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Formandos em Direito
da Universidade Católica
do Salvador
2007.2
Universidade Católica do Salvador
Reitor
José Carlos Almeida
Faculdade de Direito
Diretor
Thomas Bacellar da Silva
Coordenação Editorial
2007.2
Coordenação Editorial
Daniel Soeiro Freitas
Oacir Silva Mascarenhas
Ticiano Alves e Silva
Verena Aguiar Silveira
Conselho Editorial
Antonio Adonias Aguiar Bastos
Carlos Martheo Guanaes Gomes
Nágila Maria Sales Brito
Rita Simões Bonelli
Semestral
APRESENTAÇÃO ................................................................................................ 15
CONVIDADOS
O NOVO REGIME DA ALIENAÇÃO DE BENS DO EXECUTADO
Alexandre Freitas Câmara ................................................................................. 19
O DIREITO À HOMOAFETIVIDADE
Maria Berenice Dias ............................................................................................ 155
O CONCEITO DE DIREITO - UMA INTRODUÇÃO CRÍTICA
Paulo Queiroz ...................................................................................................... 183
CORPO DOCENTE
BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PENSÃO POR MORTE NO RGPS
Anna Carla M. Fracalossi ................................................................................... 209
É certo que a vontade de fazer a Revista não era nova. A idéia nos
perseguia há algum tempo, com a força que têm as idéias que na verdade
são um sonho. Mas colocá-la em prática dependia de numerosos fatores
(projetos pessoais, dificuldades financeiras, apoio da própria Universida-
de Católica, disposição da comunidade acadêmica (corpo docente e dis-
cente, que se diga) e, como não podia deixar de ser, tempo). A certa altura,
chegamos à conclusão que deveríamos logo pôr em prática a idéia. Afinal,
como já disse o poeta Antonio Machado, “caminante, no hay camino,/se
hace camino al andar”.
O valor do livro foi muito bem definido pelo padre Antônio Vieira,
ao vaticinar que um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego
que guia, um morto que vive.
I – INTRODUÇÃO
1
Sobre o tema, seja permitido remeter a Alexandre Freitas Câmara, A nova execução de
sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 4ª ed., 2007, passim.
20 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
2
STJ, REsp 557467/SC, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 01.06.2004.
CONVIDADOS 21
Alexandre Freitas Câmara
avaliação que não fosse vil (mas que, normalmente, ficava muito próximo
desse limite).3
O ponto não me permite deixar de narrar história bastante curiosa,
ocorrida alguns anos atrás. Ministrava eu uma aula sobre a execução por
quantia certa e, então, explicava aos meus alunos que normalmente não
aparece ninguém na primeira hasta pública, mas apenas na segunda, pe-
las razões já expostas. Uma aluna, então, perguntou-me por que não se
fazia a segunda hasta pública antes da primeira. Confesso que não foi
muito fácil fazê-la entender que se a segunda hasta pública se realizasse
antes da primeira, não seria a segunda…
O fato é que, no regime original do CPC a expropriação em hasta
pública jamais foi capaz de produzir os bons resultados que dela esperava
o legislador.
Quando se encerrava a praça sem lançador, na forma do art. 714
do CPC, permitia-se ao exeqüente (ou ao credor hipotecário do executado)
requerer a adjudicação do bem penhorado, pelo preço da avaliação. Sem-
pre tive dificuldade para entender o que levaria alguém a requerer a adju-
dicação de um bem. Afinal, todos os que podiam adjudicar estavam, tam-
bém, legitimados a arrematar. Ora, por que adjudicar pelo preço da avalia-
ção se a mesma pessoa poderia arrematar por preço inferior (desde que não
fosse vil)?
Por fim, admitia-se a expropriação dos frutos de um imóvel ou de
uma empresa, através dessa figura pouquíssimo utilizada a que se deu o
nome de “usufruto de imóvel ou empresa”. Este era instituto raramente
utilizado, como se pode ver pela jurisprudência do STJ. Em breve pesquisa
que efetivei na página eletrônica de jurisprudência daquela Alta Corte,
encontrei apenas um caso em que essa modalidade de expropriação de
frutos foi mencionada.4
A Lei nº 11.382/2006 alterou, como dito, de forma bastante subs-
tancial esse regime. Agora, como se vê pela nova redação do art. 647, a
preferência da lei é pela adjudicação. Caso esta não ocorra, dar-se-á a ex-
propriação através da alienação por iniciativa particular. Como terceira
alternativa, admite-se a expropriação em hasta pública. Por fim, tem-se a
expropriação de frutos de bens móveis ou imóveis (no assim chamado
“usufruto de bem móvel ou imóvel”). Passo, então, a examinar essas novas
disposições do CPC.
3
O STJ tem precedentes admitindo, por exemplo, que se considere válida expropria-
ção feita por preço inferior à metade da avaliação. Confira-se, por exemplo, STJ
REsp 704006/ES, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 13.02.2007.
4
STJ, REsp 419151/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. em 05.11.2002.
22 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
III – A ADJUDICAÇÃO
5
Edoardo Garbagnati, Il concorso di creditori nel processo di espropriazione. Milão: Giuffrè,
1983, pp. 14-15.
6
Eu mesmo, antes da Lei nº 11.382/2006, sempre me pronunciei pela impossibilidade
de adjudicação de bens móveis, na esteira do que era sustentado por José Carlos
Barbosa Moreira. Agora, porém, aquela opinião perdeu completamente seu sentido.
CONVIDADOS 23
Alexandre Freitas Câmara
7
Sobre o ponto, Francesco Cordopatri, “Le nuove norme sull’esecuzione forzata”, in
Rivista di diritto processuale, 2005, n. 3, p. 768.
8
No mesmo sentido, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José
Miguel Garcia Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil, vol. 3. São
Paulo: RT, 2007, p. 156, com a ressalva (feita na p. 157), de que seria possível a
alienação por preço inferior à avaliação se com isso concordar o executado, em
opinião a que expressamente manifesto minha adesão.
CONVIDADOS 25
Alexandre Freitas Câmara
VI – CONCLUSÃO
9
Como acertadamente afirmou o STJ no acórdão anteriormente citado em a nota de
rodapé nº 4.
10
Sérgio Campinho, O direito de empresa à luz do novo Código Civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 9.
28 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
1. INTRODUÇÃO.
2. O ADVOGADO.
1
LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 4 ed., rev. e atual., São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 18.
30 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
3. O JUIZ.
2
Art. 133, CF. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável
por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
3
PASSOS, J.J. Calmon de. Advocacia – O direito de recorrer à justiça. Tese n. 11 da VI
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador: Conselho
Federal da OAB, 1976, p. 15.
4
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 20 ed., rev e
atual., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 96.
CONVIDADOS 31
André Marinho Mendonça
4. A RELAÇÃO JUIZ-ADVOGADO.
5
MOREIRA, Márcio Martins. Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil Anotado. São
Paulo: Ícone, 2005, p. 31.
6
CONSULTOR JURÍDICO. Palavra do Conselho. Disponível em: <http://
conjur.estadao.com.br/static/text/58364,1#null>. Acesso em: 15 set. 2007.
CONVIDADOS 33
André Marinho Mendonça
7
Ordem Interna nº 01, de 07.05.2007.
Art. 1º. As solicitações de audiências serão formuladas por escrito e assinadas por
procurador constituído do interessado.
§ 1º. A petição deverá ser protocolizada na Secretaria do Gabinete, podendo ser
apresentada via fax, ou e-mail.
Art. 2º. Uma vez deferido o pedido, com designação de data para a audiência,
serão cientificados, por telegrama ou por carta registrada, os procuradores da parte
contrária e os procuradores de eventuais interessados já admitidos no processo,
ficando estes convidados a participar da audiência, caso tenham interesse em fazê-
lo.
§ 1º. O aviso de recebimento e/ou cópia de telegrama será juntado aos autos.
Art. 3º. Comparecendo ou não os procuradores dos demais interessados, a audiên-
cia será realizada, em dia e hora marcados, atendendo-se ao pedido formulado.
§ 1º. Os procuradores poderão ser acompanhados pelas partes, que só poderão
manifestar-se por intermédio daqueles.
Art. 4º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília-DF, 07 de maio de 2007. MINISTRA NANCY ANDRIGHI
34 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
Agiu com acerto o Min. Francisco Peçanha Martins, uma vez que
não pode uma ordem interna fazer letra morta ao quanto estabelecido pela
Lei nº 8.906/94, que é de clareza ímpar ao garantir ao advogado o acesso
ao magistrado.9
5. CONCLUSÃO.
8
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Corte Especial, MS 13.080/DF, relator: Mi-
nistro Francisco Peçanha Martins, Brasília, DF, 11.09.2007, DJ 18.09.2007. Disponí-
vel em: <https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/REJ.cgi/
MON?seq=3349733&formato=PDF>. Acesso em: 08 out.2007.
9
No mesmo sentido: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2ª Turma, RMS 15.706/
PA, relator: Ministro João Otávio de Noronha, Brasília, DF, 01.09.2005, DJ 07.11.2005,
p. 166. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/
doc.jsp?processo=15706&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 29
ago.2007.
CONVIDADOS 35
André Marinho Mendonça
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
A LEI INCONSTITUCIONAL E O
PODER EXECUTIVO NO MARCO DO ESTADO
CONSTITUCIONAL DE DIREITO
2.2. FUNDAMENTOS
1
A única ressalva que se poderia fazer diz respeito à hipótese, remonta, em que a lei
inconstitucional fosse uma lei estadual ou municipal que atentasse contra norma
da Constituição estadual que repetisse norma da Constituição Federal, hipótese em
que cabe a ação direta no âmbito estadual, com eficácia erga omnes. De resto, ter-
se-ia de aguardar a causa alcançar, em grau de recurso, o S.T.F. para, posteriormen-
te, aguardar uma resolução do Senado Federal que suspendesse a execução da lei
com eficácia erga omnes.
