Você está na página 1de 10

Gnero: trajetrias e perspectivas histricas As preocupaes da historiografia na contemporaneidade com a descoberta de outras histrias vm favorecendo a descoberta e a incluso das

mulheres na incorporao da abordagem de gnero nos estudos histricos. Por outro lado, esses trabalhos tm contribudo de modo significativo para sua renovao temtica e metodolgica, abrindo possibilidades para a recuperao de outros setores sociais, como negras e negros , prostitutas, gays, lsbicas, transsexuais pobres e marginalizados. Tendo em vista essas inquietaes, essa conferncia discutir num primeiro momento, os estudos que incorporam a mulher a e a abordagem de gnero na histria e nas cincias sociais, recuperando o contexto de sua emergncia e sua trajetria histrica dos ltimos anos. Em seguida ser focalizada a categoria gnero, numa reflexo sobre suas contribuies para a ampliao de perspectivas da anlise histrica e social, bem como seus impasses e dificuldades, e algumas de suas perspectivas. A expanso dos estudos que incorporam a mulher e a abordagem de gnero na histria localiza-se no quadro de transformaes culturais que vem passando a histria nos ltimos tempos, e consequentemente a sociedade contempornea, sendo possvel afirmar que por razes internas e externas, esses estudos emergiram da crise dos paradigmas tradicionais da escrita da histria, que requeria uma completa reviso dos seus instrumentos de pesquisa. Essa crise de identidade da histria e das outras cincias humanas levou a procura de outras histrias, o que levou a uma ampliao do saber e da prtica social e possibilitou uma abertura para a descoberta das mulheres e do gnero. Na realidade, os estudos sobre a mulher nas cincias sociais brasileiras tm uma certa ancestralidade sem retroceder muito, poderamos citar a publicao de A mulher na sociedade de classes, de Heleieth Saffioti (1969). A presena das mulheres nos escritos acadmicos vem crescendo, especialmente , a partir do segundo psguerra, em funo de um conjunto de fatores que tem dado visibilidade s mulheres, mediante conquista de novos espaos pblicos. Um primeiro fator seria a maior presena feminina no mercado de trabalho, inclusive nas universidades, conjugada a expanso da luta das mulheres pela igualdade de direitos e pela liberdade, numa conquista do espao pblico que derivou da afirmao dos movimentos feministas. Por outro lado, a discusso dos paradigmas das cincias sociais levou, entre outros aspectos ao questionamento das universalidades(homem,branco,europeu e heterossexual), permitindo a descoberta do outro, das alteridades, dos excludos da histria e entre eles, mais de 50% da populao mundial as mulheres, estende-se aos gays, lsbicas e transexuais e povos latino-americanos, africanos e asiticos. Apesar dos longnquos antecedentes das lutas femininas, como a luta pela educao feminina e o direito ao voto das mulheres e a emancipao feminina, paralelamente s lutas das mulheres operrias por melhores condies de trabalho, como a greve em 8 de maro de 1857 numa fbrica de tecidos em Nova Yorque e que foi violentamente reprimida, j que a fabrica foi incendiada e 130 tecels morreram

