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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DAEDipÁOON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razio da
nossa esperanza a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.' visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
|JL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
'.i dissipem e a vivencia católica se fortaleca
j" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XXXV

JUNHO

1994

SUMARIO
<

5
(0 Rico em misericordia (Ef 2,4)
ai

"O amor tudo espera" (1Cor 13,7)


ai
"Jesús, o Libertador (I)", por Jon Sobrino
O
"A verdadeira vida em Deus", por Vassula Ryden
(O
<
O culto dos santos
ai
No Líbano, os maronitas
PERGUNTE E RESPONDEREMOS JUNHO DE 1994
Publicacáo mensal N9 385

Diretor-Responsável SUMAR 10
Estéváo Bettencourt QSB
Autor e Redator de toda a materia Rico em misericordia (Ef 2,4) 241
publicada neste periódico
Carta Pastoral dos Bisposde Cuba:
"O amor tudo espera" (1Cor 13,7).... 242
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB Teología da Libertacáb:
"Jesús, o Libertador (I)", por Jon
Administracao e distribuicao: Sobrino 252
Edicoes "Lumen Christi" Locucoes Interiores:
Rúa Oom Gerardo, 40 - 5? andar - sala 501 "A verdadeira vida em Deus", por
Tel.: (021) 291-7122
Vassula Ryden 266
Fax (021) 263-5679
Elucidando:

Endereco para correspondencia:


O culto dos santos 273

Ed. "Lumen Christi" Quem sao?


Caixa Postal 2666 No Líbano, os Maronitas 281
Cep 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ

tmpressao e Encadernacáo

"MARQUES SAfíAIVA "


GRÁFICOS E EDITORESS.A.
Tels.: (0211273-9498 / 273-9447

NO PRÓXIMO NUMERO:

"Sede solidarios com os santos ñas suas necessidades" (Rm 12,13). - "Há outro
Cristo?". — Aínda a Ordenacao de Mulheres. — Uma vi'tima escreve. — Católico e
Magom? — D. Alvaro del Portillo e sua Obra.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

ASSINATURA ANUAL PARA 1994


(12 números 13,00 URV's - n? avulso ou atrasado 1.30 URV's.

.O pagamento poderá será sua éscolha:.


1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bentodo Rio de Janeiro, cruza
do, anotando no verso: "VÁLIDO SOMENTE PARA DEPÓSITO na conta do favoreci
do" e, onde consta "C6d. da Ag. e o N? da C/C", anotar: 0229 - 02011469-5.
2. Depósito no BANCO DO B RASI L, Ag. 0435-9 Rio C/C 0031-304-1 do Mosteiro de S. Ben-
to do Rio de Janeiro, enviando a seguir xerox da guia de depósito para nosso controle.
3. VALE POSTAL pagável na Ag. Central 52004 - Cep 20001-970 - Rio.
Sendo novo Assinante, é favor enviar carta com nome e endereco legfveis.
Sendo renovacao, anotar no VP nome e enderepo em que está recebendo a Revista.
C e m v r? a U

RICO EM MISERICORDIA
A-SS-
(Ef2,4)

0 mes de junho é, pela piedade católica, dedicado ao Sagrado Cora-


cao de Jesús.
O coracao vem a ser, para os semitas, o símbolo do amor... e do
amor compassivo, misericordioso, como so Deus o pode ter. — Para expri
mir a misericórdia-compaixáb, a Escritura usa a palavra hebraica rahamim;
esta significa a adescfo espontánea de urna pessoa a outra. Tem sua sede no
seio materno (rehem), como insinúa o caso da mulher cujo filho o reí Sa-
lotnSo mandou partir ao meio: "Suas entranhas se comoveram por causa
do filho".. Também tem sede ñas entranhas de um pai, como" se depre-
ende de Jr 31, 20: "Minhas entranhas se comovem por Efraím, por ele
transborda minha ternura" ...- ou ainda ñas entranhas de um irmao:
"José apressou-se em sair, porque suas entranhas se comoveram por seu
irmáo Benjamim e as lágrimas Ihe vinham aos olhos" (Gn 43,30).
A. misericordia de Deus, no Antigo Testamento, é associada a outra
atitude do Senhor, expressa pelo hebraico hesed, que significa também
piedade, mas inclui a idéia de fidelidade. Isto quer dizer que o amor de
Deus para com os homens nao é algo de passageiro ou ilusorio, como o
.amor dos homens, mas é firme e lúcido como so em Deus pode existir. Ele
pode dizer com toda a razáo: "Forte como a morte é o amor... As aguas
da torrente jamáis poderao apagar o amor, nem os rios afogá-lo. Quisesse
alguém dar tudo o que tem para comprar o amor... seria tratado com des-
prezo"(Ct8,6s).
O vocábulo portugués misericordia (derivado do latim) faz ressoar o
pensamento dos semitas. Com efeito; misericordia significa "ter um cora-
cao (cor, cordis) voltado para a miseria ou capaz de entender o mísero e
a criatura frágil".

Assim se vé que a revelacao que Deus faz de Si ñas Escrituras Sagra


das, longe de sugerir a figura de um Deus irado e justiceiro, é, mesmo no
Antigo Testamento, altamente reconfortante. Traz-nos a imagem do pai
e da mae, que amam seus filhos, porque Ihes querem bem,... e amam com
aquela paciencia e longanimidade que definem o genuino amor, o amor
que ná"o volta atrás, pois Deus ná"o pode ser Sim e Nao ao mesmo tempo
(cf2Tm2,13).
Ora, o CoracSo de Jesús, cultuado especialmente depois que o janse
nismo nos sáculos XVI I/XVI 11 quis incutir a idéia de um Deus distante dos
homens, é o símbolo do amor de Deus, que, para se doar as criaturas, quis
pulsar através de unf coracáfo humano assumido no seio de María Virgem.
Todos os anos Ele convida as suas criaturas a repensar sobre a verdadeira
face de Deus; Ele espera o filho pródigo, de bracos abertos (cf. Le
11-32); Ele espera com paciencia que a figueira estéril dé frutos, mesmo
depois de tres anos de esterilidade (cf. Le 13,5-9)!

E.B.

241
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
ANO XXXV - N9 385 - Junho de 1994

Carta Pastoral dos Bis pos de Cuba:

"O AMOR TUDO ESPERA"


(1 Cor 13,7)

Em sintese: Oí onze Bispos de Cuba escreveram urna Mensagem ao


Governo e ao povo cubano, tragando em linhas realistas a problemática
que o país atravessa, e propondo pistas de solucao, que comecam pela re-
conciliacao dos homens entre si; em vez do odio, o amor reine, estreitan-
do todos os cidadaos de Cuba na co/aboracao em prol da patria. O do
cumento é muito claro ao repetir a ideología reinante e os males físicos e
moráis que e/a tem causado, mas nao agride pessoas; antes, usa de tom se
reno, mais apto a convencer do que as acusacoes. Observa que, em vez de
procurar os porqués da situacao presente, mais vale procurar os para qués;
os porqués levam a denuncias e atritos, ao passo que os para qués suscitam
a esperanca. Possam todos os cubanos, mesmo os prísioneiros e os volunta
riamente exilados, ser chamados a trabalhar juntos pela reconstrucao da
patria. O documento é be/o e digno;contudo, parece terprovocado novas
represalias do Estado contra a Igreja.

* * *

É notorio o quanto a nacao cubana está sofrendo sob um regime to


talitario, que suprime a liberdade dos cidadaos. Os onze Bispos de Cuba,
após longo silencio, resolveram, aos 8/9/93, publicar urna Mensagem aos
Governantes e a todos os cidadaos cubanos, em que abordam, de mane ira
equilibrada e, ao mesmo tempo, corajosa, a situacao do país e sugerem
providencias indispensáveis para que se resolvam os respectivos problemas.

. Visto que o texto é longo, publicaremos, a seguir, apenas as seccoes


do mesmo mais significativas e ¡nteressantes para todo e qualquer leitor. O
título soa: "El Amor todo lo espera" (1Cor 13,7), pois o documento ape
la para o amor como principal fator de reconstituicao da vida nacional.

242
"O AMOR TUPO ESPERA"

O TEXTO

"O Amor vence o údio

15. Quando vozes abalizadas da Nació disseram que a Revolucao é


magnánima, alegramo-nos por estar tal idéia no horizonte daqueles que di-
rigem o país, pois assim é possível infundir a esperanca de que se torne
mais quente o pensamento e o vocabulario que orientam a vida do nosso
povo. Pois o odio nSo é urna forca construí ¡va. Quando o amor é o odio
lutam, quem perde é o odio. 'Quando tendo ao desespero, diz Gandhi,
lembro-me de que na historia a verdade e o amor sempre acabaram triun
fando'. Através do tempo, o único amor que sempre perdeu, a breve ou a
longo prazo, foi o amor próprio.

16. Todos desejamos - e nesta ¡ntencSo rezamos sempre - que em


Cuba reine o amor entre os seus f ilhos, um amor que cicatrize tantas fe-
ridas abertas pelo odio, um amor que estreite todos os cubanos num mes-
mo abraco fraterno, um amor que faca chegar a todos a hora do perdió,
daanistia, da misericordia. Um amor, enfim, que faca da felicidade dos ou-
tros a sua própria felicidade.

17. Do fundo bíblico latente no pensamento de Martí nascem estas


suas palavras: 'A única leí da autoridade é o amor', 'triste patria seria aque-
la que tivesse o odio por sustentáculo', 'O amor éa melhor lei'...

A Missao da Igreja

19. Nos, pastores da Igreja, nao somos políticos, e bem sabemos que
isto nos limita, mas também nos dá a possibilidade de falar a partir do te-
souro que o Senhor nos confiou: a Palavra de Deus expl¡citada pelo Magis
terio e a experiencia milenar da Igreja. Permite-nos também falar sobre o
único objeto que nos corresponde: a contribu icSo da Igreja para o bem de
todos no plano espiritual e humano. E falar na linguagem que nos é pró
pria: a do amor cristao. A Igreja nao pode ter um programa político, por
que a sua esfera é outra, mas a Igreja pode e deve proferir seu juízo moral
sobre tudo aquilo que seja humano e desuma no, guardando sempre o res-
peito á autonomía de cada setor... Nao nos identificamos com nenhum
partido, aglomeracao política ou ideología, porque a fé nSo éurna ideolo
gía, embora estas nlo sejam indiferentes á Igreja na medida em que tém
um ccnteúdo ético. Nossos pontos de vista nSo estao relacionados com al-
gum modelo político, mas interéssa-nos saber o grau de humanidade que
os modelos políticos conten. Falamos, pois, sem compromissos e sem
pressSo de quem quer que seja... .

243
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

A quem dirigimos esta Mensagem

21. Falamos a todos, tambán aos políticos, ou seja, a todos os que


estao constituidos no difícil servico da autor ¡dade e aos que ai nao estao,
mas aspiram, dentro ou fora do país, a urna participapao efeth/a ha vida
política nacional. Falamos como cubanos a todos os cubanos, porque en
tendemos que todos os cubanos devemos resolver juntos as d'if iculdades de
Cuba.

Nossas relacoes com outros países

22. Na historia deste sáculo e em f ins do sáculo passado, tivemos as


tristes experiencias de intervencoes estrangeiras em nossos assuntos nacio-
nais. Em nossa historia mais recente aconteceu-nos o mesmo. Frente a al-
gumas realidades negativas que nos legaram Governos anteriores, procura
mos a sol upa o de nossos problemas lá onde el es nao tinham origem e junto
a quem desconhecia nossa real ¡dade por encontrarle distante de nossa
área geográfica e alheia á nossa tradipao cultural. Foram travadas al ¡ancas
políticas e militares e se pactuaram convenios comerciáis.

23. Nao é de estranhar agora que alguns dos nossos atuais obstáculos
provenham dessa estreita dependencia que nos levou a copiar estruturas e
modelos de comportamento. É o que explica a repercussao que teve entre
nos a queda, na Europa Oriental, do socialismo real.

24. Ao mesmo tempo, nos, atetados pela política de bloqüeio que


prevaleceu nos últimos decenios, sofremos o embargo norte-americano,
restricoes comerciáis, ¡solamente, ameacas, etc....

27. Por conseguinte, em nossa historia recente há dois elementos sig


nificativos: a ajuda de alguns estrangeiros e a interferencia de outros es-
trangeiros. No meio está o povo cubano, que luta, trabalha, sofre por um
amanhá que se afasta cada vez mais. Nesta situacao, muitos parecem que
rer aliviar seus sofrimentos partindo para o estrangeiro, se o podem, e, se
nao o podem, idealizam fanáticamente tudo o que é estrangeiro ou fogem
simplesmente da realidade numa especie de exilio interno. Hoje se reco-
nhece que aqueles cubanos.que podem ajudar no plano da economía, sa*o
precisamente aqueles que nos tornamos estrangeiros. Nao seria melhor re-
conhecer que eles também tém o legítimo direito e dever de trazer solu-
poes, por serem eles cubanos? Como poderemos dirigir-nos a eles para pe
dir sua ajuda se nao criamos primeiramente um clima de reconciliacao en
tre todos os filhos do mesmo povo?

244
"O AMOR TUDO ESPERA"

Tudo pode resolver-se entre cubanos

28. Nos, cubamos, é que temos de resolver os problemas entre nos,


dentro de Cuba. Somos nos que temos de perguntar-nos seriamente: por
que há tantos cubanos que querem ir embora, e se vio, da sua patria?
Por que, dentro da sua própria patria, alguns renunciam á sua cidadania
para pleitear urna cidadania estrangeira? Por que profissionais, trabalha-
dores, artistas, sacerdotes, esportistas, militares, militantes ou gente anó
nima e simples aproveitam qualquer saída temporaria, pessoal ou oficial,
para permanecer no estrangeiro? Por que é que o cubano sai da sua térra,
sendo tradicional mente ta*o caseiro que, na época colonial, nao havia para
ele castigo mais penoso do que a deportacao, 'o indef ¡nivel desgosto', co
mo o chama Martí, que também diz que 'um homem fora da sua patria é
como urna árvore no mar'...?

Por que, enfim, nao tentar resolver nossos problemas juntamente


com todos os cubanos, a partir da nossa perspectiva nacional, sem que al-
guém pretenda erguer-se como único defensor de nossos interessesou em
arbitro para nossos problemas, com solucoes ñas quais, as vezes, parece
que os únicos que perdem sao os cubanos?

A situacSo de nosso País

30. ... As coisas nao vao bem. Este tema está ñas rúas, no ámago do
nosso povo.- Há descontentamente, incerteza, desespero na populacao. Os
discursos oficiáis, as man'rfestacoes pelos meios de comunicacao social, os
artigos da imprensa o comentam um pouco, mas a deteriorado é rápida
e progressiva, e a única solucao que parece apresentar-se éa de resistir, sem
que se possa prever a duracao dessa resistencia.

31. Trinta e quatro anos sao um período suficiente para se ter urna
visto nao apenas da conjuntura momentánea, mas também da historia de
um processo que nasceu cheio de promessas e ideáis, dos quais alguns
foram alcancados, mas nos quais, como tantas vezes acontece, a realidade
nao coincide com a idéta que déla tínhamos, porque nao é possível adap-
tá-la sempre aos nossos sonhos.

No plano económico, as necessidades materia¡s elementares chegaram


a extrema gravidade. O solo belo e fértil da nossa ilha, a Pérola das Anti-
Ihas, deixou de ser a mae-terra, cansada que está e incapaz de alimentar
seus filhos com as duascolheitas anuais dos frutos.:. e das frutas que tor-
naram célebre o nosso solo fértil. O pcvo pergunta como é possível que es
tas coisas escasseiem e custem tao caro. O que se diz do setor agrícola, po-
de-se dizer também de outros setores e servicos...

245
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

A Oissolucio da Moral

37. Outro aspecto a o qual devemos dar atencao é a deterioracSo do


clima moral em nossa patria. Os país, as m3es, os sacerdotes, os educado
res, os agentes da ordem pública e as autoridades se sentem muitas vezes
desconcertados pelo incremento da delinqüéncia:roubos,assaltos,alastra-
mento da prostituido e a violencia por motivos geralmente desproporcio
náis. Tais comportamentos, nSo raro, sSo a manifestacáo de uma agressh/i-
dade reprimida, que gera inseguranca pessoal ñas rúas e até nos lares.

