quando votaram pelo protagonismo dos leigos, os


Bispos tinham bem claro que se referiam ao campo especifico deles.
Querem que os leigos assumam realmente aquilo que Ihes é prdprio: sua
índole secular. Ninguém pensou em transformá-los em clero.

O protagonismo se prende, evidentemente, á formacio. Nao se


trata de conceder indistintamente algum poder especial ao leígo na Igre-
ja. Hoje mais do que nunca se exige, em qualquer setor, competencia. Vi
vemos num mundo em que as pessoas sao reconhecidas por sua qualifi-
cacio e seu preparo e nao por eventuais delegacóes. Portento o prota
gonismo esté ligado a um esforzó maior de formagáo dos fiéis leigos, de
modo que eles tenham um conhecimento religioso e científico tal que
possam exercer urna verdadeira lideranca no mundo de hoje.

9.3. Inculturacáo

A palavra "inculturacáo" é um neologismo que nao deixa de criar


certos embarazos, tanto no conteúdo como na forma. No segundo caso,
quem nao está acostumado ao seu uso e entende o "in" como negativo,
poderia ficar com a impressáo de que inculturar seria tornar inculto. No
caso de conteúdo, poderia pensar inculturacáo como um sincretismo, em
que se misturassem todas as culturas e valores. Neste sentido se pediría
que "um pai de santo" faca sua celebracio na Igreja Católica para desta
car "inculturacüo", ou a abertura da Igreja a todas as culturas.

O documento de Santo Domingo, com o Santo Padre, propóe a in


culturacáo como centro, meio e objetivo da nova evangelizado. E projeta
urna tríplice luz: o Natal, que aponta o caminho da encarnacáo; a Páscoa,
que aprésente a necessidade da purificacáo; e Pentecostés, que possibilita
entender, ñas diversas Itnguas, as maravilhas de Deus.

O Documento de Santo Domingo define a inculturafáo do Evan-


gelho como um processo que supde o reconhecimento dos valores evan
gélicos, que se mantem na cultura atual; o reconhecimento de novos va
lores, que coincidem com a mensagem de Cristo; e a incorporacáo de
valores evangélicos ausentes ou obscurecidos desta cultura. E determina:

116
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO 21

"a fé, ao encarnar-se nestas culturas, deve corrigir seus erros e evitar os
sincretismos" (n. 230).

9.4. A Pastoral da Familia

A familia mereceu destaque especial. Ela é apontada como santua


rio da vida. "A Igreja anuncia, com alegría e conviccáo, a Boa Nova sobre
a Familia, pela qual passa o futuro da humanidade" (n. 210).

A IV Conferencia lanca os grandes desafios da familia e da vida e


Ihes responde com novas linhas pastarais. Sublinha a priorídade e cen-
tralidade da Pastoral Familiar. Avanea para "buscar, seguindo o exemplo
do Bom Pastor, caminhos e formas para estabelecer urna Pastoral orien
tada aos casáis em situacóes irregulares, especialmente aos divorciados e
aos que voltaram a se casar no civil" (n. 224). Isto nao é fácíLExige muito
estudo, discernimento e coragem.

Convidam-se tambóm os teólogos, dentistas e casáis cristáos a co


laborar para maior esclarecimento da paternidade responsável, tanto no
que diz respeito ao número de filhos quanto aos métodos.

Receberam especial mertcao as mulheres e os jovens. Tergiversou-


se acerca da melhor colocacáo. Para muitos parecía bem situá-los na fa
milia. Mas prevaleceu a opiniáo que eles deveriam receber um destaque á
parte, dentro do capitulo dos ministerios e carismas, para entendé-los no
contexto de sua missáo na Igreja e no mundo.

9.5. As Missóes

Nao se podaría esquecer o grande desafio, assumido pela Confe


rencia de Santo Domingo, como grande propósito do jubileu dos 500
anos: o empenho missionário. Até agora, ao longo destes cinco sáculos, a
América Latina e o Caribe receberam ¡números missionários, que im-
plantaram a fé no Continente. Hoje os fiéis daqui constituem mais de 40%
dos católicos do mundo. Acontece, porém, que, dos cerca de 200.000
missionários da Igreja, somente 2.000 provém de nosso continente, Ape
nas 1%. Está na hora de despertar para o ardor missionário. Dando da
própria pobreza, a América Latina e o Caribe cortamente se enriqueceráo
com novas e mais generosas vocaefies.

9.6. O Consenso Final

Apesar de todas as discussóes e divergencias ao longo dos traba-


Ihos, chegou-se ao final, com 201 participantes aprovando o Documento;

117
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

nenhum contra; e 5 abstencóes. Se, por acaso, alguém contactar um dos


cinco que se abstiveram, colherá reticencias acerca das conclusóes. Mas é
bom saber que se trata apenas de 2,5%. 97,5% dos Bispos estSo satisfei-
tos e aprovam o Documento. É um consenso expressivo de tantas lide-
rangas religiosas de alta capacidade no continente jubilar.

10. A Nova Evangelizado

Podemos concluir estas considerandos sobre a IV Conferencia do


Episcopado Latino-americano com aquilo que fo¡ sua característica e
constituí como que seu espirito, dinámica e espinha dorsal: a Nova Evan
gelizado. Cristo é apresentado como Evangelho e Evangelizador. Após
enfocar a Nova Evangelizado nos seus agentes e finalidades, aponta a
promogáo humana como sua dimensáo privilegiada e a ¡ncultura?§o co
mo seu método indispensável. Todo o documento gira, pois, em torno da
Nova Evangelizado.

10.1. O Ponto de Partida

A Nova Evangelizado parte da certeza de que em Cristo há urna ri


queza imperscrutável (Ef 3,8). Nenhuma época ou cultura a consegue
esgotar. A ela podem os homens sempre recorrer para se enriquecer.

Hoje estamos diante de novos desafios, que os 500 anos de evan


gelizado da América Latina trazem á tona. Trata-se, pois, de buscar no
vas luzes no mesmo e único Evangelho de Jesús Cristo para os novos
problemas. A Nova Evangelizacáo quer trazer urna resposta aos desafios
que a realidade deste Continente aprésente, em virtude do divorcio exis
tente entre a fé e a vida. Este divorcio vem provocando clamorosas situa-
cóes de injustica, desigualdadé social e violencia (cf. Conclusóes de Santo
Domingo n. 24).

A Nova Evangelizado é, pois, operativa e dinámica. Constituí um


apelo á conversSo e a esperanza, que se apóia ñas promessas de Deus e
na certeza da Ressurreicáo de Cristo. AI se encontra "o primeiro anuncio
e a raíz de toda evangelizacáo, o fundamento de toda promocáo humana,
e o principio de toda cultura crista auténtica" (n, 24).

10.2. A Finalidade

A Nova Evangelizacáo pode também ser definida como um novo


ambiente vital, "onde a acolhida do Espirito Santo faz surgir um povo re-

118
CONFERENCIA DE SANTO DOMINGO 23

novado, constituido por pessoas livres, conscientes de sua dignidade e


capazas de fazer urna historia verdadeiramente humana" (n. 24).

E, por fim, a Nova Evangelizado "é o conjunto de meios, acóes e


atitudes aptos para colocar o Evangelho em diálogo ativo com a moder-
nidade e o pós-moderno, tanto para ¡nterpretá-los como para se deixar
interpelar por eles. É também o esforco de Inculturar o Evangelho na si-
tuacáo atual das culturas de nosso continente" (n. 24).

O sujeito da Nova Evangelizado é toda comunidade eclesial: todos


os que constituem o Povo de Deus, Bispos, presbíteros, diáconos. Reli
giosos, Religiosas e fiéis leigos (n. 25).

A finalidade é: 1) formar pessoas e comunidades maduras na fé;2)


dar resposta á nova situacáo em que vivemos, provocada pelas mudan-
cas sociais e culturáis da modernidade, como p. ex. urbanizacio, a pobre
za e a marginalizacáo; o materialismo, a cultura da morte, a ¡nvasáo das
seitas e outras propostas religiosas; 3) atingir os grupos e ambientes de
vida e de trabaiho, marcados pela ciencia, pela técnica e pelos meios de
comunicacáo social; 4) levar as pessoas batizadas, afastadas da prática da
fé, a urna adesáo pessoal a Jesús Cristo e a Igreja (n. 26).

O conteúdo da Nova Evangelizacáo é Jesús Cristo. Nele tudo ad-


quire sentido. Ele rompe o horizonteestreito do secularismo, devolvendo
ao homem e á mulher sua verdade e dignidade de filho e filha de Deus. A
forca renovadora esté na fidelidade h Palavra de Deus, acolhida na co
munidade eclesial, sob a acáo do Espirito Santo, que cria na unidade a
diversidade, alimenta a riqueza carismática e ministerial e impele ao
compromisso missionário (n. 27).

10.3. O Método

A Nova Evangelizacáo distingue-se por urna tríplice novidade, defi


nida pelo Papa: novo ardor, que brota de urna radical conformacáo com
Jesús Cristo, o prímeiro Evangelizador. "Sup6e urna fé sólida, urna cari-
dade pastoral intensa e urna fidelidade inquebrantável, que, sob a acáo
do Espirito Santo, gera urna mística, um entusiasmo contagiante na ta-
refa de anunciar o Evangelho, capaz de suscitar a credibilidade de acolher
a Boa Nova da Salvacáo" (n. 28).

