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Descritores Resumo
Acidentes de trânsito, mortalidade.#
Causa básica de morte.# Economia da Objetivo
saúde.# Atestados de óbito.# Veículos A taxa de mortalidade específica por acidentes de trânsito de veículos a motor é
automotores, estatísticas e dados usualmente utilizada para efeito das políticas de saúde pública. Para mensurar o
numéricos. Coeficiente de grau de violência no trânsito, foi realizado estudo com o objetivo de analisar o
mortalidade. Brasil, epidemiologia. – número de óbitos por acidentes de trânsito por veículo a motor.
Causas externas de mortalidade. Métodos
Com base nos dados sobre frota de veículos, população e óbitos por acidente de
trânsito, publicados no Statiscal Yearbook (1999), Demografic Yearbook (1997),
Denatran (1999), Ministério da Saúde (2000) e Fundação IBGE (2000), foram
estudados 61 países e 51 localidades brasileiras.A taxa de mortalidade específica
foi decomposta em número de veículos por habitante e número de óbitos por veículo.
Numa primeira aproximação, cada uma das amostras (internacional e brasileira) foi
subdividida em três grupos, de acordo com o número de veículos por habitante,
para estudo da relação entre os três índices. Para testar a significância dessa relação,
foi estimada uma função de regressão log-linear.
Resultados
Os resultados para as estimativas internacionais, assim como as do Brasil,
demonstraram que, quanto maior o número de veículos por habitante, menor o
número de óbitos por acidentes de trânsito por veículo, tendo-se elasticidade da
ordem de -1,067, para as estimativas internacionais, e de -0,515, para as do Brasil.
Conclusões
Para uma política de prevenção dos acidentes de trânsito, os resultados encontrados
indicam a necessidade de estudar os fatores que possam explicar o maior número
de óbitos por veículo nas regiões com menor número de veículos por habitante.
Keywords Abstract
Accidents ,traffic, mortality.#
Underlying cause of death.# Health Objective
economics.# Death certificates.# The mortality rate due to traffic accidents is an information often used while making
Motor vehicles, statistics and public health policies. In order to measure traffic violence, a study was carried to
numerical data. Mortality rate. Brazil, analyze the number of death by traffic accidents per registered motor vehicle.
epidemiology. – External causes of Methods
death. Based on the number of registered vehicles, population and traffic accident deaths,
Correspondência para/Correspondence to: *Apresentado no XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu, MG, 2000.
Samuel Kilsztajn Financiado pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Rua Marquês de Paranaguá, 164, apto. 602 Edição subvencionada pela Fapesp (Processo n. 01/01661-3).
Recebido em 1/6/2000. Reapresentado em 29/9/2000. Aprovado em 9/2/2001.
01303-050 São Paulo, SP, Brasil
E-mail: skil@pucsp.br
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INTRODUÇÃO MÉTODOS
jeto estava em fase de desenvolvimento e só apresen- posteriormente associado, a partir de gráficos em es-
tava dados preliminares. cala logarítmica, ao número de veículos por habitan-
te. Para testar a significância estatística dessa relação,
Para os óbitos por acidentes de trânsito de veículos foi estimada uma função de regressão denominada
a motor distribuídos por residência nas 51 observa- equação de óbitos, log-linear, especificada na fórmula:
ções selecionadas, foi utilizado o Sistema de Infor-
mações sobre Mortalidade (SIM).6 Para 1997, os óbi-
tos estão classificados de acordo com a Classificação
Internacional de Doenças (CID-10) que, ao contrário
da CID-9, em vigor até 1995, não destaca os acidentes e linearizada, aplicando logaritmo natural nos dois
de trânsito de veículos a motor. Para isolar os acidentes membros:
de trânsito, foi utilizado o total dos óbitos por
acidentes de transporte deduzidos dos ocorridos com
aeronaves, embarcações, trens, bondes, bicicletas e
outros acidentes fora das vias públicas (Capítulo 20V
da CID-10, deduzidos V01, V05-06, V10-11, V15-18, V81-
86, V88, V90-98 – os óbitos por acidentes de trânsito em que Y é o número de óbitos por 10.000 veículos; X
de veículos a motor representam em média 98% do o número de veículos por 10 habitantes; D uma vari-
total de óbitos por acidentes de transportes). Os da- ável binária, empregada apenas na análise do Brasil e
dos de óbitos por acidentes de trânsito do Denatran que assume valor 1 quando a informação se refere às
não puderam ser utilizados, porque, em grande parte, capitais e 0 quando interior; β0, β1, β2, coeficientes; e
só incluíam as vítimas falecidas no local do acidente. o logaritmo natural e ui o erro. A significância esta-
Para a população residente, em 1997, foram utiliza- tística dessa relação é testada pelo método dos míni-
das as estimativas da Fundação IBGE.3 mos quadrados.
