Você está na página 1de 10

Coesão e coerência textuais.

COESÃO

O texto é produzido através da organização de palavras que se unem,


adequadamente, umas às outras.

Assim, os termos vão formando uma oração, e as orações vão constituir


períodos.

Essa união ou ligação entre os elementos de um texto deve apresentar


um sentido lógico, coerente; para isso é necessário observar as relações
semânticas existentes entre eles. Na verdade, há uma relação de
dependência entre os termos e as orações que se estabelece pela
coordenação ou subordinação das idéias.

Um texto torna-se bem construído e coeso quando usamos os elementos


gramaticais ou coesivos (conjunções, pronomes, preposições e advérbios),
no interior das frases, de forma adequada. Se esses elementos de ligação
forem mal empregados, o texto não apresentará noção de conjunto, ou
ainda, sua linguagem se tornará ambígua e incoerente.

Portanto, a coesão refere-se à forma ou à superfície de um texto. Ela é


mantida através de procedimentos gramaticais, isto é, pela escolha do
conectivo adequado na conexão dos diversos enunciados que compõem um
texto.

Leia o trecho a seguir e observe os elementos de coesão empregados pelo


autor.

ABRE-TE, SÉSAMO!

A casa inteligente imaginada no MIT será impregnada por câmeras de


vídeo, microfones, telões, caixas acústicas e sensores que farão parte da
decoração. As câmeras, por exemplo, serão acionadas por um computador
central para reconhecer cada um dos membros da família e rastreá-los em
suas ações nos diferentes cômodos. Não bastasse, o sistema compreenderá
sinais manuais e gestos de comando dos ocupantes da casa, tais como não
e OK. Através dos microfones, o computador distinguirá igualmente
comandos de voz. Assim, por exemplo, o filho mais velho, ao deitar-se na
cama para dormir, simplesmente dirá: "Computador, me acorde às sete da
manhã".

(Peter Moon. IstoÉ, 29-11-1995).

O primeiro período do texto é composto, e suas orações aparecem ligadas


pelo que, pronome relativo, elemento coesivo dessa subordinação. A
oração subordinada adjetiva introduz uma explicação: "...que farão parte da
decoração".

A locução "por exemplo", no segundo período, inicia um esclarecimento


em relação ao que foi dito anteriormente, dando continuidade à idéia inicial
do texto. Representa também outro elo ou elemento de coesão entre as
orações. Já a preposição "para", logo em seguida ("para reconhecer cada
um...") expressa a finalidade no uso das câmeras, nessa casa do futuro.
Essa oração vem subordinada ou ligada à oração anterior, chamada de
principal.

Também a conjunção e (coordenada) introduz a idéia de acréscimo (..."e


rastreá-los em suas ações... e gestos de comando dos ocupantes da casa".)

Nas orações que seguem, as palavras "através" e "assim" (conectivos)


começam uma seqüência de valor ilustrativo, confirmando as idéias
apresentadas com exemplos.

O emprego desses elementos coesivos dá ao texto uma estrutura clara e


compreensiva. Por isso é importante a escolha adequada dos conectivos
que serve de elo entre os termos e as orações, na produção de um texto.

COERÊNCIA

A coerência resulta da relação harmoniosa entre os pensamentos ou


idéias apresentadas num texto sobre um determinado assunto. Refere-se,
dessa forma, ao conteúdo, ou seja, à seqüência ordenada das opiniões ou
fatos expostos.

Não havendo o emprego correto dos elementos de ligação (conectivos)


faltará a coesão e, logicamente, a coerência ao texto.

Ampliando as idéias vistas no texto anterior ("Abre-te Sésamo!"), em que


o autor imagina o surpreendente avanço tecnológico modificando nossas
casas, seria incoerente se acrescentássemos o seguinte trecho:

"O projeto da casa inteligente mostra que o avanço tecnológico vem


prejudicando a vida humana, pois o comuputador tornou-se um terrível
adversário, substituindo o homem em quase todas as funções. Com isso, o
desemprego passou a representar um dos grandes dramas da sociedade
moderna."