carbonizadas, num ato totalmente desumano. Suas reivindicaes voltaram ao cenrio somente em 1975, quando a ONU instaurou o ano e o dia Internacional da Mulher (08 de maro), mesmo sob o contexto desfavorvel dos governos militares, os temas referentes mulher reapareceram: violncia sexual, contracepo, aborto, juntamente com reivindicaes concernentes ao trabalho ( a dupla jornada de trabalho) e a cidadania das mulheres. Somando-se a essa luta outros canais de participao da mulher, sobretudo na forma dos movimentos por melhores condies de vida que ocuparam o espao social e poltico a partir da segunda metade da dcada de 70 do sculo XX. Nos mbitos dos bairros, creches, escolas e principalmente nas igrejas, a presena feminina foi marcante, reivindicando condies de sade, educao, saneamento bsico, habitao ( carncia de uma populao marginalizada no processo de urbanizao), alm da luta pela anistia. Enquanto os espaos tradicionais de expresso poltica se encontravam fechados, elas se organizavam em formas alternativas de atuao, muitas vezes em torno da luta pelo imediato que a constitua como sujeitos coletivos e polticos. Assim na dcada de 70, as mulheres entrariam em cena e se tornaram visveis na sociedade e na universidade, onde os estudos sobre a mulher se encontravam marginalizados na maior parte da produo e documentao oficial. Isso instigou os interessados na reconstruo da experincia, vidas e expectativas das mulheres nas sociedades passadas, e reconstruo histrica da memria feminina, descobrindo- as como objeto de estudo, uma vez que j eram protagonistas na prtica social e na realidade local. As novas tendncias de abordagem histrica emergentes nesse momento possibilitou uma abertura para os estudos sobre a mulher, ao ampliarem reas de investigao e ao renovarem a metodologia dos marcos conceituais tradicionais, apontando para o carter dinmico das relaes sociais e modificando os paradigmas histricos. Contudo, a influncia mais marcante para essa abertura parece ter sido a descoberta do poltico na mbito do cotidiano, o que levou a um questionamento sobre as transformaes da sociedade e o funcionamento da famlia, o papel da disciplina e das mulheres, o significado dos fatos, lutas e gestos cotidianos. Assim a expanso dos estudos sobre a mulher vinculou-se a redefinio do poltico ante o deslocamento do campo do poder das instituies pblicas e do estado para a esfera do privado e do cotidiano. Fruto obviamente das lutas culturais do Maio de 68 que exigia mudanas comportamentais e culturais no espao cotidiano e nas relaes dos micro-poderes. A essa politizao do dia-a-dia incorpora-se tambm a viso do relativismo ps estruturalista, que praticamente destri a tradicional distino entre o central e o perifrico na histria, contribuindo assim, para o desaparecimento progressivo do acontecimento histrico do fato, como foco central de anlise. Essas novas perspectivas e influncias emergentes nesse momento possibilitaram a reorientao do enfoque histrico, como o desmoramento da continuidade, o questionamento de abordagens globalizantes do real, tambm de uma

histria poltica do acontecimento, da corte neopositivista e em geral centrada nos estudos das elites e dos heris masculinos, permitindo tambm o questionamento da universalidade do discurso histrico. Tiveram como preocupao abrir trilhas renovadoras, desimpedidas da cadeia sistmica e das explicaes causais, criar possibilidades de articulao e inter-relao, recuperar diferentes verdades e sensaes, promover a descentralizao dos sujeitos histricos, e permitir a descoberta das histrias de gente sem histria, procurando articular experincias e aspiraes de agentes aos quais se negaram lugar e voz dentro do discurso histrico convencional. Nessa perspectiva o tema da mulher passou a atrair os historiadores e outros saberes, desejos de ampliar os limites de suas disciplinas, de explorar as experincias histricas de homens e mulheres, cuja identidade foi to frequentemente ignorada ou mencionada apenas de passagem. A pluralidade de possibilidades de olhares sobre o passado mostrando que esse pode ser desvendado a partir de mltiplas questes permite perceber toda uma vinculao entre a produo acadmica e a emergncia dos movimentos sociais e feministas das mulheres. Esse esclarecimento se faz necessrio quando nos damos conta que a histria no recupera o real no passado, no narra o passado, mas constri um discurso sobre este, trazendo tanto o olhar quanto a prpria subjetividade do historiador que recorta e narra o passado.