CONVIDADOS 45
André Ramos Tavares
2
Art 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que
atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:
I - A existência da União;
Il - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes consti-
tucionais dos Estados;
III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - A segurança interna do país;
V - A probidade na administração;
VI - A lei orçamentária;
VII - A guarda e o legal emprêgo dos dinheiros públicos;
VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).
46 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
outra data que venha a fixar consoante seu entendimento acerca do vício
constatado.
A questão que surge, portanto, em sistemas jurídicos que adotam
esse modelo, é a seguinte: como agirá o Chefe do Executivo se a certeza
quanto à constitucionalidade somente surgirá no momento na decisão
final do S.T.F? Quer dizer que unicamente os chefes do Executivo que
possuirem “poderes paranormais de advinhação” é que poderão
descumprir a lei? Ou, que o Chefe do Executivo, agora, encontra-se amar-
rado, impossibilitado de agir em conformidade com a Constituição no
caso do advento de lei inconstitucional?
Nem Constituição Federal nem, muito menos, o legislador ordi-
nário trouxeram respostas às indagações apresentadas. Entretanto, pare-
ce que a solução reside na possibilidade de a Adminstração Pública dei-
xar de dar guarida à lei inconstitucional.
As opções possíveis, como se sabe, são as que se seguem: (i) o
Chefe do Executivo descumpre a lei e ela é, posteriormente, julgada, em
definitivo, inconstitucional e; (ii) o Chefe do Executivo descumpre a lei que
é, mais tarde, julgada, em definitivo, constitucional.
Na primeira hipótese, dois são os desdobramentos possíveis: (i.a)
de o Tribunal tornar nula a lei e; (i.b) de o S.T.F apenas anulá-la. Naquele
caso (i.a), nenhuma responsabilidade administrativa teria de ser apura-
da, visto que se considera como lei inexistente, que jamais poderia, nesses
termos, produzir efeitos. Na última situação (i.b), diferentemente, seria
cabível a indenização dos particulares prejudicadospela decisão admi-
nistrativa não ratificada pelo Tribunal em sua postura temporal, mas não
se deveria falar em responsabilização do agente político, porque
descumpriu lei que, ao final, foi considerada inconstitucional, apesar da
manipulação temporal.
Na segunda hipótese (ii), o desdobramento seria único:
responsabilização do Chefe do Executivo e indenização dos particulares
prejudicados.
A possibilidade de a Administração Pública utilizar o controle
político repressivo em questão é fortalecida, ainda, pelo fato de seu ato, no
caso de decidir pelo não cumprimento da lei, não ser passível de obrigar
os particulares a, concomitantemente, descumpri-la. Nesse sentido tem-se
RAMOS (1994: 237), o qual defende a tese de que “Tal declaração, por certo,
não vincula terceiros, que sempre poderão questionar o entendimento da
Administração, prevalecendo, afinal, o que o Poder Judiciário decidir a tal
respeito.”.
50 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5. BIBLIOGRAFIA
REALE, Miguel. Questões de direito [1. ed.]. São Paulo: Sugestões Literárias,
1981.
1. NOTA INTRODUTÓRIA.
1
Escrito em homenagem ao Prof. Marcos Bernardes de Mello.
CONVIDADOS 53
Freddie Didier Jr.
2
Percebeu o ponto, apoiando a iniciativa, SANTOS, Ernane Fidélis dos. As reformas de
2005 do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29-30; THEODORO Jr.,
Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 132-138; KNIJNIK, Danilo. A nova execução. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira
(coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 170-171; BRAGA, Sérgio Jacob. “Da
possibilidade de execução das sentenças meramente declaratórias”. Revista Jurídica
Consulex. Brasília: Consulex, 2006, ano X, n. 236, p. 61-63; CARMONA, Carlos
Alberto. “Cumprimento da sentença conforme a Lei n. 11.232/2005”. Processo civil
– aspectos relevantes. Bento Herculano Duarte e Ronnie Preuss Duarte (coord.). São
Paulo: Método, 2007, v. 2, p. 156; YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira.
“A sentença declaratória como título executivo e o princípio da ação (interpretação
do artigo 475-N, I, do CPC, introduzido pela Lei n° 11.232/2005)”. Revista Dialética
de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2007, n. 49, p.19-36; LUCON, Paulo.
“Sentença e liquidação no CPC (Lei 11.232/2005)”. Processo e constituição – estudos
em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e
54 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006, p. 915; MATTOS, Sérgio
Luis Wetzel de. A nova execução. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (coord.). Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 170-173; CARNEIRO, Athos Gusmão. “Do ‘cumpri-
mento da sentença’, conforme a Lei n. 11.232/05. Parcial retorno ao medievalismo?
Por que não?” Revista Dialética de Direito processual. São Paulo: Dialética, 2006, n.
38, p. 34-35; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira etapa da reforma processual
civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 172-174; CALMON FILHO, Petrônio. “Senten-
ça e títulos executivos judiciais”. A nova execução de títulos judiciais – comentários à
Lei 11.232/05. Sérgio Renault e Pierpaolo Bottini (coord.). São Paulo: Saraiva,
2006, p. 100-101. Em sentido contrário, peremptoriamente, Araken de Assis, que
afirma: “Quando se afirma que há execução baseada em sentença declaratória –
por exemplo, o órgão judiciário ‘declarou’ que Pedro deve ‘x’ a João –, incorre-se
em erro crasso, olvidando que nenhum provimento é ‘puro’ e, no exemplo aventa-
do, o juiz foi além da simples declaração, emitindo pronunciamento condenatório”.
(Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 204) O autor não
examina o ar. 4o, par. ún., nem faz referência às decisões do STJ comentadas no
texto, citando outras, mais antigas, em sentido contrário. Também em sentido
contrário, não admitindo a executividade de sentença meramente declaratória,
CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução da sentença. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 92-98; WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Cor-
reia, e TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 8ª ed. São Paulo: RT,
2006, v. 2, p. 56-58; GRINOVER, Ada Pellegrini. “Cumprimento da sentença”. A
nova execução de títulos judiciais – comentários à Lei 11.232/05. Sérgio Renault e
Pierpaolo Bottini (coord.). São Paulo: Saraiva, 2006, p. 125-126; RAMOS, Glauco
Gumerato. Reforma do CPC. São Paulo: RT, 2006, p. 257.
3
Sérgio Shimura já considerava, antes da vigência do novo texto legal, que a sen-
tença de partilha, que é título executivo, tem natureza declaratória (Título execu-
tivo. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 252-253).
4
Parágrafo único do art. 4º do CPC: ”É admissível a ação declaratória, ainda que
tenha ocorrido a violação do direito”.
5
Em sentido diverso, José Roberto dos Santos Bedaque, comentando o parágrafo
único do art. 4º do CPC, antes da Lei Federal n. 11.232/2005: “Essa tutela,
todavia, não terá o condão de eliminar completamente a crise de direito material.
Embora declarado existente o direito, o inadimplemento não poderá ser afastado
pela tutela executiva, pois a sentença declaratória não é título. Terá o credor que
postular nova tutela cognitiva, de conteúdo condenatório, para obter acesso à via
executiva”. (Código de Processo Civil interpretado. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.
49.)
CONVIDADOS 55
Freddie Didier Jr.
para que uma decisão judicial seja título executivo, é que haja o reconheci-
mento da existência de um dever de prestar, qualquer que seja a natureza
da sentença ou da prestação6.
É por isso que a decisão que homologa a transação judicial ou o
reconhecimento da procedência do pedido é título executivo judicial, pos-
to não ser condenatória, é título executivo judicial (art. 475-N, III, CPC), e
não há quem duvide disso.
A questão examinada está dentro deste contexto: é possível reco-
nhecer eficácia executiva a uma sentença constitutiva? Para responder à
questão, é preciso continuar a estabelecer as premissas do raciocínio.
6
“Se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, por senten-
ça, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a
um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a
resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da
coisa julgada, assegurada constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer
às partes e principalmente ao juiz outra alternativa de resultado que não um já
prefixado representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que po-
deria receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional”. (ZAVASCKI,
Teori Albino. “Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva
dos julgados”, cit., p. 31-32.) E acrescenta Ernane Fidélis: “Evidente que haverá
sentenças declaratórias e mesmo constitutivas que não ensejarão qualquer execu-
ção, como a declaração de paternidade ou a de simples anulação de negócio jurídi-
co, sem reconhecimento de qualquer obrigação de fazer ou não fazer, de entregar ou
pagar quantia, mas, ainda que o autor afirme que pretende apenas declaração, o
reconhecimento da existência da obrigação fará nascer o título executivo em se for a
hipótese, ensejará liquidação de sentença”. (As reformas de 2005 do Código de Processo
Civil, cit., p. 29-30.)
56 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
7
A situação jurídica passiva correlata ao direito potestativo não impõe ao sujeito
passivo nenhuma prestação, nenhuma conduta. O sujeito passivo do direito
potestativo submete-se à alteração jurídica desejada pelo titular desse direito. Por-
quanto não há “conduta devida”, não se pode conceber a existência de uma violação
a um direito potestativo. Não há controvérsia sobre o tema. A propósito: TUHR, A.
von. Tratado de las obligaciones. 1ª ed. (reimp.). W. Roces (trad.). Madrid: Editorial
Reus, 1999, t. 1, p. 16; CHIOVENDA, Giuseppe. La acción en el sistema de los derechos.
Santiago Sentis Melendo (trad.). Bogotá: Editorial Temis, 1986, p. 31-32;
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4ª ed. São Paulo: RT, 2000, p.