Você observou que as idéias desse parágrafo são incoerentes, porque o


texto lido menciona justamente os benefícios do computador nas atividades
humanas, e não sua utilização como forma de prejudicar o trabalho do
homem. Assim, a expressão dessas idéias não teriam sentido ou coerência
em relação ao tema desenvolvido inicialmente.

Coerência e coesão textuais são dois conceitos importantes para uma melhor
compreensão do texto e para a melhor escrita de trabalhos de redação de qualquer área.

A coesão trata basicamente das articulações gramaticais existentes entre as palavras, as


orações e frases para garantir uma boa sequenciação de eventos. A coerência, por sua
vez, aborda a relação lógica entre ideias, situações ou acontecimentos, apoiando-se, por
vezes, em mecanismos formais, de natureza gramatical ou lexical, e no conhecimento
compartilhado entro os usuários da língua.

Pode-se dizer que o conceito de coerência está ligado ao conteúdo, ou seja, está no
sentido constituído pelo leitor.
[editar] Objeto do discurso
Para garantir a coerência de um texto é preciso identificar o objeto do discurso.

"A Coesão é a manifestação lingüística da coerência, advém da maneira como os


conceitos e relações subjacentes são expressos na superfície textual.Responsável pela
unidade formal do texto, a coesão constrói-se através de mecanismos gramaticais
(pronomes anafóricos, artigos, elipse, concordância, correlação entre os tempos verbais
e conjunções) e lexicais." (COSTA VAL)

Pode-se dizer portanto, que o conceito de coesão está ligado aos elementos constituintes
do texto.

A coerência de um texto é facilmente deduzida por um falante de uma língua, quando


não encontra sentido lógico entre as proposições de um enunciado oral ou escrito. É a
competência linguística, tomada em sentido lato, que permite a esse falante reconhecer
de imediato a coerência de um discurso. A competência linguística combina-se com a
competência textual para possibilitar certas operações simples ou complexas da escrita
literária ou não literária: um resumo, uma paráfrase, uma dissertação a partir de um
tema dado, um comentário a um texto literário, etc.

Coerência e coesão são fenómenos distintos porque podem ocorrer numa sequência
coesiva de factos isolados que, combinados entre si, não têm condições para formar um
texto. A coesão não é uma condição necessária e suficiente para constituir um texto. No
exemplo:

A Joana não estuda nesta Escola.

Ela não sabe qual é a Escola mais antiga da cidade.

Esta Escola tem um jardim.

A Escola não tem laboratório de línguas.

O termo lexical "Escola" é comum a todas as frases e o nome "Joana" está


pronominalizado, contudo, tal não é suficiente para formar um texto, uma vez que não
possuímos as relações de sentido que unificam a sequência, apesar da coesão individual
das frases encadeadas (mas divorciadas semanticamente).

CURIOSIDADES:
• Em programação de computadores, coesão é a medida da força relativa de
um módulo. Quanto maior for a coesão, menor será o nível de acoplamento
de um módulo.