O tema da Mulher na produo histrica das cincias sociais Nas cincias sociais, ampliaramse nos ltimos anos os estudos sobre a mulher, sua participao na sociedade, na organizao familiar, nos movimentos sociais, na poltica e no trabalho, o tema adquiriu notoriedade e abriu novos espaos, em particular com a incorporao da categoria de gneros nessa rea. A produo historiogrfica sobre as mulheres vem crescendo e tomando vigor pluralista, abrangendo distintos formas de abordagens e contedos variados. Assim, no se pretende fazer aqui um levantamento exaustivo de toda essa produo, mas pontuar algumas questes que parecem fundamentais para o nosso debate nesse evento e abrir frentes de discusso para nossa reflexo . O processo de emergncia do tema, tanto na produo historiogrfica, como em outras reas, principalmente nos anos 70, entre outras questes, a do trabalho feminino, em particular, o trabalho febril. indiscutvel a maior visibilidade do trabalho, por seu papel fundamental para a sobrevivncia e pelo fato de ocupar grande parte da vida cotidiana. Todavia por esse privilgio dado ao mundo do trabalho, possivelmente se deve a uma certa vinculao inicial dessas pesquisas aos estudos sobre o movimento operrio e a uma herana de tradio marxista, cuja preocupao era identificar os signos da opresso masculina e capitalista sobre as mulheres. A produo historiogrfica brasileira sobre as mulheres nos anos 80 apresenta variadas abordagens que analisam aspectos diferenciados da questo. No mbito da temtica do trabalho feminino, procurou-se resgatar as mltiplas estratgias e resistncias criadas e recriadas pelas mulheres no cotidiano, bem como sua

capacidade de explorar as inconsistncias ou incoerncias dos sistemas sociais e polticos para encontrar brechas por intermdios das quais se pudessem se expressar, ou ao menos sobreviver. Procurou-se reconstruir a estrutura ocupacional feminina no meio urbano por meio dos papis improvisados, destacando e descobrindo sua presena constante na insero no espao pblico. Nesse sentido estudos do historiador neo marxista ou marxismo renovado, Thompson da formao da classe operria inglesa, foram inspiradores para trazer a tona luzes sobre o que poderamos chamar de uma cultura da resistncia, em que a luta pela sobrevivncia e a improvisao toma feies de atitudes polticas, formas de conscientizao e manifestaes culturais espontneas de resistncias. Destacaram-se tambm os estudos sobre o papel na famlia, as relaes vinculadas ao casamento, maternidade e sexualidade. Destaco aqui o artigo de Raquel Soihet, no livro Domnios da Histria, Histria das Mulheres, onde a autora mapeia a produo numa perspectiva de micro-histria, como Mulheres e trabalho, mulheres, famlia e maternidade e mulheres e sexualidade. Focalizando a interseco entre o privado e o pblico, o individual e o social, o demogrfico, o poltico e o ertico, esses estudos desenvolvidos na historiografia estiveram mais concentrados na anlise do perodo colonial e incio do sculo XIX e desvendaram em particular as fontes ligadas a igreja e ao estado. Trabalhos do Ronaldo Vainfas, Mary Del Priore. Essa ltima foi a organizadora do volume das historias das mulheres no Brasil com vrios pesquisadores e temticas ligadas a Histria das Mulheres em 1997). No tocante ao perodo final do sculo XIX e comeo do sculo XX, os estudos histricos enfocaram aspectos diversos, destacando a disciplinarizao, os padres de comportamento, os cdigos de sexualidade e a prostituio e priorizaram como fontes as judicirias e as mdicas, destaque para o livro de Margareth Rago, do cabar ao lar1985 e os prazeres da noite 1991 e Magali Engel: Meretriz e doutores: saber mdico e prostituio no RJ, 1989. Nessa produo recente mais significativa, poderes e lutas femininas foram recuperadas, mitos examinados e esteretipos repensados. Procurou-se rever imagens e enraizamentos impostos pela historiografia e as cincias sociais, bem como dar visibilidade s mulheres, questionando a dimenso da excluso a que estavam submetidas, entre outros fatores, por um discurso universal masculino, conforme a obra clssica da Michelle Perrot, Os excludos da histria: operrios, mulheres e prisioneiros, traduzida no Brasil em 1988. Saliento que foi a historiadora Michelle Perrot com Georges Duby que organizou em 1991 e 1992 as coletneas em 5 volumes da Histria das mulheres no ocidente. Mesmo questionada hoje pelos estudos da cultura, j que segue uma cronologia histrica e coloca o ocidente como parmetro histrico de civilidade, a histria das mulheres em 5 volumes mostrou a importncia da temtica. Assim, num leque de vrias correntes de interpretaes, procurou-se recuperar a atuao das mulheres no processo histrico, como sujeitos ativos de modo que as imagens de pacificidade, ociosidade e confinao ao espao do lar vm sendo