231-234; LARENZ, Karl. Derecho civil – parte general. Miguel Izquierdo y Macías-
Picavea (trad.). Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado – Editoriales de Derecho
Reunidas, 1978, p. 282; PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil.
3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 174; HENNING, Fernando Alberto Corrêa.
Ação concreta – relendo Wach e Chiovenda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2000, p. 91-92; ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica.
Coimbra: Livraria Almedina, 1997, v. 1, p. 13 e 17; GOMES, Orlando. Introdução ao
estudo do direito. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 118; FONTES, André. A
pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 109;
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 57;
LEMOS FILHO, Flávio Pimentel de. Direito potestativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1999, p. 35-41.
8
Assim, também, corretamente, HENNING, Fernando Alberto Corrêa. Ação concreta
– relendo Wach e Chiovenda, cit., p. 89-90.
CONVIDADOS 57
Freddie Didier Jr.
9
CHIOVENDA, Giuseppe. La acción en el sistema de los derechos. Santiago Sentis Melendo
(trad.). Bogotá: Editorial Temis, 1986, p. 35.
10
Merece transcrição a bela lição de Fernando Alberto Corrêa Henning, quando cuida
do direito potestativo de “denunciar” o contrato de comodato: “A denúncia pro-
duz tal ruptura, fato que possibilita o nascimento do direito à devolução [da coisa],
na precisa medida em que torna injusta a posse do comodatário. Direito de denun-
ciar e direito à devolução são elos numa mesma corrente e isso não impede que
sejam direitos distintos. A hipótese do direito de denunciar é interessante, já que
exemplifica uma possibilidade muito freqüente nos direitos potestativos: a possibi-
lidade de que seu exercício redunde em nascimento de um novo direito. No nosso
caso, o exercício do direito (potestativo) de denunciar leva ao nascimento do direito
à devolução”. (Ação concreta – relendo Wach e Chiovenda, cit., p. 88-89, o texto entre
colchetes é nosso.)
58 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
11
“Potremo parlare in questi casi della sentenza come fatto giuridico in senso stretto: in
quanto, pur essendo la sentenza una dichiarazione di volontà ossia un atto giuridico,
qui non vengono in considerazione gli effetti per i quali la sentenza è atto giuridico, cioè
gli effetti (che posiamo chiamare interni) di cui appar come causa la volontà dichiarata
nella sentenza; ma altri effetti (che possiamo chiamare esterni) che la legge riconnnette ad
essa considerata dal di fuori, come un fatto materiale, produttivo di per sè di certe
conseguenze giuridiche, l’avverarsi delle quali non dipende dalla volontà del dichiarante”.
(CALAMANDREI, Piero. “Appunti sulla sentenza come fatto giuridico”. Opere giuridiche
– a cura di Mauro Cappelletti. Napoli: Morano Editore, 1965, v. 1, p. 271.)
12
ZAVASCKI, Teori Albino. “Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia
executiva dos julgados”. Leituras complementares de processo civil. 3ª ed. Salvador: Editora
JUS PODIVM, 2005, p. 35-36.
13
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3a
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. 5, p. 51 (o grifo em “pressuposto” não existe no
original).
CONVIDADOS 59
Freddie Didier Jr.
14
Não pode estranhar a afirmação de que algo pode ser ao mesmo tempo fato jurídico
e efeito jurídico. “Pode parecer incoerente essa afirmativa, quando considerada dian-
te daquela outra de que suporte fáctico é conceito pré-jurídico, do mundo dos fatos,
e não do mundo do direito. Como considerar fáctico o que é jurídico? Esclarecemos.
O fato jurídico e o efeito jurídico estão no mundo jurídico, mas nem por isso deixam
de integrar, com essa característica de jurídico, o mundo em geral, dito mundo dos
fatos. O mundo jurídico é, apenas, parte do mundo geral, portanto compõe o todo. O
fato jurídico, como os efeitos jurídicos, quando entram na composição de um suporte
fáctico, são tomados como fato jurídico ou como efeito jurídico, tal qual são. Não
voltam a ser fáctico desqualificado de jurídico, mas continuam a ser fáctico adjetivado de
jurídico. A distinção entre mundo dos fatos (geral) e mundo do direito é puramente
lógica, nunca fáctica. O que interessa, portanto, como bem demonstram Pontes de
Miranda e Ennecerus-Nipperdey, é a existência do fato jurídico ou de efeito jurídico,
como tais, porque é essa existência que importa à composição do suporte fáctico do
outro fato jurídico; quer dizer: se a norma jurídica tem como pressuposto de sua
incidência (=suporte fáctico) fato já juridicizado por outra norma jurídica (=fato
jurídico), somente se comporá seu suporte fáctico se aquele fato já existir juridicizado”.
(MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico – plano da existência. 10a. ed. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 42-43.)
15
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito, 4ª ed., cit., p. 128, grifos do
original.
60 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
16
ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra:
Livraria Almedina, 1997, v. 1, p. 17, grifos do original.
17
ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica, v. 1, cit., p. 17.
18
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo:
RT, 2003, v. 8, p. 117.
CONVIDADOS 61
Freddie Didier Jr.
19
“Às vezes, ao direito formativo extintivo junta-se direito formativo gerador ou
modificativo; ou ao efeito daquele, efeito gerador ou modificativo. Com a resolu-
ção, em virtude de exercício de direito formativo gerador, surge a pretensão à
restituição das prestações pagas”. (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de.
Tratado de direito privado. 4ª ed. São Paulo: RT, 1983, t. 5, § 583, n. 2, p. 307.)
20
Assim, também, ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª
ed., cit., v. 8, p. 196; ZANETI Jr., Hermes. “A eficácia constitutiva da sentença, as
sentenças de eficácia preponderantemente constitutiva e a força normativa do co-
mando judicial”. Eficácia e coisa julgada. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (coord.)
Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 110; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. “Sen-
tença constitutiva e volta ao estado anterior”. Instituto dos Advogados do Rio Grande
do Sul – sessenta anos de existência. Antonio Cachapuz de Medeiros (org.) Porto Ale-
gre: IARGS, 1986, p. 227.
21
Ver, por exemplo, STJ, 3ª T., REsp n. 402762/SP, rel. Min. Menezes Direito, j.
27.08.2002, publicado no DJ de 04.11.2002, p. 201: “Ação de anulação de compro-
misso de compra e venda cumulada com reintegração de posse. Foro de eleição.
Precedentes da Corte. 1. Na panóplia de precedentes da Corte há convergência para
afirmar que a ação de anulação de compromisso de compra e venda é pessoal e que
o pedido de reintegração, como conseqüência, não acarreta a incidência do art. 95
do Código de Processo Civil, que estabelece a competência absoluta, prevalecendo
o foro de eleição, se existente”.
62 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
22
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado das ações. Campinas: Bookseller,
1999, t. 4, p. 164.
CONVIDADOS 63
Freddie Didier Jr.
23
FERREIRA, William Santos. “Procedimentos na lei do inquilinato: ação revisional e
renovatória de aluguel”. Procedimentos especiais cíveis na legislação extravagante. Fredie
Didier Jr. e Cristiano Chaves de Farias (coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.013.
24
“Art. 69. O aluguel fixado na sentença retroage à citação, e as diferenças devidas
durante a ação de revisão, descontados os alugueres provisórios satisfeitos, serão
pagas corrigidas, exigíveis a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o
novo aluguel. (...) 2° A execução das diferenças será feita nos autos da ação de
revisão”.
25
Sobre o assunto, amplamente, FERREIRA, William Santos. “Procedimentos na lei
do inquilinato: ação revisional e renovatória de aluguel”, cit., p. 1.014-1.017.
26
Antecipação da tutela. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 59, grifos aditados.
27
Sobre o tema, mais amplamente, DIDIER Jr., Fredie, OLIVEIRA, Rafael, BRAGA,
Paula Sarno. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Editora JUS PODIVM, 2007,
v. 2, p. 532-534.
28
Antecipação da tutela. 9ª ed., cit., p. 63-64.
64 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
8. BIBLIOGRAFIA.
29
Antecipação da tutela. 9ª ed., cit., p. 65.
CONVIDADOS 65
Freddie Didier Jr.
DIDIER Jr., Fredie, OLIVEIRA, Rafael, BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direi-
to Processual Civil. Salvador: Editora JUS PODIVM, 2007, v. 2.
LEMOS FILHO, Flávio Pimentel de. Direito potestativo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1999.
MATTOS, Sérgio Luis Wetzel de. A nova execução. Carlos Alberto Alvaro de
Oliveira (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2006.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3ª ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 1999.
AS DIMENSÕES DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA: CONSTRUINDO UMA
COMPREENSÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL
NECESSÁRIA E POSSÍVEL
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
1
Cf. A. J. de Azevedo. Caracterização Jurídica da Dignidade da Pessoa Humana, in: Revista
dos Tribunais, v. 797, mar. 2002, p. 12.
2
Como, por exemplo, C. Neirinck, La Dignité de la Personne ou le Mauvais Usage d’une
Notion Philosophique, in: P. Pedrot (Dir). Ethique Droit et Dignité de la Personne, Paris:
Economica, 1999, p. 50, advertindo que as noções filosóficas (como é o caso da
dignidade), não encontram solução no Direito. Na mesma direção, F. Borella, Le
Concept de Dignité de la Personne Humaine, in: P. Pedrot (Dir). Ethique, Droit et Dignité
de la Personne, Paris: Economica, 1999, p. 37, nega que a dignidade seja um conceito de
direito positivo, embora admita que possa ser reconhecida e protegida pelo direito.
CONVIDADOS 69
Ingo Wolfgang Sarlet
3
Aqui se tomou emprestada a clássica e de todos conhecida afirmação de José
Ortega y Gasset, no sentido de que o homem é, de certo modo, as suas circunstân-
cias.