Novos métodos para as novas situacdes. Destaca-se o testemunho


e o encontró pessoal, a confianca no anuncio salvador de Jesús e na ati-
vidade do Espirito Santo. Apela-se para a criatividade, bem como para a
audacia na utilizacáo dos meios que as ciencias e a técnica nos propor-

119
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

cionam. E, por fim, novos métodos para atingir as rafees da cultura, fa-
zendo penetrar o Evangelho no centro da pessoa e da sociedade (n. 29).

Novas expressóes que tornem o mesmo Evangelho de sempre


mais próximo das realidades culturáis de hoje. Pense-se nos ambientes
marcados pela cultura urbana e ñas novas formas de cultura que se vio
criando continuamente. É preciso inculturar-se nos modos de ser e viver
de nossas culturas, falar de acordó com a mentalidade e cultura dos ou-
vintes; de acordó com suas formas de comunicacio e dos meios que es-
táo em uso. Fala-se, por isso, de urna "conversio pastoral da Igreja", ca
paz de abranger tudo e todos: na doutrina, na consciencia e na praxis pes
soa I e comunitaria, ñas rela^óes de igualdade e autoridade, com estrutu-
ras e dinamismos mais claros e eficazes, como sinal eficaz da salvacáo
para todos.

A IV Conferencia de Santo Domingo, antes de constituir um con


junto de normas e de técnicas, quer proporcionar urna nova mística. In
cluí tudo o que já se propós ñas Conferencias anteriores, e tudo o que
a Igreja ensina, dentro de um novo espirito. Nao se trata apenas de um
entusiasmo, eventualmente passageiro, que se queira suscitar. Vai-se,
pelo contrario, b fonte, para firmar a fé em Jesús Cristo e centrar tudo
nele: a iluminacáo doutrinária, bem como a execucio.

Crendo em Jesús Cristo, recebemos o Seu Espirito, que é o Conso


lador, o Espirito da Verdade, o Espirito Santificador. A partir dele temos
um novo dinamismo, porque é, em nos, urna fonte que borbulha para a
vida eterna.

A partir de Cristo, "Caminho, Verdade e Vida", vemos a América


Latina e enfrentamos os desafios que ela nos aprésente. NSo nos, mas o
Espirito de Deus que está em nos. Sem este Espirito, toda obra que
eventualmente se encetasse, nSo passaria de um "bronze que soa ou
címbalo que retine". Mas com Ele, pela fé em Jesús Cristo, "ontem, hoje
e sempre", se operam maravilhas e se constrói um mundo novo. É Ele
quem renova continuamente a face da térra.

CURSO POR CORRESPONDENCIA

S. Escritura, Inidacáo Teológica, Teología Moral, Historia da


Igreja, Liturgia, Diálogo Ecuménico, Ocultismo, Parábolas o Páginas Di-
flceis do Evangelho, Doutrina Social da Igraja, Escatologla (Novfssimos)
- Caixa Postal 1362 - 20001*970 Rio (RJ).

120
Preconceituoso e falso:

'Jesús: Quem era Ele?"

(VEJA, 23/12/92)

Em sfntese:Oartigode VEJA, 23/12/92. pp. 48-59é infeliz, pois se de-


ve a um autor imperito que entra em assunto altamente complexo; vale-se de
Svros de urna única orientagáo edesóum idioma, desconhecendo a ampia bi
bliografía de outras correntes e Ifnguas que tem sido publicada sobre a temáti
ca. O autor faz sensacio, afirmando que a figura de Jesús histórico é dife
rente das conceptees dássicas que a respeito existen Na verdade, refére
se aos manuscritos de Qumran (N.O. do Mar Morto), ¡á comentados em PR
367/1992, pp. 530-542; sao, porém, patentes as diferengas de doutrina que
ocorrem entre Jesús e os Evangelhos, de um lado, e tais manuscritos, de ou-
tro lado, como reconhece urna crítica objetiva. O autor do artigo repete obje-
góes levantadas contra as proposigoes de fé do Cristianismo, sern levar em
conta a refutagao e os esclaredmentos'já muitas vezes prestados por autores
cristáos. Assim procede no tocante aos "irmSos de Jesús", á fidelidade histó
rica dos Evangelhos, aos milagros ('atas mágicos") de Jesús... Principal
mente o autor ignora as descobertas de O' Callaghan efetuadas em Qumran a
respeito do Evangelho de S. Marcos e sua origem muito antiga (em 50 ou an
tes terá sido escrito, segundo o pesquisador).

É lamentável que a revista VEJA aborde téo ¡aviariamente assunto de


tal importancia; ela se desacredita ¡unto ao público que conhece um pouco
mais a temática do que o respectivo articulista, interessado mais em sátira e
sensacSo jornalfstica do que na apresentagáo da verdade.

A revista VEJA, 23/12/92, pp. 48-59 publicou o artigo intitulado "O


Jesús da Historia", assinado por Roberto Pompeu de Toledo, que pre
tende projetar luz sobre a figura de Jesús a partir de "novas descobertas
sobre a sua vida e a sua época". 0 artigo aborda diversos tópicos relati
vos aos Evangelhos e a historia do tempo de Cristo com a inepcia de
quem nao conhece bem a materia ou de quem preconceituosamente a

121
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

considera para poder fazer ironia. O articulista diz basear-se em seis l¡-
vros recentes, todos de llngua inglesa, ignorando por completo a vasta
bibliografia que em outras Knguas (e em inglés mesmo) se tem publica
do. O trabalho de R. Pompeu de Toledo carece de valor científico, vista a
superficialidade e o tom sarcástico em que escreve, procurando muito
mais fazer "sucesso" do que apresentar a verdade objetiva. Como quer
que seja, dada a perplexidade que o artigo suscitou nos leitores, dedi-
car-lhe-emos as páginas subseqüéntes, passando em revista os pontos
vulnera veis do trabalho.

1. As Grandes Falhas

1.1. "O que se concluí*., é falso"

Logo no seu primeiro parágrafo, o articulista afirma ser falso o que


se sabe sobre Jesús através dos Evangelhos e da T radíceo (ver. p. 48,
coluna 1). Tal afirmacáo é muito grave... Como o autor a justifica? - Dé
alguns exemplos que Ihe parecem significativos:

Assim "Em Mateus José é avisado por um anjo do próximo e aus


picioso nascimentó. Em Lucas é com María que isso acontece" (p. 48).
- Ora o autor parece nao ter lido o texto dos Evangelhos, pois nao obser
va que o anjo anuncia a María que ela esté para ter um filho sem contato
com varáo (cf. Le 1,30-38), ao passo que em Mateus o anjo anuncia a Jo
sé o fato predíto e já ocorrido (cf. Mt 1,18-23); trata-se, pois, de dois
eventos diferentes.

Diz ainda Toledo: "Em Mateus o-menino recém-nascido é visitado


por reis magos» Já em Lucas quem o visita sSo pastores" (p.48).- Mais
urna vez o autor atesta nao saber de que está tratando. Os pastores,
conforme Le 2,8-14, sió chamados ao presepio na noite do nascimento
de Jesús, ao passo que os magos sao guiados a ver Jesús em ocasiáo
posterior; cf. Mt 2,1-12 (Herodes mandou matar meninos de dois anos
para baixo, a fim de atingir Jesús).

1.2. A autoridade de Rudolf Bultmann

Pompeu de Toledo classifica Rudolf Bultmann como sendo "um


dos maiores estudiosos do Novo Testamento neste sáculo, senáo o
maior" (p. 48, col. 2). - O autor ignora que Bultmann já foi ultrapassado;
existe a escola pós-bultmanniana representada por W. Marxsen, E. Ka-
semann, G. Bornkamm, como também a chamada "Escola Sueca" (H. R¡-
senfelde e B. Gerhardsson), que tém Bultmann na conta de extremado

122
"JESÚS: QUEM ERA ELE?" 2J_

e radical preconcebido discípulo de Martín Heidegger. Este filósofo exis-


tencialista negava o valor objetivo do conhecimento humano; donde re-
sultou que R. Bultmann tivesse como premissa filosófica, assumida a
prior¡ (preconcebidamente), a "conviccáo" de que os Evangelhos nao
apresentam historia real, mas o modo de pensar subjetivo dos antigos
cristáos. Esta tese tem sido amplamente refutada por críticos católicos e
nao católicos, que julgam ¡mposslvel explicar o fenómeno "Cristianismo"
sem que ñas suas origens haja um personagem impressionante por sua
santidade e majestade moral. Ver a propósito

WALDOMIRO PIAZZA S.J., Os Evangelhos, Documentos da


Fé Crista. Ed. Loyola, 1991.
RINALDO FABRIS, Jesús de Nazaré. Historia e Interpretado.
Ed. Loyola 1988.
VARIOS AUTORES, Jesús Crista Ed.Cidade Nova 1983.
1.3. Onde e Quando nasceu Jesús?

Conforme o evangelista S. Lucas (2/1-7), Jesús nasceu em Belém,


pois era descendente de Oavi, cuja cidade natal era Belém. A profecía de
Mq 5,1 já previa o privilegio de Belém, cidade "da qual sairia um chefe,
que apascentaria Israel, o povo do Senhor". A arqueología confirma os
dados bíblicos, mostrando em Belém o lugar da natividade de Jesús; S.
Jerónimo (+ 421) viveu e estudou a S. Escritura ñas proximidades desse
local, atendendo assim a urna tradlfáo antiga.