questionada, descortinando-se esferas de influncia e recuperando-se testemunhos femininos. Contudo, torna-se cada vez mais necessrio, sem esquecer a opresso histrica sobre as mulheres, superar a dicotomia ainda fortemente presente entre a vitimizao da mulher uma anlise que apresenta um processo linear e progressista de suas lutas e vitrias e a viso de uma onipotncia feminina que algumas vezes estabelece uma heroicizao das mulheres (cuidado para no reconstruir os heris e inverter os mitos). O crescimento da produo permite apontar que no se trata apenas de incorporar as mulheres no interior de uma grande narrativa pronta, quer mostrando que as mulheres atuaram tanto quanto os homens na histria, quer destacando as diferenas de uma cultura feminina, perdendo-se, assim a multiplicidade do ser feminino, podendo se cair numa mera perspectiva essencialista. Aps a fase inicial da necessidade de tornar visveis as mulheres, abre-se a possibilidade de se recobrar a experincia coletiva de homens e mulheres, no passado, em toda sua complexidade , bem como procura-se um aprimoramento metodolgico que permite recuperar os mecanismos das relaes sociais entre os sexos e a contribuio de cada qual ao processo histrico. Gnero: uma categoria til de anlise cultural em funo dessas crticas e das prprias transformaes na sociedade e nas reivindicaes dos movimentos feministas e das diversidades culturais, Movimentos LGBT( Lsbicas, gays, travestis, bissexuais e transexuais) que surge a ideia do gnero enquanto categoria de anlise histrica a partir do fim dos anos 80, conforme o texto clssico de Scott, de 1990. No podemos esquecer que a partir dos anos 80 a feminismo passa por toda uma autocrtica: antigas plataformas como a busca pela igualdade de condies e direitos em relao aos homens e a procura de uma construo de identidades feminina nica, so em parte questionadas, pontuadas pela diversidade dentro das lutas feministas. As mulheres penetravam nos movimentos sociais, expressando suas inmeras outras associaes e dessa forma se descobriram como diversidade dentro do prprio movimento, que deixava de ser uma luta localizada apenas das mulheres, e amplia-se para as lutas das diversidades histricas. Nesse sentido importantes contribuies foram dadas pela arqueologia do discurso do Foucault, pela ideia da desconstruo e pela historiografia das mentalidades e da cultura. Esses pensadores tiveram ressonncia entre os estudiosos do tema da mulher e nos movimentos sociais e feministas, propiciando a emergncia das pesquisas em torno do gnero, que convergiram para uma nova tendncia: a histria cultural. Sem dvida, a categoria gnero reivindica para si um territrio especfico, em face da insuficincia dos corpos tericos existentes para explicar a persistncia das desigualdades entre homens e mulheres. Enquanto nova categoria o gnero vem procurando dialogar com outras categorias histricas j existentes, mas vulgarmente ainda empregado como sinnimo de mulher, j que seu uso tambm pode ser visto