38. As carencias materia¡s maís elementares (alimentos, remedios,


transportes, energía elétrica. . .) favorecem um clima de tensao que, em
certos momentos, nos faz estranhar o cubano, que é, por sua índole, pací
fico e cordial. ExplosSes de violencia irracional comecam a produzir-se em
aldeias e cidades. Dirigimos um caloroso apelo ao nosso povo para que nao
sucumba á perigosa tentacao da violencia, que poderia gerar males ma ¡ores.

39. Os elevados índices de alcoolismo e de suicidio revelam, entre ou-


tras coisas, a presenca de fatores de depressfo e de fuga da realidade. Os
meios de comunicacáfo social reconhecem, por vezes, esses fatos, mas nao
sempre tocam o ámago das causas e dos remedios. Sem dúvida, é muito di
fícil conseguir um clima moral se se tomam por base valores relativos enáTo
o Absoluto. Mas é necessário que também nos perguntemos serenamente
em que medida a intolerancia, a permanente vigilancia, a repressao, vao
acumulando uma reserva de agressividade nos ánimos de muita gente, dis
posta a pular diante do mínimo estímulo. Com mais medidas punitivas
nao se conseguirá senSo aumentar o número dos transgressores, como bem
sabem os país de familia. É muito discutível o valor do castigo para huma
nizar, principalmente quando este rigor se exerce contra asconviccoes po
líticas dos cidadáos.

40. Queremos, portanto, dirigir também um insistente apelo a todas


as instancias de ordem pública para que nSo cedam aos falsos recursos da
violencia. Repetirnos: eremos que é possível enfrentar os problemas com
serenidade e no clima de cordialidade que, de modo geral, nos tem carac
terizado como povo.

Os Valores da nossa Cultura

41. Tém sido grandes os esforcos realizados, nestes últimos anos, para
promover a cultura nacional. Mas, por outro lado,está"o-se perdendo valores
fundamentáis da cultura cubana. Uma das perdas mais sensíveis é a dos va
lores familiares. A ruptura da familia é a ruptura do que há de mais sagra
do. A familia deíxou de ter uma unidade sólida para fragmentar-se doloro-

246
"O AMOR TUDO ESPERA"

sámente: escolas no campo, jovens separados do lar, homens e mulheres


trabalhando longe de casa, tanto fora como dentro do país, etc.

42. Os casamentos prematuros sao um sinal de pouco equilibrio so


cial; os divorcios aumentam em termos alarmantes, colocando o ponto fi
nal a un ¡oes que deveriam durar por toda a vida. Mais da metade dos que
sé casam, separam-se pouco tempo depois; há muitos filhos sem pais. A
reducao da mortalidade infantil éum éxito da Saúde Pública Cubana, mas
a mortalidade por abortamento de criancas, que, antes de nascer, morrem
no lugar mesmo onde se consideravam mais seguras ou no seio materno,
é assombrosa, principalmente entre jovens de idade escolar. Apesar destes
fatos negativos, na familia está o eixo do presente e do futuro de Cuba.
Portanto, se queremos urna patria feliz, estamos todos comprometidos pa
ra proteger e promover os valores da familia.

'A Verdade vos fará livres' (Jo 8,32)

43. Devemos também refletir sobre a veracidade. A Convocacao para


o IV Congresso do Partido Comunista de Cuba fez um apelo muito nítido
para erradicar o que chamam moral dupla, unanimidade falsa, simulacSo e
sufocacSb de opinioes. Certamente um país onde vigoram tais atitudes,
nao é um país sadio nem completamente livre; torna-se aos poucos um
país cético, desconfiado; por isto, querendo que surja um homem novo,
podemos encontrar-nos com um homem falso.

44. Todo homem tem dire'rto, no que diz respeito á vida pública, a
que a verdade completa Ihe seja apresentada; quando isto nao acontece,
inicia-se um processo, em cade ¡a, de boatos, zombarias, piadas, ás vezes
desrespeitosas, que podem ser a válvula de escape do que está reprimido
no íntimo das pessoas. 0 pleno cultivo da verdade é condicao de líber-
dade.

Os Aspectos Políticos

45. A gravidade da situacao económica de Cuba também tem implica-


coes políticas, pois o político e o económico esta*o em estreita relacao
mutua.

46. Parece-nos que na vida do país, juntamente com certas mudancas


económicas, que comecam a ser postas em prática, se deveriam erradicar
algumas normas políticas irritantes. Daí resultariam um alivio indiscutível
e urna fonte de esperanca na alma nacional:

247
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 365 1994

47.1) O caráter excludente e onipresente da ideología oficial, que im


plica a sinonimia de termos que nüo podem ser unívocos, tais como: Pa
tria e socialismo. Estado e Governo, autoridade e poder, legalidade e mora-
lidade, cubano e revolucionario. Este papel centralizador e absorvente da
ideología produz o cansaco diante das repetidas orientacoes e programa-
c5es.

48.2) Os limites impostos ao exercfcio nao somente de certas liber-


dades (o que poderia ser admissfvel em caráter transitorio), masa própria
liberdade. Urna mudanca substancial dessa atitude garantiría, entre outras
coisas, a administrado da justica independente. Isto nos encaminharia, so
bre bases estáveis, para a consol idapao de um Estado de pleno direito.

49.3) 0 excessh/o controle dos órgaos de seguranca do Estado, que


chega, as vezes, até a vida estrítamente privada das pessoas. Assim se expli
ca esse medo que nao se sabe de qué, mas que se senté...

50.4) O elevado número de prisioneros por acoes que poderiam ser


despenalizadas ou reconsideradas, de modo que se pusessem em liberdade
muitos que cumprem penas por motivos económicos, políticos ou seme-
I han tes.

51.5) A discriminacao, por razoes filosóficas, políticas ou religiosas.


Eliminada esta, favorecer-se-ia a participacao de todos os cubanos, sem dis
tinca o, na vida do país...

O melhor caminho: o diálogo

60. Nenhuma realidade humana é absolutamente inquestionável. Te


mos de reconhecer que em Cuba há criterios diversos para julgar a situa-
cSo do país e suas possíveis solucoes; sabemos que o diálogo se está reali
zando a meia-voz ñas rúas, nos centros de trabalho, nos lares. É evidente
que os caminhos que levam á reconciliacao e á-paz, como o diálogo, tém
inegável respaldo popular e, além disso, gozam de muita simpatía e pres
tigio.

Um diálogo entre cubanos

61. O cubano é um povo sabio, nSo apenas pela sabedoria que pro
cede dos livros, mas por essa outra sabedoria que vem da experiencia da vi
da. Por isso, deseja um diálogo franco, amistoso e livre, no qual cada um
expresse seu modo de sentir... Um diálogo nao para acertar con tas, apu
rar responsabilidades, reduzir ao silencio o adversario,... mas para deixarr
nos interpelar. Com a forca podemos vencer um adversario, mas perdemos

248
. "O AMOR TUPO ESPERA" _9

um amigo; é melhor um amigo ao lado do que um adversario no chao.


Um diálogo que passe pela,misericordia, a anistia, a reconciliacao, como
quer o Senhor, que 'reconciliou os dois povos com Deus, unindo-os num
só Corpo por meio da Cruz e destruíndo a inimizade' (Ef 2,16).

62. Um diálogo nao tanto para averiguar os porqués, mas, sim, os


para qués, pois todo porqué descobre sempre urna culpa, e todo para qué
traz sempre consigo urna esperanca. Um diálogo nao sonriente de compa-
nheiros, mas de amigos a amigos, de irmaos a irmaos, de cubanos a cuba-'
nos que somos todos, de cubanos que, talando, se entendem; pensando jun
tos, seremos capazes de chegar a compromissos aceitáveis.

63. Um diálogo com interlocutores responsáveis e livres e nao com


quem, antes de talar, já sabemos o que vai dizer, e, antes que o outro ter
mine, já tem a resposta pronta...

65. Em Cuba há um só Partido, urna só imprensa, urna só televisao.


Mas o diálogo a que nos referimos deve levar em conta a diversidade de
meios e de pessoas...

68. . . . Nao esquecemos quantos problemas de El Salvador, Nicara


gua, Argentina, Chile e da guerrilha da Colombia terminaram em concor
dia para o bem do povo mediante um diálogo em que ninguém perdeu e
todos ganharam. Há países ¡rmaos, dos quais temos certamente muito que
evitar, mas também muito a aprender...

Urna reflexao necessária

70. Dirigimo-nos ao nosso povo em geral, com o qual nos sentimos


solidarios nos sucessos e nos fracassos, no bem e no mal. Nosso pensamen-
to se volta agora para aqueles que foram levados ás aguas batismais e per-
maneceram fiéis á fé em circunstancias dificéis. Nosso pensamento se volta
também para os que abandonaran! a fé ou a prátjca da fé, mas que a Igreja,
Ma"e pelo Batismo, traz em seu seio com amor materno. Volta-se igualmen
te para aqueles que na*o receberam o Batismo, mas sao chamados pelo Se
nhor a formar, em Cristo, urna só alma e um só coracSo. Oestes últimos so
mos irmaos pela linhagem humana e em virtude da cidadania cubana que
nos faz a todos filhos desta térra.

73. Bem conhecemos os sofrimentos, ás vezes desnecessários, acumu


lados no coracSo de tanta gente que parece já nSo agüentar, seja por causa
dos desgostos que padecem para realizar seus trabalhos cotidianos, seja por
causa da extrema carencia de bens elementares. Conhecemos a dor causada
a tantos cubanos pelos grandes lutos da Nacao, como o dos irma*os inter-

249
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

nacionalistas que morreram em outras térras, ou o dos ¡rmaos que até hoje
morrem nos mares que cercam a nossa própría térra! Conhecemos a dor
dos prisioneiros e das suas familias e o sofrímento daqueles que estSo
longe.

74. Ao escrever esta mensagem, compartilhamos o penar daqueles an-


ciaSs atetados, em muitos casos, por carencias materiais ou pela ausencia
definitiva de seus familiares, que torna mais dura a sua solidao. Temos pre
sentes também os jovens, naturalmente cheios de ilusSes, que se sentem
freqüen temente céticos e destituidos de esperanca.

A todos queremos dizer urna palavra de alentó: a sensatez pode triun


far, a fratemidade pode ser maior do que as barreiras levantadas; a primei-
ra mudanca de que Cuba necess¡ta,é a dos coracoes: nos pusemos nossa es
peranca em Deus, que pode converter os coracoes...

Conclusáo

79. Caros ¡rmaos e amigos, ao terminar esta mensagem queremos vol-


tar ao pensamento primeiro que a inspira e motiva: o da experiencia uni
versal do amor de Deus. Esse amor que se nos revela em Cristo, pois Ele
nos manifestou a face de Deus, que é a de Jesús Crucificado, cujo coracao
aberto na Cruz nao se fechou para ninguém, nem para nos, que o temos
ofendido. Se Jesús nao nos tivesse revelado outracoisa senao esta: 'Deus
é amor' (Uo 4,8), ¡sso seria suficiente para sermos melhores e enchermo-
nos de paz e esperanca. Nao estamos plenamente certos de que amamos a
Deus como Ele o merece, mas estamos certos de que Deus nos ama como
nos nSo merecemos.

80. Pedimos ao Senhor a grapa de redigir esta mensagem em sua lin-


guagem de amor, sem fazer censura a quem quer que seja, embora questio-
nemos o modo de pensar de alguns, porque, se náfo o fizéssemos, Deus nao
abencoaria o humilde servíco que queremos prestar a quantos livrertiente o
queiram receben Fazemo-lo com ilimitada confianca no amor de Deus,
que se calou após a criacío, mas continua 'trabalhando em todas as horas'
(Jo 5,17). Ele vela sobre a sua cidade (SI 127), e também sobre Cuba, por
que o Senhor está conqsco e quer para nos o melhor. Ele tem em suas
má"os, como Senhor da historia, o coracSo de todos os homens.

■.. 82. Revitalizar a esperanca dos cubanos é um dever daqueles em cujas


maos está o governae o destino de Cuba; é também um dever da Igreja,
que está separada do Estado, como deve ser, mas nao da sociedade. Pode-
remos consegui-lo juntos, se tormos animados por urna grande vontade de

250
"O AMOR TUPO ESPERA"

ser, mas nffo sem urna disposicá"o para o sacrificio, 'amando mais inten
samente e ensinando a amar, com confianza nos homens, com a certeza da
ajuda paterna de Deus e com a forca ¡nata do bem', como dizia Paulo VI...

Com o nosso cordial e fraternal afeto no Senhor

La Habana, 8 de setembro de 1993


Os Bispos de Cuba"

* * *

O texto é claro ao expor a grave situacáo de Cuba'e propor pistas de


solucáfo. O principal problema é humano, ou seja, o dos coracoes, que sá"o
chamados a converter-se do odio ao amor e ao senso de fraternidade.
Note-se o tom sereno, que sabe repelír idéias e atitudes sem agredir pes-
soas; tal é a melhor maneira de atrair os homens mais distantes. — Há, po-
rém, noticias de que a Mensagem dos Bispos de Cuba, ern vez de encontrar
acolhida por parte das autoridades govemamentais, suscitou novas represa
lias contra a Igreja naquele país; os fiéis cristSbs de outras nacoes nao po-
dem ficar alheios a tal drama; hao de participar dele mediante a oracSó e o
envió, se possível, de géneros alimenticios, vestes, objetos de uso pessoal
as familias de Cuba.

* * *

I1MDICE DE PR 1978-1993

SAIU DO PRELO UM IÜDICE GERAL DE PR 1978 A 1993. TRATA-SE DE


UM INSTRUMENTO DE TRABÁLHO QUE FACILITARÁ A CONSULTA A PR,
EVITANDO QUE O LEITOR TENHA QUE FOLHEAR OS ÍNDICES ANUAIS PARA
ENCONTRAR A ABORDAGEM DE UM ASSUNTO QUE LHE INTERESSA. O ÍNDI
CE APRESENTA OUTROSSIM A LISTA DE EDITORIAIS E DE COMENTARIOS
DE LIVROS OCURRENTES NOS ANOS INDICADOS.

JÁ EXISTEM IftDICES ANTERIORES DE PR, INFELIZMENTE ESGOTA


DOS: O DE 1957 A 1977 E O DE 1978 A 1982. ESSES DIVERSOS ÍNDICES DE-
VEM-SE AO TRABÁLHO DE AMIGOS DEDICADOS, AOS QUAIS A DIRECÁO DE
PR CONSAGRA PROFUNDA AMIZADE E GRATIDÁO.

INFORMACÓES PODEM SER SOLICITADAS Á LIVRARIA "LUMEN CHRIS-


Tl", CAIXA POSTAL 2666, RIO (RJ), CEP 20001-970. FONE: (021) 291-7122.
RAMAL 283.

251
Teología da Libertado:

"JESÚS, O LIBERTADOR (I)'

por Jon Sobrino

Em síntese: A obra de Jon Sobrino, teólogo de El Salvador, filiado á


corrente da Teología da Libertoso, nao corresponde á doutrina da fé: en
cara Jesús á semelhanca de um profeta que ignorava o desfecho de súa mis-
sao e, por isso, nao pode reconhecer o caráter de sua morte como sacrifi
cio expiatorio pelos pecados do mundo; nem podía dar á Eucaristía o sig
nificado de perpetuacao de sua morte salvífica sob forma sacramental.
Além disso, a obra de Sobrino é marcada por urna nota fortemente dualis
ta e agressiva (por mais que o autor quéira repetir o dualismo; cf. p. 184).
Com efeito: divide a sociedade ém "reino de Deus" e "anti-reino", pro
pondo entre urna e outra faccao a /uta de c/asses e o uso da violencia (cf.
p. 318). O criterio para se ava/iar os homens seria a posse de bens mate-
riáis; esta é sempre tida como infque, independen temen te das qualidades
moráis do proprietárío. A pregacao de Jesús se tere dirigido únicamente
aos pobres de pao e dinheiro, f¡cando excluidos os ricos pelo fatomesmo
de serem ricos. Ora, isto fere as mais fundamentáis proposicSes do Evan-
gelho, para o qual o coracao do homem tem valor decisivo; está claro, po-
rém, que um coracao reto e puro saberá renunciar e despojarse sempre
que necessário, guardando em tudo as normas da fustiga e do amor. Neste
contexto, riqueza e pobreza fícam sendo a moldura que resulta de atitudes
interiores assumidas pelo homem perante Deus; se/a levado em conta o
texto das bem-aventurancás em MÍSJ3-12, que, enfátizandq qualidades
éticas, completa o de Le 6J20-26, que considera apenas situácoes óu qua-
drosdevida. . . : .< '

Saiu do prelo récentemente mais um volurrie da serie 'Teología e


Libertagao", que é urna colegió de djszenas.de volumes de .Teología para
a América Latina. Trata-sé, desta vez; de "Jesús, d Libertador (l)",« da

1 Tradugao do espanhol por Jaime Á: Ciasen— Ed. Vozes, Sao Paulo 1994, 135x
210mm,392pp. • ■

252
"JESÚS, O LIBERTADOR (1)" 13

autoría de Jon Sobrino. Este sacerdote jesuíta é de orígem basca; nasceu


em 1938; entrou na Companhia de Jesús em 1956 e transferiu-se para El
Salvador em 1957. Doutorou-se em Teologia pela Universidade de Frank-
furt (Alemanha) em 1975. Atualmente vive em El Salvador (América Cen
tral), como um dos expoentes da Teologia da LibertacSo.