No século presente, alguns estudiosos julgam que Jesús, por ser


chamado Nazareno, nasceu em Nazaré na Galiléia. Ademáis o recen-
seamento sob César Augusto Ihes parece inverosslmil, de modo que Je
sús nao terá nascido em Belém. Os cristáos o teráo feito cidadáo de Be
lém para poder apresentá-lo como Filho de Davi e Rei Messias.- Ora tais
conjeturas sao gratuitas e derivadas de preconceltos; nenhum argumento
positivo as pode fundamentar. A questio do recenseamento, que parece
ser o ponto mais firme para apoíar a conjetura, é resolvida por verías
vías, como se depreende do artigo respectivo ás pp.134-140 deste fascí
culo.

A data em que Jesús nasceu, nao é explícitamente indicada pelos


Evangelhos. Alguns autores tentaram calculé-la a partir de certos dados
cronológicos genéricos apontados pelos evangelistas (cf. Le 2,1; 3,1), mas
nao chegaram a conclusóes unánimes. A datacáo hoje vigente, que assi-
nala o inicio da era crista no ano 753 de Roma, é devlda ao monga Dioni
sio o Pequeño (século VI) e reconhecida como errónea; Jesús deve ter
nascido quatro a seis anos antes do inicio oficial da era crista. Na verda-
de, ¡sto pouco importa para a mensagem religiosa e a ¡dentidade do Cris-

123
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

tianismo. A respeito encontram-se mais pormenores em PR 300/1987,


pp. 204-211.

1.4. Os "irmáos" de Jesús

Pompeu de Toledo repete a velha tese de que Jesús teve irmáos,


filhos do mesmo pai e da mesma máe. Tal hipótese resulta de leitura
unilateral do texto bíblico e já tem sido refutada repetidamente; ver PR
358/1992, pp. 119-123.

' Em resposta sumaria, deve-se dizer que a palavra 'ah em hebraico


tem o sentido de parentesco em geral; nao significa apenas irmáos; ver
Gn 13,8; 29,12.15; 31,23; 1Cr 23,21 -23; 2Cr 36,10; 2Rs 10,13-

Ademáis é de notar que Jesús, aos doze anos, parece ser filho úni
co (cf. Le 2,41-50). Se teve irmáos, filhos do mesmo pai e da mesma máe,
eram, no mínimo, 12/13 anos mais jovens do que Jesús - o que nao con-
diz com a atitude autoritaria assumida por tais "¡rmáos" frente a Jesús
(cf. Jo 7,3-5). Por último, sabemos que Jesús, ao morrer, entregou sua
máe a Joáo, filho de Zebedeu e Salomé, e nao aos "irmáos" - o que,
mais urna vez, insinúa que Jesús era filho único; cf. Jo 19,25-27.

De resto, a auténtica interpretado dos Evangelhos é-nos fornecida


pela antiga e persistente tradicáo crista, que afirmou a perpetua virginda-
de de María. O parentesco dos "irmáos" com Jesús pode ser explicado
de duas maneiras:

- ou tratava-se de filhos de S. José, nascidos em anterior casa


mento de José; este teria esposado María em idade mais avancada, na
qualidade de viúvo. Tal hipótese é atestada pelo Evangelho apócrifo de
Tiago, mas carece de fundamento na própria S. Escritura;

- ou eram filhos de Cleofas ou Alfeu, irmáo de S. José, casado com


certa Maria; cf. Jo 19,25; Mt 27, 55s; Me 15,40s. Tal expl¡cacao é geral-
mente adotada pela exegese católica: os "irmáos" eram primos de Jesús.

A questao "Onde esteve Jesús dos doze aos trinta anos?" já teve
longa resposta em PR 321/1989, pp. 82-95. Além de lembrarmos que Je
sús era conhecido como carpinteiro em Nazaré (cf. Me 6,3s), devemos di
zer que os Evangelhos nao S|§o biografía, de modo que se possa esperar
encontrar neles um relato continuo da vida de Jesús. Os Evangelhos sao
apenas o eco escrito da pregacáo oral dos-Apostólos; ora esta se interes-
sava pela Páscoa (morte e ressurreicáo) de Jesús e por sua vida pública,
deixando em silencio os acontecimentos anteriores ao Batismo ministra-

124
"JESÚS: QUEM ERA ELE?" 29

do por Joáo; tal foi o caso de S. Marcos, que nada diz sobre a infancia e a
juventude de Jesús, mas escreveu auténtico Evangelho. Mateus e Lucas
acrescentaram ao relato evangélico alguns dados esparsos atinentes a in
fancia de Jesús, porque o quiseram; trata-se de flashes esporádicos,
que, precisamente por serem esporádicos, nao fazem continuidade entre
si e com o corpo do Evangelho, deixando margem a fantasía dos leitores
para preencher as lacunas cronológicas assim oriundas. É a mera fanta
sía, sem base real, que conjetura tenha estado Jesús na india, no Tibe, no
Egito...; as correntes esotéricas e, em parte, as espiritas favorecem tal tipo
de devaneios.

1.5. Jesús "operador de curas"

O articulista de VEJA, pouco conhecedor do assunto, vale-se do li-


vro de John Domnic Crossan "The Histórica! Jesús" para dizer que Jesús
se destacou por ser um "operador de curas": "Operando curas, sentan-
do-se á mesa com as pessoas, assim Jesús desconcertou a Galiléia" (p.
56)1. Essas curas efetuadas por Jesús sao por Crossan chamadas magia
e nao milagres: os milagros seriam curas praticadas e reconhecidas pe
las autoridades judaicas, ao passo que magia seriam intervencóes reali
zadas "por fora", associadas ao perdió dos pecados, sem cobranca de
dinheiro.

Segundo Pompeu de Toledo b seus informantes, a tradicáo judaica


julgava que o recurso a medicina era ilfcito, pois só Deus poderia e deve
na curar as doencas, tidas como conseqüénciás do pecado. Ora Jesús
estaría derrogando a tal conceptuó, fugindo dos cañáis oficiáis de cura.-
Infelizmente a proposicio de Toledo é falsa: embora o livro do Génesis
associe a morte ao pecado (cf. Gn 2,17; 3,19), os judeus, especialmente
nos sáculos mais próximos de Cristo, conheciam e estimavam muito a
medicina científica da época. E o que se depreende do elogio que o Ecle
siástico faz do médico em 38,1 -3:

"Rende ao médico as honras que the sao de vidas, por causa de seus
servicos, porque o Senhor o cribo. Pois é do Altfssimo que vem a cura, como
um presente que se recebe do rei. A ciencia do médico o faz trazer a fronte
erguida; ele ó admirado petos grandes".

O texto de 2Cr 16,12, citado por Toledo, refere que "o rei Asa teve
urna doen?a muito grave nos pés; mesmo entáo, na dcenca, nao recorreu

1Em latím diz-se: "Timeo virum untos ttbri - Tenho medo do homem que té
um livro só". O autor do artigo de VEJA, se nao leu um livro só, leu apenas li-
vros de urna tendencia ou preconcebidamente racionalistas.

125
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

ao Senhor, mas aos médicos". Estes dizeres nao implicam proibicio de


recorrer á medicina. Explica oportunamente a Bfblia de Jerusalém em
sua nota p relativa ao citado texto bíblico: "Na época a medicina era
muitas vezes contaminada pela magia, mas o texto quer dizer sobretudo
que Asa recorreu somente aos médicos para um mal que era castigo de
lahweh (cf. v. 10)". O livro de Jó bem mostra, de principio a fim, que a
doenca nem sempre é devida a pecado pessoal; Jó sofre inocente e con-
tradiz, com razio, á suposicáo de seus amigos, que o acusavam de haver
pecado gravemente para merecer a sua penosa molestia.

Donde se vé que a figura de Jesús como "curandeiro nao autoriza


do" e, por isto, suscetfvel de odio das autoridades judaicas é simples-
mente fantasista e falsa.

1.6. Os Manuscritos do Mar Morto

O artigo de VEJA pretende basear-se em manuscritos e deseo-


bertas arqueológicas como fonte de reinterpretacSo da figura e da vida
de Jesús. Quem nao conhece bem o assunto, pode imaginar que urna re-
volugáo papirológica e arqueológica se deu nos últimos anos, de modo a
se ter urna concepeáo de Jesús diferente da clássica. Alias, é isto que To
ledo quer insinuar: Jesús nao foi aquilo que sempre se pensou.

Todavía um conhedmento mais preciso do assunto em pauta leva a


averiguar, no estilo de Pompeu de Toledo, o homem da sensacáo que se
interessa principalmente pelo sucesso "novelístico". Um cientista nunca
diría as inverdades que o articulista ousou apresentar ao público de
VEJA.

Afina I os tais manuscritos e as descobertas arqueológicas citados


por Toledo sao os famosos textos encontrados ñas grutas de Qumran (a
N. O. do Mar Morto), entre 1947 e 1958. Pertenciam a urna comunidade
de monges judeus chamados {como se eré) "essdnios". Viviam no de
serto, na expectativa da vinda i mínente do Reino de Deus e, para se ali
mentar em sua espiritualidade, possuiam manuscritos bíblicos, urna Re-
gra de vida comunitaria e outros escritos de ascese e mística.