70 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
4
Sobre este ponto, considerando particularmente o elenco de direitos fundamentais
reconhecidos pela Constituição do Brasil, remetemos ao nosso Dignidade da Pessoa
Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 3. ed., rev., atual. e
ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, especialmente pp. 78-80 e 84-85,
obra na qual desenvolvemos uma série de aspectos vinculados não apenas à origem
e evolução da noção de dignidade da pessoa humana, mas também da relativos à
condição jurídico-normativa da dignidade, sua conexão com os direitos fundamen-
tais, etc.
5
V. especialmente o segundo capítulo do nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais..., notadamente a partir do item 2.2 (pp. 39-60).
CONVIDADOS 71
Ingo Wolfgang Sarlet
6
Neste sentido, dentre tantos, a lição de T. Maunz e R. Zippelius, Deutsches Staatsrecht,
29. ed., München: C. H. Beck, 1994, p. 179.
7
Assim o sustenta C. L. Antunes Rocha, O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e
a Exclusão Social, in: Revista Interesse Público, n. 04, 1999, p. 24.
8
Cf. F. Delpérée, O Direito à Dignidade Humana, in: S. R. Barros; F. A. Zilveti (Coords.).
Direito Constitucional - Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, São
Paulo: Dialética, 1999, p. 153. Assim também M-L. Pavia, Le Principe de Dignité de
la Persone Humaine: Un Nouveau Principe Constitutionnel in: R. Cabrillac; M.-A. Frison-
Roche; T. Revet. Droits et Libertés Fondamenteaux, 4.ed., Paris: Dalloz, 1997, p. 99.
9
Cf. M. Sachs, Verfassungsrecht II – Grundrechte, Berlin-Heidelberg-New York: Springer-
Verlag, 2000, p. 173.
72 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
10
Esta a oportuna advertência de J. Tischner, Zur Genese der menschlichen Würde, in: E.-
W. Böckenförde; R. Spaemann (Orgs.), Menschenrechte und Menschenwürde, 1987, p.
317. Na mesma linha de entendimento situa-se a lição de M. Renaud, A Dignidade do
ser Humano como Fundamentação Ética dos Direitos do Homem, in: Brotéria – Revista de
Cultura, v. 148, 1999, p. 36, sustentando, todavia, que, não obstante todos tenha-
mos uma compreensão espontânea e implícita da dignidade da pessoa humana,
ainda assim, em sendo o caso de explicitar em que consiste esta dignidade, teríamos
grandes dificuldades.
11
Cf. J. González Pérez, La Dignidad de la Persona. Madrid: Civitas, 1986, p. 115.
12
Quando aqui se fala em uma noção jurídica de dignidade, pretende-se apenas
clarificar que se está simplesmente buscando retratar como a doutrina e a jurispru-
dência constitucional – e ainda assim de modo apenas exemplificativo – estão
compreendendo, aplicando e eventualmente concretizando e desenvolvendo uma
(ou várias) concepções a respeito do conteúdo e significado da dignidade da pes-
soa. Por outro lado, não se questiona mais seriamente que a dignidade seja também
um conceito jurídico. Neste sentido, por todos e mais recentemente, P. Kunig, Art. 1
(Würde des Menschen, Grundrechtsbindung, in: I. von Münch; P. Kunig (Orgs.).
Grundgesetz – Kommentar, v. 1, 5.ed., München: C. H. Beck, 2000, p. 76.
13
Com efeito, J. Habermas, Die Zukunft der menschlichen Natur. Auf dem Weg zu einer
liberalen Eugenik? Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1987, p. 70 e ss., argumenta, em
síntese, que o Estado secularizado e neutro, quando constituído de modo democrá-
tico e procedendo de modo inclusivo, não pode tomar partido numa controvérsia
ética relacionada com a dignidade da pessoa humana e o direito geral ao livre
desenvolvimento da personalidade (artigos 1º e 2º da Lei Fundamental da Alema-
nha). Além disso – segue argumentando Habermas – quando a pergunta a respeito
do tratamento dispensado à vida humana antes do nascimento envolve questões de
conteúdo ético, o razoável será sempre contar com um fundado dissenso, tal qual
encontrado na esfera do debate parlamentar por ocasião da elaboração das leis (no
caso, Habermas fez referência expressa ao debate no Parlamento da Alemanha,
ocorrido no dia 31.05.2001).
CONVIDADOS 73
Ingo Wolfgang Sarlet
14
Cf. E. Denninger, Embryo und Grundgesetz. Schutz des Lebens und der Menschenwürde
vor Nidation und Geburt, in: Kritische Vierteljahresschrift für Gesetzgebung und
Rechtswissenschaft (KritV), Baden-Baden: Nomos, 2/2003, pp. 195-196, lembrando,
nesta perspectiva (da necessária intervenção da jurisdição constitucional no plano
das decisões envolvendo a dignidade da pessoa humana), a arguta argumentação
da Ex-Presidente do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, Juíza Jutta
Limbach (extraída de voto proferido em decisão envolvendo a descriminalização do
aborto), no sentido de que assim como é correto afirmar que a ciência jurídica não é
competente para responder à pergunta de quando inicia a vida humana, também é
certo que as ciências naturais não estão em condições de responder desde quando a
vida humana deve ser colocada sob a proteção do direito constitucional (ob.cit., p.
196).
15
Cf. a apresentação das diversas teorias sobre a dignidade levada a efeito por H.
Hofmann, Die versprochene Menschenwürde, in: Archiv des Öffentlichen Rechts (AöR), n.
118, 1993, p. 357 e ss., e, mais recentemente, por J.C.G. Loureiro, O Direito à Identi-
dade Genética do Ser Humano, in: Portugal-Brasil Ano 2000, Boletim da Faculdade de
Direito de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pp. 280-281.
74 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
16
Sobre o ponto, v, entre nós, as belas páginas de F. K. Comparato, A Afirmação
Histórica dos Direitos Humanos, São Paulo: Saraiva, 1999, especialmente p. 11 e ss.,
retratando a evolução da noção de pessoa humana e sua dignidade. Também bem
discorrendo sobre a evolução da noção de dignidade humana, v., E. R. Rabenhorst,
Dignidade Humana e Moralidade Democrática, Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 13 e
ss. No mesmo sentido, v. R. Zippelius, Anmerkungen zu Art. 1 Grundgesetz, in: R.
Dolzer (Org), Bonner Kommentar, Heidelberg, 1994, pp. 8-9, referindo-se ao pensa-
mento do filósofo e político romano Cícero. Também M. Renaud, A Dignidade do ser
Humano como Fundamentação Ética dos Direitos do Homem, p. 137, destaca o pensa-
mento de Cícero, informando que este filósofo estóico conferiu à dignidade um
sentido mais amplo, fundado na natureza humana e na posição superior ocupada
pelo ser humano no cosmos. Com efeito, voltando-nos diretamente às formulações
do jurisconsulto, político e filósofo romano, contemporâneo de Pompeu e Júlio
César, bastaria lembrar aqui a passagem em que faz referência ao fato de que é a
natureza quem prescreve que o homem deve levar em conta os interesses de seus
semelhantes, pelo simples fato de também serem homens, razão pela qual todos
estão sujeitos às mesmas leis da natureza, que proíbe que uns prejudiquem aos
outros (M. T. Cícero, Dos Deveres, São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 137). Neste
contexto, O. Höffe. Medizin ohne Ethik? Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2002, p. 60,
lembra que na China, por volta do século IV a.C., o sábio confucionista Meng Zi
afirmava que cada homem nasce com uma dignidade que lhe é própria, atribuída
por Deus, e que é indisponível para o ser humano e os governantes. Também G.Peces-
Barba Martínez, La Dignidad de la Persona desde la Filosofía del Derecho, 2.ed., Madrid:
Dykinson, 2003, p. 21 e ss., oferece uma série de referências demonstrando que a
noção de dignidade da pessoa, ainda que não diretamente referida sob este rótulo,
já se encontrava subjacente a uma série de autores da antiguidade, inclusive além
das fronteiras do mundo clássico greco-romano e cristão ocidental.
17
Esta a lição de G. Dürig, Der Grundsatz der Menschenwürde. Entwurf eines praktikablen
Wertsystems der Grundrechte aus Art. 1 Abs. I in Verbidung mit Art, 19 Abs. II des
Grundgesetzes, in: Archiv des Öffentlichen Rechts (AöR), n. 81, 1956, p. 9.
18
Assim, entre tantos, K. Stern, Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland, v.III/1,
München: C. H. Beck, 1988, p. 6.
CONVIDADOS 75
Ingo Wolfgang Sarlet
19
Cf. J. C. Gonçalves Loureiro, O Direito à Identidade Genética do Ser Humano, p. 280,
citando lição de C. Hodgkinson, filósofo dinamarquês, admitindo, para além disso,
a inequívoca inspiração kantiana desta assertiva.
20
A respeito deste ponto, v., por todos, o paradigmático contributo de M. Kloepfer,
Leben und Würde des Menschen, in: Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht, Tübingen:
J. C. Mohr (Paul Siebeck), 2001, que integra a presente coletânea. Entre nós, remete-
se aqui ao nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais..., p. 124 e ss..
onde desenvolvemos tal problema.
21
Cf. M. A Alegre Martínez, La Dignidad de la Persona como Fundamento del Ordenamiento
Constitucional Español. León: Universidad de León, 1996, p. 21. Entre nós, v. J. Afon-
so da Silva, A Dignidade da Pessoa Humana como Valor Supremo da Democracia, in:
Revista de Direito Administrativo, v. 212, 1998, p. 91, inspirado em Kant, referindo
que a dignidade da pessoa “não é uma criação constitucional, pois ela é um desses
conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a
própria pessoa humana”, lição compartilhada, mais recentemente, também por C.
L. Antunes Rocha, O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social, p.
26.