Na língua portuguesa coesão expressa a relação entre as unidades
lingüísticas, como a relação entre as palavras em um enunciado.
Em Mecânica dos solos coesão pode ser definida como a resistência ao
cisalhamento de um solo, quando sobre ele não atua nenhuma força externa.
COERÊNCIA E COESÃO TEXTUAIS
Conceitos nucleares da linguística textual, que dizem respeito a dois factores
de garantia e preservação da textualidade. Coerência é a ligação em conjunto
dos elementos formativos de um texto; a coesão é a associação consistente
desses elementos. Estas duas definições literais não contemplam todas as
possibilidades de significação destas duas operações essencias na construção
de um texto e nem sequer dão conta dos problemas que se levantam na
contaminação entre ambas. As definições apresentadas constituem apenas
princípios básicos de reconhecimento das duas operações (note-se que o facto
de designarmos a coerência e a coesão como operações pode ser inclusive
refutável). A distinção entre estas duas operações ou factores de textualidade
está ainda em discussão quer na teoria do texto quer na linguística textual.
Entre os autores que apenas se referem a um dos aspectos, sem
qualquer distinção, estão Halliday e Hasan, que, em Cohesion in English
(1976), defendem ser a coesão entre as frases o factor determinante de um
texto enquanto tal; é a coesão que permite chegar à textura (aquilo que permite
distinguir um texto de um não-texto); a coesão obtém-se em grande parte a
partir da gramática e também a partir do léxico. Por outro lado, autores como
Beaugrande e Dressler apresentam um ponto de vista que partilhamos:
coerência e coesão são níveis distintos de análise. A coesão diz respeito ao
modo como ligamos os elementos textuais numa sequência; a coerência não é
apenas uma marca textual, mas diz respeito aos conceitos e às relações
semânticas que permitem a união dos elementos textuais.
A coerência de um texto é facilmente deduzida por um falante de uma
língua, quando não encontra sentido lógico entre as proposições de um
enunciado oral ou escrito. É a competência linguística, tomada em sentido lato,
que permite a esse falante reconhecer de imediato a coerência de um discurso.
A competência linguística combina-se com a competência textual para
possibilitar certas operações simples ou complexas da escrita literária ou não
literária: um resumo, uma paráfrase, uma dissertação a partir de um tema
dado, um comentário a um texto literário, etc.
Coerência e coesão são fenómenos distintos porque podem ocorrer
numa sequência coesiva de factos isolados que, combinados entre si, não têm
condições para formar um texto. A coesão não é uma condição necessária e
suficiente para constituir um texto. No exemplo:

(1)
A Joana não estuda nesta Escola.
Ela não sabe qual é a Escola mais antiga da cidade.
Esta Escola tem um jardim.
A Escola não tem laboratório de línguas.

o termo lexical “Escola” é comum a todas as frases e o nome “Joana” está


pronominalizado, contudo, tal não é suficiente para formar um texto, uma vez
que não possuímos as relações de sentido que unificam a sequência, apesar
da coesão individual das frases encadeadas (mas divorciadas
semanticamente).
Pode ocorrer um texto sem coesão interna, mas a sua textualidade não
deixa de se manifestar ao nível da coerência. Seja o seguinte exemplo:
(2)
O Paulo estuda Inglês.
A Elisa vai todas as tardes trabalhar no Instituto.
A Sandra teve 16 valores no teste de Matemática.
Todos os meus filhos são estudiosos.

Este exemplo mostra-nos que não é necessário retomar elementos de


enunciados anteriores para conseguir coerência textual entre as frases. Além
disso, a coerência não está apenas na sucessão linear dos enunciados mas
numa ordenação hierárquica. Em (2), o último enunciado reduz os anteriores a
um denominador comum e recupera a unidade.
A coerência não é independente do contexto no qual o texto está inscrito,
isto é, não podemos ignorar factores como o autor, o leitor, o espaço, a história,
o tempo, etc. O exemplo seguinte:

(3) O velho abutre alisa as suas penas.

é um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen que só pode ser


compreendido uma vez contextualizado (pertence ao conjunto “As Grades”, in
Livro Sexto, 1962): o “velho abutre” é uma metáfora subtil para designar o
ditador fascista Salazar. Não é o conhecimento da língua que nos permite
saber isto mas o conhecimento da cultura portuguesa.
A coesão textual pode conseguir-se mediante quatro procedimentos
gramaticais elementares, sem querermos avançar aqui com um modelo
universal mas apenas definir operações fundamentais:

i. Substituição : quando uma palavra ou expressão substitui outras anteriores:


(4) O Rui foi ao cinema. Ele não gostou do filme.

ii. Reiteração : quando se repetem formas no texto:


(5) - «E um beijo?! E um beijo do seu filhinho?!» - Quando dará beijos o meu
menino?!
(Fialho de Almeida)

A reiteração pode ser lexical (“E um beijo”) ou semântica (“filhinho”/”menino”).

iii. Conjunção : quando uma palavra, expressão ou oração se relaciona com


outras antecedentes por meio de conectores gramaticais:
(6) O cão da Teresa desapareceu. A partir daí, não mais se sentiu segura.