O fundador dessa instituicáo monástica é chamado, nos documen


tos respectivos, "o Mestre de Justina"; este foi certamente um persona-
gem de grande valor moral, que marcou profundamente a historia da
comunidade. Pouco se sabe a seu respeito; todavia pode-se dizer que ti-
nha um adversario - o Sacerdote ímpio -, que devia oficiar em Jerusalém,
em conivéncia com os costumes helenizantes ali introducidos.

126
"JESÚS: QUEM ERA ELE?"

Como dito, os habitantes de Qumran viviam na expectativa ardente


da vinda do Reino de Deus; julgavam ser eles os únicos israelitas incon
taminados, os filhos da luz em meio aos filhos das trevas. O seu ¡sola-
mentó topográfico no deserto significava também isolamento de espirito;
em virtude de sua mentalidade estreita, particularista, nao queriam inter
cambio com os moradores das cidades (neste ponto iam, pois, muito
mais longe do que os fariseus). Ao lado disto, porém, nutriam concep-
c6es religiosas bastante elevadas, estimando os bens invisfveis, a vida
postuma e afastando-se do ideal de um messianismo político; os maus,
para eles, nao coincidiam propiamente com os romanos ou pagaos, mas
com os seus compatriotas representantes da religiüo oficial de Israel, os
quais Ihes pareciam pactuar com os costumes pagaos.

Este fundo de idéias já nos dá a ver que entre os essénios e os cris-


táos nao há apenas pontos de contato, mas hé também pontos de diver
gencia.

a) A mentalidade essénia ou a mentalidade apregoada pelo Mestre


de Justica parte de um pressuposto bem diferente do que Cristo apregoa.
Ao passo que o Mestre de Justica se retirava no deserto com seu grupo
de discípulos para evitar o contato com os homeris ¡mundos, Jesús fazia
questáo de comer com os pecadores, de dizer que viera salvar as ove-
Ihas perdidas, — que nao sao os sadíos, mas os doentes, que precisam de
médico (cf. Me 216; Le 5,30). Fazendo isto, destoava dos fariseus e os es-
candalizava; muito mais teria escandalizado os essénios, cuja Regrá man-
dava "odiar todos os filhos das trevas" (110); Cristo pregava o amor es-
tensivo até mesmo aos inimigos {cf. Mt 5,44; 22,40). Por conseguinte, já
se vé quSo despropositado seria querer fazer de Jesús urna "segunda
edicio" do Mestre de Justica ou um discípulo dos essénios, um conti
nuador da mentalidade destes.

Outros tópicos concorrem para realzar as diferencas:

b) Ao passo que o Mestre de Justica aguardava o fim dos tempos e


a instauracáo do Reino de Deus por obra de dois Messias, Jesús tinha
consciéncia de ser o Messias pelo qual estas realidades se iniciaram no
mundo: "Eu sou o Messias, que te falo" (Jo 4,26); "É agora o julgamento
do mundo" (Jo 12,31); "O Reino de Deus está em meio a vos" (Le 17,21).

c) Além disto, o Mestre de Justica afirmava repetidamente sua dis


tancia em relacáo a Deus, confessando-se indigno pecador; Jesús, ao
contrarío, nSo manifestava em absoluto a consciéncia de pecado (cf. Jo
8/16). Ele mesmo perdoava as culpas com desassombro, provocando
voluntariamente a sur presa dos fariseus, que exclamavam: "Quem pode

127
32 "PERPUNTE E RESPONDE REMOS" 370/1993

perdoar os pecados se nao Deus"? {Me 2,7). Se a consc¡6nc¡a do pecado é


a marca dos santos, a falta desta consciéncia em Jesús, que nao obstante
possuia urna alma profundamente religiosa, constituí um enigma para
quetn 0 observa á luz da mera razáo.

d) Em Jesús nao se encontram vestigios do esoterismo ou ocultis


mo que caracterizava os essenios em geral. Nada há de mais oposto á
doutrina de Cristo do que urna iniciacáo reservada a poucos; Ele mesmo
pregou as claras, em público, e mandou aos discípulos anunciassem so
bre os telhados o que tivessem ouvido em cubículos (cf. Mt 10,26s; Jo
18,20).

2. Apesar de todas estas divergencias de mentalidade, há quem di


ga que Jesús foi discípulo dos essdnios no periodo que vai dosdozeaos
trinta anos de idade; tería entáo vivido no deserto ou no monte Carmelo,
iniciando-se no esoterismo.. Sem dúvida, os manuscritos do Mar Morto
nao somente nao oferecem base para esta h¡pótese, mas, como se depre-
ende das comparares ácima, levam a rejeitá-la. Por seu lado, o texto do
Evangelho é contrarío a tal suposicio, pois refere que, quando Jesús co-
mecou a pregar em Nazaré, sua patria, os seus concidadáos exclamavam:

"Qual é essa sabedoria que Ihe foi dada e que grandes milagros sao
esses que se fazem por suas mios? Nao é o carpinteiro, o filho de María, o
irmáo de Ttago, José, Judas e SimSo? E suas ¡mus nao habitam conosco?"
(Mc6,2s).

Como se vé, os conterráneos de Jesús conheciam perfeitamente


sua identidade; sabiam o que fizera até se manifestar em público: fora
carpinteiro, bem notorio a eles; dat a sur presa que experimentaram,
quando de seus labios ouviram urna sabedoria nao adquirida em escola
humana.

Contudo os fautores da identidade entre Jesús e o Mestre de Justi-


ca (nomeadamente Wilson e Allegro) julgam poder apelar para analogías,
que eis aquí:

a) O Mestre de Justica pregava como Doutor inspirado, reagindo


contra o falso espirito religioso de seu povo; em conseqüencia, sofreu
perseguicáo por parte dos dirigentes da nacSo. Nestes pontos coincide
com Jesús Cristo.

Nao consta, porém, que haja sido condenado i morte; ao contrario,


os textos de Qumran dizem que "se reuniu a seus país"— expressSo que
designa a morte tranquila dos Patriarcas. Em parte alguma é anunciada a

128
"JESÚS: OUEM ERA ELE?" 33

sua ressurreicSo. Quanto á sua volta no fim dos tempos para julgar o
mundo, só pode ser defendida na base de contestáveis interpretares dos
textos. Numa reflexáo serena verifica-se que os tragos característicos do
Mestre de Justica coincidem com os que os israelitas atribuiam a Elias e
aos profetas; só o assemelham a Jesús na medida em que Jesús se as-
semelhou aos profetas.

b) Os monges de Qumran, distanciando-se um tanto do judaismo


oficial, celebravam urna ceia sagrada á noitinha, em que consumiam pao
e vinho bentos. Essa refeicáo era considerada a antecipacáo do banquete
a que o Messias de Aaráo havia de presidir no fim dos tempos. Ora Je-
sus, dizem, celebrou ceia análoga com seus discípulos e mandou repeti-la
em séu nome..

Para avadar o significado de tal analogía, tenha-se em vista que


ceias sagradas sao rito muito freqüente no culto religioso como tal. Além
disto, note-se que, apesar da semelhanca de ritual, Cristo deu é ceia crista
(eucarlstica) um sentido novo, sentido de consumacüo em relacáo h ceia
essénia; afirmou, sim, que o pao e o vinho sao a sua própria carne e o seu
sangue imolados em sacrificio para selar urna nova e definitiva Alian
za de Deus com os homens, em substituido da Alianca travada por in
termedio de Moisés; os essénios em absoluto nao tinham a idéia de um
sacrificio redentor do Messias, muito menos a idéia de participar desse
sacrificio mediante urna ceia sacramental.- Sendo assim, reconhecer-se-
á que o gesto de Cristo na última céia podia ter urna forca de evocacáo
muito particular para os seus discípulos, pois nao era inédito em seu as
pecto exterior; era, porém, portador de realidade totalmente nova...

1.7. A Fidelidade dos Evangelhos

O assunto tem sido abordado com freqüéncia em PR. Ver, por


exemplo, PR 336/1990, pp. 194-210; PR 309/1988, pp. 50-66.

Víais e mais em nossos dias sao superadas as posicóes de R.


Bultmann e outros autores racionalistas, que negavam a autenticidade
dos Evangelhos. Tenham-se em vista as obras de

RENE LATOURELLE, Jesús Existiu? - Ed. Santuario, Aparecida


1989. Cf. PR 336/1990. pp. 194-210.

FRANCOIS DREYFUS, Jesús sabia que era Deus? Ed. Loyola,


Sio Paulo, 1987, Cf. PR 309/1988, pp. 50-66.

F. LAMBIASI, Autenticidade histórica dos Evangelhos. - Ed.


Paulinas, Sao Paulo.

129
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

JOÁO EVANGELISTA MARTINS TÉRRA, Jesús.. - Ed. loyota,


Sao Paulo.

JEAN GUITTON, Jesús.- Ed. Itatiaia, Belo Horizonte.

VITTORIO MESSORI, Hipóteses sobre Jesús. - Ed. Paulinas,


Sao Paulo.

JOÁO MOHANA, Jesús Cristo Radiografado.- Ed. Agir, Rio de


Janeiro, 1980.

A propósito deter-nos-emos apenas sobre dois tópicos do artigo de


VEJA atinentes á historicidade dos Evangelhos:

1) P. 49, coluna 2: "Nunca se tem certeza das atribuipóes de auto


ría, mesmo no caso dos quatro evangelistas consagrados".