Figura 1 - Relação entre óbitos por veículo e veículos por habitante - Internacional.
A equação de óbitos, obtida a partir dos parâmetros medida pela elasticidade, que é da ordem de -1,067. O
estimados que estão na Tabela 2, é a seguinte: valor 13,273 é o antilogaritmo da constante estimada,
2,587 da Tabela 2. As estatísticas t de Student indicam
que todos os parâmetros são significativos num nível
superior a um milésimo por cento. O valor de F sugere
Indica uma relação inversa estatisticamente significa- que todos os parâmetros são significativos, quando tes-
tiva entre óbitos por veículo e veículos por habitante, tados simultaneamente, e a estatística de Durbin-Watson
não aponta para a existência de autocorrelação dos resí- como para as do Brasil, demonstram que, quanto maior
duos, que poderia produzir estimadores não eficientes o número de veículos por habitante, menor o número de
(de variância mínima). óbitos por acidentes de trânsito por veículo (Tabela 1).
Resultados para o Brasil) A quase totalidade dos 25 países com três ou mais
veículos por 10 habitantes corresponde aos países in-
A Tabela 1 (campo Brasil) e a Figura 2 foram construídas dustrializados. Da mesma forma, as oito localidades
conforme mencionado na amostra internacional, referen- brasileiras com três ou mais veículos por habitante
tes a 51 localidades selecionadas em 1997. Da mesma agregam basicamente as capitais do Centro-Sul do
forma, a Tabela 1 e a Figura 2 apresentam os mesmos País: Goiânia, Brasília, Belo Horizonte, Vitória, São
tipos de dados para as 51 localidades selecionadas. Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.
A Tabela 2 apresenta os resultados relevantes da Para anos específicos dentro do período de 1987 a
estimativa da equação de óbitos para o Brasil, em 1995, a violência no trânsito, medida pela taxa de mor-
1997, que é: talidade específica por acidentes de trânsito nos países
selecionados, registra 18,8 óbitos por 100.000 habi-
tantes nos países com menos de 1,5 veículo por habi-
tante (grupo I) e 12,0 óbitos por 100.000 habitantes
em que a constante 19,668 é o antilogaritmo da estima- nos países industrializados do grupo III. Nesse senti-
tiva da constante 2,979. O coeficiente β1 é estatistica- do, a violência nos países do grupo I, medida pela taxa
mente significativo, de acordo com o valor da estatística de mortalidade específica por acidentes de trânsito, era
t correspondente, indicando uma relação funcional entre 1,6 vez a do grupo III (18,8/12,0=1,6). Entretanto, de
as variáveis examinadas, medida pela elasticidade, da acordo com o número de óbitos por veículo, os países
ordem de -0,515. O coeficiente da variável binária é sig- do grupo I eram 12,0 vezes mais violentos que os do
nificativo apenas no nível de 17,5%. Os valores das es- grupo III (29,4/2,5 óbitos por 10.000 veículos).
tatísticas F e Durbin-Watson, também nesse caso, são
satisfatórios, sugerindo um bom ajustamento aos dados. Para o Brasil, em 1997, a taxa de mortalidade espe-
cífica por acidentes de trânsito registrava 30,3 óbitos
DISCUSSÃO por 100.000 habitantes no grupo III, isto é, 1,7 vez a
taxa do grupo com menos de 1,5 veículo por habitante,
Os resultados para as estimativas internacionais, bem 17,4 óbitos por 100.000 habitantes (30,3/17,4=1,7).
Figura 2 - Relação entre óbitos por veículo e veículos por habitante, Brasil, 1997.