A obra cristológica de Jon Sobrino compreende dois tomos: o pri-


meiro, que estamos considerando, apresenta urna "leítura histórico-teoló-
gica do Cristo que é Jesús de Nazaré"; o segundo abordará "a historia das
Cristologias e da fé em Jesús de Nazaré, proclamado como o Cristo a par
tir da ressurreicao" (p. 19).

0 tomo I está sendo propagado no Brasil e tem despertado arduas


controversias decorrentes de seu conteúdo muito característico. — Eis por
que nos voltamos para urna análise atenta da obra.

1. OS PRINCIPÁIS TRACOS DO LIVRO

Como diz o próprio autor, o livro foi escrito sob o impacto da situa-
cao social conflitiva de El Salvador, ou seja, "em meio a guerra, ameacas,
conflitos e perseguícoes. .. 0 assassinato de meus irmaos jesuítas, de Julia
Elba e de Celina deixou meu coracao gelado. .. Tanta tragedia e tanta es
peranza. . .. oferecem um poderoso horizonte hermenéutico para compre-
ender o Cristo" (4a. capa). 0 autor se refere freqüentemente a El Salva
dor, ao Pe. Ignacio Ellacuría, a Mons. Osear Romero, ti dos como referen-
dais para elaborar urna Cristologia latino-americana. Esta sé enquadra típi
camente dentro dos moldes da Teologia da Llbertacao, segundo Jon So
brino. '

1.1. Cristologia latino-americana

Diante da situacao de miseria de varías populacoes latino-americanas,


alguns teólogos propoém a confeegao de urna Teologia que responde exa-
tamente á problemática; tal sería á Teologia da Libertaclo. - Que tem esta
de específico? - .

- A ciássica Teologia sé debruca sobré a Palavra de Deus revelada na


Escritura e na TradicSo e procura aprofundá-la, sem ou tro objetivo senao
o de corripreender meihorp que ela quer dízer (este trabalho se chama
'Teología Sistemática"). De tal aprofundamento seguem-se conclusSes de
ordem ética, que constituem a 'Teologia Moral", da qual urna secao é a
Dóutrína Social .da Igreja, voltada para as questdes atinentes á organizacáo
da sodedade. Em poucas palavras: na Teologia ciássica, o Logos (a Palavra,

253
14 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

a Doutrina da fé) é primeiro e ilumina a Praxis ou a atividade moral dos


cristcíos.

Na Teología da Libertado invertem-se os fatores. O ponto de partida


é a situacao de ¡njustica em que vivem muitos latino-americanos. A neces-
sidade de transformar a soa'edade (Praxis) é premissa indiscutída, em fun-
gao da qual se faz a releitura do Logos ou da Palavra de Oeus, procurándo
se deduzir da mesma todos os elementos que confirmem e orientem o pro
pósito transformador ou quicé revolucionario.1 Donde

Teología clássica: Lógos -+ Praxis

Teología da übertacSo: Praxis -+ Lógos

Aplicando estes principios ao estudo de Cristo, os teólogos da liber-


tacao elaboram urna Crístologia que atenda ás exigencias de mudanca so
cial almejada para a América Latina. Todo o Evangelho é percorrído a par
tir da ótica sócio-económico-política, ás vezes de maneira preconcebida,
unilateral e artificial. — é dentro deste quadro que se coloca o livro de Jon
Sobrino sobre "Jesús, o Libertador".

Examinemos algumas das conclusoes a que leva a metodología de Jon


Sobrino.

1.2. O que sabemos sobre Jesús

Jon Sobrino é seguidor de Rudolf Bultmann, o principal autor da


desmitizacSo (Entmythologisierung) dos Evangelhos. Conforme esta esco
la, os Evangelhos nao nos dizem propríamente o que Jesús disse e fez, más
o que os prímeiros cristaos conceberam a respeito de Jesús. Ora, os antigos
cristábs eram grupos humanos oprimidos pelo Imperio Romano; viram em
Jesús o Libertador, que havia contestado os ricos (pp. 254-259), os escri
bas e fariseus (pp. 259-262), os sacerdotes (pp. 262-265) e as autoridades
civis do seu tempo, e nos transmitiram tal ¡magem de Jesús nos Evange
lhos. — é precisamente esta ¡magem que interessa a Sobrino e aos teólogos
da libertacáo: havería tres situacoes análogas entre si, ñas quais Jesús aparece

/ Esta afirmafao tem importancia especial se se leva em conta o seguirte: Ludwig


Feuerbach (f 1872) asseverava que o importante nSo 6 interpretar o mundo, mas
iransformá-io. Desta tese se segué o primado efe praxis ou acSo sobre areflexSo. Ora,
a posicao de Feuerbach fo) adotada (talvezcom matizas) porpensadores cristSÓs; estés
quiseram dar a primazia á acSo transformadora da soa'edade. ficando as proposites
da fé em plano secundario, dependente da praxis: para tais pensadores, "conscientiza-
cSo"'significaría "tomar o pobre mais consciente da sua dor"ou mais amargurado e,
emconseqüéncia, mais atipado para a acSo revolucionaria. -

254
"JESÚS. O LIBERTADOR (I)" 15

como o Libertador: Do pcvo judeu oprimido e as autoridades d vis e reli


giosas do tempo de Cristo; 2) as primeiras comunidades cristas, também
oprimidas, e as autoridades a'vis do sáculo l;3) as populacoes empobreci
das da América Latina e os ricos que as oprimem em nossos dias. — SSo
palavras de Jon Sobrino:

"A Crístologia latino-americana reproduz mutatís mutandis o modo


de proceder das cristologias das primeiras comunidades. Precisamente por
que nao se trata de refíetir diretamente sobre Cristo-em-si-mesmo, mas em
sua qualidade de boa-noticia, a referencia a comunidade concreta é essen-
cial...

Neste modo de proceder nao há manipu/acao de Cristo ou, pelo me


nos, em principio nao há. O próprio fato de que tanto as primeiras comu
nidades como as atuais continuem se remontando a Jesús, continuem afir
mando que a boa noticia é o que ele traz e o que ele é, aceitem as exigen
cias de Jesús, declarem-no a norma normans da libertacao e dos modos
de trabalhar por ela/mostra que nao há manipu/acao. O que existe, hoje
como ontem, é circularidade entre um Jesús que ¿para as comunidades e
urnas comunidades que se remetem a Jesús...

A crístologia só pode se desenvolver levando em conta os doispolos:


Jesús e as comunidades. Tem de ser, portanto, esencialmente crístologia
contextual, embora deva integrar também as afirmacoes dogmáticas uni-
versais" (pp. 99s).

Como se vé, o autor nao se ¡nteressa (nem eré que seja possível inte-
ressar-se) por Jesús em si mesmo (tese bultmanníana), mas vé Jesús em ter
mos existendais: quem era Ele para as antigás comunidades cristas? — A
resposta está nos Evangelhos. .. E conseqüentemente: quem é Ele para as
populacoes latino-americanas? Evangelho ou Boa-Noticia significa "a res-
posta precisa para tais e tais comunidades sofredoras", é Evangelho con
textúa! ou relativo a determinadas situacoes.

Pasemos agora á consideracao do que Jesús anundava.

■ 1.3. ApregacSbde Jesús ...

Jesús pregava a vinda do Reino deDeus. Este, conforme Sobrino,


tem sentido estritamente social. Significa o término da presente situacSo,
em que há duas classes de cidadaos: os ricos opressores e os pobtes opri
midos. O reino.é contestado pelo anti-reíno. O autor dedica algumas pá
ginas ao tema "Profecía e Anti-Reino" (pp. 239-242) e no decorrer de to
da a sua obra refere-se ás estruturas sódais vigentes outrora e hoje como

255
16 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1894

sendo o anti-reino de Deus, que o cristao, como Cristo fez, deve combater
ferrenhamente. Eis urna passagem, dentre as mais significativas:

"Jesús nSo só anuncia o reino e proclama um Deus Pai, mas tamben


denuncia o anti-reino e desmascara os fdolos. Com isso vai as rafees de
urna sociedade oprimida sob todo tipo de poder: económico, político,
ideológico e religioso. Existe, pois, o anti-reino, e Jesús — objetivamente —
mostra quais sSo suas raízes. E nao se contenta em denunciar o Maligno,
realidade trans-histórica, mas tamben seus responsáveis, realidades histó
ricas.

Nesta praxis, Jesús aparece na linha dos profetas clássicos de Israel,


como Amos, Oséias, Isaías, Jeremías, Miquéias.. .,ena dos modernos pro
fetas, como Monsenhor Romero, Monsenhor Proaño, Martín Luther
King. . . confrontado com o anti-reino e os ídolos. Sua mensagem central
é a defesa dos oprimidos, a denuncia dos opressorese o desmascaramento
da opressSo que se faz passar por boa e se justifica na reiigiao. E esta pra
xis o assemelhará aos profetas também em seu destino: o anti-reino reage
e o mata" (p. 266).

Na luta contra o anti-reino, conforme Sobrino, o decisivo nao é a


crenca religiosa de quem combate; nao há que distinguir entre ortodoxia e
heterodoxia religiosa dos que se opSem ao anti-reino, porque o valor deci
sivo nao é o Credo religioso, mas o sair em defesa das vftimas da opressSo:

"O decisivo nao é o religioso-ortodoxo, nem poderia ser... O último


e mais decisivo para Deus é fazersua vontade, que consiste em sair em de
fesa das vftimas. Assim os homens, judeus ou samaritanos, respondem a
Deus porque correspondem a sua realidade...

Nao conta o fato de a motivacao para agir ser explícitamente religio


sa — algo que está sendo feito por causa de Deus — mas o que conta é a
acao em si. E, para fechar toda e qualquer possível escapatoria, já que se
argumenta com Deus, Jesús responde: é que Deus está exatamente ai, é
que a interpelacSo da realidade é a interpelacSo de Deus" fpp. 282s).

Por isto os destinatarios do Reino de Deus ou da pregacSo de Jesús


sSo os pobres materialmente pobres, com exclusSb dos ricos (a menos que
estes se facam pobres); cf. p. 190.0 autor nao admite um rico justo, fiel a
Deus; a riqueza é sempre roubo, é sempre o empobrecimento do outro:

"O anuncio da boa-noticia aos pobres pelo mero fato de serem po


bres -sacode e abala os aticerces da religiSo. . . O reino de Deus é para os
pobres pelo simples fato de o serem. .. Deus se revela, segundo a sua pro-

256
"JESÚS, O LIBERTADOR (I)" 17

pria realidade, como parcial aos pobres pelo mero fato de serem pobres.
Essa parcialidade de Deus nos parece urna constante em sua revelacao" (p.
130).

Disto se segué que a opglo de Jesús e dos teólogos da libertacSo pelos


pobres é exeluden te ou exclusiva e nao preferencia):

"0 menos que se pode dizer da visSb de Jesús... é que a co-existén-


cía de ricos e pobres é insultante e, por isso, intolerável, e a implicacao
obvia é que os ricos devem a/udar os pobres, embora para isso tenham de
deixar de ser ricos. Mas/numa passagem pelo menos, Lucas reflete sobre a
riqueza nao só já como desumanizante e insultante e sim como 'injusta'
(Le 16J9), adjetivo que nao qualifica urna entre varias possi'veis riquezas —
como se pudesse haver riquezas justas e riquezas injustas —, mas a riqueza
como tal...

Para Jesús, portanto, a riqueza é um grave mal social e a razao intrín


seca consiste em que é injusta. Isso é claro no Evangelho de Le. De um de-
talhado estudo. desse evangelho, C. Escudero Freiré concluí que os ricos
sao 'opressores dos pobres' e as situacoes de pobreza sao 'causadas pelo
homem opressor'. E, dito com simp/icidade, lembremos que na única pas
sagem dos sinóticos em que aparece a conversado de um rico, Zaqueu (Le
19,1-10), Jesús se alegra com isso, mas nao por causa da boa acolhida que
teve, nem antes de Zaqueu prometer restituir o que roubara. Zaqueu deixa
de ser o homem maldito, porque deixa de ser o homem rico opressor" (p.
257).

Estas palavras fazem eco exato áo conceito de riqueza formulado por


Karl Marx. A pregacáo de Jon Sobrino, tomada ao pé da letra, leva a ins
taurar uma sociedade marxísta.

Após haver examinado o conceito de Reino de Deus e o teor da pre


gacao de Jesús conforme Jon Sobrino, perguntamos:

1.4. E quem é Jesús?

0 autor nao pretende negar a fórmula do Concilio de Calcedonia


(451), segundo o qual em Jesús hávia uma só Pessoa (divina) e duas natu-
rezas (a divina e a humana), mas parece reduzir Jesús á qualidade de mero
profeta que desempenha sua missSo combativa (contra os ricos), suspeita
que será, por isso, condenado á morte, mas ignora o desfecho de sua vida.
Julga mesmo que o Reino de Deus ocorrerá em sua plenitude depois de
terminada a missSo messiánica que Jesús está a cumprir:

257
18_ "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

"Deus se torna enigma para Jesús quando se reserva absolutamente o


día da vinda do reino que Jesús acreditava próximo. Deus se faz misterio
quando sua vontade vai além da lógica do reino e requer um sofrimento
impensado e finalmente exigirá a cruz. Deus se tornará escándalo para Je
sús quando este na cruz escutar seu silencio" (p. 235).

Em conseqüéncia, Jesús ignorava o sentido de sua morte como sacri


ficio expiatorio:

"O Jesús histórico nao interpretou sua morte de maneira salvifica se


gundo os modelos soteriológicos que, depois, o Novo Testamento e/abo-
rou:sacrificio expiatorio, satisfacao vicaria..."(p. 296).

"Pode-se dizer que Jesús vai para a morte com con f¡anca e a vé como
último ato de sen/ico, antes á maneira de exemplo eficaz e motivante para
os outros do que á maneira de mecanismo de salvacaopara os outros. Ser
fiel até o fim, isso é ser humano" (p. 299).

A p. 348 Sobrino abona um texto de J. Moltmann, autor protestante:

"Jesús, como ninguém antes dele em Israel, tinha pregado a proximi-


dade do reino de Deus, demonstrando-a como gratuita, nao condenadora,
mas salvadora para os insalváveis, rejeitados e odiados... Alguém que vivía
tao perto de Deus. . . nao podía entender sua entrega á morte maldita na
cruz meramente como um infortunio, como um mal-entendido humano
ou como urna última prova, mas teve que experimentá-la como abandono
por parte precisamente do Deus ao qual Ele se atreverá a chamar 'meu
Pai'."