Para contraditar esta afirmacáo, basta consultar a papirologia e os


pergaminhos dos textos do Novo Testamento para se verificar que, des
de o inicio da tradicáo, há referencia clara ao autor de cada livro do
Evangelho. No sáculo II deu-se ao texto do Evangelho o titulo de Evan-
gélion kathá Matthaion, kathá Maricón, kathá Loukan, katá loannen
(segundo Mateus, Marcos, Lucas, Joáo).- Além do testemunho dos ma
nuscritos antigos, temos o dos escritores cristaos que desde os primeiros
tempos conhecem o nome do autor de cada Evangelho. Assim.

Papias, bispo de Hierápolis (Asia Menor), por volta de 130: "Ma


teus, em dialeto hebraico, coordenou os dizeres; a seguir, cada qual os
interpretou como pode" (cf. Eusébio, Historia da Igreja III 39,16).

O mesmo Papias escreve: "Eis o que costumava dizer o presbí


tero: Marcos, que se tornou intérprete de Pedro, escreveu com exatidio
(nao, porém, segundo a ordena) tudo de que se recordava dentro os ditos
e feitos do Senhor. Ele nao ouviu o Senhor, nem foi seu discípulo; mais
tarde, porém, fez-se discípulo de Pedro. Este ministrava o seu ensina-
mentó segundo a necessidade, sem tencionar por em ordem os sermóes
do Senhor, de sorte que Marcos nSo incorreu em falta, escrevendo certas
coisas como délas se recordava. Só se preocupava com um objetivo: na
da omitir do que ouvira e nao referir senSo a verdade" (cf. Eusébio,
Historia da Igreja II 39,5).

A respeito de Lucas, escreve um Prólogo latino anteposto ao ter-


ceiro Evangelho em fins do século II:

lucas foi sitio de Antioquia, de profissáo módica, discípulo dos Apos


tólos; mais tarde, seguiu Paulo até a confissSo (martirio) deste, servindo irre-

130
"JESÚS: QUEM ERA ELE?" 35

preensivelmente ao Senhor. Nunca teve esposa nem filhos; com oitenta e


quatroanosmorreunaBitínia, cheio do Espirito Santo. Já tendo sido escritos os
Evangethos de Mateus, na Judéia, e de Marcos, na Italia, impelido peto Espi
rito Santo, redigiu este Evangelho ñas regióes da Acaia. dando a saber logo
no inicio que os outros (Evangethos) já haviam sido escritos" (texto editado
por D. de Bruyne, em Revue Benedictino 40 (1928), p. 197).

A propósito de Sao Joáo, refere S. Ireneu, nativo de Esmirna (Á-


sia Menor) em 130 e discípulo de Sao Policarpo e dos presbíteros que ha
viam convivido com o Apostólo Sao Joáo:

"Joáo, o discípulo do Senhor, que repousou sobre opeito de Jesús, pu-


blicou o Evangelho durante a sua estada em éfeso na Asia" (Contra as He-
restas til 1,1).

Poder-se-iam multiplicar as citacdes - o que ultrapassaria o ámbito


deste nosso comentario. - O que hoje se admite, como novidade, é que
os Evangelho foram escritos por etapas, havendo primeiramente folhas
avulsas {urna serie de parábolas, urna serie de milagros, um sermáo pro
gramático, a historia da Paixáo-.); esses fragmentos foram compilados e
completados por cada evangelista, talvez com a colaborado de discípu
los, de modo que hoje se fala de Escola de Sao Mateus, Escola de Sao
Joáo...; isto porém, nao afeta a identidade do autor de cada Evangelho
ou do patrono da respectiva Escola.

Verdade é que sobre algumas cartas atribuidas a Sao Paulo pairam


dúvidas, ora mais, ora menos plausfveis. Por exemplo, no tocante a
epístola aos Hebreus, pode-se dizer com certeza que nao é da pena de
Paulo, mas, sim, da ¡nspiracáo do Apostólo, sendo o redator um discípulo
{Apolo ou Barnabé). A autoría da carta aos Efésios também é discutida,
mas isto nao afeta a credibilidade do texto, que fica sempre dentro do
ámbito dos Apostólos no século I.

Ainda é digna de nota em favor da credibilidade dos Evangelhos a


descoberta do Pe. O'Callaghan S. J. mencionada em PR 288/1986, pp.
194-200; 321/1989. pp. 50-54; 354/1991, pp. 482-494. Julga este papirólo-
go ter encontrado em Qumran um fragmento do Evangelho segundo S.
Marcos, que deve datar do ano 50 aproximadamente; a tese de O'Calla
ghan foi proposta aos estudiosos do mundo inteiro e vem encontrando a
adesáo de respeitáveis nomes de cultores da ciencia. Caso seja verídica
tal conclusáo, ter-se-á dado mais um passo para comprovar a fidelidade
histórica dos Evangelhos; a redacáo dos mesmos nao está distanciada de
Jesús, como queriam os críticos racionalitas, a fim de poder admitir
acréscimos subjetivos e "místicos" a figura de Jesús Cristo, mas está
muito próxima do Senhor, fazendo eco a pregacáo dos Apostólos nos

131
36 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

primeiros anos do Cristianismo. É lamentável que o articulista de VE


JA tenha ignorado tal fato.

2) "Os apócrifos sao coletáneas de historias inventadas, algumas


em meios populares, onde a religiSo ainda mal se saparava da feltica-
ría" (p. 50, coluna 1).

Na verdade, o nome "apócrifo" (apókryphon, em grego) quer di-


zer "oculto, nao lido na leitura pública ou litúrgica". Trata-se de escritos
redigidos do século I ao século IV, que tentam completar os relatos evan
gélicos; hoje os estudiosos reconhecem que há tres tipos de narra?áo na
literatura apócrifa:

- narracóes de índole histórica, fidedignas, que nao entraram na


redacáo dos escritos canónicos, pois estes nao pretendem conter tudo
quanto Jesús disse e fez; cf. Jo 20,30s; 21,25;

- narracóes de natureza fantasiosa, que tendem a fazer de Jesús


um ser "maravilhoso" desde os seus primeiros anos (o maravilhoso neo
se identifica necessariamente com feiticaria, pois esta consta de receitas
para obter prodigios aparentes);

- narracóes de fundo heterodoxo, visto que algumas correntes heré


ticas queríam prevalecer-se do estilo dos Evangelhos para mais fácil
mente incutir suas concepcóes.

Donde se vé que nem tudo é desprezfvel nos escritos apócrifos. Ao


contrario, tais livros sao hoje em dia tidos como valiosos pelo fato de re
ferir alguns traeos de historia e conceitos que os cristios alimentavam em
relacáo a Jesús. É certo, porém, que os apócrifos sao prevalentemente
imaginosos e, por isto, bem se distinguem da literatura canónica, que é
sobria e tendente a brevidade.

Estas poucas observacóes sejam suficientes para fornecer espéci-


mens do modo como o artigo de VEJA procede, desmerecendo a con-
fianca do público.

De modo geral, verifica-se que Roberto Pompeu de Toledo foi infe


liz, pois entrou em área extremamente rica de matizas, sem ter preparo e
pericia para tanto.

2. Conclusao

Á guisa de conclusSo, seja aqui publicada urna carta de leitora de


VEJA, carta enviada a tal revista, mas nSo publicada. Com a I ¡cenca da

132
"JESÚS: QUEM ERA ELE?" 37

autora, vai abaixo transcrita, pois bem resume o pensamento de muitos


leitores:

"Brasflia, 22 de dezembro de 1992

Prezados Senhores,

Faco referencia ao artigo publicado na revista VEJA n- 52, de 23


de dezembro. Intitulado "O Jesús da historia", em que fica bem eviden
te a total e absoluta ignorancia e incompetencia do autor, Roberto
Pompeu de Toledo, no que se refere ao tema "cristianismo".

Urna vez que a direcio dessa revista recentemente veiculou um


anuncio na televisio afirmando que o seu lema principal ó o de dizer a
verdade, lamento profundamente verificar que a intencáo desse lema
tem a fragilidade de um pedaco de papel exposto á agua: apaga-se, des-
faz-se, nao valendo nadal

Diz o velho ditado popular: "cada macaco no seu galho". Sempre


que a VEJA quer apresentar um assunto sobre física, procura um espe
cialista para expor sobre física; se o tema for sociología, procura um so
ciólogo para se referir ao assunto; se for sobre medicina, procura um
médico e assim por dlante, nos mais variados temas, garantindo assim a
necessária credibilidade a materia .apresentada. Pergunto agora: por
que a VEJA também nao procura um especialista em cristianismo, leigo
ou religioso, para desenvolver um assunto de tamanha seriedade? Que
Interesse tem essa revista em, com bastante freqüéncia, publicar artigos
sobre religiio (entenda-se: cristianismo) escritos sempre por um ¡orna-
lista que nada entende do tema? Qual a razio desse prazer leviano que
boira o sadismo em procurar achincalhar, blasfemando e denegrindo a
fó crista?

Que o autor e a direcáo dessa revista nao se iludam: quem tem fé,
jamáis a terá abalada diante do esparrame de tamanha ignorancia como
o visto no referido artigo".