22
Cf. R. Pereira e Silva, Introdução ao Biodireito. Investigações Político-Jurídicas sobre o
Estatuto da Concepção Humana, São Paulo: LTr, 2002, p. 191.
76 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
23
Cf., entre nós e dentre outros, J. Afonso da Silva A Dignidade da Pessoa Humana como
Valor Supremo da Democracia, p. 93. Registre-se também a lição de J. González Pérez,
La Dignidad de la Persona, p. 25, destacando que a dignidade da pessoa não desapa-
rece por mais baixa que seja a conduta do ser humano, divergindo, nesta linha de
entendimento, de São Tomás de Aquino, já que este – como igualmente bem lem-
brou o autor citado – justificando a pena de morte, sustentava que o homem, ao
delinqüir, decai da dignidade, rebaixando-se à condição de besta. Assim, devem ser
repudiadas todas as concepções que consideram a dignidade como mera prestação,
isto é, algo que depende eminentemente das ações da pessoa humana e algo a ser
conquistado, aspecto sobre o qual voltaremos a nos pronunciar.
24
Apenas a título ilustrativo, a concepção Kantiana de dignidade da pessoa encon-
trou lugar de destaque, entre outros, nos seguintes autores. Entre nós, v., por exem-
plo, as recentes e preciosas contribuições de C.L. Antunes Rocha, O Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social, p. 23 e ss., e F. K. Comparato, A
Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, p. 19 e ss, assim como os trabalhos de F.
Ferreira dos Santos, Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São
Paulo: Celso Bastos, 1999, p. 20 e ss., e J.Afonso da Silva, A Dignidade da Pessoa
Humana como Valor Supremo da Democracia, p. 89 e ss. Na literatura lusitana, v.,
dentre outros, J. Miranda, Manual de Direito Constitucional, v. IV, 3. ed., Coimbra:
Coimbra Editora , 2000, p. 188, bem como, por último, P. Mota Pinto, O Direito ao
Livre Desenvolvimento da Personalidade, in: Portugal-Brasil Ano 2000, Boletim da Fa-
culdade de Direito de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 151, sem falar
na expressiva maioria dos autores alemães, alguns dos quais já referidos.
25
Manual de Direito Constitucional, vol. IV. 26 Cf. G. Dürig, Der Grundsatz der
Menschenwürde…, p. 125.
CONVIDADOS 77
Ingo Wolfgang Sarlet
26
Cf. G. Dürig, Der Grundsatz der Menschenwürde…, p. 125.
27
Cf. A. Bleckmann, Staatsrecht II – Die Grundrechte, 4.ed., Köln-Berlin-Bonn-München:
Carl Heymanns, 1997, p. 541. Neste sentido, dentre tantos, v. também A. Podlech,
Anmerkungen zu Art. 1 Abs. I Grundgesetz in: R. Wassermann (Org.) Kommentar zum
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Alternativ Kommentar), v. 1, 2. ed.,
Neuwied: Luchterhand, 1989, p. 275, assim como R. Zippelius, Anmerkungen zu Art.
1 Grundgesetz, p. 9. Conforme bem lembra G. Frankenberg, Autorität und Integration.
Zur Gramatik von Recht und Verfassung, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003, p. 270,
foi a partir de Kant (embora com desenvolvimentos anteriores) o ponto de
arquimedes da moderna compreensão de dignidade passou a ser a autonomia
ética, evidenciada por meio da capacidade de o homem dar-se as suas próprias leis.
28
Neste sentido, a lição de G. Dürig, Der Grundsatz der Menschenwürde..., p. 125, que,
com base neste ponto de vista, sustenta que mesmo o consentimento do ofendido
não descaracteriza uma efetiva agressão à dignidade da pessoa. Pelo mesmo moti-
vo, também o nascituro (embrião) encontra-se protegido na sua dignidade, admi-
tindo-se até mesmo que os reflexos da proteção da dignidade venham a alcançar a
78 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
Além disso, convém destacar, por oportuno, que com isso não se
está a sustentar a equiparação, mas a intrínseca ligação entre as noções
de liberdade e dignidade, já que a liberdade e, por conseguinte, também
o reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade (e dos direitos
fundamentais de um modo geral), constituem uma das principais (mas
não a única) exigências da dignidade da pessoa humana. De qualquer
modo, o que se percebe – e os desenvolvimentos posteriores pretendem
demonstrar isso – é que o reconhecimento da dignidade como valor pró-
prio de cada pessoa não resulta, pelo menos não necessariamente (ou
mesmo exclusivamente), em uma biologização da dignidade, no sentido
de que esta seria como uma qualidade biológica e inata da natureza
humana, geneticamente pré-programada, tal como, por exemplo, a cor
dos olhos ou dos cabelos, tal como, entre tantos outros, bem o sustentou
um Jürgen Habermas, consoante ainda restará melhor demonstrado no
próximo item.
pessoa inclusive após a morte, posicionamento que vai também por nós acolhido.
Sobre este ponto, de resto objeto de aguda polêmica, especialmente no que concerne
ao marco inicial do reconhecimento de uma proteção jurídica da dignidade e da
própria vida, v., entre outros, P.Kunig, “Art. 1 (Würde des Menschen,
Grundrechtsbindung)”, in: I.von Münch; P. Kunig (Org), Grundgesetz – Kommentar,
v. 1, 5.ed., München: C. H. Beck, 2000, pp. 73-75 e, mais recentemente, também na
doutrina constitucional alemã, M. Herdegen, Neuarbeitung von Art. 1 Abs. 1- Schutz
der Menschenwürde, in: T. Maunz; G. Dürig. Grundgesetz Kommentar, München: C. H.
Beck, 2003, p. 29 e ss. Na França, vale conferir, dentre tantos outros, o ensaio de B.
Matieu, La Dignité de la Personne Humaine: Quel Droit? Quel Titulaire?, in: Recueil
Dalloz Sirey, Paris: Éditions Dalloz, 1996, pp. 283-284. De modo particular, parece-
nos oportuno registrar a lição de W. Höfling, Anmerkungen zu Art. 1 Abs. 3 Grundgesetz,
in: M. Sachs (Org.) Grundgesetz – Kommentar, München: C. H. Beck, 1996, p. 117,
apontando para a necessidade de uma interpretação aberta e ampliativa do concei-
to vida, de tal sorte a agasalhar as necessárias respostas normativas às agressões
atuais e potenciais que ameaçam a vida humana.
CONVIDADOS 79
Ingo Wolfgang Sarlet
29
Cf. A. E. Pérez Luño, Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, 5. ed.,
Madrid: Tecnos, 1995, p. 318. Este também parece ser o entendimento de J. Miranda,
Manual de Direito Constitucional, p. 189, ao sustentar que “cada pessoa tem de ser
compreendida em relação com as demais. Por isso, a Constituição completa a
referência à dignidade com a referência à mesma dignidade social que possuem
todos os cidadãos e todos os trabalhadores [arts. 13, nº 1, e 59, nº 1, alínea b],
decorrente da inserção numa comunidade determinada.” No mesmo sentido, v. M.
A. Alegre Martinez, La Dignidad de la Persona..., p. 19, referindo, no âmbito de uma
dimensão social, a necessidade de que a dignidade, como atributo de pessoa indi-
vidual, deve ser acompanhada da necessidade de que as demais pessoas e a comu-
nidade respeitem sua liberdade e seus direitos.
30
Cf. F. Moderne, La Dignité de la Personne comme Principe Constitutionnel dans les
Constitutions Portuguaise et Française, in: J. Miranda (Org.). Perspectivas Constituicionais
– Nos 20 anos da Constituição de 1976, v. I., Coimbra: Coimbra Editora, 1997, pp. 198-
199, em passagem confessadamente influenciada pela obra de Ronald Dworkin.
Note-se, de outra parte, que as assim denominadas concepções ontológica e instru-
mental da dignidade, de certa forma correspondem à já referida classificação pro-
posta por Hofmann (dignidade como dádiva e prestação). Nesta mesma linha de
entendimento, também no âmbito da doutrina francesa, vale mencionar o magisté-
rio de L. Cassiers, La Dignité et l’Embryon Humain, in: Revue Trimmestrielle des Droits
de L’Homme, v. 54, 2003, especialmente pp. 407-413, entre outros aspectos apontan-
do para a circunstância de que – na condição de uma criação da sociedade (como
elaboração cultural e simbólica) – a dignidade adquire uma dimensão coletiva, no
sentido de que a relação do sujeito com ele próprio depende largamente da relação
da pessoa com os seus semelhantes.
80 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
31
Cf. J. C. Gonçalves Loureiro, O Direito à Identidade Genética do Ser Humano, p. 281.
32
Cf. H. Arendt, A Condição Humana, 10.ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002,
p. 15 e ss. (capítulo I), onde discorre, entre outros aspectos (e sem uma referência
direta à noção de dignidade da pessoa humana), sobre o conceito e os pressupostos
da condição e da existência humana, noções que, a despeito de vinculadas, não se
confundem. Assim, para a autora “A ação, única atividade que se exerce entre os
homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana
da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o
mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política;
mas esta pluralidade é especificamente a condição – não apenas a conditio sine qua non,
mas a conditio per quam – de toda a vida política. Assim, o idioma dos romanos –
talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimas as expres-
sões ‘viver’ e ‘estar ente os homens’ (inter homines esse), ou ‘morrer’ e ‘deixar de estar
entre os homens’ (inter homines esse desinere)”. Em suma, ainda para a filósofa (ob. cit.,
p. 16), “a pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto
é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido,
exista ou venha a existir” (grifo nosso).
CONVIDADOS 81
Ingo Wolfgang Sarlet
33
Cf. H. Arendt, A Condição Humana, pp. 15-16, de acordo com trecho já transcrito na
nota anterior.