como uma faceta que busca dar legitimidade acadmica por parte dos estudiosos do tema. Por sua caracterstica basicamente relacional, a categoria gnero procura destacar que os perfis de comportamento feminino e masculino definem-se em funo do outro, das alteridades. Esses perfis se constituem social, cultural e historicamente num tempo, espao e cultura determinados. No se deve esquecer, ainda que as relaes de gneros so um elemento constitutivo das relaes sociais baseadas nas diferenas hierrquicas que distinguem sexos e so, portanto, uma forma primria de relaes significantes de poder. Sendo uma de suas preocupaes evitar as oposies binrias fixas e naturalizadas, os estudos de gnero procuram mostrar que as referncias culturais so sexualmente produzidas, por meio de smbolos, jogos de significao, cruzamentos de conceitos e relaes de poder, conceitos normativos, relaes de parentesco, econmicas e sociais. A expanso e o enriquecimento dos temas de investigao proposto pelos estudos de gnero foram acompanhas por renovaes dos marcos tericos e metodolgicos, enfoque e modos de anlises inovadores, que, alm de questionarem os paradigmas histricos tradicionais, vm colocando novas questes, descobrindo novos temas e fontes, enfim contribuir para redefinir e ampliar noes tradicionais do significado histrico e da prtica do conhecimento. O personagem histrico universal cede lugar a uma pluralidade de protagonistas, e o mtodo nico e racional do conhecimento universal foi substitudo pela multiplicidade de histrias o que no significa dizer que a histria se encontra em migalhas como afirma Dosse. Essa produo focada no gnero tem revelado os limites da utilizao de certas categorias descontextualizadas, sinalizando a necessidade de estudos especficos que evitem tendncias e generalizaes e premissas preestabelecida, bem como observem a hetorogeneidade das experincias, incorporando toda a complexidade do processo histrico, o que implica aceitar as mudanas e as descontinuidades histricas, como o caso do estudo dos gneros na Amrica Latina, que j de antemo aponta para uma diversidade imensa e uma descontinuidade histrica, fugindo da suposta linearidade temporal e ocidental. Quanto s categorias de anlise, nota-se uma preocupao explcita de se libertar de conceitos universais, e ao mesmo tempo, resgatar as experincias de outros protagonistas, levando o estudioso a restringir o objeto analisado e desconstru-lo no passado , sempre trabalhando de forma relacional, os gneros, permitindo assim, a redescoberta de situaes inditas, no no sentido de apontar o excepcional, mas de descobrir o que at ento era inatingvel, por estar submerso ou supostamente invisvel no discurso dominante. Procurar historicizar os conceitos e as categorias com que se tem trabalhado, entre elas a categoria de gnero, construindo-os durante o prprio processo de pesquisa, e incorporar as mudanas, aceitar conscientemente a transitoriedade dos conceitos e do prprio conhecimento, so preocupaes que deve nortear o trabalho

par quem se dedica a temtica dos gneros e da diversidade. Aceitar a prpria instabilidade das categorias analticas, constantemente reconstrudas e a historicidade inerente ao processo de conhecimento. Os estudos de gnero vo de encontro a certas tendncias da historiografia contempornea que questionam a concepo da histria como evoluo linear e progressista e a do tempo vinculado a leis de mudanas e prognsticos do futuro, ou seja a idia do progresso. Procurando acabar com a segmentao entre passado e presente, os estudos de gnero contriburam com a ampliao o objeto do conhecimento histrico, levando a descoberta de temporalidades heterogneas, ritmos desconexos, tempos fragmentados e descontinuidades, descortinando o tempo imutvel e repetitivo ligado aos hbitos, mas tambm o tempo criador , dinmico e das inovaes, focalizando o relativo, a multiplicidade das duraes que convivem nas prticas da vida e na trama histrica. As nuanas, as tendncias, os movimentos passaram a ocupar a ateno dos estudiosos em lugar da certeza dos fatos cronolgicos e as periodizaes especficas, permitindo ver que a prpria histria das mulheres no uma linearidade progressiva, tem ir e vir, e que suas lutas e resistncias tambm no podem ser vistas apartadas de toda uma dinmica de dominao presente na trama da histria. indiscutvel a contribuio da produo historiogrfica e antropolgica sobre o gnero na ampliao da viso do passado e da cultura, mas ainda h muito o que se fazer, j que grande parte grande parte dos segredos a serem conhecidos ainda est encoberta por evidncias inexploradas, como as subjetividades, embora h tambm hoje no campo das construes das subjetividades, das sensibilidades. Nesse sentido, os estudos de gnero reconhecem a pesquisa emprica como elemento indispensvel para detectar os movimentos de constituio dos sujeitos histricos, analisando as transformaes por que passaram e como construram suas prticas cotidianas. Todavia restam ao pesquisador apenas fragmentos filtrados pela conscincia hegemnica dos documentos oficiais, mas tambm possvel rastrear as falas no cotidiano, as lutas, os modos de vida, na qual exige de todos um esforo contnuo para ler e captar toda essa sutileza da experincia do dia a dia atravs da histria oral que pode ser uma grande arma para reconstruir vidas e outras histrias outrora relegadas a segundo plano no palco histrico. Os estudos de gnero tm se mostrado como um campo multidisciplinar, com uma pluralidade de influncias, na tentativa de reconstruir experincias excludas. Nesse sentido, aproximaram-se particularmente da psicologia e da Antropologia, influncias que sem dvida, favorecem a ampliao de reas de investigao. Assim, a abertura dos estudos histricos para as abordagens de gnero vem colocando vrias questes em relao a fontes, mtodos e explicao. A construo de um conhecimento dialtico no campo movedio dos estudos de gnero tem buscado recuperar a historicidade das relaes entre os sexos, desvendar suas caractersticas, estabelecer relaes e articulaes entre amplas dimenses. Por outro lado, a variedade de novas abordagens, tambm renova os olhares sobre o passado, incorpora a diversidade e a multiplicidade de interpretaes, abrindo