0 público cristáo e nao cristáo de bom senso nao pode deixar de


agradecer a Sra. María Helena Diogo (Brasilia)... E levantar a questio:
nao será que muitos outros temas abordados por VEJA nao sao tratados
também por articulistas imperitos e despreparados, que lancam aréis nos
olhos do público?

133
Ainda o artigo de "VEJA"

O Recenseamento sob César Augusto


eQuirino (Le 2,1-5)

Em sfntese: O texto de Le 2,1-5, que menciona um recenseamento


realizado na Palestina por ordem de César Augusto, quando Ouirino era pre-
feito da Siria e Herodes rei da Judéia, tem suscitado dificuldades, porque neo
consta que Herodes e Ouirino tenham governado simultáneamente regióes do
Próximo Oriente.

O problema, levantado mas urna vez pela revista VEJA, já era conhe-
cido dos estudiosos, que apontam rica documentagéo tirada de Tito LMo,
Suetónio, Flávio José, Strabo e de inscricóes antigás..., documentagáo que
permite reconhecer a historicidade do texto de Lucas: Ouirino, que fot Gover-
nador da Siria entre 6e 12 cLC, deve ter sido (como se depreende dos teste-
munhos antigos) administrador da política romana no Próximo Oriente desde o
ano 12 a.C. Visto que Augusto tres vezes promoveu o recenseamento dos ti-
dadSos de seu Imperio entre 28 a.C. e 14 d.C, Quirino pode ter sido o execu-
tor de um desses recenseamentos ñas regidas confiadas á sua jurisdigéo.

Também se aponía como solugao o possfvel uso de prótos (= primei-


ro) no sentido de anterior, uso atestado por textos do Novo Testamento, de
modo que se lena: "Este recenseamento ocorreu antes daquele que toi feito
sob Ouirino, Prefeito da Sfria".

Donde se vé que a difículdade, de novo levantada por VEJA, neo é ¡n-


superável.

A revista VEJA, 23/12/92, pp. 48-59, publica um artigo sobre JE


SÚS DA HISTORIA tendencioso e incorreto. Levanta problemas contra a
historicidade dos Evangelhos, entre os quais o relativo a Le 2,1 -5:

"Naqueles das apareceu um edito de César Augusto, ordenando o re


censeamento de todo o mundo habitado. Esse recenseamento foi o primeiro

134
RECENSEAMENTO SOB CÉSAR AUGUSTO E QUIRINO 39

enquanto Ouiríno era Govemador da Siria. E todos iam-se alistar, cada um na


própria cidade. Também José subiu da tídade de Nazaré na Galiléia para a
Judéia, na tídade de Davi, chamada Betém, por ser da casa e da familia de
Davi, para se inscrever com María, sua esposa, que estava grávida".

Comenta o articulista de VE J A:

lucas, quando dá suas coordenadas históricas, erra tudo. O reiHero-


des da Judéia já havia morrido quando Ouirino passou a governar a Siria.
Portanto, pelo simples e bom motivo de que nao houve simultaneidade entre
ambos os governos, nada pode ter acontecido quando um e mitro govema-
vam simultáneamente. E mais: nao se tem noticias de censo universal atgum
ordenado por Augusto. É fácil concluir que estamos no meló de um dpoal"(p.
48, coluna 2).1

As dificuldades assim formuladas sao reconhecidas desde muito


pelos comentadores do Evangelho, que se tem debrucado atentamente
sobre a documentado historiográfica antiga, a fim de esclarecer a passa-
gem de S. Lucas - estudo este que R. Pompeu de Toledo, tratando su
perficialmente do assunto, nao chegou a fazer ou simplesmente ignora.

Apliquemo-nos, pois, ao exame da documentacáo antiga apta a


elucidar o texto de Lucas.

Sao duas as questóes levantadas pelo articulista:

1) Nao se tem noticia de censo universal ordenado por Augusto;

2) Quirino nao foi Governador da Siria no tempo do rei Heredes


(tempo em que Jesús nasceu).

1. Censo Universal sob César Augusto

1.1. O fato

Alega-se que a historia universal ignora tal recenseamento. - Ora a


propósito tres pontos merecem consideracáo:

'Para maior clareza, tenha-se presente que Herodes reinou na Judéia de 37 a


4 aC, ao passo que Quirino foi Prefelto da Siria entre 6 e 12d.C. (mas talvez
também antes do ano 8 a.C, como se dirá adianto).

135
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

1) Segundo o Monumentum Ancyranum1, Augusto realizou tres


vezes o recenseamento dos cidadáos romanos em seu Imperio, a saber:
nos anos de 726,746 e 767 da fundacáo de Roma, ou seja, nos anos 28 e 8
a.C. e 14 d.C.

2) Sabe-se também que, por ordem de Augusto, algumas provin


cias do Imperio foram submetidas a recenseamento:

A Gália foi assim tratada em 27 a.C, em 12 a.C. (sob o Governador


Druso) e em 14 d.C. (sob o Governador Germánico). É Tito Livio quem,
na sua epístola 137, se refere ao tumulto ocorrido por ocasiáo do segun
do censo na Gália, ao passo que Tácito dá noticia do terceiro censo, em
seus Anais 1,31,33.

Em 1880 encontrou-se urna inscricáo que refere um recenseamento


realizado na Sfria por obra de Emilio Segundo e por mandato de Quirino.
Eis o texto latino respectivo:

"O. Aemilius Q. F. Pal. Secundus... iussu Quirini censum egiApamenae


civitatis millium horrünum, civium CXVII".

Tal recenseamento parece datar do ano 6 d.C. O texto latino se en-


contra no Corpus Inscriptionum Latinarum (Th. Mommsen...) III, 1, Su
plemento n- 6687,9.

Os papiros atestam que no Egito, de 14 em 14 anos, se realizava um


recenseamento, ao menos a partir de 5-6 d.C. (se nao já em 10-9 a.C), até
meados do século III.

Ver a propósito: Grentell-Hunt, Oxyrhynchus II254-256; U. Wilcken,


Grundzüge und Chrestomathie der Papyruskunde I Leipzig-Berlín 1912,
192; M. Hombert-C. Préaux, Recherches sur le recensement dans
l'Egypte Romaine. Leiden 1952.

3) Augusto efetuou o que chamava Breviarium Imperii (Estatísti-


ca do Imperio), redigido pela própria mió do Imperador; desse docu-

1Cf. D. Diehl. Res gestae Divini Augusti. Das Monumentum Ancyra-


num. Kleine Texte tur theologische und phllologlsche Vorlesungen
und Uebungen (H. Uetzmann). Bonn XXIXs 1918, 10-13.
J. Gagé, Res Gestae Divini Augusti París 1935.
F. Gottanka, Suetons VerhSItnis zu der Denkschrift des Augustas.
MQnchen 1904,25.
Suetónio, Augustus 27,5,101.

136
RECENSEAMENTO SOB céSAR AUGUSTO E QUIRINO 41

mentó constava a riqueza do Imperio: soldados, naves, reinos, provincias,


tributos, ¡mpostos, doacóes..., como refere Tácito, Anais 1,11. Cf. F.
Blumenthal, Zur zensorischer Tátigkeit des Augusts, em Klio-Bei-
tráge zur alten Geschichte. Leipzig 9 (1909), pp. 493-500.- Ora tal es
tatifica nao poderia existir sem o recenseamento da populacho do Im
perio.

Sao estes testemunhos que explicam as palavras de S. Lucas 2,1: o


decreto de César Augusto nao deve ser necessariamente entendido como
decreto relativo ao recenseamento simultáneo de todas as provincias do
Imperio.

1.2. Objecóes

Levantam-se, porém, objecóes:

1.2.1. "José nao devia recensear-se em Belém..."

Para confirmar a obrigacáo, de José e María, de irem a Belém para


recensear-se, citam-se os seguintes documentos:

Um decreto de Gaio Vlbio Máximo, Prefeito do Egito, datado de


104, impunha aos egipcios que "todos os que habitassem fora das suas
regidas nativas, voltassem ao seu recanto natal para cumprir a disciplina
habitual do recenseamento".

Este preceito vigente no Egito devia também aplicar-se á Palestina,


visto que no Oriente a pertenpa a familia ou estirpe era de importancia
capital; todo cidadáo sabia a que estirpe pertencia. O povo de Israel
constava de tribos e familias bem definidas- o que muito facilitava a rea-
lizacáo do censo segundo as normas habituáis.

María acompanhou seu esposo a Belém, porque também ela era de


estirpe regia (ou da casa de Davi); cf. Rm 1,3; Le 1,31s. Além do qué, as
mulheres deviam estar sujeitas ao recenseamento na Palestina como no
Egito. Mais: pode-se crer que Maria era filha única e, por conseguinte,
filha herdeira - o que mais a obrigava ao recenseamento.

1.2.2. "Augusto nio podía prescrever recenseamento a


Herodes"

Há quem chame a atencáo para o fato de que Herodes era rei


companheiro (rex socius), ou seja, um chefe privilegiado no Imperio

137
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

Romano; em conseqüéncia, nao poderia receber ordem de recensea-


mento da parte de Augusto.

Respondemos que os privilegios dos "reís companheiros" depen-


diam dos Imperadores. Consta que alguns receberam ordem de censo.
Ademáis o fato de que Augusto tinha urna estattstica do Imperio supóe
que soubesse quantos súditos ele possuía em cada provincia ou reino dos
seus territorios.