Lógicamente, segundo Sobrino, Jesús nao pode dar á Eucaristía o


sentido de "sacrificio da Cruz perpetuado sobre os nossos altares de forma
sacramental". Se atualmente a Igreja professa tal ñoclo de Eucaristía, isto
se deve á interpretado que os Apostólos deram aos acontecí mentos fináis
da vida de Jesús. Na verdade, segundo Sobrino, as narracóes da última ceia
nos Evangelhos, sao "teologizadas":

"A compreensSo sa/vífíca da cruz de Jesús é que desenvolveu tam-


bém as narragoes da última ceia, ¡á teologizadas. Por um lado, aspalavras
de Jesús sobre o cálice sao interpretadas na linha sacrifica/ como urna acao
em favor dos homens, sangue 'derramado por vos', afirmam os tres sinóti-
cos, ao que Mt acrescenta 'para o perdió dos pecados'. Mas, por outro la
do, os tres sinótícos e 1 Cor 11^25 explicitam que esse sangue é o que pro-
duz urna alianca entre Deus e os homens, nova e definitiva" (p. 327).

258
"JESÚS. O LIBERTADOR (I)" ]9

Á p. 159 o autor apresenta a Eucaristía, sem mais, como a mesa com


partí I ha da ou testemunho de fraternidade entre os homens:

"Oí pobres sSo peritos em sofrimemos inenarráveis, mas muitos deles


nao sucumbem á tristeza. Tém a capacidade de celebrar o quejáhá de si-
nais benéficos e libertadores. E celebran) em comunidade, como Jesús, em
volta de urna mesa. A mesa compartíIhada continua sendo o grande sinal
do reino de Deus. Assim disse o P. Rutilio Grande SJ em sua famosa homi
lía de Apopa em fevereiro de 1977, poucas semanas antes de ser assassi-
nado:

V Senhor Deus, em seu plano, deu-nos um mundo material, como


esta missa material, com o pao material e com o cálice material que eleva
mos em brinde a Cristo. Urna missa comum com toa/has grandes para to
dos, como esta Eucaristía. Cada um com seu banquinho e que para todos
haja mesa, toa/ha e alimentos. Cristo, aos 33 anos, celebrou urna ceia de
despedida com os mais íntimos e disse que esse era o grande memorial da
redencao. Urna mesa partilhada na fraternidade, na qual todos tenham seu
posto e seu lugar. .. É o amor da fraternidade partilhada que rompe epoe
abaixo todo tipo de barreiras, preconceitos, e há de superar o próprio
ódio"(p. 159).

Este texto, por mais belo que seja do ponto de vista humano, silen
cia o principal da Eucaristía, que é a perpetuacao do sacrificio de'Cristo.

Estes traeos do livro de Jon Sobrino oferecem urna nocao suficiente


mente clara do pensamento do autor ou do tipo de Cristologia que ele
apresenta. Os mesmos dados nos sugerem algumas reflexoes.

2. REFLETINDO...

Sao tres os pontos que mais atencao parecem merecer.

2.1. Práxis-Lógos ou Lógos-Práxis?

0 próprio método da Teología da Libertacao, como tal, já é critícá-


vel, pois submete o aprofundamento da Palavra de Deus a determinada
premissa, á qual a Teología deve servir. Na verdade, a Teologia é ciencia
que se subordina tao somente ao saber de Deus, do qual ela é unía partí-
cipacáfo, como ensina S. Tomás de Aquino (cf. Suma Teológica I, qu. 1,
art. 2). Ela recorre a ciencias auxiliares como a Filosofía, a|Lingüística, a
Arqueología, a Historia, mas tem como objetivo único conhecer melhor
a Deus e seu plano salvífico. Está claro que, entre as conclusoes de ordem

259
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

prática deste conhecimento, está o dever moral de tornar a sociedade dos


homens mais justa e fraterna. Este ditame é imperioso, porque decorrente
da própria Revelacao Divina. Nao é necessário que o cristáo recorra a ins
tancias filosófico-materialistas para se convencer de seus deveres sociais.

Com outras palavras: é despropositado ler a S. Escritura a partir da


ótica do pobre, do homem latino-americano ou mesmo. . . da mulher. ..
Qualquer destas atitudes significa estreitar os horizontes da mensagem bí
blica, se nao mesmo distorcé-la. A Constituí cao Dei Verbum n? 12, do
Concilio do Vaticano II, diz-nos que "a S. Escritura há de ser I ¡da e inter
pretada segundo o Espirito que a escreveu"; isto implica que, "para apre-
ender com exatidao o sentido dos textos sagrados, se deve atender com
nao menor diligencia ao conteúdo e á unidade de toda a Escritura, levadas
em conta a Tradicao viva da Igreja toda e a analogía da fé" (ib.).

Em conseqüéncia, vé-se que o binomio Práxis-Lógos deturpa o con


teúdo da Escritura, pois de antemao define as conclusoes a que o teólogo
deve chegar. Mantenha-se a ordem clássica "Lógos-Praxis" e certamen te os
pobres nao serao menos bem considerados, como atestam as encCdicas da
Ooutrína Social da Igreja, que vém acompanhando a evolugáo da questao
social desde 1891 (Rerum Novarum de Leáo XIII).

A propósito da Teología da Libertaca'o ver

Congregacáb para a Doutrina da Fé, Instrucao sobre alguns aspectos


da Libertacao (Libertatis Nuntius).Cidade do Vaticano, 1984.
Instrucao sobre a Liberdade Crista e a Libertacao. Cidade do Vati
cano, 1986.

Paschoal Rangel, Teología da Libertacao, Belo Horizonte, 1989.

2.2.0 Reino de Deus e os Pobres

O Reino de Deus é aberto a todos os homens indistintamente: todos,


ricos e pobres, sá"o chamados a ele, desde que se queiram converter ou fazer
metánoia, mudanca de mentalidade e, conseqüentemente, abandonem
qualquer tipo de vida desregrada.

A pobreza e a riqueza, materialmente entendidas, sao algo de neutro


no plano ético. O fato de alguém ser pobre nao é garantía de comunhao
com Deus, nem o fato de ser rico priva dessa comunhao, desde que oseja
honestamente. Sao, sim, as qualidades moráis que recomendam ou nao o
homem a Deus. Por isso, as bem-aven tu rangas, em Mt 5,3-12, tomam ca-
ráter nítidamente ético, completando e precisando o teor das bem-aventu-

260
JESÚS. O LIBERTADOR (I)" 21

rampas em Le 6, 20-26): "Bem-aventurados os pobres em espirito. Bem-


aventurados os que tém fome e sede de justica. Bem-aventurados os man
sos, os misericordiosos, os puros de coracao, os pacíficos, os perseguidos
por causa da justica...".

Jesús teve amigos da alta sociedade judaica, aos quais nao pediu que
abandonassem a sua riqueza: assim Nicodemos (cf. Jo 3,1; 19,39), José de
Arimatéia (cf. Jo 19,38), as mulheres mencionadas em Le 8,1-3; Lázaro,
Marta e María (Le 10,38-42) nao parecem ter sido pobres. Sao Paulo faz
recomendacóes aos cristáos "ricos deste mundo" (1Tm 6,17-19), mas nao
manda que se tornem materialmente pobres. Por conseguínte, a opcao que
os Bispos fizeram pelos pobres em Medellfn (1968), Puebla (1979) e Santo
Domingo (1992) nao é exeluden te, nem exclusiva; é preferendal no senti
do de que o pobre parece ser o destinatario mais carente da Boa-Nova do
Evangelho. Mesmo assim é de notar que o conceito de pobre nos documen
tos de Puebla e Santo Domingo é ampio: pobres sao todos aqueles que ca-
recem. . ., sendo que os pobres, materialmente falando, merecem especial
atencao porque nao somente carecem, mas geralmente nao possuem os re
cursos culturáis e humanos para sair da sua carencia.

Nesta aceppao, "pobres" sao também aqueles que, embora possuam


bens materiais, carecem de bens espirituais ou de orientacao e sentido de
vida; sao aqueles que experimentara o desánimo e o desespero dentro de
habitacoes luxuosas. . .; os que procuram urna resposta para seus anseios
no libertinismo, na droga, no prazer desenfreado. . .; sao os que se entre-
gam ao crime porque nunca tiveram a educacáfo que pai e mae oferecem de
maneira insubstitufvel. . . 0 próprío documento de Puebla (DP) explica a
sua concepcao de "pobre", que, no caso, independe de con di cao social.
Assim, por exemplo, se lé em tópicos diversos:

"Preocupam-nos as angustias de todos os membros do povo, quaiquer


que se/a a sua condicao social: sua solidao, seus problemas familiares, a fal
ta de sentido que nao poucos véem na vida. E mais especialmente quere
mos noje compartilhar as angustias que nascem de sua pobreza" (n9 27).

"Angustias provocadas pela violencia da guerrilha, do terrorismo e


dos seqüestros, efetuados por extremistas de sinais diversos, que compro-
metem igualmente o convivio social" fn9 43).

"Os Religiosos. .. acompanham os que sofrem por causa da injustica,


por causa da falta do senso profundo da existencia humana e por causa da
fome de paz, verdade e vida" (n9 743).

Em conseqüéncia, o documento de Puebla afirma que o melhor ser-


vico a ser prestado aos pobres é o da evangelizacao:

261
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

"O melhor servico ao irmao éa evangelizado, que o dispoe a realizar


se como filho de Deus, o liberta das injusticas e o promove integralmente"
(n9 1145).

Como se vé, a evan ge I ¡zapa o tem em mira o homem todo, seja no pla
no espiritual, seja no corporal. Antes do mais, ela o leva á vida de filho de
Deus, cultivando a di mensa o religiosa, que é congénita em todo homem e
que, por certo, existe também nos pobres e oprimidos. Mas ela se interessa
outrossim para que o filho de Deus viva em condicoes condizentes com a
sua dignidade, usufruindo de todos os direitos que I he tocam. Nao há,
pois, dicotomía entre o anuncio religioso e o atendimento material; este,
alias, sem aquele nao poderia satisfazer as aspiracoes do pobre.

Faz-se mesmo oportuno dizer: a tarefa de dispor alguém a tornar-se


filho de Deus ou a converter-se do pecado á grapa é a tarefa palmar, pró-
pria e específica da Igreja. Quantoá luta contra as injusticas e á promocao
do homem, a Igreja se empenha portáis objetivos, porque o homem nao é
apenas espirito, mas tais metas nao sao exclusivamente próprias da Igreja;
esta ná"o pode prometer a realizacáb perfeita de todas as aspiracoes econó
micas e profissionais dos homens, pois "a missao da Igreja nao é de ordem
política, económica ou social" (Constituicao Gaudium et Spes n° 42). A
Igreja sabe que nao tem competencia para propor modelos alternativos á
sociedade (DP n? 1211). Diz oportunamente Paulo VI na encíclica "Po-
pulorum Progressio" n? 13:

"Fundada para estabelecer desde já o Reino dos céus e nao para con
quistar um poder terrestre, a Igreja afirma claramente que os dois campos
sao distintos um do outro, da mesma maneira como sao soberanos os dois
poderes, o eclesiástico e o civil, cada qual no seu terreno próprio."

Foi por tais motivos que o S. Padre Joáo II, ao dirigír-se aos opera
rios de Monterrey (México), ponderou o seguinte:

"Jesús Cristo. . ., antes de transformar a existencia cotidiana, soube


falar ao coracao dos pobres, libertá-los do pecado, abrir seus olhos para
um horizonte de luz e enchi-los de alegría e esperanca" (texto citado pelo
DPn9 1153}..

0 Documento de Santo Domingo (1992) retoma o mesmo conceito


de "opcao preferencial" e de "pobre", quando afirma em seu § 178:

"Esta é a fundamentacao que nos compromete numa opcao evangéli


ca e preferencial pelos pobres, firme e irrevogável, mas nao exclusiva nem
excludente, tSo solenemente afirmada ñas Conferencias de Medelh'n e Pue-

262
"JESÚS, Ó LIBERTADOR (I)" 23

bla. . . O amor misericordioso é também voltar-se para os que se encon-


tram em carencia espiritual, moral, social e cultural."

Pobres, portanto, sá"o todos os que sofrem de alguma carencia, seja


material, seja espiritual, seja moral. . . Para estes se volta prioritariamente
o zelo pastoral da Igreja a título muito compreensfvel. Vejam-se também
os §§ 85c e 296a do Documento de Santo Domingo.

J. Sobrino cita o Documento de Puebla, artigo 1142, como funda


mento de sua tese: "Os pobres merecem urna atencao preferencia I, seja
qual for a situacao moral ou pessoal em que se encontrem". é certo que a
caridade crist§ deve atender a qualquer pessoa carente, qualquer que seja a
sua crenca religiosa ou a sua conduta de vida; isto, porém, nao quer dizer
que, para a admissao no Reino de Deus, nao se requeira a conversao dos
coracóes ou urna atitude ética renovada; o próprio Documento de Puebla
poucoadiante observa:

"Para o cristSo, o termo 'pobreza' nao é somente expressao de priva-


cao e marginalizagSb de que nos precisemos libertar. Designa também um
modelo de vida queja desponta no Antigo Testamento, no tipo dos pobres
de Javé, e é vivido e proclamado por Jesús como bem-aventuranga (cf. Mt
5¿3) " (n? 1148; ver também n? 1149s).

Passemos agora em revisao a figura de Jesús Cristo proposta por So


brino.

2.3. Jesús Cristo, o Libertador

Embora J. Sobrino queira guardar a nocáo ortodoxa definida pelo


Concilio de Calcedonia, afasta-se da mesma quando apresenta Jesús a igno
rar o desfecho de sua missao terrestre; Ele se tena engañado a respeito da
data de irrupcáfo do Reino de Deus; ter-se-ia engañado quanto ao modo e
ao significado de sua morte. Conseqüentemente, nao terá dado á Eucaris
tía o sentido que á Igreja Ihe atribuí. — Foram estas algumas das teses que
provocaram a contestado oficial da Igreja ao livro de Leonardo Boff: "Je
sús Cristo Libertador".1— Na verdade, tal concepcao de Jesús reduz o Divi
no Mestre á categoría de mero homem, que ignora o futuro que Ihe con
cerne; é gratuita, pois nao leva em conta toda a riqueza da mensagem do
Novo Testamento; sugere-a o racionalismo de escolas protestantes liberáis
da Europa.

O Concilio de Calcedonia declarou nítidamente:


"Ressalvadas as propríedades específicas de urna e outra nátureza,
que se uniram numa só pessoa, a humanidadefoi assumida pela majestade...

1 Ver PR 230/1985, pp. 257-267.

263
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

a natureza inviolável uniu-se á natureza passível. .. Na verdade, cada urna


das naturezas conserva integralmente o que Ihe é próprio" (Denzinger-
Schonmetzer, Enquirfdio n? 292).

"Cada urna das duas naturezas rea/iza, permanecendo em comu-


nhao com a outra, o que Ihe é próprio, e assim o Verbo opera o que com
pete ao Verbo, ao passo que a carne executa o que compete á carne, E
deste modo que urna natureza brilha pelos milagres que faz, enquanto a
outra natureza sucumbe sob os ultrajes que sofre" (ib. n? 293).

Portante, ao fazer-se-homem, o Filho de Deus nada perdeu do que


Ihe toca como Deus, a saber: o seu poder de fazer milagres (ressuscitar
mortos, converter agua em vinho, multiplicar paes.. .} e o seu saber pleno
a respeito do passado, do presente e do futuro.

Ainda merece atencao o seguinte: é gratuito dizer que as narracoes da


última ceia sato "teologizadas" ou n5o correspondem exatamente á reali-
dade histórica. Alias, verifica-se mais de urna vez que, para manter suas te
ses diante de trechos do Evangelho que Ihe fazem obstáculos. Sobrino re
corre á alegacao de que tais passagens sao "teologizadas" ou sao elabora
res teológicas incutidas pelos antigos cr¡stá"os á narracao evangélica. Eis
um espécimen significativo:

"Em quase todas estas passagens nao se menciona que Jesús perdoa
pecados, mas se mostra diretamente sua 'acoihida' terna e carinhosa aos
pecadores. Em duas passagens, porém, se diz que Jesús concede 'perdao'
ao paralítico (Me 2,10) e para a mulher pública (Le 7,48); mas as duas pas
sagens nao sao históricas e sim redacionais e, por isto, dum ponto de vista
histórico, deve-se falar mais de acoihida aos pecadores do que de perdao de
pecados. E isto é importante para compreender a Jesús. Assim como nao
aparece como taumaturgo ou exorcista, tampouco aparece diretamente co
mo 'confessor absolvedor' de pecados. O que faz com o pecador é muito
mais do que isso: é acolhé-lo. E desta forma anuncia a vinda do reino de
Deus"(p. 148).