34
Cf. J. Habermas, Die Zukunft der menschlichen Natur…, p. 62 e ss.
35
Cf. J. Habermas, Die Zukunft der menschlichen Natur…, p. 65.
36
Cf. H. Hofmann, Die versprochene Menschenwürde, p. 364, posicionando-se – ao susten-
tar que a dignidade, na condição de conceito jurídico, assume feições de um conceito
eminentemente comunicativo e relacional – no sentido de que a dignidade da pessoa
humana não poderá ser destacada de uma comunidade concreta e determinada onde
se manifesta e é reconhecida. No mesmo sentido, reconhecendo que a dignidade
também assume a condição de conceito de comunicação, v., no âmbito da doutrina
lusitana, a referência de J. Machado, Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais
da Esfera Pública no Sistema Social, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 360.
82 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
37
Tais questionamentos, por sua vez, nos remetem à controvérsia em torno da atribui-
ção de dignidade e/ou direitos aos animais e demais seres vivos, que, de resto, já vem
sendo reconhecida por alguma doutrina. Sem que se vá adentrar este campo, desde
logo nos parece que a tendência contemporânea de uma proteção constitucional e
legal da fauna e flora, bem como dos demais recursos naturais, inclusive contra atos
de crueldade praticados pelo ser humano, revela no mínimo que a própria comunida-
de humana vislumbra em determinadas condutas (inclusive praticadas em relação a
outros seres vivos) um conteúdo de indignidade. Da mesma forma, considerando que
nem todas as medidas de proteção da natureza não humana têm por objeto assegu-
rar aos seres humanos sua vida com dignidade (por conta de um ambiente saudável
e equilibrado) mas já dizem com a preservação – por si só – da vida em geral e do
patrimônio ambiental, resulta evidente que se está a reconhecer à natureza um valor
em si, isto é, intrínseco. Se com isso se está a admitir uma dignidade da vida para
além da humana, tal reconhecimento não necessariamente conflita (nem mesmo por
um prisma teológico) com a noção de dignidade própria e diferenciada da pessoa
humana, que, à evidência, somente e necessariamente é da pessoa humana. De qual-
quer modo, consoante já referido, não é aqui que iremos desenvolver tais aspectos.
Dentre a doutrina disponível (e as referências não indiciam concordância com o con-
teúdo dos aportes de cada autor), remetemos – a título exemplificativo – inicialmente
ao clássico e altamente controverso contributo de P. Singer, Ética Prática, São Paulo:
Martins Fontes, 2002, especialmente p. 65 e ss. Dentre os desenvolvimentos mais
recentes, v. o instigante mas equilibrado artigo de C. Sunstein, The Rights of Animals,
in: The University of Chicago Law Review, v. 70, 2003, p. 387 e ss., onde, embora não se
tenha reconhecido propriamente uma dignidade dos animais, admite a possibilidade
de se atribuir certos direitos a determinadas categorias de animais, a depender, espe-
cialmente, de suas capacidades. Revelando seu ceticismo em relação ao reconheci-
mento de uma autonomia dos animais em relação ao próprio ser humano, o autor
prefere enfatizar a idéia de que os animais têm direito a uma vida decente, livre de
sofrimento e maus-tratos, o que, de qualquer modo, não se mostra completamente
incompatível com alguns componentes da própria noção de dignidade.
38
Cf. F. Fukuyama, Nosso Futuro Pós-Humano. Conseqüências da Revolução da Biotecnologia,
Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 23.
CONVIDADOS 83
Ingo Wolfgang Sarlet
39
Sobre as teorias da dignidade como reconhecimento (Annerkennungstheorien) v.
também o já referido H. Hofmann, Die versprochene Menschenwürde, p. 357 e ss. Se em
Kant e Hegel já se encontram elementos importantes para uma compreensão da
dignidade como categoria relacional e comunicativa, que acima de tudo faz sentido
no âmbito da intersubjetividade das relações humanas, mediante o reconhecimento
recíproco do ser pessoa (aspecto igualmente explorado pelo texto de Kurt Seelman,
que compõe esta coletâna), é em autores contemporâneos, tais como Charles Taylor
e Axel Honneth – para citar dois dos mais destacados nesta seara – que a noção de
dignidade (da pessoa) humana como reconhecimento acabou por ocupar um espa-
ço privilegiado na esfera da discussão política, sociológica e filosófica, não sendo o
caso, aqui, de desenvolver este aspecto.
40
Cf., entre nós, E. Pereira de Farias, Colisão de Direitos. A Honra, a Intimidade, a Vida
Privada e a Imagem versus a Liberdade de Expressão e Informação, Porto Alegre: Fabris,
1996, p. 50, por sua vez arrimado nas lições de Gomes Canotilho e de Celso Lafer.
41
Cf. C.L. Antunes Rocha, O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana..., p. 24.
42
Cf. averba R. Zippelius, Anmerkungen zu Art. 1 Grundgesetz, p. 14.
84 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
43
Cf. P. Häberle, Die Menschenwürde als Grundlage der staatlichen Gemeinschaft, in: J.
Isensee; P. Kirchhof (Orgs.). Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland,
v. I, Heidelberg: C. F. Müller, 1987, p. 860, destacando-se que a despeito da referida
dimensão cultural, a dignidade da pessoa mantém sempre sua condição de valor
próprio, inerente a cada pessoa humana, podendo falar-se assim de uma espécie de
“constante antropológica”, de tal sorte que a dignidade possui apenas uma dimen-
são cultural relativa (no sentido de estar situada num contexto cultural), apresen-
tando sempre também traços tendencialmente universais (ob. cit., p. 842-843).
44
Acórdão nº 90-105-2, de 29.03.90, Relator Bravo Serra, onde, para além do aspecto já
referido, entendeu-se ser do legislador “sobretudo quando, na comunidade jurídica,
haja de reconhecer-se e admitir-se como legítimo um pluralismo mundividencial ou
de concepções” a tarefa precípua de “em cada momento histórico, ‘ler’, traduzir e
verter no correspondente ordenamento aquilo que nesse momento são as decorrênci-
as, implicações ou exigências dos princípios ‘abertos’ da Constituição.”
45
Cf. E. Benda, Die Menschenwürde ist Unantastbar, in: Archiv für Rechts-und Sozialphilosophie
(ARSP), Beiheft n. 22, 1984, p. 23.
CONVIDADOS 85
Ingo Wolfgang Sarlet
46
A título de exemplo, no que diz com a dimensão histórico-cultural da dignidade e seu
reconhecimento pela própria jurisprudência constitucional, vale tanscrever aqui texto
livremente traduzido, extraído de decisão do Tribunal Federal Constitucional da
Alemanha (v. BverfGE v. 45, p. 229), ora objeto de livre tradução, “não se pode perder
de vista que a dignidade da pessoa humana é algo irrenunciável, mas o reconhecimen-
to daquilo que é exigido pelo postulado que impõe a sua observância e respeito não
pode ser desvinculado da evolução histórica. A história das políticas criminais revela
que penas cruéis foram sendo gradativamente substituídas por penas mais brandas.
Da mesma forma a evolução de penas gravosas para penas mais humanas e de
formas simples para formas mais diferenciadas de penalização tem prosseguido,
permitindo que se vislumbre o quanto ainda deve ser superado. Por tal razão, o
julgamento sobre o que corresponde à dignidade da pessoa humana, repousa neces-
sariamente sobre o estado vigende do conhecimento e compreensão e não possui uma
pretensão de validade indeterminada”.
47
A respeito da dignidade como limite e tarefa v., dentre tantos e mais recentemente, no
contexto de uma dúplice função defensiva (negativa) e prestacional (positiva) a lição
de M. Sachs, Verfassungsrecht II – Grundrechte, p. 178 e ss.
48
Nesta quadra convém lembrar que, de modo geral e de acordo com a influente lição de
H. Hofmann, Die versprochene Menschenwürde, p. 357 e ss., as diversas teorias sobre a
dignidade da pessoa, notadamente no que diz com o seu conteúdo e fundamentação,
podem ser agrupadas em torno de duas concepções, quais sejam, as teorias que
compreendem a dignidade como dádiva (Mitgifttheorien), no sentido de que a digni-
dade constitui uma qualidade ou propriedade peculiar e distintiva da pessoa huma-
na (inata, ou fundada na razão ou numa dádiva divina), bem como as teorias assim
denominadas de prestacionais (Leistungstheorien), que vêem na dignidade o produto
(a prestação) da subjetividade humana. Sem que se vá aqui arrolar e dissecar as
principais concepções elaboradas no âmbito destas duas correntes e lembrando que
mesmo esta classificação não se encontra imune à controvérsia, parece-nos – tal como
lembra o próprio Hofmann (ob. cit., p. 358), que, em verdade, não se verifica uma
86 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
53
Cf. M. Koppernock, Das Grundrecht auf bioethische Selbstbestimmung, Baden-Baden:
Nomos, 1997, pp. 19-20, salientando – na esteira de outros doutrinadores, que mes-
mo presente, em sua plenitude, a autonomia da vontade (dignidade como capacida-
de de autodeterminação) esta poderá ser relativizada em face da dignidade na sua
dimensão assistencial (protetiva), já que, em determinadas circunstâncias, nem mes-
mo o livre consentimento autoriza determinados procedimentos, tal como ocorre,
v.g., com a extração de todos os dentes de um paciente sem qualquer tipo de indica-
ção médica, especialmente quando o consentimento estiver fundado na ignorância
técnica. Até que ponto, nesta e em outras hipóteses até mesmo mais gravosas, é
possível falar na presença de uma plena autonomia, é, de resto, aspecto que refoge ao
âmbito destas considerações, mas que, nem por isso, deixa de merecer a devida
atenção.
54
Cf. R. Dworkin, El Dominio de la Vida. Una Discusión acerca del Aborto, la Eutanasia y la
Liberdad Individual, Barcelona: Ariel, 1998, pp. 306-307.