Também se deve observar que Herodes nao era reí companheiro


em sentido estrito, mas, sim, por grapa de Augusto e decreto do Senado;
na verdade, era um Procurador que tinha o direito de trazer urna corea
na cabeca. Por isto também Herodes fazia muita coisa para agradar a
Augusto: ergueu templos e estatuas em honra do Imperador, impds sos
seus súditos o juramento de fidelidade a Augusto, e coisas semelhantes.

A realizarlo de recenseamento na Palestina sob Augusto ainda é


confirmada pelo testemunho de Tertuliano {+ 220), autor cristáo, que es-
creve:

"Consta terem sido efetuados recenseamentos, na Judáia sob Au


gusto por obra de Séncio Saturnino, Proferto da Siria entre 9 e 6 a.C."
(Adversus Marcionem 4,19; 4,7).

O testemunho de Tertuliano é de particular valor, porque nao de


pende de Lucas, mas, ao contrario, parece contradizer ao de Lucas (que
fala de Quirino e nao de Séncio Saturnino). A fonte em que Tertuliano
colheu a noticia, sbo os Archiva Romana (Arquivos Romanos); ver Ad
versus Marcionem 4,7.

Por último, é de notar que, após a morte de Herodes, estavam bem


definidos os impostos anuais de cada provincia do Imperio - o que supóe
recenseamento.

Outra dificuldade contra o texto de Le 2,1 s decorre da cronología do


Prefeito Quirino:

2. Públio Sulpfcio Quirino Prefeito da Sfria, quando._?

Em Le 2,2 lemos: "Esse recenseamento foi o primeiro enquanto


Quirino era Governador da Siria".

138
RECENSEAMENTO SOB CÉSAR AUGUSTO E QUIRINO 43

O problema se deriva, em parte, do testemunho do historiador Flá


vio José (37-100), que só conhece um recenseamento feito na Palestina
por Quirino nos anos 6-7 d.C. (Antiquitates Judaicae 17,13.5; 18,1,1).
Flávio José acrescenta que Quirino foi Procurador da Sfria entre 6 e 12
d.C.

A dificuldade admite mais de urna solucáo:

1) Pode-se admitir que Quirino tenha sido duas vezes Prefeito ou


Governador na Siria: nao somente entre 6 e 12 d.C, mas também entre
12 e 8 a.C. Esta hipótese se baseia no testemunho de Tácito (55-120) e
Strabo (60 a.C. - 20 d.C), que referem o seguinte: entre 12 a.C e 1 d.C.
Quirino esteve na Cilfcia (Turquía atual), que era parte da provincia da
Siria, e promoveu a guerra naquela regiáo; ora somente o Prefeito ou
Governador tinha autoridade para fazer guerra mobilizando os seus sú-
ditos.

Se tal hipótese é verdadeira, vé-se que Quirino e Herodes podem


ter governado na mesma época regióes do Próximo Oriente.

2) Pode-se também admitir que, nos anos anteriores ao nascimento


de Cristo, Quirino, embora nao fosse Prefeito da Sfria, era comandante
de exército ou Procurador sob o Governo do Prefeito da Sfria. Será licito
entáo pensar que o Prefeito Séncio Saturnino tenha prescrito um recen
seamento, que o Procurador do Preféito, Quirino, haverá executado.

Em outros termos: Quirino era encarregado da política romana no


Oriente Próximo desde o ano 12 a.C, e, como tal, sob o mandato do
Prefeito S. Saturnino, da Siria, terá efetuado um recenseamento. A pala-
vra grega hegemoneuon utilizada por Lucas 2,1 e traduzida geralmente
por Prefeito ou Governador, pode ter o sentido ampio de Administra
dor ou Procurador, como atestam os textos de Flávio José; Quirino fazia
jus ao titulo de hegemoneuon na qualidade de Oficial de Governo do
Imperio de Augusto, mesmo antes de ser Prefeito da Sfria em 6-12 d.C

3) A dificuldade se dissipa por completo se se traduz o texto grego


do seguinte modo:

"Este recenseamento ocorreu antes daqueleque foi feito na época em


que Quirino era Governador da Siria".

Neste caso nao haveria simultaneidade de governo entre Quirino e


Herodes. Dispensar-se-ia qualquer das tentativas de solucao até aqui
arroladas. O fundamento para justificar tal traduc. áo é o seguinte:

139
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

O adjetivo prótos, primeiro, em grego podia ter, na linguagem tar


día, o sentido nao superlativo, mas comparativo, a saber: em vez de "o
primeiro (recenseamento)", dir-se-ia "o recenseamento anterior ao
que foi feito sob Quirino".

Há exemplos bíblicos do emprego de prótos no sentido compara


tiva de anterior (antes de); assim, vejam-se no original grego Jo 1,15 JO
(prótos mou = primeiro que eu, antes que eu); Jo 15,18 (prótos hy-
mon = antes que vos, primeiro que vos); Me 14,12 (próte heméra =
antes do día, primeiro que o día-.).

Esta solucáo é aceitével.

Como se ve, o problema levantado por VEJA, problema, alias, já


conhecido pela exegese científica, tem solufáo, e em nada afeta a histori-
cidade da narrafáo de Lucas.

A propósito citamos:

WALDOMIfíO PIAZZA S.J., Os Evangelhos. documento da Fé


Crista - Ed. Loyola, SSo Paulo 1991.

RENE LATOURELLE, Jesús Existiu? Historia e Hermenéutica.


Ed. Santuario, Apareada (SP) 1989.

A Escola "Mater Ecclesiae" oferece doze opúsculos de fácil leitura


e poucas páginas, com os títulos: "Por que nao sou protestante?", "Por
que nao sou espirita?", "Por que nao sou Mafom", "Por que nao sou
Rosa-Cruz?", "Por que nao sou ateu?", "Por que sou Católico?", "Os
Novos Movimentos Religiosos", "O Fenómeno Religioso: Sim ou
Nao?", "Jesús sabia que era Deus?", "A Ressurreifáo de Jesús: Mito
ou Historia?", "Os Milagros de Jesús: Ficcáo ou Realidade?", "Jesús
Cristo: Deus e Homem?".

Pedidos de Informales e encomendas sejam dirigidos ¿


ESCOLA "MATER ECCLESIAE", Caixa Postal 1362,
20001-970 Rio (RJ) ou
Rúa Benjamin Constant, 23 - 20241-150 - Rio (RJ)

140
Organizacáo protestante:

Queéa ADHONEP?

Em sfntese: A ADHONEP é mais uma organizacáo protestante de ín


dole missionária. No Brasil integra o conjunto de instituicóes que visam a tor
nar este país protestante conforme o plano pré-tracado sob o nome de AMA-
NHECER Qá comentado em PR 333/1990, pp. 78-87). Prende-se ao protes
tantismo dto "carismático" ou "pentecostal". Chama-nos a atengáo o tato de
que a proposta de ADHONEP, como tantas outras do protestantismo contem
poráneo, segué a tendencia a diluir cada vez mais o conteúdo do Cristianismo.
Tratase de "aceitar Jesús Cristo como Salvador" em termos assaz subjeti
vos, independentemente de qualquerdenominagáo confesional.

Mais uma organizado protestante vem-se espalhando no Brasil em


termos acentuadamente proselitistas: a Associacso de Homens de Nego
cios do Evangelho Pleno (ADHONEP), filiada á Full Gospel Business
Men's Fellowship International. Examínennos como teve origem e que
finalidades colimad

1. ADHONEP: Origem

Em 1952 o armenio Demos Shakarian diz ter tido uma visáo: terá
percebido uma multidSo de pessoas de todos os continentes conduzidas
a Jesús Cristo em atitude de amor. Compreendeu Demos que deveria
esforcar-se por conquistar muitos homens para Jesús. No restaurante
Chifton (nSo se diz de que cidade) fundou em 1952 a Associacáo de Ho
mens de Negocios do Evangelho Pleno; doravante financiaría com os
seus próprios recursos as reunioes em auditorios e salces dos Estados
Unidos.

1Escrevemos na base de um prospecto e de noticias torneadas pela própria


ADHONEP.

141
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

Após um ano de resultados desanimadores, Demos estava prestes


a desistir do seu empreendimento, quando, numa sexta-feirá a noite, en-
quanto rezava, o Espirito Santo Ihe terá propiciado outra visáo: terá con
templado claramente todos os continentes da Térra. Relata Demos:

"Pude ver pessoas de aferentes ragas e de todo o mundo, todas bem


próximas urnas das outras, mas sem nenhum contato entre si. Como um zo-
om de uma camera, percebia cada detalhe á distancia. A face délas era mise-
rável, fechada em simesma..."

Ao contemplar bilhóes de pessoas de todas as nacóes, Demos cla-


mou: "Senhor, ajuda-as!". Súbitamente entáo Deus as mostrou trans
formadas, de faces radiantes, máos levantadas para o céu, em adoracáo.
Foi quando a esposa de Demos exclamou: "Meu filho, tudo o que vocé
vir diante de seus olhos, acontecerá muito em breve!"

Na manhá seguinte, um homem prontamente doou US$1.000,00;


outro, depois de dirigir seu carro a noite inteira, ofereceu-se para publi
car uma revista para a nova Associacáo. Daf por diante esta tomou gran
de impulso.