Neste texto Jon Sobrino revela seu modo de ver secularísta ou laicis
ta: Jesús nao realizou urna tarefa religiosa propriamenté dita, nao perdoou
pecados tratando de reconciliar os homens com Deus, mas veio trazer aco
ihida e benevolencia a todos num plano que poderia ser o de um grande lí
der filantrópico. Por isto, quando o Evangelho atribuí a Jesús a funcao de
perdoar pecados, Sobrino a tem como nao histórica, mas. como artificio
devido aos redatores do Evangelho! — é expediente barato e fácil alegar
construcoes ná*o históricas, mas redacionais, quando o texto bíblico nato
corresponde áquilo> que o estudioso nele quer descobrír. É de notar, ou-

264
"JESÚS, O LIBERTADOR (I)" 25

trossim, que os escritos de Sao Paulo, Sao Pedro e Sao Joao (portadores
de bela elaboracao teológica e cristológica) sao considerados por J. Sobri
no principalmente na medida em que falam de amor ao próximo, de Je
sús pré-pascal e da imitacSo de Jesús lutador, fazendo-se abstracáo dos tí
tulos de Jesús pós-pascal: Senhor, Cabeca da Igreja, novo Adao.. Cf pp
90-94.

3. CONCLUSAO

Eis algumas reflexóes que a leitura do livro de Jon Sobrino nos suge-
re. A obra nao corresponde á doutrina da fé 1) pela sua maneira de encarar
a pessoa e a obra de Jesús e 2) pelo seu caráter dualista e agressivo no pla
no social: divide a sociedade em "reino de Deus" e "anti-reino de Deus",
propondo entre urna e outra faccáo a luta de classes e o uso da violencia
mesma (cf. p. 318). O criterio para avaliar os homens seria a posse de
bens temporais; esta é sempre tida como iníqüa, independentemente das
qualidades moráis dd proprietário. Ora, isto fere a mais fundamental pro-
posicao do Evangelho, para o qual o coracao do homem tem valor decisi
vo; está claro, porém, que um coracao reto e purosaberá renunciare des-
pojar-se quando necessário. Na base desta premissa, riqueza e pobreza fi-
cam sendo a moldura que resulta de atitudes interiores assumidas pelo
homem perante Deus.

Cremos poder concluir que o livro ésecularista, laicista, reduzindo o


Divino ao humano e insinuando urna sociedade de cunho socialista-mar-
xista. Nao se pode deixar de lembrar aquí a afirmacao de alguhs teólogos
que, ao regressarem de urna viagem a Cuba, declararam que na ilha já
comecara o reino de Deus, porque puderam apreciar o esforco do governo
cubano em prol da educacSo (marxista) dos pequeños, adolescentes e
jovens! — Pode-se realmente dizer que o Reino de Deus comecou em
Cuba, onde a Igreja está reduzida ao silencio e á sufocacáfo? Ver a Carta
dos Bispos de Cuba as pp. 2-11 deste fascículo.

* * *

CARO LEITOR, CONHECA MELHOR O QUE VOCÉ PROFESSA


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265
Locucoes interiores

'A VERDADEIRA VIDA EM DEUS'

por Vassula Ryden

Em sin tese: Vassula Ryden é urna crista ortodoxa, nao católica, nas-
cida em 1942 no Egito. Casou-se em 1966 com um cristao luterano, do
qual se divorciou em 1980, para casarse com outro cristao luterano em
1981 primeramente no foro civil apenas, em 1990 também no foro reli
gioso da Comunhao Ortodoxa (nao católica). Viajou por varios países da
Europa, da Asia, da África e da América, levando vida mundana como pin
tora, manequim, campea de tenis. De 1955 a 1985 nunca freqüentou a
igreja a nao ser por motivos sociais (casamentos, funerais...). Finalmente
em 1985 foi tocada por seu an/o-da-guarda, que ¡he fez ver seus pecados
como motivo de profundo arrependimento. Tres meses depois, ou se/a, em
fevereiro de 1986, Vassula comecou a ouvir Jesús em seu íntimo, ao mes
mo tempo que Jesús movía sua mao para escrever o que Ele dizia. As men-
sagens assim captadas preenchem cinco volumes impressos. Nada de decisi
vamente negativo ai se encontra do ponto de vista da fé, de modo que é
lícito a um fiel católico aceitar as revelacoes feitas a Vassula. Todavía, há
motivos para hesitar no tocante á genuidade das mesmas, entre os quaís
está o fato mesmo de serem revelacoes particulares de longa duracao, cu/os
dizeres poderiam ser teológicamente mais corretos.

* * *

Tém-se propagado os cinco volumes de revelacoes particulares ou lo


cucoes interiores de Jesús á Sra. Vassula Ryden, volumes cujo título é "A
verdadeira Vida em Deus".1 Por meio de Vassula, Jesús exorta os cristaos
á uniao entre si, á renovacao da piedade, á devocao ao Sagrado Coracao de
Jesús. . ., de modo a ¡mpressionar muí tos leitores. Ao lado de numerosos
testemunhos de sacerdotes e teólogos favoráveis á autentid dade de tais re-

1 Pedidos a José Beneval Rosa, Rúa Max Colín, 2049, 89216-000 Joinville (SC), Po
nes (0474) 22-5587 e (0474) 46-0412. Os pedidos podem ser dirigidos tambéma Ma
ría Helena Pimentel Hodgkín, Rúa Ximbó, 242, Aclimapao, 04108-000 Sao Paulo
(SP), Pone (011) 572-7095.

266
"A VERDADEIRA VIDA EM DEUS" 27

velacoes, outros há que a poem sabiamente em dúvida. — Vamos, pois,


analisar a questao ñas páginas subseqüentes.

1. QUEM É VASSULA RYDEN?

Eis o que se pode extrair dos dados biográficos comidos nos volumes
em pauta.

Vassula nasceu no Egito, de pais gregos, no dia 18/01/1942. Casou-


se em novembro de 1966 na igreja ortodoxa1 de Lausanne (Suíca) com
um sueco luterano, do qual se divorciou em 26/11/1980. Em 1981 voltou
a casar-se, somente no foro civil (desta vez), com o sueco Per Ryden, tam-
bém ele luterano.

Vassula, nao sendo religiosa convicta, ignorava o Credo; acreditava


sinceramente estar legítimamente casada em segundas nupcias. Eis, porém,
que se converteu á vida de fé convicta em 1985; foi entao que comecou a
se inquietar pelo fato de nao se ter casado no foro religioso. A conselho de
um sacerdote católico, do qual era dirigida, realizou o seu segundo casa
mento na igreja ortodoxa de Lausanne aos 31/10/1990. Vassula permane
ce ortodoxa, nao católica, como ela mesma afirma:

"Eu, ortodoxa, vivo a uniao. Eu serei sempre ortodoxa, porque o ba-


tismo é válido. Tudo aquilo em que nos acreditamos é válido. Por conse
guínte, nao há razao alguma para que me torne católica; creío que iría de
sagradar a Jesús o mudar por mudar. O que Ele quer é a úniao pelo cora-
cao. A nova Igreja que Ele quer unida é unida pelo coracao. No domingo
vou á igreja ortodoxa de rito bizantino, e nos outros dias vou as igrejas ca
tólicas. Nao me sinto diferenciada; adoro o mesmo Jesús Cristo. Jesús
guia-me e jamáis pos objecao alguma á minha forma de proceder.

Já vos interrogastes, porventura, sobre o motivo pelo qual Jesús nao


se serviu de urna católica para revelar urna tal Mensagem, e justamente
quando Ele mesmo se apresen ta como sendo o Sagrado Coracao? Ora, por
que se quis servir de urna ortodoxa, que nada conhece. Ele mesmo a forma
como deseja, em terminología católica. É precisamente para demonstrar
que nao há diferenca alguma.

Sim, a uniaó farseé pelo coracao. Nossa Senhora disse-o também em


Medjugorje. E recentemente voltei a encohtrár-m'e com Mima de Soufa-

1 Igreja Ortodoxa é a Comunhao de fiéis que se separou de Roma em 1054. Conserva


muitos pontos comuns com o Catolicismo, mas admite o divorcio e segundas nupcias.

267
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

nich; fícamos espantadas ao verificar a que ponto as mensagens que rece


bemos parte aparte sSo idénticas" (voi. I, pp. 138s).

Estas declaracoes sáTo altamente significativas e, de certo modo, com


prometedoras em sentido negativo. A profissao de fé dos ortodoxos difere
da dos católicos.

Após o seu primeiro casamento, Vassula viajou com o marido (que


era funcionario da FAO) por alguns continentes: passou dezesseis anos na
África (Serra Leoa, Etiopia, Sudao, Mocambique, Lesotho),estevena Asia
(Bangladesh) alguns anos, além de ter domicilios provisorios na Europíe
na América do Norte. Tem dois filhos: Jan e Fabiano, de 18 e 13 anos res
pectivamente, sendo o segundo colaborador de sua mae e defensor ñas di-
ficuldades.

Durante muito tempo, Vassula foi urna pessoa mundana: manequim


na capital de Bangladesh, pintora rodeada de amigos e admiradores, bem
sucedida como campea de tenis — coisas que ela agora tem como ultrapas-
sadas. Por trinta anos (1955-1985) nao freqüentava a igreja, a nao ser em
cerimónias de casamento ou funerais; atualmente, Vassula quer viver ex
clusivamente para Cristo, que a chama á sua intimidade.

Na infancia, Vassula teve dois sonhos que muito a impressionaram:

Aos dez anos de idade sentiu no sonó urna chamada de Cristo, que
com forca irresistfvel a atraía a si. No ano seguinte, aos onze anos, viu,
em sonrio, o seu matrimonio espiritual com Jesús. Nossa Senhora a espera-
va, de bracos abertos, e tinha-lhe preparado o vestido e o toucado para o
casamento; estava presente María Madalena. De tal modo ficou impressio-
nada por este último sonho que dele falou á sua máe; contudo, a sua vida
nao se modificou. Atualmente, os sonhos de infancia já esquecidos torna-
ram-se realidade viva, á guisa de promessa realizada.

No mes de novembro de 1985, em Bangladesh, deu-se a conversao: o


seu anjo-da-guarda comunicou-lhe mensagens, que ela escrevia com a pró-
pria má*o, "movida por forca irresistível"; o anjose identificou como sen
do Daniel e moveu a mao de Vassula para fazer um desenho que o repre-
sentava. Daniel fez ver á senhora mundana os seus pecados, que Ihe pare
cí am um nada, e que passaram a ter importancia colossal para ela; come-
cou a repudiá-los. Após tres meses de aprendizado com o anjo, Vassula foi
visitada por Jesús, que passou a Ihe mover a mao, revelando-lhe suas men
sagens por meio de locucSes internas. A caligrafía de Vassula, quando es-
creye sob ditado, é grande e bem diferente da sua grafía habitual, que é
miúda. A linguagem das revelacóes é o inglés.

268
"A VERDADEIRA VIDA EM DEUS" 29

O demonio tem atacado freqüentemente Vassula, mas Jesús ensinou


á vidente os criterios para o identificar. Ela se senté feliz pelas grapas que
recebe, pois Ihe é dado ouvir o Divino Mestre e falar-lhe, mas também ex
perimenta fortes momentos de depressao, dadas as responsabilidades que
tais gracas acarretam para ela. Jesús, porém, a sustenta, assim como a re
conforta o anjo Daniel, que assim Ihe falou:

"O teu Jesús ama-te. Sou eu, Daniel. Lembra-te de que o Senhor te
deixou descansar; e.agora nao dese/as, também tu, deixá-lo descansar? Vas
sula, dá-lhe alivio e permite-lhe que te oprima com sofrimen tos; um gran
de preco a pagar pela Paz. Há muitas vidas em jogo" (vol. IV, p. 127).

Pergunta-se agora:

2. QUAIS AS LINHAS PRINCIPÁIS DA MENSAGEM?

Podemos dizer que tres sao os pontos capitais das revelacóes de


Jesús:

2.1. Renovacáo do Fervor dos Cristáos

Os escritos de Vassula fazem entrever um novo Pentecostés, como se


diz. Mostram a urgencia da conversao pessoal. Jesús terá dito a Vassula:

"Oh! Era de miseria! Quanto vos afastastes! Afastastes-vos aoponto


de acreditar ser capazes de caminhar sem Mim. Afastastes-vos tanto que
vos julgais dignos.

Permitistes a Satanás que vos nutrisse com a sua vaidade. Miseráveis


para além de toda exp/icacao, pecadores e cegos, nao tenhais um momen
to de descanso, sede vigilantes, nSo adormecais, porque o tempo está pró
ximo. Crescei no meu Espirito, aproximai-vos de mim com conftanca e
abrí o vosso coracao para receber-me. Muitos de vos rezáis, mas as vossas
oracoes nao me atingem. Aprende! a rezar, para que eu vos possa ouvir.
Muitas oracoes voltam a cair sobre a térra, sem nunca me atingir" (vol.
II. p. 134).

Vassula propóe freqüentemente a devocao ao Sagrado Coracao de Je


sús (vol. II, p. 215) e ao S. Coracao de María, a ponto de falar da "alianca
dos dois CoracSes" (vol. I, pp. 189-198). Insiste, outrossim, na recitacáfo
do Rosario (vol. II, p. 215; III, p. 11), embora nenhuma dessas devocoes
seja usual entre os cristáos ortodoxos. Vassula também recebe a S. Eucaris-

269
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

tía na Igreja Católica — o que é estranho, pois a comunháo eucarística su-


poe e requer a comunháo eclesiástica (Vassula nao pertence á Comunháo
da Igreja Católica).

María SS. está também muito presente nos escritos de Vassula, que,
a este título, tém varios aspectos comuns com os dizeres dos videntes de
Lourdes, Fátima e Medjugorje. María aparece como aquela que segura o
braco de Jesús, a fim de que nao desencadeie a devida punicao sobre o
mundo (vol. II, p. 127). A vidente preza muito as aparicoes da Virgem
María em Garabandal (Espanha), aparicoes que o episcopado espanhol de-
clarou espurias (vol. II, pp. 95s. 115):

"Tal como aparecí em Lourdes e em Fátima, assim aparecí também


em Garabandal, dando urna mensagem semelhante. Garabandal é a conti-
nuacao da mensagem de Fátima. Mas, urna vez mais. Satanás lancou poei-
ra nos olhos das autoridades da Igreja para as confundir. Semeou nos co-
racoes a má sementé, a fim de que negassem as minhas aparicoes e assim
impedissem que a minha mensagem se tornasse universal" (vol. II, p.
115).

Vassula manifesta grande apreensáo pela atividade. do demonio no


mundo, como se percebe do texto ácima. Repele todas as adulteracoes
da doutrina da fé (vol. III, p. 12). Revela a convicgáo deque o fim dos
tempos está próximo.

2.2. A Unidade dos Cristáos

Vassula se interessa profundamente pela re-uniáo dos cristáos (orto


doxos, protestantes e católicos). Jesús promete estar disposto a realizá-la
sob o primado do Papa:

"A minha Igreja será una, sob urna só Autoridade. Nao pedi Eu mes
mo a Pedro que apascentasse as minhas ovelhas? Na~o o esco/hi eu mesmo
para apascentar os meus cordeiros? Nao pronunciei Eu mesmo estas pala-
vras: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificare/'a Minha Igreja?' Por que en-
tao essa arrogancia entré as nacoes. . .? Esco/hi Pedro, um homem segun
do o Meu Coracao, é pedra sobre a qual construí a minha Igreja. Agora
por que desviar a minha ordem?" (vol. II, p. 38).

2.3. A Conversáo da Rússia

Vassula escrevia em 1988, antes da queda do comunismo, prevendo


a -onversáoda Rússia:

270
" A VERDADEIRA VIDA EM DEUS" 31

"Vassula! Oh! Vassula! Urna das minhas bem -amadas filhas ¡az mor-
ta! Urna das toas irmas.

— Quem está morto, Senhor?

— A Rússia, minha filha bem-amada. Vem! Vem, e eu te mostrare'!.


OLHA!"