88 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
ocorre nos casos de demência e das situações nas quais as pessoas já não
logram sequer reconhecer insultos a sua auto-estima ou quando já perde-
ram completamente sua capacidade de autodeterminação), ainda assim
devem receber um tratamento digno. Dworkin, portanto, parte do pressu-
posto de que a dignidade possui “tanto uma voz ativa quanto uma voz
passiva e que ambas encontram-se conectadas”, de tal sorte que é no valor
intrínseco (na “santidade e inviolabilidade”) da vida humana55 de todo e
qualquer ser humano, que encontramos a explicação para o fato de que
mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece
tê-la (sua dignidade) considerada e respeitada56. Que essa assertiva não
55
Embora – importa destacá-lo já neste momento – não se possa concordar com uma
noção exclusivamente biológica da dignidade, não sendo poucas as críticas que têm
sido assacadas no âmbito da produção doutrinária, ao tematizar a assim designada
“biologização” da dignidade, também é certo que a desvinculação total entre vida e
dignidade igualmente se revela incompatível com uma concepção suficientemente pro-
dutiva da dignidade e capaz de abarcar os inúmeros e diversificados desafios que lhe
são direcionados. Posicionando-se contrariamente a uma biologização, v., entre outros,
U. Neumann, Die Tyrannei der Würde, in: Archiv für Rechts-und Sozialphilosophie (ARSP),
v. 84, 1998, p. 156 e ss., especialmente no contexto da problemática das manipulações
genéticas, assim como, mais recentemente, E. Denninger, Embryo und Grundgesetz..., p.
201 e ss., este aderindo à concepção de Habermas, no sentido de que a dignidade não
decorre da natureza humana (não sendo, portanto, um atributo inato e natural, tal
como a cor dos olhos, etc.), mas sim do reconhecimento do valor intangível de cada
pessoa no âmbito da reciprocidade das relações humanas. A despeito dos diversos
problemas vinculados à discussão ora retratada, deixaremos de desenvolver, pelo me-
nos por ora, este ponto, que, de resto, será em parte retomado mais adiante, quando do
comentário a respeito das relações entre a dignidade e o direito à vida. Em sentido
diverso, criticando enfaticamente a tendência a uma desconexão entre vida e dignidade,
v., dentre tantos, J. Isensee, Der Grundrechtliche Status des Embryos. Menschewürde und
Recht auf Leben als Determinanten der Gentechnik, in: O. Höffe; L. Honnefelder; J. Isensee.
Gentechnik und Menschenwürde. An den Grenzen von Ethik und Recht, Köln: Du Mont, 2002,
p. 62 e ss. Da mesma forma, aproximando-se aqui de Habermas, mas sem deixar de
reconhecer uma vinculação entre os atributos naturais da pessoa, registre-se o entendi-
mento de O. Höffe, Menschenwürde als ethisches Prinzip, in: O. Höffe; L. Honnefelder; J.
Isensee. Gentechnik und Menschenwürde. An den Grenzen von Ethik und Recht, Köln: Du
Mont, 2002, p. 115, ao afirmar que se, por um lado, a dignidade consiste em um
axioma, no sentido de um princípio diretivo da moral e do direito, também é certo que
a dignidade se refere a características biológicas da pessoa, sem contudo ser ela própria
(dignidade) uma destas características.
56
Cf. R. Dworkin, El Dominio de la Vida..., pp. 306-309. Sobre a distinção (autonomia), mas
mesmo assim íntima conexão entre dignidade e da vida (pois dignidade e vida, como
princípios e direitos fundamentais, referem-se, em primeira linha, à pessoa humana,
sendo esta o elo comum) bem como a respeito das relações entre ambos os valores, v.
especialmente os desenvolvimentos de Michael Kloepfer, Leben und Würde des Menschen,
especialmente p. 78 e ss, texto que integra a presente coletânea.
CONVIDADOS 89
Ingo Wolfgang Sarlet
57
Com efeito, de acordo com K. Seelmann, Person und Menschenwürde in der Phliosophie
Hegels, in: H. Dreier (Org.). Philosophie des Rechts und Verfassungstheorie.
Geburtstagsympoion für Hasso Hofmann, Berlin: Duncker & Humblot, 2000, p. 141,
destaca que o mais apropriado seria falar que, ao pensamento de Hegel (e não estri-
tamente na sua Filosofia do Direito), encontra-se subjacente uma teoria da dignidade
como viabilização de determinadas prestações. Tal teoria, além de não ser incompa-
tível com uma concepção ontológica da dignidade (vinculada a certas qualidades
inerentes à condição humana), significa que uma proteção jurídica da dignidade
reside no dever de reconhecimento de determinadas possibilidades de prestação,
nomeadamente, a prestação do respeito aos direitos, do desenvolvimento de uma
individualidade e do reconhecimento de um auto-enquadramento no processo de
interação social. Além disso, como, ainda, bem refere o autor, tal conceito de dignida-
de não implica a desconsideração da dignidade (e sua proteção) no caso de pessoas
portadoras de deficiência mental ou gravemente enfermos, já que a possibilidade de
proteger determinadas prestações não significa que se esteja a condicionar a proteção
da dignidade ao efetivo implemento de uma dada prestação, já que também aqui (de
modo similar – como poderíamos acrescentar – ao que se verificou relativamente ao
pensamento Kantiano, centrado na capacidade para a autodeterminação inerente a
todos os seres racionais) o que importa é a possibilidade de uma prestação (ob. cit.,
p. 142). A respeito das diversas dimensões da dignidade encontradas no pensamento
de Hegel, v., ainda, a breve referência de O. Höffe, Menschenwürde als ethisches Prinzip,
p. 133.
58
Cfr. Jürgen Habermas, Die Zukunft der menschlichen Natur..., p. 57 e ss.
59
Cf. D. Grimm, apud M. Koppernock, Das Grundrecht auf bioethische Selbstbestimmung,
pp. 21-22, muito embora posicionando-se de forma crítica em relação ao reconheci-
mento da dignidade exclusivamente com base na pertinência biológica a uma espécie
e centrando a noção de dignidade no reconhecimento de direitos ao indivíduo, sem os
quais este acaba não sendo levado a sério como tal. Nesta mesma linha, já havia
decidido o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha (in: BverfGE 39, 1 [41]),
considerando que onde existe vida humana esta deve ter assegurada a proteção de
sua dignidade, não sendo decisivo que o titular tenha consciência de sua dignidade
ou que saiba defender-se a si próprio, bastando, para fundamentação da dignidade,
as qualidades potenciais inerentes a todo o ser humano.
90 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
60
Cf. A. Podlech, Anmerkungen zu Art. 1 Abs. I Grundgesetz, pp. 280-281.
CONVIDADOS 91
Ingo Wolfgang Sarlet
Com base no que até agora foi exposto, verifica-se que reduzir a
uma fórmula abstrata e genérica tudo aquilo que constitui o conteúdo
possível da dignidade da pessoa humana, em outras palavras, alcançar
uma definição precisa do seu âmbito de proteção ou de incidência (em se
considerando sua condição de norma jurídica), não parece ser possível, o
que, por sua vez, não significa que não se possa e não se deva buscar uma
definição, que, todavia, acabará alcançando pleno sentido e
operacionalidade apenas em face do caso concreto, como, de resto, é o que
ocorre de modo geral com os princípios e direitos fundamentais.
Com efeito, para além dos aspectos ventilados, a busca de uma
definição necessariamente aberta mas minimamente objetiva (no sentido
de concretizável) impõe-se justamente em face da exigência de um certo
grau de segurança e estabilidade jurídica, bem como para evitar – como
bem lembra Béatrice Maurer, no seu contributo publicado nesta coletânea
– que a dignidade continue a justificar o seu contrário.61
Como ponto de partida nesta empreitada, inclusive por se tratar
daquilo que pode ser até mesmo considerado como um elemento nuclear
da dignidade, vale citar a fórmula desenvolvida por Günter Dürig, na
Alemanha, para quem (na esteira da concepção kantiana) a dignidade da
pessoa humana poderia ser considerada atingida sempre que a pessoa
concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, trata-
da como uma coisa, em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser
descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos.62 Como bem
61
Cf. B. Maurer, Notes sur le Respect de la Dignité Humaine... ou Petite Fugue Inacheveé
Autour d’un Thème Central, in: A. Sérieux et allii. Le Droit, Le Médicine et L’être Humain,
Aix-En-Provence: Presses Universitaires D’Aix-Marseille, 1996, p. 186.
62
Cf. G. Dürig, Der Grundsatz der Menschenwürde..., p. 127. No direito brasileiro, a
fórmula do homem-objeto, isto é, o enunciado de que tal condição é justamente a
negação da dignidade, encontra-se – ao menos assim nos parece – formulada ex-
pressamente na Constituição, notadamente quando o nosso Constituinte, no art. 5º,
inciso III, da Constituição de 1988, estabelece de forma enfática que “ninguém será
submetido à tortura e a tratamento desumano ou degradante.” Neste contexto,
vale, ainda, lembrar a lição de P. Häberle, Menschenwürde als Grundlage..., p. 842,
quando afirma que a concepção de Dürig (a fórmula do “objeto”) acaba por trans-
formar-se também numa “fórmula-sujeito”, já que o estado constitucional efetiva
a dignidade da pessoa, na medida em que reconhece e promove o indivíduo na
condição de sujeito de suas ações.
92 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
63
Cf. M. Sachs, Verfassungsrecht II – Grundrechte, p. 174.
