Você está na página 1de 1

Vasco Horta

20101250

MIARQ1A

As Horas (2002) de Philip Glass (1937-): Um Elogio do Tempo


Aps todos os estilos e todos os ciclos da arte, depois da objectividade clssica e do elogio das paixes romnticas, o sculo vinte fez a sntese de tudo o que j havia sido criado. E esta contemporaneidade, liberdade ou poema em verso livre, permitiu comunicar o quotidiano, enfim, a vida. E a vivncia flor da pele, os episdios mais insignificantes do viver contemporneo levaram os artistas a dizerem afinal tudo sem preconceitos, num mpeto experimentalista e genuno. No caso da msica erudita, muitos, como Penderecki ou Messiaen tentaram dizer o caos interior pelo caos das notas do piano, pela dissonncia. E na verdade, o caos est l, tal como o tempo, esse eterno factor que nos assusta e fascina, est em Philip Glass. difcil falar de Philip Glass de forma objectiva e analtica. No fundo, este um autor minimalista, cujas melodias culminam em constantes repeties de acordes. Os compassos em ostinato criam um ritmo simples e contnuo, interrompido por outros ritmos mais rpidos ou mais lentos. O jogo de velocidade e melodia confere diferentes graus e cortes de intensidade ao momento musical. Mas as composies de Glass precisam de um viver humano especfico. Ao ouvirmos As Horas num momento de desespero, o ritmo alucinante das notas ecoa vertiginosamente na nossa conscincia, acompanha-nos no sentimento, confere-lhe uma dimenso emocional, pica. O pensamento flui ao ouvir As Horas, a msica desbloqueia os caminhos das ideias e elas escorrem torrencialmente. Glass o empolgamento, a aco. Tudo se move, a cidade move-se, os carros cruzam-se nos viadutos, os pees entram e saem dos edifcios urbanos, os letreiros acendem e apagam, a luz do sol gira volta da cidade, mudam as sombras, muda a luz, tudo muda e anda e corre. o quotidiano, a rotina, a maquinalidade da vida ps-moderna. As Horas fazem quase um elogio do futurismo de lvaro de Campos na sua Ode Triunfal - rodas, engrenagens, r-rr-r-r-r-r eterno!/ Forte espasmo retido dos maquinismos em fria!/ Em fria fora e dentro de mim ou, por outro lado, uma sinfonia do quotidiano lisboeta de Mrio Cesariny: H uma hora, h uma hora certa/ que um milho de pessoas est a sair para a rua () Samos: seres usuais, gente-gente, olhos, narinas, bocas,/gente feliz gente infeliz () H uma hora, isto: Lisboa e muito mais./ Humanidade cordial, em suma,/ com todas as consequncias disso mesmo/ e a sair a sair para o meio da rua. Com efeito, o paradigma minimalista da obra acaba por fazer parte de uma corrente do pensamento artstico da actualidade. Mies Van Der Rohe profetizava que menos mais e Glass vai ao encontro desse preceito: liberta-se de refinamentos barrocos e concede s simples formas musicais uma subtil potica.

Histria da Arte Contempornea

Maro de 2011

Você também pode gostar