Continua Vassula: "Deus conduziu-me, em espirito, á fronteira de


um deserto. Com o indicador e o braco estendido, mostrou-me sua filha
e minha irma que jazia morta no meio do deserto, sob um sol ardente,
com o corpo definhando peía tiranía. Parecía abandonada, mesmo depois
de morta. Estava morta, inteiramente só, sem um vizinho sequer que a pu-
desse consolar. A tal visao, desatei a chorar, com lágrimas de verdadeira
compaixao. Chorei amargamento."

Disse Jesús: "Oh! Nao chores! Eu a farei reviver, Vassula, ressuscita-


la-ei para a Minha Gloria. Reanimá-la-ei, tal como reanimei Lázaro" (vol.
U.p.92).

Em nossos dias existe liberdade religiosa na Rússia, embora as leis do


país facam restricóes ao Catolicismo e ás correntes religiosas diversas da
Común nao Ortodoxa, chefiada pelo Patriarca de Moscou.

3.QUEDIZER?

Numerosos sacerdotes e teólogos créem na autenticidade da mensagem


de Jesús a Vassula. 0 católico que a queira aceitar,pode fazé-lo sem ofen
der a fé católica. Todavia, ná~o se podem esquecer ce'rtos tragos negativos
de peso na missao de Vassula:

1) A pessoa da vidente pode ser muito bem intencionada e fervorosa.


Mas, divorciada e casada de novo na Comunháo Ortodoxa, leva um tipo de
vida que a Igreja Católica na*o aceita, baseada estritamente no Evangelho
(cf. Mt 5,32; 19,2; Me 10,11s; Le 16,18; 1 Cor 7,1 Os).

2) Toda revelacáfo particular há de ser considerada criteriosamente,


poisé fácil, principalmente em nossos dias, alguém imaginar que está sen
do inspirado e impelido por Deus. Sá*o numerosos os casos de aparicoes
e revelacoes na atualidade — o que obriga o estudioso a nao dar pronto
crédito a tais mensagens. Além do mais, a freqüéncia e a duracá"o das lo-
cucoes interiores recebidas por Vassula (á semelhanca do que acontece
com o Pe. Gobbi, fundador do Movimento Sacerdotal Mariano) dá

271
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

margem á hesitacao. Geralmente, as auténticas mensagens de Deus aos ho-


mens sao concisas e de duracáo relativamente breve.

3) Alguns pontos doutrinários nos escritos de Vassula também susci-


tam dúvidas:

— assim o conceito de Ecumenismo. Vassula' reconhece, sim, o pri


mado de Pedro, mas relativiza a nocao de Igreja, a tal ponto que conscien
temente professa permanecer na Comunhao Ortodoxa, sem que Jesús a
censure por causa disso. Sao ambiguos os dizeres abaixo, atribuidos a
Jesús:

"Gostaria de me servir de algumas linhas que Nossa Senhora me di-


tou. E Jesús diz a mesma coisa. A chave da Uniao é o Amor e a Humilda-
de. . . Muitos padres, da parte greco-ortodoxa, pensam que a Uniao vira
quando os catóiicos se converterem para se tornarem também e/es greco-
ortodoxos. E muitos católicos pensam o inverso. Ora bem: ambos estao no
erro. Foi Jesús quem nos chamou greco-ortodoxos, católicos romanos ou
protestantes? Nao. Pomos nos que criamos tais barreiras. E, entretanto,
todos nos fa/amos em nome de Jesús" (vol. I, p. 137).

Como dito, este texto nao é claro: urna pessoa mais familiarizada
com a doutrina da fé nao falaria desse modo;

— a recomendado das aparicoes de Garabandal, que foram expressa-


mente rejeitadas pela autoridade da Igreja;

— Jesús terá dito a Vassula: "Nao tenho corpo físico; Eu sou espi
rito. E, urna vez que sou Espirito, ná*o sinto dor física". Mas, pouco adian-
te, haverá afirmado: "0 meu corpo sofre pelo acusado, pela vítima" (vol.
II, pp. 96s}. Há ai urna contradicáo ou, quando menos, urna imprecisáo.

Estas observacóes, ponderáveis como sao, fundamentam as restri-


coes que varios teólogos e fiéis católicos op6em á mensagem de Vassula;
dificultam a aceitacao da sua genuinidade. Como quer que seja, a questáo,
por ora, é de livre discussáo e opcáto; a autoridade da Igreja ná"o se mani-
festou a respeito, nem talvez o faca. Toca, pois, a cada cristáo ponderar os
pros e os contras e tomar a atitude que mais sabia Ihe pareca; procure usar
a razéfo e a fé, subordinando a estas os sentimentos.

Nota referente a pág. 273

1 "Beatificado " é a primeira etapa oficial para se chegar á declarafio de santidade de


um Servo ou urna Serva de Deus; esteta) passa a chamarse "Beato (a)". A segunda eta~
paéa Canonizacao oua inscribo da pessoa no catálogo (canon) dos Santos.

272
Elucidando...

. Em sfrítese: O Cardeal Godfried Danneels, de Malines-Bruxelas, jus


tifica o culto de veneracao aos Santos pelo fato de serem membros da fa
milia dos filhos de Deus, á qual pertencemos. Nao queremos esquecer os
nossos familiares. Por isso, louvamos a Deus por quanto fez em seus San
tos (a santidade das criaturas é obra-prima do Redentor) e pedimos aos
mesmos que intercedam por nos, como pedímos as qracoes de nossos ami
gos na Térra. É preciso, porém, nao absoiutizar os Santos: toda a sua gran
deza é relativa á de Cristo, é reflexo da santidade e da grapa do Salvador.
— A vocacao á santidade é comum a todos os cristaos. Os Santos se fize-
ram a partir da mesma massa que a dos demais homens; o segredo de sua
santidade está em nao resistir ao Espirito Santo ou em permitir a acao
da graca em suas almas. O Santo é um botaó de flor que desab'rochou ple
namente, porque a acSo da seiva (graca) nesse botao nao encontrou obs
táculo.

É para desejar que as familias cristas déem nomes cristaos (ou de


Santos) aos seus filhos, em vez de procurar os nomes dos "astros"da arte,
do esporte ou da política.
* * *

É freqüente ouvir-se, de parte protestante, a contestacao do culto de


veneracáb aos Santos. Baseia-se em mal-entendidos, que podem ser fácil
mente dissipados. Ora, entre outros teólogos, o Cardeal Godfried Dan
neels, Arcebispo de Malines-Bruxelas, escreveu belo artigo sobre o assunto,
publicado na revista Pastoralia, de 2/2/1994 e transcrito em La Documen
taron Catholique, n? 2089, de 6/3/1994, pp. 231s. Visto que muito in-
teréssa também ao público brasileiro, reproduzimo-lo em traducáfo portu
guesa, respeitando a forma figurada ou poética de sua linguagem.

1.0 TEXTO

"Nos últimos tempos, o número de Beatif¡capóes, aumentou consi-


deravelmente.1 Joüo Paulo 11 canonizou mais Santos do que mujtos ou-

273
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

tros Papas reunidos. Isto nao quer dizer que atualmente naja mais Santos
do que outrora, mas significa que os conhecemos melhor. Dispomos de
muito mais documentos através do espago e do tempo. Os me ios de co-
municacáb social, as ¡numeras publicacoes, a abertura dos arquivos inter-
nacionais das Ordens e Congregacóes Religiosas e o fato de que o mundo
se tornou urna aldeia tornam mais próximos de nos os cristaos dos diver
sos países e épocas.

Para a Gloria de Deus

Vivemos numa sociedade que atribui premios em todos os setores:


científico, esportivo, político, cultural, artístico. Por vezes julgamos que
o Santo é um cristáío que os homens erguem sobre os altares, como fazem
um atleta subir sobre um palanque, onde ele ostenta o seu troféu. Em tal
caso, nao estaríamos longe de continuar a discussáo dos Apostólos sobre
quem dentre eles parecería ser o maior (Le 22,24).

A honra que se atribui a um Santo é a Oeus que a tributamos. Os


Santos servem á gloria de Deus. Se a Igreja no-Ios propoe como modelos
de radicalidade, Ela o faz para nos tornar o Evangelho mais próximo, a
seqüela de Cristo mais atraente e mais contagiante o desejo de O imitar.

A honra que prestamos a María é modelar. Cada vez que nos volta-
mos para Ela, a fim de a louvar ou suplicar, Ela sabe 'desviar a conversa'
para as obras de Deus. 'O Senhor fez em mim maravilhas', 'Fazei tudo
o que Ele vos disser'. 0 culto dos Santos está sempre orientado para Deus,
ao passo que o nosso olhar, nao raramente desorientado, corre o risco de
se fixar sobre o homem.

O Culto dos Santos

Em sua origem, o culto dos Santos é urna variante da memoria dos


defuntos, mas, em vez de se reunir a familia no luto, reúne-se a paróquia, a
Igreja local, para admirar a obra que Deus realizou nos seus Santos. Fazem
parte da 'multidao ¡mensa de testemunhas', que.estío de pé 'diante do tro
no do Cordeiro' (Ap 7,9; 14,3).

O culto dos Santos é urna conseqüéncia da encarnacáb da graca. Deus


tomou corpo em nossa historia, revestiu-se da nossa humanidade e nos san-
tificou em corpo e alma. Este realismo católico difere da concepcáfo pro
testante da mera Palavra e da justificácáfo. Segundo a concepcSo protestan
te, Deus olha para nos como justos em Cristo, mas permanecemos pecado
res. Na teologia católica, o misterio da Encarnacfo tem como conseqüén
cia o fato de que a graca transforma profundamente a natureza humana e

274
^ O CULTO DOS SANTOS 35

renova o ser inteiro ontologicamente. Nos nao somos apenas 'tidos como
santificados', mas o somos realmente.

Esta densidade 'carnal' do Catolicismo nao existe sem o risco de der-


rapagem. A fé corre o risco de ser tragada pela materia, pela espessura do
humano e pelo realismo das representares, de modo que somos tentados,
de alguma forma, a apalpar Deus.

Como os Raios do Sol

Se admiramos o heroísmo dos Santos nao o fazemos para fixarnosso


olhar sobre eles, como ocorre quando o público admira as qualidades dos
campeoes. É únicamente para contemplar o trabalho da grapa, livremente
aceita, e para que Deus seja glorificado em suas obras: 'Bendito seja Deus
em seus anjos e em seus Santos!', canta a Liturgia.

Os Santos intercedem por nos, mas nao sao mediadores. Menos ainda
sao médiuns. Há um só Mediador entre Deus e os homens: Jesús Cristo. Os
Santos nao O substituem. Safo apenas um reflexo da gloria de Cristo. Eles
nos apontam a luz do Sol como um prisma refracta a luz e a projeta em
feixes.

A Liturgia do Concilio do Vaticano II restituiu a prioridade as gran


des festas que celebram os misterios da vida de Cristo. Os Santos tém seu
lugar depois de Cristo e em torno de Cristo. O ciclo santoral privilegia os
Santos que interessam á Igreja inteira, de preferencia aos que dizem res-
peito apenas a alguma comunidade local. O calendario da Igreja foi -enri
quecido pelas testemunhas de diversos continentes a fim de que nenhuma
comunidade se feche sobre as suas fronteiras culturáis: Sao Paulo Miki e
os mártires do Japao, Safo Carlos Lwanga e os mártires de Uganda, Sao
Martinho dé Porres e Santa Rosa de Lima e tantos outros que celebram a
gloria de Deus no concertó dos povos de todas as culturas.

Separados da sua Fonte

Jesús Cristo é o ponto central da nossa fé. Corremos sempre o risco


de que forcas centrífugas separem a devocáfo dos Santos da sua fonte de
luz. Há cristábs que realizam a 'visita aos Santos' sempre fora da inspira-
cafo da Liturgia. Há, por vezes, 'quadras de estacionamento' para os San
tos no fundo das igrejas, e nao é raro que os fiéis olhem para os Santos nafo
como para os planetas em tomo do Sol, mas'cómo galaxias autónomas. Os
Santos nSfo sao fontes de luz; sa*o apenas raios do Sol... Em alguns casos
de devocSo os Santos náío sáío considerados como os considera a Liturgia
oficial da Igreja

275
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

O culto dos Santos deve sempre levar-nos de volta para o centro, isto
é, para Deus. Somente Oeus é Santo por si; os Santos safo, antes do mais,
membros de Cristo e membros de um Corpo santificado pelo Cristo. Sao o
reflexo da única luz, que é Deus.

Perto de Deus e perto de nos

Dizem-nos: 'Peca aos Santos; é mais fácil. Estao mais perto de nos'.
Subentendem: 'Deus está longe'. Isto nao é totalmente falso. Mas Deus se
nos tornou muito mais próximo quando Cristo se fez homem. É preciso,
porém, que ultrapassemos a procura das coisas sensíveis para ter acesso ao
verdadeiro conhecimento de Deus. O culto dos Santos nos leva com Ma
ría Madalena ao jardim da Ressurreicao: 'Nao me toques!' (Jo 20,17). Nos
queremos tocar; a verdadeira fé, porém, nao se limita áquilo que nos po
demos tocar. Mais de urna vez María Madalena pode tocar Jesús; ela pode
até ungir-lhe os pés com perfume. Jesús ná*o a impediu. Mas esta foi urna
fase que ela teve de superar; na manhá de Páscoa, o Senhor a convidou a
passar para urna fase ulterior.

Nosso relacionamento com Deus sempre terá que ser purificado. Nao
se deve deter nos Santos. Isto seria o mesmo que parar numa estacao de
revi sao no espago. Os Santos sao como ascensores. Ajudam-nos a subir
sempre mais, até o coracao da Trindade...

Por que eles? E nao eu?

Aquí se poe discretamente a questao da inveja: 'Por que ele ou ela,


e nao eu?'. Deus concede a sua graca a quem Ele quer. Ele ama aqueles
que Ele ama. Tem pena daqueles de quem se compadece. Eis a( todo o
misterio da escolha divina. Isto nao quer dizer que Deus faca exclusáo. Ele
quer salvar o mundo todo, mas Ele a ninguém deve coisa alguma.

Isto ná"o significa que Ele náfo nos ame a todos a ponto de nos unir a
Ele. Mas estou convencido de qué Ele amava a Virgem María mais do que
a todos nos..E todos nos somos beneficiarios desse relacionamento privi
legiado.

Fazer Memoria dos Santos

Recordar os Santos é indispensável e precioso. Primeiramente porque


toda famflia guarda a recordacSb de seus parentes. Náfo queremos esquecer
aqueles que deram a vida por Deus e nostransmitiramo Evangelho como
um pao quente. Os Santos vivem na memoria da Igreja, que sabe ser grata.

276
O CULTO DOS SANTOS 37

Nos somos um povo que sabe recordar-ss. Se nos fazemos memoria


de Cristo — o cerne da nossa fé —, como nao farfamos memoria de seus
membros, que safo os Santos?

Para as pessoas muito simples o fato de venerar os Santos comunica a


certeza de ter urna familia. Muitos safo inseguros em sua vida cotidiana e
em sua fé; sentem-se perdidos se na"o tém, em algum lugar, companheiros e
companheiras com quem se entendam bem.

Dar um Nome Cristao

'Que nome daréis ao vosso filho?' Os dicionários de prenomes decli-


nam todas as vedetes das artes e dos espetáculos, os tenores da política ou
dos monstros sagrados ou aínda a nomenclatura das flores exóticas.

Dar nome cristao a urna enanca é também dar-lhe urna familia. A


procura de prenomes que nada tém a ver com a fé e com as testemunhas do
Evangelho acarreta o iso I amento da enanca. Esta fica sem familia. Encer
rada num casulo. Nesse procedimento está latente urna concepcao do ser
humano; ele se comporta como um pequeño deus; ele inventa o seu pro-
prio nome. Ele nao recebe o seu nome a partir de alguma fonte.

■Segundo a mentalidade crista", o homem está vinculado a Deus, aos


seus antepassados, a um povo e a seus Santos. Dar a urna crianca um nome
'de familia', um nome que a ligue a urna linhagem, é muito mais do que
colocá-la sob a protecao de um Santo. Se perdemos o sentido da comu-
nhá"o dos Santos, cons i deramo-nos como se cada qual fosse um universo,
do qual esse individuo é o Deus e é o povo.

Entre os Santos e nos, que diferenca?