o campo para anlises de expresses culturais, modos de vida, relaes pessoais, redes familiares, tnicas e de amizade entre mulheres e entre mulheres e homens, entre homens, seus vnculos afetivos, ritos e sistemas simblicos, construo de laos de solidariedade, modos e formas de comunicao, de perpetuao e transmisso das tradies, formas de resistncias e lutas at ento marginalizadas nos estudos histricos, sociais e culturais, propiciando um maior conhecimento sobre a condio da mulher, do homem, gays, lsbicas e bissexuais e transexuais. Assim ao destacar que o social historicamente constitudo, nele as experincias sociais femininas e masculinas diferenciadas emergem numa condio prpria em sociedades especficas. O enfoque cultural faz emergirem outras manifestaes passadas da experincia coletiva e individual das mulheres e dos homens, em particular de um grande contingente no enquadrado em organizaes, propiciando aos historiadores a possibilidade de anlise do mundo privado. Nesse sentido, importante observar as diferenas sexuais como construes culturais e histricas que incluem relaes de poder no localizadas exclusivamente num ponto fixo, masculino, mas presentes em toda a cadeia da trama histrica.

Impasses e perspectivas nos estudos de Gneros Outrora rejeitada e at marginalizada- a histria da mulher passou a ser encarada como uma possibilidade de recuperao de outras experincias. Com a incorporao do gnero como categoria de anlise e tambm como forma de insero no espao pblico, tem se procurado demonstrar que o comportamento ou os valores que so aceitos em uma sociedade num certo momento histrico podem ser rejeitados em outras formas de organizao social ou em outros perodos. Assim destacar as diferenas a partir do reconhecimento de que a realidade histrica social e culturalmente constituda tornou-se um pressuposto do pesquisador e das instituies pblicas que tratam dessa temtica dos gneros, que procura incorporar essa categoria, permitindo perceber a existncia de processos histricos diferentes e simultneos, bem como abrir um leque de possibilidades de focos de anlise e de intervenes de polticas pblicas de gnero. As abordagens que incorporam a anlise de gnero tem revelado um universo de tenses e movimento com toda uma potencialidade de confrontos, deixando entrever um mundo onde se multiplicam formas peculiares de integraodiferenciao, permanncia e transformao, onde a mudana no est excluda, mas sim vivenciada de diferentes formas. Procuram, assim, recobrar o pulsar na histria, recuperar sua ambiguidade e a pluralidade de possveis interpretaes, desfiar a teia das relaes cotidianas e suas diferentes tenses e dimenses de experincia, fugindo dos dualismos e polaridades e questionando as dicotomias que estabelece relaes de hierarquias e legitima as desigualdades. Ao recuperarem os processos histricos e a experincia das diversidades , tais abordagens pretendem perceber suas mudanas e permanncias, continuidades e fragmentao, as amplas articulaes, as infinitas possibilidades da trama multidimensional e cultural, que se compe e recompe continuamente e que revela