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Entretanto, alternativamente, medindo a violência no habitante é mais que compensado pela diminuição do
trânsito pelo número de óbitos por veículo, o grupo I, número de óbitos por veículo. Portanto, um aumento
com 29,7 óbitos por 10.000 veículos, era 4,2 vezes mais do número de veículos por habitante é acompanhado
violento que o grupo das capitais do Centro-Sul, com pela redução da taxa de mortalidade específica por
7,0 óbitos por 10.000 veículos (29,7/7,0=4,2). acidentes de trânsito (Tabela 1).
Internacionalmente, tanto a taxa de mortalidade por No Brasil, esse efeito é menor – -0,515 –, ou seja, a
acidentes de trânsito quanto o número de óbitos por queda é de apenas 5,15% nos óbitos por veículo para
veículo são mais baixos para os países mais desen- a mesma elevação de 10% no índice de veículos por
volvidos, que apresentam maior número de veículos habitante. Os resultados para a variável binária le-
por habitante. Entretanto, a distância entre os países vam a concluir que não há diferença significativa en-
se alarga quando se utiliza o número de óbitos por tre as capitais e o interior dos estados brasileiros no
veículo alternativamente à taxa de mortalidade por que se refere à redução nos óbitos por veículo, quan-
acidentes de trânsito. No caso do Brasil, as regiões do aumenta o índice de veículos por habitante.
com maior número de veículos por habitante apre-
sentam maiores taxas de mortalidade por acidentes A elevação do número de veículos por habitante é
de trânsito e menor número de óbitos por veículo. sempre acompanhada pela redução do número de
óbitos por acidentes de trânsito por veículo. Mas a
Para ilustrar a utilização do conceito óbitos por ve- redução do número de óbitos por veículos, teorica-
ículo, exemplifica-se com duas capitais do Brasil, uma mente, pode ser maior, igual ou menor que a eleva-
do grupo I e outra do grupo III: Teresina e São Paulo. ção do número de veículos por habitante: a) se a re-
A taxa de mortalidade específica por acidentes de trân- dução do número de óbitos por veículo for maior que
sito por 100.000 habitantes, em Teresina, era de 14,8 a elevação do número de veículos por habitante, a
óbitos, e, em São Paulo, de 23,5. Essas taxas indicari- redução do número de óbitos por veículo é acompa-
am que a violência no trânsito em São Paulo, em 1997, nhada pela redução da taxa de mortalidade por aci-
era 1,6 vezes a de Teresina. Mas como Teresina pos- dentes de trânsito; b) se a redução do número de óbi-
suía 0,9 veículo para cada 10 habitantes, e São Paulo tos por veículo for igual à elevação do número de
4,8 veículos para cada 10 habitantes, o número de veículos por habitante, a taxa de mortalidade por aci-
óbitos por veículo em Teresina (17,1 p/10.000) era dentes de trânsito não é afetada; c) se a redução do
3,5 vezes o de São Paulo (4,9 p/10.000). número de óbitos por veículo for menor que a eleva-
ção do número de veículos por habitante, a redução
No Brasil, as cidades de Goiânia, Brasília, Belo do número de óbitos por veículo é acompanhada por
Horizonte, Vitória, São Paulo, Curitiba, Florianópolis uma elevação da taxa de mortalidade por acidentes
e Porto Alegre são usualmente apontadas como cida- de trânsito.
des com alto índice de violência no trânsito. Contudo,
esses centros apresentam elevado número de veículos Na amostra internacional, a redução do número de
por habitante e reduzido número de óbitos por veículo. óbitos por veículo nos países mais desenvolvidos é mai-
Destaque especial deve ser dado para a cidade de São or que a elevação do número de veículos por habitante
Paulo que apresentava o menor número de óbitos por e, portanto, a taxa de mortalidade por acidentes de trân-
veículo dentre as 51 observações analisadas no Brasil. sito cai junto com o número de óbitos por veículo. Mas,
embora os dois indicadores caminhem na mesma dire-
As Figuras 1 e 2 permitem que se visualize a rela- ção, a queda do número de óbitos por veículo é mais
ção inversa entre os óbitos por veículo e os veículos significativa que a queda da taxa de mortalidade por
por habitante da amostra internacional e brasileira. acidentes de trânsito.