(7) A partir do momento em que o seu cão desapareceu, a Teresa não mais se
sentiu segura.

iv. Concordância : quando se obtém uma sequência gramaticalmente lógica,


em que todos os elementos concordam entre si (tempos e modos verbais
correlacionados; regências verbais correctas, género gramatical correctamente
atribuído, coordenação e subordinação entre orações):
(8) Cheguei, vi e venci.
(9) Primeiro vou lavar os dentes e depois vou para a cama.

(10) Espero que o teste corra bem.

(11) Esperava que o teste tivesse corrido bem.

(12) Estava muito cansado, porque trabalhei até tarde.

De notar que os vários modelos teóricos sobre coesão textual prevêem


uma rede mais complexa de procedimentos, muitos deles coincidentes e
redundantes: Halliday e Hasan (1976), propõem cinco procedimentos: a
referência, a substituição, a elipse, a conjunção e o léxico; Marcushi (1983)
propõe quatro factores: repetidores, substituidores, sequenciadores e
moduladores; Fávero (1995) propõe três tipos: referencial, recorrencial e
sequencial.
A coerência de um texto depende da continuidade de sentidos entre os
elementos descritos e inscritos no texto. A fronteira entre um texto coerente e
um texto incoerente depende em exclusivo da competência textual do
leitor/alocutário para decidir sobre essa continuidade fundamental que deve
presidir à construção de um enunciado. A coerência e a incoerência revelam-se
não directa e superficialmente no texto mas indirectamente por acção da
leitura/audição desse texto. As condições em que esta leitura/audição ocorre e
o contexto de que depende o enunciado determinam também o nível de
coerência reconhecido.
O estudo dialéctico da literariedade - literário versus não literário - é
acompanhado pelos mesmos problemas da definição da coerência e da coesão
de um texto. Seja dado o seguinte exemplo:

(13)
!
Experimenta falar pela minha boca,
assoar-te pelo meu nariz...