toda uma organizao de solidariedade, resistncia silenciosa e contestadora dos sujeitos em ao. O crescimento da produo sobre o gnero nas cincias sociais, ao contrrio de esgotar possibilidades, abriu um campo movedio de controvrsias, instaurando um debate frtil. Contudo, alguns problemas de definio, temas, mtodo e explicao persistem e, entre elas a prpria categoria do gnero. (Burke, A Escrita da Histria: novas perspectivas). Um balano da produo e a crtica interna permite visualizar o surgimento dos desafios. Inquestionavelmente, grande parte da produo de gnero privilegiou o enfoque das experincias femininas em detrimento do seu universo de relaes com o mundo masculino. Poucos so os estudos que analisam a masculinidade, bem como a Homossexualidade, deixando de revelar as pluralidades dos femininos e dos masculinos. ( Masculino, feminino, plural organizado pela Joana Maria Pedro e Miriam Grossi, da Editora Mulheres de Florianpolis, 1998) Proliferam os estudos concretos, mas j se sente a necessidade de uma sntese que abarque as continuidades e descontinuidades, as desigualdades persistentes e as experincias sociais radicalmente diferentes. Igualmente difcil de analisar a relao entre o particular e o geral, de modo que constitui grande desafio para o historiador mostrar como os gneros fazem parte da histria, abord-lo mais de modo analtico que descritivo, relacion-lo aos acontecimentos mais conjunturais, estabelecendo relaes e articulaes mais amplas, inserindo- o nas dinmicas das transformaes sociais, econmicas, polticas e culturais. Ainda muito esparso os estudos de gnero na Amrica latina, uma abordagem que consiga abarcar a multiplicidade dos povos originrios da Amrica, entrecruzando, etnia, gneros e cosmoviso de mundo, os contextos sociais e histricos onde se inserem as mulheres latinas e pobres que no necessariamente tem o mesmo modelo de feminismo e de gnero pensando nos Estados Unidos e na Europa e mesmo aqui no Brasil. Este estudo ainda est todo a ser feito, com pesquisa contextualizada em cada regio em cada realidade e com o propsito de trazer a experincia histrica das mulheres e dos homens na Amrica latina, respeitando toda a sua diversidade cultural e tnica. Por outro lado, devemos lembrar a manuteno da discrepncia entre a alta qualidade da recente investigao histrica sobre as mulheres e a persistncia de seu status marginal, que se soma debilidade dos movimentos feministas e movimentos de diversidades contemporneos, descolados dos estudos acadmicos. Talvez hoje aqui seja um marco histrico, aproximar a reflexo acadmica com a realidade e prticas de homens e mulheres de Foz e regio Fronteiria. H que se aprofundar a anlise no apenas da experincia masculina e feminina no passado, seno tambm da conexo entre histria passada e prtica social. Na realidade existem muitos gneros, muitos feminismos, muitos femininos muitos masculinos e temos que reconhecer a diferena dentro da diferena. Desse modo mulher e homem no constituem simples aglomerados, elementos como cultura, classe, etnia, geraes, poderes e ocupao devem ser ponderados e

entrecruzados numa tentativa de desvendamento mais frutfero, por meio de pesquisas especficas que evitem tendncias e generalizaes e premissas preestabelecidas. Sobrevm a preocupao de desfazer noes abstratas de mulher e de homem, como identidades nicas, a- histricas e essencialistas, para pensar a mulher e o homem como diversidades no bojo da historicidade de suas inter-relaes. Tal tarefa exige muito de quem se dedica aos estudos de gnero e diversidade ou tem sensibilidade para a problemtica. A temtica das relaes de gnero extremamente abrangente e impe dificuldades para definies precisas, refleta de controvrsias e de ambiguidades, caminho inspito para quem procura e acredita em marcos tericos fixos e muito definidos, ou em experincia nica. Essa tarefa exige do pesquisador e das pessoas uma abertura para com a alteridade, com a experincia do outro e sobretudo, com a diferena cultural.