Os Santos nada tém a mais do que nos, se levamos em conta a mate


ria-prima donde foram talhados. Foram modelados do mesmo barro qué
nos, e deixaram-se moldar pelos mesmos instrumentos: a fé, a esperanca e
a caridade. Viveram em tempos táb dif icéis e tafo obvios quanto os nossos.
Entáo como diferem de nos?

Há plantas que produzem no mesmo caule flores desabrochadas e flo


res que nao desabrocham. As flores desabrochadas nada tém a mais do que
as outras; sá"o alimentadas pela mesma seiva. Os Santos, como Clara de
Assis pu o Padre Damiáo, sao flores que se abriram na térra. Nos estamos
ainda na fase de botoes que se devem abrir. Na flor aberta desenvolve-se
toda a grapa de Deus, I¡vremente aceita. Ño botao, a seiva ainda náfo subiu
por completo por causa do jogo de nossa liberdade diante da graca de

277
38 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

Oeus. .. Mas há um certo encanto nos botoes, pois sao portadores de espe
ra nca".

II. COMENTANDO...

O texto do Cardeal Danneels, em seu estilo poético e metafórico,


transmite verdades fundamentáis, que procuramos assim recordar:

1. A Familia dos Filhos de Deus

A justificativa do culto dos Santos está no fato de que safo membros


da nossa familia espiritual ou da grande familia dos filhos de Oeus. Ignóra
los ou nao fazer caso deles equivale a ignorar os familiares. "Os Santos vi-
vem na memoria da Igreja, que sabe agradecer. Somos um povo que faz
memoria. Se nos recordamos de Cristo — o cerne da nossa fé — como nao
fan'amos memoria de seus membros, que sao os Santos?", diz com muita
arte e sabedoria o Cardeal Danneels.— '

Se reconhecemos os Santos como nossos irmaos e familiares e se os


veneramos como heróis da fé, dignos de louvor, compreende-se que peca
mos a sua ¡ntercessáto. Estafo muito perto de Deus e também a nos estab
vinculados por lagos próximos ou remotos de consangüinidade. Como pe
dimos as preces de nossos parentes e amigos viventes na Térra, podemos
pedir as preces dos mesmos após passarem para a outra vida. A morte nao
é ruptura ou quebra da común nao que existe entre nos; ela nao impede o
nosso relacionamento com os justos que estafo na patria celeste, pois Deus,
que é o Autor dessa comúnhá"o, se encarrega de a manter ou entreter entre
os fiéis militantes na Térra e seus irmáos chamados ao além. Isto é lógico
e atestado pela própria S. Escritura; cf. 2Mc 38-46 e 15,12-16.l

1 2 Me 12,3945: "Sendo já urgente a tarefa, partiram os homens de Judas para reco-


Iher os corpos dos que haviam tombado, a fim de inumá-los ¡unto com seus parentes,
nos túmulos de seus país. Bntao encontraram, debaixo das túnicas de cada um dos
monos, objetos consagrados aos /dolos de Jimnia, cujo uso a Leí veda va aos/udeus.
Tornou-se assim evidente, para todos, que foi por esse motivo que eles sucumbiram.
Todos, pois, tendo bendito o modo de proceder do Senhor, Justo Juiz, que tornara ma-
nifestas as coisas escondidas, puseram-se em oracao para pedir que o pecado cometido
fosse completamente cancelado. £ o nobre Judas exortou á multidao a se conservar
isenta de pecado, tendo com os proprios olhos visto o que acontecerá por causa do pe
cado dos que haviam tombado. Depois, tendo organizado uma coleta individual, en-
viou a Jerusalém cerca de duas mil dracmas de prata, a fim de que se oferecesse um sa
crificio pelo pecado; assim agiu absolutamente bem e nobremente, com o pensamento
ha ressurrelcib. De fato, se ele nao esperasse que os que haviam sucumbido iriam res-
suscitar, seria supérfiuo e tofo rezar pelos monos. Mas, se considerava que urna beifssi-
ma recompensa está reservada para os que adormecem na piedade, entao era santo e

278
O CULTO DOS SANTOS 39

2. Rajos de Sol

A devocáb aos Santos consiste náfo somente em pedir sua intercessáfo,


mas também em reconhecer neles o fruto da grapa de Deus, a obra-prima
do Redentor; eles sao o reflexo de Cristo, que nos obteve os dons da salva-
gao. .., dons que puderam desabrochar de maneira singular em cada Santo.
Por isso, n§o se pode absolutizar a devocáo aos Santos; é necessário, antes,
reconhecer que ela é relativa. . ., relativa a Cristo e a Deus Pai, que safo a
fonte de toda a santidade. Em linguagem figurada, pode-se dizer: "Os San
tos safo um reflexo da gloria de Cristo; eles nos apontam a luz do Sol, co
mo um prisma refracta a luz e a projeta em feixes".

Há urna hierarquia de presencas na piedade crista: vamos ao Pai por


Cristo no Espirito Santo (cf. Ef 2,18); esta é a linha central da devocáb
crista*. Os Santos se colocam lateralmente, como incentivos nessa cami-
nhada; se houve Santos de todas as categorías sociais, de todas as idades,
de todos os tipos de vida reta, inocentes uns, pecadores convertidos outros, o
cristáo peregrino se reconforta ao contemplá-los, ciente de que é possfvel
chegar á plenitude do amor como eles chegaram; assim reconfortado, pede
a ajuda desses irmaos para que, com suas oracoes, fortalecam os passos dos
que aínda peregrinam na vida presente...

3. Vocacao Universal á Santidade

Os Santos foram feitos da mesma argila que nos, isto é, nao nasceram
santos, mas, a partir da natureza humana convulsionada que cada um de
nos traz em si, foram santificados.

O segredo dos Santos foi ter-se aberto á graca de Deus, náfo colocan
do obstáculos ás inspiracoes desta; assim a sua capacidade de crer, esperar
e amar se foi desenvolvendo. A graca de Deus a ninguém é recusada; acon-

piedoso o seu modo de pensar. Eis por que ele mandou oferecer esse sacrificio expia
torio pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvíaos do seu pecado."
2Mc 15,12-16: "Foi este o espetácuto que coube a Judas apreciar: Onias, que ti-
nha sido sumo sacerdote, homem honesto e bom, modesto no trato e de catéter man
so, expressando-se convenientemente no falar, e desde a infancia exercitado em todas
aspráticas da virtude, estava com as maos estendidas, intercedendo por toda a comu-
nidade dos Judeus. Apareceu, a seguir, da mesma forma, um homem notável pelos.cá
belos brancos e pela dignidade, sendo maravUhosa e majestosfssima á superioridade que
o drcundava. Tomando entao a palavra, disse Onias: 'Este é o amigo dos séiis irmaos,
aquele que muito ora pelo povo e por toda a cidade santa. Jeremías, o profeta de
Deus'. Estendendo, por sua vez, a mió direita. Jeremías entregoü a Judas urna espada
de ouro, pronunciando estas palavras, enquanto a entregava: 'Recebe esta espada san
ta, presente de Deus, por meio da qual esmaganfs teus adversarios!'."

279
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

tece, porém, que a criatura a pode rejeitar ou estancar; nesse caso, o cris-
tao torna-se um botá"o chelo de virtualidades que ná*o chega a ser urna flor
aberta. Isto nao deixa de entristecer, mas, para quem toma consciéncia do
fato, há sempre oportunidade para resgatar o tempo perdido ou há espe
ranza de, doravante, se deixar mais livremente penetrar pela graca de Deus.

4. O NOME DAS CRI ANCAS

O Cardeal Danneels chama a atencao para o nome que os país dáo a


seus filhos quando os levam á pia batismal. É para desejar que sejam nomes
de Santos, pois estes nomes assinalam e exprimem a pertenca da enanca á
familia dos filhos de Deus. A Tradicáo crista" recomenda a escolha de no
mes consagrados pela santidade de seus portadores já falecidos; a continui-
dade da familia é assim reconhecida e valorizada.

Em nossos dias, porém, há casáis que se ¡mpressionam pelos nomes


de "astros" da televisao, dos esportes, da política..., nomes nao usuais no
Cristianismo. E querem dar tais nomes a seus filhos. O Cardeal Danneels
julga que tal prática é urna especie de quebra da comunhao com a familia
dos filhos de Deus; é urna quebra se nao interior, ao menos exterior, pois
faz silenciar os nomes da familia dos Santos. Este isolamento é nocivo;
lembra a tendénc¡a, latente em todo homem, a ser autónomo, a ser o seu
próprio Deus.

Eis, em suma, o que de mais relevante nos parece estar contido ñas
belas reflexoes do Cardeal Danneels. Possam estas consideracoes ser úteis
aos fiéis cristáos, em meio aos quais se discute nao raro a conveniencia ou
nao do culto de veneracáo aos membros da sua grande familia espiritual!
* * *

INSTITUTO DAS APÓSTOLAS DO SAGRADO CORAQÁO DE JESÚS

I CENTENARIO (1894-1994)

Há cem anos, nasceu no coracáode CLÉLIAMERLONI, em Viareggio, na Italia,


urna obra inspirada por Deus, que hoje vive, cresce e se expande para a Gloria do Cora-
pío de Jesús, no bem que realiza, dentro das necessidadeí da Igreja, em favor dos "pe-
queninos e órfábs, iovens,'idosos, sem lar...". '
No 19 Centenario de seu Instituto, Madre Clélia vive! Vive em cada obra apostó
lica de suasquase 2.000 Apóstolas, que servem ao Reino de Deus ñas escolas, hospitais,
erectas, asilos, orfanatos... presentes, na Italia, Suíca, Albania. Estados Unidos, Argen
tina, Chile e no Brasil, do Para ao Rio Grande do Sul.
PARA IN FORMACÓ ES: Casa Provincial Apóstolas do Sagrado Coracáb de Jesús,
Avenida Sete de Setembro, 4.926 (Batel), 80240-000 Curitiba (PR), Telefone: (041)
244-2923.

280
Querrí safo?

NO LÍBANO, OS MARÓN I TAS

Em sintese: Os maronitas constituem um povo filiado aos ensinamen-


tos de um santo monge chamado Marón ou Maroun (f 410 aproximada
mente). Este viveu na Siria; em torno do seu mosteiro fundaram-se outros
mosteiros e constituíram-se paróquias, o que deu origem a urna grande fa
milia religiosa. Os maronitas sempre foram fiéis á Santa Sé ou á Sé de Pe
dro — o que Ihes valeu a agressividade da parte de hereges orientáis mono-
f¡sitas e, posteriormente, da parte dos árabes muculmanos, a ligacao com
Roma e os cristaos ocidentais tornaba os maronitas suspeitos aos olhos
dos governantes orientáis. Sob o peso dasperseguicoes, deixaram a Siria e
refugiaram-se no Líbano, procurando abrigo ñas montanhas de difícil
acesso. O mosteiro de S. Marón na Siria foi destruido no século X. Do Lí
bano o povo passou para a i/ha de Chipre e outros países, maniendo sem
pre sua identidade religiosa, sob a oríentacao de um Patriarca próprio e
de seus Bispos.

A historia dos maronitas é dolorosa desde os seus inicios até nossos


dias, especialmente no Líbano, onde muitos mártires maronitas tém sido
sacrificados. £ oportuno que os irmaos na fé tenham conhecimento dessa
historia e ajudem os maronitas com suas oracoes e sua solidariedade.

* * *

•: Existem no Brasil certas paróquias e comunidades de origem libanesa


ditas "maronitas". A sua Liturgia é celebrada segundo rito diverso do rito
romano e emlfngua aramaica ou vernácula. Muitos fiéis católicos se véem
um tanto perplexos diante desses cristaos: pertencem á comunhá*o da
Igréja Católica? Podem comungar os católicós'em Missa dos maronitas?

é a estas questdes que as páginas subseqüentes tencionam responder.

1. MARONITAS: ORIGEM

Na raiz das comunidades maronitas há um eremita chamado Marón


ou Maroun, falecido em 410 aproximadamente. Viveu na Siria Setentrio-

281
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

nal, numa colina que é provavelmente a que hoje se chama Aal'at Kalota.
Na mesma regiáo habitaram outros santos eremitas contemporáneos a
Marón.

Os discipulos de S. Marón construiram um mosteiro homónimo na


Siria dita "Secunda" ou "Salutaris". Outros mosteiros foram fundados em
torno deste, constituindo urna pequeña federacao, de certa importancia,
pois seus representantes tomaram parte nos Concilios de Constantinopla
em 536 e 553, assinando as respectivas atas.

Em torno dos diversos mosteiros maronitas tiveram origem comuni


dades paroquiais ou paróquias, todas penetradas pela espiritualidade do
principal mosteiro, que era o de S. Marón. Os monges desta casa de Oeus
(Beit Maroun) pertenciam jurídicamente ao Patriarcado de Antioquia (Si
ria), mas nao queriam seguir todas as diretrizes bizantinas emanadas dessa
sé, especialmente no modo de celebrar a Liturgia.

Mais: os maronitas ficaram fiéis ao Concilio de Calcedonia (451), que


declarou haver em Cristo duas naturezas (a divina e a humana) e urna só
Pessoa (divina). Nao seguiram os monofisitas, que professavam urna só
natureza (divina) e urna só Pessoa (divina) em Cristo. Em conseqüéncia, os
maronitas foram criando para si urna certa autonomía, que se tornou ple
na na prime ira metade do sáculo VIII. Reconheciam, porém, o primado da
Sé de Pedro em Roma. Em 745/6 o Patriarca bizantino Teofilacto de An
tioquia tentou, pela forca, reconduzir os maronitas á obediencia á sé de
Antioquia; em váo, porém; os maronitas resistiram e continuaram a esco-
Iher seu Patriarca e seus Bispos entre os monges do mosteiro de S. Marón.

Aos poucos eles foram-se expandindo para o Liba no, já antes da in-
vasáo maometana no século VI I. Os mu?ulmanos os pressionaram a deixar
a Siria, de modo que mónges e populacao cercaneira se transferiram para o
Libano e a ilha de Chipre em meados do século X. O mosteiro de S. Ma
rón, na Siria, foi destruido no século X sob as repetidas incursoes dos ára
bes. No Líbano os ¡migrantes se refugiaram numa alta montanha e se tor-
naram urna auténtica nació estruturada como urna grande comunidade re
ligiosa monástica, tendo á frente o seu Abade-Patriarca, com seus Bispos
assistentes.' A partir de 1440 os seus Patriarcas fixaram residencia numa
gruta de difícil acesso chamada Wadi Qadisha (Vale Santo), no Libano.

1 Algo de semelhante, alias, se deu na Irlanda, onde S. Patricio fundou um mosteiro


em torno do qtial se organizaran! outros mosteiros e também paróquias; donde resul-
tou que a populado católica da Irlanda tenha sido orientada pela espiritualidade mo
nástica nos seus primeiros séculos.

282
NO LI*BANO:OS MARONITAS 43

2. SITUApAO ATUAL

Os fiéis maronitas estafo hoje espalhados pelo mundo ¡nteiro. Ñas dé


cadas de 1970/1980 houve tentativas de os tornar mais coesos entre si,
mediante a criacáb da UniSo Maronita Mundial, que realizou Congressos
no México (22-25/02/1979), em Nova lorque (8-12/10/1980), Montreal
(8-12/07/1985)...

No Líbano mesmo o Ministerio da Justica apontava em 24/06/1977


um total de 857.000 maronitas, numa popuiacáo de 3.054.000 habitantes.
Atualmente, dadas as guerras que tém atormentado o país, é de crer que
esteja bem diminuida a popuiacáo maronita. Em 1980 havia nove dioceses
maronitas no Líbano, com um total de 721 paróquias e um clero diocesa
no de 571 presbíteros, dos quais 252 eram casados e 319 celibatários; 326
desses sacerdotes tinham idade inferior a 60 anos, e 245 eram mais idosos.

Em 1982 havia, no mundo inteiro, 21 Bispos maronitas, sendo cinco


titulares, ou seja, isentos do governo direto de alguma diocese (dois no Lí
bano, um nos Estados Unidos, um em Roma e um a servico da diploma-
ci da Santa Sé); no Brasil existe a diocese maronita de Nossa Senhora do
Líbano em Safo Paulo (SP), com paróquias em outras cidades.