Este texto poderá ser considerado literário? Em caso afirmativo, como definir a
sua literariedade? Poderemos dizer que é coerente? Poderemos dizer que é
coeso? Se o texto estiver assinado por um autor reconhecido por uma
comunidade interpretativa como escritor (o que significa invariavelmente:
criador de textos literários), tal circunstância pode afectar o nosso juízo sobre a
literariedade, a coerência e a coesão deste texto? Tal questão é equivalente a
estoutra: Até que ponto a identificação autoral de um texto pode influenciar a
determinação ou reconhecimento da sua literariedade, da sua coerência ou da
sua coesão?
A primeira reacção de um leitor comum é a de não reconhecer qualquer
elemento específico que permita concluir tratar-se de um texto literário, mesmo
que seja possível reconhecer nele coesão (o enunciado está construído
linearmente e respeita todas as regras gramaticais de conexão). O que nos faz
duvidar da literariedade (e da textualidade) deste “texto” é a sua aparente falta
de sentido na relação entre o sinal gráfico de exclamação, centralizado como
um título, e o enunciado subjectivo. De certeza, muitos resistirão inclusive à
aceitação de tal texto como um texto e dirão tratar-se de uma "aberração
linguística", um "capricho semântico", uma "construção acidental de palavras e
sinais", ou qualquer outra coisa semelhante. Um leitor mais exigente poderá
argumentar que tal construção é de facto um texto literário, cuja literariedade e
textualidade estão associadas à combinação intencional entre um signo gráfico
e signos linguísticos, com o objectivo de produzir uma relação significativa
simbólica - existirá, portanto, uma certa coerência. A explicitação de tal relação
significativa variará naturalmente de leitor para leitor, conforme a sensibilidade
literária de cada um. Neste segundo caso, em que se procura uma significação
literária para uma construção aparentemente não literária, dificilmente
poderíamos defender a pretensa literariedade e a textualidade com argumentos
lógicos para todos os leitores, o que nos leva a concluir que o que faz a
literariedade e a textualidade de um texto é em primeiro lugar o
reconhecimento geral dessa propriedade por toda uma comunidade
interpretativa. A coerência do texto, ou seja, a negação de poder ser
considerado um absurdo, segue o mesmo critério de aceitação. Contudo,
mesmo esta regra, que parece satisfatória, está sujeita a excepções
incómodas. Seja o exemplo, entre muitos outros, do poema "Ode marítima" de
Álvaro de Campos. Quando foi publicado pela primeira vez no Orpheu 2 (1915),
produziu escândalo na comunidade interpretativa da época, não sendo
reconhecido como texto literário mas como pura "pornografia", "alienação",
"literatura de manicómio" e outros epítetos do género - todos apontando a falta
de coerência do texto e não certamente a sua falta de coesão. Todas as obras
artísticas de vanguarda respeitam de alguma forma a exigência de provocação,
que quase invariavelmente redunda em anátema. Isto significa que o princípio
de aceitação universal da literariedade, da textualidade e da coerência de um
texto está sujeito também a um certo livre-arbítrio. Todas as declarações de
guerra à sintaxe tradicional que as literaturas de vanguarda costumam fazer
são, logicamente, guerras à coesão gramatical dos textos literários de
vanguarda. Contudo, não deixam de ser literários por essa falta de coesão,
uma vez que a sua literariedade e a sua textualidade se conquista ao nível da
coerência.
Poderá a revelação da identidade autoral do texto (13) em particular levar
a uma outra conclusão? Se eu tivesse apresentado o texto como um poema do
autor surrealista Alexandre O'Neill, que pertence à série "Divertimento com
sinais ortográficos", in Abandono Vigiado (1960), alguém duvidaria por um
momento que se tratava não só de um texto coerente como de um texto
literário? O que nos pode dizer o título "Divertimento com sinais ortográficos"?
O facto de o autor intitular a sua criação como "Divertimento" inspira-nos uma
nova pista para o reconhecimento da literariedade e da coerência textual: um
texto será literário se contiver sinais, sugestões ou elementos que revelem o
gozo (no sentido da lacaniana jouissance) que o seu autor experimentou ao
criá-lo. A criação de um texto literário é a mais erótica de todas as criações
textuais. A coerência de certos textos-limite só pode ser avaliada por este lado.
Mas será que um texto não literário não pode arrastar consigo sinais de gozo
de quem o criou? Roland Barthes admitiu em "Theory of the Text” (artigo
inicialmente publicado em Encyclopaedia Universalis, 1973), que qualquer texto
"textual" conduz pela sua essência criativa à jouissance do autor, seja literário
ou não, isto é, conduz necessariamente não só a um prazer de escrita como a
própria escrita ou texto produzido é uma espécie de clímax sexual - um têxtase.
Se reduzíssemos este princípio de textualidade e decidíssemos que qualquer
tentativa de levar o erotismo criativo da escrita para além de certos limites
significa entrar de imediato no limiar do literário (=textualmente coerente),
então teremos encontrado um critério de definição da literariedade e da
textualidade. Do texto que seja resultado de um têxtase, diremos ser literário;
mas também que é possível medir macrotextualmente o seu nível de coerência
a partir dessa descoberta.
O princípio do têxtase textual está naturalmente sujeito ao livre-arbítrio
do leitor, como o está a detecção do grau de coerência textual. Ora, a teoria
literária distingue-se das ciências exactas precisamente porque é
intrinsicamente inexacta, dispensando o enunciado de leis universais de
resolução de problemas. Em teoria literária, não é possível dizer: "Tenho a
solução para este problema." Todas as soluções definitivas são absolutamente
discutíveis, portanto, não há soluções definitivas, tal como não há leitores
peritos. Todo o texto literário, enquanto cemitério de sentidos mortos-vivos, é
uma ameaça constante para o leitor que se julgue perito nesse texto. Não há
equações que permitam concluir com exactidão a coerência textual. Não
esquecer ainda que qualquer texto pode resistir à tentativa de controlar a sua
organização interna, isto é, pode resistir a qualquer delimitação do seu nível de
coerência. Nisto se distingue da coesão, que possui um grau de resistência
menor. A coerência está mais sujeita à interpretação do que a coesão. Se não é
possível determinar uma taxonomia textual, porque não é possível sistematizar
processos de resolução hermenêutica, já é possível determinar regras
gramaticais de coesão e sistematizar processos de construção textual.
Para além da linguística textual, podemos discutir os conceitos de
coesão e sobretudo o de coerência no âmbito da textualidade puramente
literária, por exemplo, na construção de uma narrativa. Tradicionalmente, todas
as formas naturais (para distinguir das formas subversivas de vanguarda) de
literatura ambicionam a produção de textos coesos e coerentes, por exemplo,
no caso do romance, com personagens integradas linearmente numa narrativa,
com uma intriga de progressão gradual controlada por uma determinada lógica,
com acções interligadas numa sintaxe contínua, com intervenções do narrador
em momentos decisivos, etc. Por outro lado, nunca ficará claro que todas as
formas de anti-literatura possam ser desprovidas de coesão e de coerência. As
experiências textuais que tendam a contrariar as convenções de escrita e/ou
até mesmo as regras da gramática tradicional também podem distinguir-se por
uma forte coesão ou coerência dos seus elementos. Sejam os dois textos:

(14)
A fome alastrava. A estação fria acossava os homens, os coelhos do mato, os
morcegos, e fechava-os nas tocas. As árvores ficavam nuas, as grandes
chuvas voltavam.
(Carlos de Oliveira, Casa na Duna)

(15)
dezembro 9 soaram de fora os passos pesados da dona descendo um bater
depois hesitante na porta a voz dela hesitante: então o senhor não vai votar?
Não não vou talvez logo à tarde estou ainda deitado. no quarto de janelas
fechadas com riscos de luz das frestas na parede a lâmpada apagada desde a
véspera amávamos possessos de amor um do outro.
(Almeida Faria, Rumor Branco)
Nenhum leitor terá dificuldade em reconhecer a coesão textual de (14), com os
seus elementos léxico-gramaticais devidamente postos numa sequência lógica,
e a coerência das ideias comunicadas num contínuo narrativo convencional.
Numa primeira leitura, o texto (15) oferece resistência a ser considerado um
texto, a ser considerado um texto coeso, a ser considerado um texto coerente.
Este texto é uma forma de anti-literatura, cuja coesão e coerência dependem
em exclusivo da capacidade de abstracção do leitor para poder ser entendido.
Se começámos por dizer que um falante necessita de possuir uma
competência textual e uma competência linguística para reconhecer a
coerência e a coesão de um enunciado escrito ou oral, também é legítimo
exigir uma competência literária e cultural ao leitor que quiser interpretar um
texto anti-literário (¹ não literário) ou de textualidade literária não convencional.
Não é de desprezar o conceito de coerência dentro da filosofia,
nomeadamente no âmbito das especulações sobre a verdade, que ocuparam
pensadores como Espinoza, Leibniz, Hegel , Bradley, Neurath ou Hempel, cada
um defendendo abordagens diferentes entre si, mas todos estudando o critério
da verdade a partir do conceito de coerência. Bohdan Chwedenczuk (1996:
p.335) resume assim as principais proposições que os teóricos da coerência
discutem: 1) a coerência é o critério da verdade; 2) a coerência é uma
propriedade essencial do mundo; 3) a verdade só pode ser definida em termos
de coerência. Ora, se não há filosofia sem a coerência de juízos, também não
há teoria nem crítica literária, ou qualquer ciência que pretenda alcançar
alguma forma de conhecimento. Em termos de textualidade convencional, um
texto necessita da mesma coerência de juízos para formar sentido e poder
constituir-se como texto legível. Esta coerência pode ser aceite como critério
geral de textualidade como é aceite na avaliação filosófica da veracidade dos
juízos. O teórico da literatura só não precisa de concordar (ou de provar) que o
mundo seja igualmente coerente - tarefa das crenças ontológicas na coerência.
Ao contrário da matemática, por exemplo, a literatura não é uma rede de
verdades que consideramos verdadeiras porque é possível provar
objectivamente que são coerentes com outras verdades - em literatura, uma
verdade não implica necessariamente outra verdade, tal só deve ser possível e
lógico ao nível da textualidade pura, que exclui certos problemas
epistemológicos como a indeterminação ou a indecidibilidade, verdadeiros
inimigos da coerência, não da literatura. Por tudo isto, a coerência como critério
de textualidade só faz sentido se buscarmos uma determinada ordem
sistemática num texto, em oposição à desordem que proporciona a
ilegibilidade, cuja aceitação dependerá sempre da posição crítica do leitor.