Você também pode gostar

  • Imagine
    Imagine
    Documento2 páginas
    Imagine
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Resenha
    Resenha
    Documento2 páginas
    Resenha
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Papagaio de Pirata
    Papagaio de Pirata
    Documento1 página
    Papagaio de Pirata
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Envelhecer
    Envelhecer
    Documento1 página
    Envelhecer
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Cbha 2010 Castro Maraliz Art
    Cbha 2010 Castro Maraliz Art
    Documento11 páginas
    Cbha 2010 Castro Maraliz Art
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Introdução 14-10-2016
    Introdução 14-10-2016
    Documento5 páginas
    Introdução 14-10-2016
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Introdução
    Introdução
    Documento2 páginas
    Introdução
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Document Á Rio
    Document Á Rio
    Documento1 página
    Document Á Rio
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Dia Mundial Do Rock
    Dia Mundial Do Rock
    Documento2 páginas
    Dia Mundial Do Rock
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Papagaio de Pirata
    Papagaio de Pirata
    Documento1 página
    Papagaio de Pirata
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Apresentação Cerâmica
    Apresentação Cerâmica
    Documento15 páginas
    Apresentação Cerâmica
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Chuva
    Chuva
    Documento1 página
    Chuva
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • A Nova Historia Cultural Lynn Hunt 1 PDF
    A Nova Historia Cultural Lynn Hunt 1 PDF
    Documento164 páginas
    A Nova Historia Cultural Lynn Hunt 1 PDF
    Wesley Nogueira
    Ainda não há avaliações
  • Trabalho Bachiller Luis Fonte
    Trabalho Bachiller Luis Fonte
    Documento1 página
    Trabalho Bachiller Luis Fonte
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Chuva
    Chuva
    Documento1 página
    Chuva
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Concordanciadasl 00 Cout
    Concordanciadasl 00 Cout
    Documento30 páginas
    Concordanciadasl 00 Cout
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Quanto Vale
    Quanto Vale
    Documento1 página
    Quanto Vale
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • 15 Cenas de Descobrimento Do Brasil
    15 Cenas de Descobrimento Do Brasil
    Documento4 páginas
    15 Cenas de Descobrimento Do Brasil
    Crendios Father
    Ainda não há avaliações
  • Ashddhsjkdhsjkdhad
    Ashddhsjkdhsjkdhad
    Documento1 página
    Ashddhsjkdhsjkdhad
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • 1984
    1984
    Documento1 página
    1984
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Concordanciadasl 00 Cout
    Concordanciadasl 00 Cout
    Documento30 páginas
    Concordanciadasl 00 Cout
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Gênero Trajetória Histórica Maria Izilda
    Gênero Trajetória Histórica Maria Izilda
    Documento10 páginas
    Gênero Trajetória Histórica Maria Izilda
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Filme Morango e Chocolate
    Filme Morango e Chocolate
    Documento2 páginas
    Filme Morango e Chocolate
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • A Moda Do Imposto
    A Moda Do Imposto
    Documento2 páginas
    A Moda Do Imposto
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • O Novo Romance Historico Brasileiro Carlos Baumgarten
    O Novo Romance Historico Brasileiro Carlos Baumgarten
    Documento10 páginas
    O Novo Romance Historico Brasileiro Carlos Baumgarten
    Claudia Lanis
    Ainda não há avaliações
  • A Moda Do Imposto
    A Moda Do Imposto
    Documento2 páginas
    A Moda Do Imposto
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Unidade 2 - Bloch
    Unidade 2 - Bloch
    Documento11 páginas
    Unidade 2 - Bloch
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • Papa Paulo III
    Papa Paulo III
    Documento3 páginas
    Papa Paulo III
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações
  • A Moda Do Imposto
    A Moda Do Imposto
    Documento2 páginas
    A Moda Do Imposto
    Anderson de Oliveira
    Ainda não há avaliações