3. DOUTRINA

Os maronitas tém sido acusados de haver cedido á heresia monotelita.


Esta era um resquicio do monof¡sismo, afirmando que em Cristo existe
urna só vontade (a divina); tal doutrina foi condenada pelo Concilio de
Constantinopla III (680/1), que professou duas vontades (a divina e a hu
mana) em Cristo, sendo a vontade humana plenamente subordinada á di
vina. — Os maronitas réjeitam categóricamente a acusacao de heresia e afir-
mam ter sido sempre fiéis tanto á doutrina ortodoxa quanto á Sé de Ro
ma. Nos antigos livros maronitas encontra-se, sim, a afirmacSo de urna só
vontade em Cristo, náfo por ausencia de vontade humana, mas porque o
querer humano de Jesús se submetia sempre ao querer divino. Tais escritos
poderiam ter sido mais explícitos: professavam uniáfo moral das duas von
tades em Cristo, e náfo a extincSo da vontade humana. É de notar, alias,
que somente em 1099 os maronitas puderam tomar conhecimento da defi-
nicáfo do Concilio de Constantinopla III (680/681); logo que a conhece-
ram, professaram a existencia de duas vontades físicas em Cristo. Portan-
to, nao se deve falar de conversáfo dos maronitas.

Quanto á espiritualidade, os maronitas safo herdeiros da tradicSb siria,


faltamente nutrida pelas fontes bíblicas, litúrgicas, patrísticas, é muito

283
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

marcada pela ascese, assaz rigorosa para os eremitas, abrandada para os


fiéis leigos. A alma dessa espiritualidade é a Liturgia, que durante muito
tempo foi escola de fé e principio animador da vida dos individuos e das
comunidades.

A partir do fim do sáculo XVI, a espiritualidade latina entrou tam


bé m dentro do patrimonio dos maronitas. Em parte isto se deve a antigos
alunos do Colegio Maronita de Roma, fundado em 1584; traduziram para
o árabe e adaptaram obras como "A Imitacao de Cristo", o "Catecismo
de Sao Roberto Belarmino", o "Catecismo Romano", obras de Sta. Tere
sa de Ávila, os Exercícios Espirituais de S. Inácio de Loiola. Também se
nota a influencia de religiosos latinos (jesuítas, Iazaristas, franciscanos, sa-
lesianos, irmáos educadores e irmas diversas), que, vivendo lado a lado
com os maronitas, especialmente no sáculo XIX, Inés transmitiram algu
mas devopoes ocidentais medievais e modernas, como a Via Sacra, o culto
do S. Coracáo de Jesús, o escapulario, a veneracao a determinados Santos,
procissoes e cánticos; o Rosario já fora assumido desde 15/08/1580. Em
conseqüéncia, quem entra numa igreja maronita, poderá perceber lá a reci-
tacao do terco, a devocao do mes de maio, a adoracao do SS. Sacramento,
a veneragao a S. Teresa do Menino Jesús. . . É a partir de tais fontes que
grandes vultos maronitas se nutriram espiritualmente; assim S. Charbel
(1828-1898) e seu mestre o Venerável Kassab al-Hardini (t 1858), a Vene-
rável Rafqa (t 1914), o Pe. Tiago Haddad (t 1954), o Pe Genadios Mou-
rany (t 1959). S. Charbel for monge eremita, o primeiro católico oriental
canonizado (9/10/1977).

A li'ngua da Liturgia é o aramaico, idioma falado por Jesús.

4. IRRADIACÁO

Depois que se estabeleceram no Líbano em meados do sáculo X,


ocupando principalmente as regioes de mais difícil acesso, os maronitas
foram levados a desempenhar um papel importante na formacáo do Lí
bano independente. Por estarem em lugar elevado, quase inexpugnável,
gozaram de liberdade e puderam exercer certa lideranca sobre outras po
pulares, cristas ou nao, que se estabeleceram no Líbano.

Essa l¡ de ranea beneficiou, por exemplo, as comunidades cristas cis


máticas que quiseram voltar á unidade da Igreja nos sáculos XVI I/XVI II:1

1 É preciso lembrar que algumas comunidades de cristábs orientáis se separaram da


Igreja nos sáculos V/VII por ocasiab dos litigios teológicos a respeito da SS. Trindade
e de Jesús Cristo: salo os nestoríanos (contrarios ao Concilio de tfeso, 431). os mono-

284
NOLrBANO:OSMARONITAS 45

assim os melquitas (com Cirilo VI Thanas), os armenios (com Abraham


Arzivian), os si'rios (com Michael Jaroué), os caldeus (com Gabriel Dam-
bo), os coptas (muito apoiados pelos maronitas Estévao Aouad e José
Assemani). Pode-se dizer, sem hesitacáo, que o Líbano cristao é obra dos
maronitas; isso explica mu ¡tos fatos da historia civil e religiosa do Lfbano.

Deve-se mencionar também a influencia cultural religiosa e profana


exercida pelos maronitas, especialmente no estudo do Orientalismo; isto
se deve, em grande parte, ao Colegio Maronita de Roma, que forrnou gran
des vultos do saber religioso e profano: Gabriel Sionita (as-Sahyuni,
1577-1648), professor em París; Ábraham Ecchelensis (al-Haquelani,
1605-1664), professor em Roma e em Paris; Pedro Benedictus (Bputros
Murabak, 1663-1742), diretor da Tipografía Oriental de Florenca, os ir-
maos Assemani, principalmente José Simón (1687-1768), autor da grande
Bibliotheca Orientalis e de dezenas de outras obras, e seu sobrinho Estéváo
Evode Astifan Awwad (1711-1782), zelador da Biblioteca Oriental de Fio-
renga; Miguel Casirí (al-Ghaziri, 1710-1791), autor do catálogo dos manus
critos árabes do Escurial.

Além disso, é de notar que a primeira tipografía árabe de todo o


Oriente Próximo teve origem no mosteiro de Qozhaya, no Vale Santo, per-
to da residencia do Patriarca em 1585 aproximadamente; o primeiro livro
impresso em árabe foi o Salterio de Davi.

Os maronitas foram os primeiros a obter no Oriente o uso de sinos,


concedido pelo sultao mameluco az-Zaler Saif ad-Din Barqoq (1382-
1398); durante muito tempo foram os únicos a gozar deste privilegio.

Os mesmos fundaram também urna rede escolar mediante a qual se


tornaram colaboradores prestigiosos da Nahda (Renascimento) árabe do
séculoXIX.

No plano puramente religioso, os maronitas prestaram valorosa coo-


peracáb ás Congregacoes de sacerdotes, Irma os e Irmas ocidentais que se
estabeleceram no Oriente.

5.OMARTIfclO

Mais que outras comunidades cristas, os maronitas tém dado o teste-


munho (martirio) do sangue desde épocas remotas.

f¡sitas (contrarios ao Concilio de Calcedonia, 451) os mónotelitas (contrarios ao Con.'


cflio de Constantinop/a III, 680/1} e os ortodoxos separados em 1054. Acontece, po-
rém.que segmentos dessas comunidades cismáticas quiseram retornar ao seio da igréja
em época moderna; sSo por isso chamados uniatas. Ora, os maronitas os é/udaram e
protegeram, pois náb forambem vistos pelos irmaos que nao deram o mesmo passo.,

285
46 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 385/1994

Assim já no sáculo VI escreveram aos Papas Hormisdas (517) e Aga-


pito (518) e aos Bispos da Siria Secunda, narrando o massacre de 350
monges por parte dos monof¡sitas:

"Quando (amos ao mosteiro de S. Simeao para atender á causa da


Igreja, os malvados nos prepararam urna emboscada; precipitándose sobre
nos no caminho, mataram, mesmo junto aos altares, aqueles que lá se re-
fugiaram. Incendiaran} mosteiros, enviando de noite homens sediciosos
e subornados por dinheiro, que levaram o pouco neles existentes" (Mansi,
Sacrorum Conciliorum, f. VIII, col. 425-429).

Aos 8/3/1514, escrevia o Patriarca Simón Bar-David ao Papa Leao X:

"Pedimos a Deus que, em vossos días, se/amos libertados da jurísdi-


gao dos infléis que nos devoram, nos acabrunham e nos sobrecarregam
com impostos pesados demais e perseguicoes, golpes e bofetadas."

Aos 20/04/1578, o Patriarca Miguel Rizzi se dirigía ao Papa Grego


rio XIII:

"Nao esquecais nosso povo, pequeño rebanho sujeito á servidao."

A 01/07/1860, os sobreviventes da infeliz cidade de Oeir-el-Kamar


escreveram:

"Os que restam da populacSo de Deir-el-Kamar, juntamente com os


que sobreviveram ao massacre da infeliz cidade de Hasbaya, vim, pelo
teor do presente, Zangarse aos pés de VV. SS., declarando que nao se re-
conhecem culpados de algum crime a nio ser o de ser cristaos, e que este
único crime Ihes atraiu todas estas desgranas" (publicado na obra de Jobin,
La Syrie en 1860 et 1861. París 1880, p. 61).

Em época contemporánea, os sacerdotes da diocese maronita de Bei-


rute redigiram o seguinte apelo em outubro de 1983:

"Os morticinios perpetrados no decorrer do último mes ultrapassa-


ram em horror e em número tudo o que se poderla imaginar. Baianco pro
visorio: varías centenas de civis inocentes foram massacrados, entre os
quais enancas, mu/heres, andaos, enfermos que nSo tinham cometido mal
algum — disto damos testemunho — e acreditavam que nio se Ihespoderia
fazer mal: Os seus cadáveres jazem aínda por térra, pois os algozes prof-
bem a quem quer que seja o acessoás aideias, e ás vftimas negam odireito
de sepultura. Todas essas aldeias, fruto do trabalho de varios sáculos, estSo
agora desertas. Igrejas e conventos foram arrasados eos símbolos religiosos

286
NO LÍBANO:OS MARONITAS 47

e culturáis dos cristSos foram aniquilados. . . Em nome do ministerio pas


toral que nos foi confiado na diocese de Beirute, nos, sacerdotes dessa dio-
cese, /aneamos este apelo a todos os homens de boa vontade, onde quer
que se encontrem."

Mons. Ibrahim Helou, arcebispo maronita de Saída, em maio de


1985, escrevia:

"Lamento dirigir-vos este apelo em nome de um povo cujas casas e


lugares de culto em Dar el Sim e cercanías foram incendiados por assal-
tantes, nSo longe de um quartel do exército libanes. Colocamos nosso des
tino em vossasmaos. Salvai-nos."

Já foi atrás mencionada a destruicfo do mosteiro de Sao Marón, "sob


as repetidas incursóes dos árabes". Muitos vexames sofridos obrigaram os
maronitas a procurar refugio ñas montanhas do Líbano; mas mesmo ai a
populacao foi freqüentemente assaltada, os seus Patriarcas encarcerados e
até queimados vivos. A razá*o de tal perseguicáfo era o vínculo dos maroni
tas com a Sé de Roma e os cristaos ocidentais, em conseqüéncia do que os
governantes do Oriente desconfiavam dos maronitas. 0 Martirologio destes
fiéis compreende vftimas de todas as categorías sociais, como se depreende
dos exemplos seguintes:

— o Patriarca Daniel de Hadshit foi condenado á morte pelo sultao


Oalaoun em 1282;

— o Patriarca Gabriel de Hejoula foi queimado vivo em Trípoli em


1367;

— o cheique Abou Karam Hadathi foi pendurado a ganchos de ferro


em 1640;

— o cheique Younes Abou Rizk foi enforcado em Trípoli aos 21/05/


1697;

-o leigo Canaan Daher foi decapitado aos 6/02/1740; atribuem-se-


Ihe milagres após a morte; ^ - ' ' "■ ■'■ ■■■'-■

— em 1860 milhares de maronitas foram executados por causa de sua


religiáfo. Assim em Zahle muitas mulheres foram martirizadas na cápela
dos jesuítas; em Deir el Qamar 2.200 maronitas pereceram, uns crucifica
dos, outros com a pele talhada em forma de cruz aos 21/06; os tres irmá*os
Massabki (Francis, Abdel Mo'ti e Rafael) foram vitimados em Damasco
aos 10/07, e beatificados por Pió XI aos 10/10/1926;
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"385/1994

. — Yousef Hamdar convertera-se a Cristo,^mas foi intimado a renegar


a sua fé; já que resistía, leve o peito crivado de flechas aos 10/09/1919.

A partir de 13/04/1975, o Líbano passa por urna tormenta, cujas ví-


timas se tém multiplicado até nossos dias. Assim

- o jovem Gassibé Keyrouz, com 25 anos, foi seqúestrado e mortó


aos 23/12/1975, deixando um testamento espiritual que percorreu o mun
do inteiro;. , .

- os PP, Georges Harb e Youssef Farah (80 anos) foram executados


em praca pública aos 18/01/1976; .

-r em setembro de 1983, 2.000 leigos, de todas as idades, foram mas-


sacrados ñas aldeias de Chouf, de Alto Matn e de Aley;

- aos 10/09/1983, em Bireh, Os algozes colocaram num caminháo to-.


dos os fiéis que encontraran!, e os levaram para a igreja, onde os degola-
ram; sobre o altar degolaram e queimaram o sacristáb e outro fiel leigo...

Estes fatos, aos quais outros muitos se poderiam acrescentar, ilustram


a historia e o heroísmo do povo maronita, especialmente no Líbano, onde
incessantes lutas político-religiosas continuam a provar a tempera e a fé
do povo católico. Este merece ser conhecido e ajudado pelos irmáos do
mundo inteiro. •

■ Estévao Bettencourt O.S.B.

* * *

DISSE UM SABIO:

"DAI-ME UMAALAVANCA; UM PONTO DE APOIO; E ELE\/A-


REIOMUNDO." > ■'
... O QUE ARQUIMEDES NAO CONSEGUIU, OS SANTOS O OBTI-
VERÁM EM tODA A SUA PLÉNltÜDE. O OÑIPOTENTE DEU-LHES;
POR PONTO DE APOIO: ELE PROPRIO E SOMENTE ELE. POR ALA-
YANCA: A pRAQAO, QUE ABRASA COM O FQGO DO AMOR-
ul5alÉ FOIASSIMQUE ELES ERGUERAMO MÜNDÓ:: ™^ !
•CjIíi.mj'i? jnu n&¡üo--i<>!, ?i:.' ¡:g^;.'.'. Uu^.lst T^niClJ o "uoU it'-* :':'■.-:■'• :<.;v
?oc.frE; SERA ,ASSIM,,ÁT.É 0 F.IM JDQ.-MUNDO^QUEfOS FUTUROS
SANTOS O;ERGUERÁOTAMBÉM.:K -¡ -ij';.W ífcLü;' ;> ^" -,..:,
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— 11. Jesús teve irmaos? 12. O Culto aos Santos - 13. E as imagens sagradas? —
14. Alterado o Decálogo - 15. Sábado ou Domingo? - 666 (Ap. 13.18) —
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ANO XIX JAN-ABR 1994 103
Revista bimestral (5 números: margo a dezembro)
Editada pelo Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro,
1976 (já publicados 102 números), destinase a Oblatos
beneditinos e pessoas ínteressadas em assuntos de
espiritualidade bi'blica e monástica. - Além de artigos, contém
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crónica do Mosteiro.

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MONÁSTICA E CONSAGRAgAO DE IR. AGNES
D. Estévao Bettencourt, OSB
JESÚS EM AGONÍA ATÉ O FIM DOS TEMPOS
D. Odilao Bello Sorba Moura, OSB
O ABSOLUTISMO EVANGÉLICO DE SAO JOÁO DA CRUZ
D. Pius Engelbert, OSB
O MONAQUISMO BENEDITINO E A SOCIEDADE
MEDIEVAL(III)
Ir. Vera Lucia Parreiras Horta, OSB
"CELEBREM ALI MESMO, COMO PODEM"
Philippe fíobert
O CANTO LITÚRGICO NASCE DA PALAVRA
NOTI'CIAS MONÁSTICAS
Beneditina Missionária em Angola
Beneditinas no Acre
Preparativos para o Vil EMLA
Novo mosteiro no Espirito Santo
CRÓNICA

ABADÍA TERRITORIAL DE NOSSA SENHORA DO MONSERRATE


DO RIO DE JANEIRO

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