Quanto menor o número de veículos por habitante,
maior o grau de violência no trânsito medido pelo No caso do Brasil, a redução do número de óbitos por
número de óbitos por veículo. veículo nas regiões mais ricas é menor que o aumento
do número de veículos por habitante e, portanto, a taxa
As equações de óbitos apresentadas na Tabela 2 de mortalidade por acidentes de trânsito sobe ao mesmo
permitiram estimar a magnitude dessa relação. No tempo que cai o número de óbitos por veículo.
caso dos 61 países, a elasticidade da ordem de -1,067
pode ser interpretada da seguinte forma: um aumento Nos dois casos, a queda do número de óbitos por
de 10% no índice de veículos por habitante veículo atua como fator contrário à elevação do nú-
corresponde a uma redução de 10,67% no índice de mero de veículos por habitante. No caso internacional,
óbitos por veículo. Isto significa que, na amostra in- a queda do número de óbitos por veículo é tão significa-
ternacional, um aumento no número de veículos por tiva que acaba por reduzir a taxa de mortalidade por
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acidentes de trânsito. No caso do Brasil, a queda do A interação entre veículos automotores e pedes-
número de óbitos por veículo apenas ameniza a taxa tres é um aprendizado que pode levar tempo, mas
de mortalidade por acidentes de trânsito nas regiões também poderia ser induzido por políticas públicas
mais desenvolvidas. de prevenção a acidentes de trânsito. Na Suíça, os
motoristas param o automóvel assim que um pedes-
Utilizando o número de óbitos por veículo como tre pisa no meio fio, independentemente de estar atra-
indicador do grau de violência no trânsito, a distância vessando na faixa. E, mesmo em Nova York, conhe-
entre os países resulta maior do que a revelada pela cida por sua pressa e agressividade, os automóveis,
taxa de mortalidade por acidentes de trânsito. No Bra- que por lei podem dobrar a esquina passando pelo
sil, a utilização do número de óbitos por veículo como sinal verde dos pedestres, parecem dançar entre as
indicador do grau de violência no trânsito inverte os re- pessoas que adiantam ou atrasam o passo para per-
sultados derivados da utilização da taxa mortalidade por mitir o escoamento do tráfego.
acidentes de trânsito.
A utilização da taxa de mortalidade por aciden-
Na análise dos fatores, que poderiam explicar a tes de trânsito pode nos conduzir à conclusão de
relação inversa entre veículos por habitante e óbi- que as regiões mais desenvolvidas do País apre-
tos por veículo, deve-se considerar que as regiões sentam maior grau de violência no trânsito. A utili-
e os países mais desenvolvidos e com maior núme- zação do número de óbitos por veículo permite isolar
ro de veículos por habitante, via de regra, apresen- da violência no trânsito o efeito do elevado grau de
tam frotas mais novas e de melhor qualidade, além desenvolvimento dos transportes por veículos a
de melhor treinamento de motoristas, legislação, motor nas regiões mais desenvolvidas.
sinalização, disciplina e fiscalização no trânsito.
Deslocar o foco de atenção da taxa de mortalidade
O estudo realizado pela Seade,4 em 1977, apon- por acidentes de trânsito para o número de óbitos por
ta: “O maior número de veículos de uma área em veículo e estudar os fatores, os quais explicam o re-
relação à outra não significa apenas maior número duzido número de óbitos por veículo que acompanha
de pessoas com necessidade de conhecer e aplicar o elevado número de veículos por habitante, pode tam-
as regras de trânsito, mas que a história do seu pro- bém contribuir para a formulação de políticas de pre-
cesso de aprendizagem para interagir com o veícu- venção aos acidentes de trânsito.
lo automotor é mais antiga. Este é provavelmente
um dos fatores que explica, em parte, porque nos AGRADECIMENTOS
Estados Unidos, Inglaterra, Japão e Itália, o núme-
ro de mortes provocadas pelo trânsito em propor- À Professora Maria Helena Prado de Mello Jorge da
ção ao número de veículos é menor do que no Es- Faculdade de Saúde Pública da USP, pela colabora-
tado de São Paulo”. ção, e aos pareceristas da RSP, pelas sugestões.
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Nacional de Estudos Populacionais; 1998; Caxambu, Br.
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