Alias, diz-se que jé em 1944 o pastor Charles Price disse a Demos


Shakarian, referindo-se a curas e reavivamento de homens leigos movi
dos pelo Espirito Santo: "Quando vocé vir isto, saberá que o tempo do
arrebatamento da Igreja está muito próximo".

Também o pastor Mordechai Han disse a Demos: "A Associacáo de


Homens de Negocios do Evangelho Pleno é um instrumento que Deus
vai usar para acordar os homens leigos, o gigante adormecido da evan-
gelizacáo".

Atualmente a ADHONEP está espalhada por 110 países, com o


propósito de reunir homens de negocios, executivos, profissionais libe
ráis, empresarios, autoridades tivis e militares, levando-os a abracar o
protestantismo. As reunióes se realizam em hotéis, clubes ou nos me-
Ihores restaurantes, tanto para almocarem como para jantarem ou to-
marem o café da manhá.

2. Como chegou ao Brasil?

Em 1973 um grupo de brasileiros e o fundador Demos Shakarian


encontraram-se a bordo de um aviSo nos Estados Unidos. Os brasileiros
cantavam corintios e louvavam a Deus ao som do piano, tendo em seus
grupos os pastores Túlio de Barros Ferreira, Alceblades Pereira Vascon
celos, Lawrence Olson e o empresario Custodio Rangel Pires.

142
QUEÉAADHONEP? 47

A presenca de Demos atraiu-os para a ADHONEP; foram convida


dos para um banquete em Los Angeles, com 500 talheres, patrocinado
pela Full Gospel Business Men's Fellowship International; ouviram en-
táo os testemunhos de homens de negocios que falavam de Jesús a seus
colegas descrentes e rezavam fervorosamente uns pelos outros, num
ambiente de fé contagiosa, incentivado pela presenca de Deus.

O empresario Custodio Rangel Pires foi entáo solicitado pelo fun


dador para dar origem h ADHONEP no Brasil - convite que foi aceito
pelo brasileiro.

A fundagáo, porém, só teve lugar em 1975, quando o cidadáo Mark


Burbridge, vindo dos Estados Unidos, se reuniu em S. Cristóvao (Rio de
Janeiro) com o pastor Túlio de Barros Ferreira, o empresario Rangel Pi
res, o Sr. Antonio Regis e outros. Foi entáo criado o primeiro núcleo da
ADHONEP no Rio de Janeiro. Todavía durante sete anos tal obra pouco
prosperou. Finalmente em 1982 urna Comissáo de norte-americanos
chefiada por Norman Noorwood veio ao Brasil e deu o impulso definitivo
á organiz8C§o.

Hoje a ADHONEP conta 214 núcleos (Capítulos) instalados em 23


Estados da Federado, que realizam reunides mensais com a participafáo
de tnais de 60% de nao «entes; durante os jantares oferecidos pela enti-
dade, muitos destes se convertem ao protestantismo ou ao "Evangelho
Pleno", entendido como libertario, salvacáo, batismo no Espirito Santo e
cura divina.

3. Apoio Feminino

A ADHONEP tem também seu Departamento de Apoio Feminino.


Dados estatfsticos vem demonstrando o crescimento de 30 a 40% de ho
mens de negocios nos jantares, almo?o e cafés daqueles Capítulos em
que funciona regularmente o "Cha de Apoio Feminino", cujo principal
objetivo é a evangelizado, a comunháo e a divuigecáo de ADHONEP.
Além desta Meta, outras seis estáo na mira do Apoio Feminino:

1) Unir as esposas de associados, no propósito de realizar um tra-


balho eficaz junto ás esposas de homens de negocios.

2) Proporcionar comunháo, confraternizado e crescimento espiri


tual ás esposas de homens de negocios da comunidade.

3) Reunir pelo menos 50% de mulheres nao cristas nesses chas,


dando-lhes oportunidade de ouvir a Palavra de Deus.

4) Oferecer as esposas de Oficiáis oportunidades de exercer os dons


espirituais, num trabalho de evangeliza?§0 direcionado.

143
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 370/1993

5) Promover eventos sociais que visem a resultados espirituais.

6) Propiciar condicóes de que as senhoras compartilhem mutua


mente suas experiencias religiosas.

O AOHONEP publica a revista VOICE (A VOZ} em doze diferentes


edicóes, lidas por mais de 1.000.000 de pessoas no mundo. Seu conteúdo
consta do testemunho de homens de negocios compartithando vivencias
relativas a sua conversáo para o protestantismo.

Em suma, a ADHONEP foi adequadamente definida pelo pastor Al-


ceblades Pereira Vasconcelos como "urna chave que Oeus colocou ¿ dis-
posicáo dos pastores para a evangelizado das classes privilegiadas da
nossa nació".

4. Que dizer?

A ADHONEP é mais urna organizado protestante de Índole mis-


sionária. No Brasil integra o conjunto de instituicóes que visam a tornar
este país protestante, conforme o plano pré-tracado com o nome de AL-
VORECER (já comentado em PR 333/1990, pp. 78-87). Prende-se ao pro
testantismo dito "carismático" ou "pentecostal".

Chama a atencáo o fato de que a proposta de ADHONEP, como


tantas outras do protestantismo, segué a tendencia a diluir cada vez mais
o conteúdo do Cristianismo. Trata-se de "aceitar Jesús Cristo como Sal
vador" em termos assaz subjetivos, independentemente de qualquer de
nominado protestante já existente. O conceito de "Igreja Corpo de Cris
to", confiada ao pastoreio de Pedro e de seus sucessores (cf. Mt 16,16-19;
Le 22,31 s; Jo 21,15-17; Mt 28,18-20), está ausente por completo. O Cris
tianismo torna-se assim cada vez mais individualista; é vivido segundo
"visoes" e "revelacóes" subjetivas atribuidas ao Espirito Santo.

A ADHONEP promove Seminarios Avancados de Treinamentó de


Lideranca (SATL), cujos resultados s§0 assim enunciados: "Centenas de
pessoas tém sido batizadas no Espirito Santo, outras centenas sao cura
das, tanto física quanto emocionalmente, lares sao restaurados e o amor
entre os cónjuges ou entre país e filhos é renovado".
Nao se podem negar os frutos positivos que decorrem de tais encon-
tros; vém a ser um reavivamento ou um despertar de consciéncias.Toda
vía seria oportuno evitar atribuir precipitadamente ao Espirito Santo e ao
Batismo no Espirito os efeitos que podem ser explicados pelo impacto de
urna doutrinacáo bem estruturada para calar fundo nos ouvintes. Em
nossos dias os sentimentos religiosos sao freqüentemente associados a
emocáo e desligados do senso critico que a razáo e o bom senso costu-
mam aplicar ás efusóes exuberantes da religiosidade.
Estévao Bettencourt O.S.B.
- FrFS
144
RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE P.R.

Cr$ 150.000,00
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS': ANO 1992
Encadernado em percalina, 590 págs. com índice
(Número limitado de exemplares)... Cr$ 265.000,00

ORDINARIO
para celebracao da Eucaristía com o povo
25? edicto (atualizada)

TraducSb oficial revisada para o Brasil pela CNBB, aprovada pela Santa Sé, contendo 11
OracOes Eucarísticas, inclusive a mais recente "Para diversas circunstancias" (8 novembro
91), com acréscimo de aclamacoes e novos textos. Impressa'o em 2 cores, com tipos bem
legíveis. 110 págs. Formato de bolso (15x11). CrS 16.000,00.

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por Dom Hildebrando P. Martins OSB. 8a edicao. 68 págs. Cr$ 45.000,00.

A REGRA DE SAO BENTO

3? edicao em latim-portugués, com anotacoes por Dom Jólo Evangelista Enout OSB.
Acaba de aparecer esta nova ¡mpressio, após varios anos esgotada. A Regra que Sao
Bento escreveu no sáculo VI continua viva em todos os mosteiros do nosso tempo,
aos quais nao faltam vocacoes para monges e monjas, 210 págs. Cr$ 120.000.00.

PERSPECTIVAS DA REGRA DE S. BENTO

Irma* Aquinata Bockmann OSB


Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72, 73 da Regra Beneditina - Tra-
ducáb do alemfio por D. Mateus Rocha OSB.
A Autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo Anselmo em Roma (Monte Aven-
tino). Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha, Italia, Franca, Portugal, Es-
panha, como também nos Estados Unidos, Brasil, Tanzania, Coréia e Filipinas, por
ocasiao de Cursos e Retiros. 364 págs. Cr$ 156.000,00.

SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE

Por Dom Joao Evangelista Enout O.S.B. 190 págs. CrS 100.000,00.
O genio, ou seja a santidade de um monge da Igreja latina do sáculo VI (480-540) -
SAO BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um
estado de vida crista, empenhado na procura crescenté" tfa~face e da verdade de Deus,
espelhada na trajetória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo.
— Assim, o discípulo de Sao 8ento ouve o chamado para fazer-se monge. para assu-
mir a "profissSo de monge".

* Pedidos jómente pelo Reembolso Postal.


Precos sujeitos a alteracao.
Álbum com 110 págs. coloridas (30 x 23), texto h¡stór¡co-ex-
plicativo documentado, de autoría de D. Mateus Rocha O.S.B.
- Em 5 línguas, volume separado (portugués, espanhol, fran
cés, inglés e alemáo). No prego, sujeito a alteracáo, vai inclui
do o porte do correio.

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