CONTEXTO; DISCURSO; LINGUÍSTICA TEXTUAL; LITERARIEDADE;


TEXTO; TEXTUALIDADE

BIB.: A. Vilarnovo: “Teorias explicativas de la coherencia textual”, Revista


española de linguistica, 21, 1 (1991); Aleksander Szwedek: “Lexical Cohesion
in Text Analysis”, Papers and Studies in Contrastive Linguistics, 11 (1980);
Bohdan Chwedenczuk: “Coerência”, in Enciclopédia Einaudi, vol.33 (Lisboa,
1996); Carla Marello: “Text, Coherence and Lexicon”, in Janos S. Petofi (ed.):
Text vs. Sentence: Basic Questions of Text Linguistics (1979); Claude Tatilon:
“Linguistique du texte: Comment analyser la cohesion”, La Linguistique: Revue
de la Sociétè Internationale de Linguistique Fonctionnelle, 16, 1 (1980); Don
Wellman (ed.): Coherence (1981); Douglas F. Stalker (ed. & introd.): Linguistics
and Philosophy, 7, 1: Coherence (1984); Emel Sözer (ed. & foreword):Text
Connexity, Text Coherence: Aspects, Methods, Results (1985); Fritz Neubauer
(ed. & foreword): Coherence in Natural Language Texts (1983); I. Bellert: "On a
Condition of the Coherence of Texts", Semiotica 2:4 (1970); Ingedore G. Villaca
Koch: “A Articulação entre Orações no Texto”, Cadernos de Estudos
Linguísticos, 28 (Campinas, 1995); John W. Oller Jr. e Jon Jonz (eds.): Cloze
and Coherence (1994); Leonor Lopes Fávero: Coesão e Coerência Textuais
(3ªed., 1995); Lita Lundquist: “La Coherence textuelle reviseé: Une étude
pragmatique”, Folia Linguistica: Acta Societatis Linguisticae Europaeae, 25, 1
(1991); Luiz Carlos Travaglia: “Contribuições do Verbo a Coesão e a Coerência
Textuais”, Cadernos de Estudos Linguísticos, 27 (Campinas, 1994); M. A. K.
Halliday e R. Hasan: Cohesion in English (1976); Maria Elisabeth Conte, Janos
S. Petofi e Emel Sozer (eds.): Text and Discourse Connectedness (1989);
Michel Charolles: “Cohesion, coherence et pertinence du discours”, Travaux de
linguistique: Revue internationale de iinguistique française, 29 (Louvain la
Neuve, Bélgica, 1994); Michel Charolles et alii (eds.): Research on Text
Connexity and Text Coherence: A Survey (1986); Patricia L. Carrell: “Cohesion
Is Not Coherence”, TESOL Quarterly, 16, 4 (1982); Philip C. Stine: “Cohesion in
Literary Texts: A Translation Problem”, Journal of Literary Semantics, 9 (1980);
R. de Beaugrande e M. U. Dressler: Einführung in die Textlinguistik (1981);
Rachel Giora: "Notes Towards a Theory of Text Coherence", Poetics Today, 6:4
(1985); Solomon Marcus: “Textual Cohesion and Textual Coherence”, Revue
Roumaine de Linguistique, 25 (1980); T. Reinhart: “Conditions for Text
Coherence”, Poetics Today, 1, 4 (1980); W. Heydrich et alii (eds.): Connexity
and Coherence. Analysis of Text and Discourse (1989); Waldemar Gutwinski:
Cohesion in Literary Texts: A Study of Some Grammatical and Lexical Features
of English Discourse (1976).

CARLOS CEIA

Você também pode gostar