64
Apenas pinçando uma das diversas decisões onde tal concepção foi adotada, verifi-
ca-se que, para o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, a dignidade da
pessoa humana está vinculada ao valor social e pretensão de respeito do ser humano,
que não poderá ser reduzido à condição de objeto do Estado ou submetido a trata-
mento que comprometa a sua qualidade de sujeito (v. BverfGE 96, p. 399). Convém
lembrar, todavia (a despeito de outras críticas possíveis) que a fórmula do homem-
objeto não afasta a circunstância de que, tanto na vida privada quando na esfera
pública, as pessoas constantemente se colocam a si próprias na condição de objeto da
influência e ação alheias, sem que com isto se esteja colocando em dúvida a sua
condição de pessoa (Cf. a observação de H. Hofmann, Die versprochene Menschenwürde,
p. 360. Igualmente não se deve desconsiderar a precoce objeção de N. Luhmann,
Grundrechte als Institution, p. 60, que considerou a fórmula-objeto vazia, já que não
afasta a necessidade de decidir quando e sob que circunstâncias alguém estará sendo
tratado como objeto, a ponto de restar configurada uma violação da sua dignidade.
65
Assim, por exemplo, não restam dúvidas de que a dignidade da pessoa humana
engloba necessariamente o respeito e a proteção da integridade física do indivíduo, do
que decorrem a proibição da pena de morte, da tortura, das penas de cunho corporal,
utilização da pessoa humana para experiências científicas, estabelecimento de nor-
mas para os transplantes de órgãos, etc., tudo conforme refere Höfling, Anmerkungen
zu Art. 1 Abs. 3 Grundgesetz, pp. 107-109. De outra parte, percebe-se que os exemplos
citados demonstram a existência de uma íntima relação entre os direitos fundamen-
tais e a dignidade da pessoa, aspecto que ainda será objeto de análise mais aprofundada
e que aqui foi apenas referido com o objetivo de demonstrar algumas das dimensões
concretas desenvolvidas a partir da noção da dignidade da pessoa humana. Registre-
se, ademais, que o próprio Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, tal como
refere M. Sachs, Verfassungsrecht II – Grundrechte, p. 174, tem relativizado a fórmula
do “homem-objeto”, reconhecendo ser a mesma insuficiente para apreender todas as
violações e assegurar, por si só, a proteção eficiente da dignidade da pessoa humana.
CONVIDADOS 93
Ingo Wolfgang Sarlet
66
Cf. M.C. Bodin de Moraes, O Conceito de Dignidade Humana: Substrato Axiológico e
Conteúdo Normativo, in: I. W. Sarlet (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direi-
to Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 116 e ss.
67
Aqui remetemos ao nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais..., p.
84 e ss.
68
Neste sentido, parece situar-se o entendimento de M. Sachs, Verfassungsrecht II –
Grundrechte, p. 174 e ss., sugerindo que o âmbito de proteção da garantia da digni-
dade da pessoa humana restaria melhor definido em se perquirindo, em cada caso
concreto, se à luz da fórmula do homem-objeto a suposta conduta violadora efeti-
vamente desconsidera o valor intrínseco da pessoa. Por sua vez, U. Di Fabio, Der
94 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
soa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal sorte
que o critério decisivo para a identificação de uma violação da dignidade
passa a ser (pelo menos em muitas situações, convém acrescer) o do obje-
tivo da conduta, isto é, a intenção de instrumentalizar (coisificar) o ou-
tro.72
Por derradeiro, é possível encerrar esta etapa reproduzindo, a título
de sugestão, proposta pessoal de conceituação (jurídica) da dignidade da
pessoa humana73 que, além de abranger (mas não se restringir) a vedação
da coisificação e, portanto, degradação da pessoa por conta da tradicio-
nal fórmula-objeto, busca reunir a dupla perspectiva ontológica e instru-
mental referida, procura destacar tanto a sua necessária faceta
intersubjetiva e, portanto, relacional, quanto a sua dimensão simultanea-
mente negativa (defensiva) e positiva (prestacional).
Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade
intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudá-
vel,74 além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres huma-
nos.
72
Cf. U. Neumann, Die Tyrannei der Würde, p. 161.
73
Cf. o nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais..., pp. 59-60.
74
Como critério aferidor do que seja uma vida saudável, parece-nos apropriado
utilizar os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, quando
se refere a um completo bem-estar físico, mental e social, parâmetro este que, pelo
seu reconhecimento amplo no âmbito da comunidade internacional, poderia igual-
mente servir como diretriz mínima a ser assegurada pelos Estados.
96 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
75
Cf. M. A. Alegre Martínez, La Dignidad de la Persona..., p. 26. No mesmo sentido,
frisando que a despeito da dignidade ser um valor constante, o que assegura digni-
dade às pessoas acaba sendo definido por fatores históricos e sociais, v. C. Gearty,
Principles of Human Rights Adjudication, Oxford: Oxford University Press, 2004, p.
87.
76
Cf. R. Dworkin, El Dominio de la Vida..., p. 305. Neste contexto, a respeito da
diversidade de tratamento da dignidade da pessoa, mesmo pelo ordenamento jurí-
dico, vale lembrar, entre outros, o exemplo da Constituição Iraniana de 1980 (refe-
rido por B. Mathieu, La Dignité de la Personne Humaine..., p. 286), que, no seu artigo
22, dispõe que “a dignidade dos indivíduos é inviolável...salvo nos casos autoriza-
dos por lei”, o que demonstra igualmente que – ao menos para algumas ordens
jurídicas – nem mesmo a dignidade encontra-se imune a restrições pelo legislador,
aspecto do qual voltaremos a nos pronunciar. Da mesma forma, vale lembrar aqui,
dentre outros tantos exemplos que poderiam ser colacionados, a prática da tortura,
das mutilações genitais, da discriminação sexual e religiosa, ainda toleradas (inclu-
sive pelo direito positivo) em alguns Estados.
77
Cf. B. Sousa Santos, Por uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos, in: Revista
Crítica de Ciências Sociais, n. 48, 1997, especialmente p. 18 e ss., onde o festejado
sociólogo lusitano sustenta que o conceito de direitos humanos e a própria noção de
dignidade da pessoa assentam num conjunto de pressupostos tipicamente ociden-
tais, quando, em verdade, todas as culturas possuem concepções de dignidade
humana, muito embora nem todas elas a concebam em termos de direitos humanos,
razão pela qual se impõe o estabelecimento de um diálogo intercultural, no sentido
de uma troca permanente entre diferentes culturas e saberes, que será viabilizada
pela aplicação daquilo que o autor designou de uma “hermenêutica diatópica”,
que, por sua vez, não pretende alcançar uma completude em si mesma inatingível,
mas sim, ampliar ao máximo a consciência da incompletude mútua entre as diver-
sas culturas por meio do diálogo. Mais recentemente, também enfrentando a ques-
CONVIDADOS 97
Ingo Wolfgang Sarlet
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
81
Cf. L.L. Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise – Uma Exploração Hermenêutica da
Construção do Direito, 5. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 310 e ss.
82
J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ed., Coimbra:
Almedina, 2004, pp. 225-226.
CONVIDADOS 99
Ingo Wolfgang Sarlet
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Sozialphilosophie (ARSP), Beiheft n. 22, 1984.
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DENNINGER. Erhard. Embryo und Grundgesetz. Schutz des Lebens und der
Menschenwürde vor Nidation und Geburt, in: Kritische Vierteljahresschrift für
Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (KritV), Baden-Baden: Nomos, 2/2003,
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einer leberalen Eugenik? Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1987.
KLOEPFER, Michael. Leben und Würde des Menschen, in: Festschrift 50 Jahre
Bundesverfassungsgericht, Tübingen: J. C. Mohr (Paul Siebeck), 2001, pp.405-
420 (a tradução em língua portuguesa integra a presente coletânea).
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Sozialphilosophie (ARSP), v. 84, 1998, pp. 153-166.
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da Democracia, in: Revista de Direito Administrativo, v. 212, 1998, pp. 125-
145.
SUNSTEIN, Cass. The Rights of Animals, in: The University of Chicago Law
Review, v. 70, 2003, pp. 387-401.
1
Pela doutrina: Juizados Especiais Criminais. Rômulo de Andrade Moreira. Salvador:
Edições Juspodivm, 2007.
2
Apud Moreira, op.cit., pg. 24.
106 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
3
Informativo nº 0296
Período: 11 a 15 de setembro de 2006
CC. NATUREZA. INFRAÇÃO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM.
O conflito versa sobre a competência para processar e julgar o recurso de apelação
interposto pelo acusado pela prática dos crimes previstos nos arts. 10, caput, da Lei n.
9.437/1997 e 180 do CP, que estabelecem penas máximas, respectivamente, de dois
anos de detenção e quatro anos de reclusão. O Min. Relator entendeu que, na hipótese
de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação de competência será
o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de
concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos. A
absolvição em relação a um ou a alguns dos crimes, a desclassificação ou mesmo a
não-incidência de causa de aumento de pena por ocasião da sentença não afastam a
competência da Justiça comum delineada pela pretensão, mesmo subsistindo a con-
denação apenas em relação ao crime abrangido pelo conceito de menor potencial
ofensivo. Assim, a Seção conheceu do conflito para declarar a competência do TJDF.
STJ - CC 51.537-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 13/9/2006.
CONVIDADOS 107
João Daniel Jacobina Brandão de Carvalho
4
Rômulo de Andrade Moreira, op. cit. Pg. 23.
108 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5
Art.76. A competência será determinada pela conexão: I – se, ocorrendo duas ou
mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas
reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou
por várias pessoas, umas contra as outras;
6
O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais
cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quan-
do a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante,
ultrapassar o limite de um (01) ano.
7
Interessante a posição de Rômulo de Andrade Moreira, para quem, por analogia do
art. 119 do CP e da súmula 497 do STF, nas hipóteses de crime continuado, concur-
so material e formal, cada crime deve ser considerado isoladamente (op. cit. pg. 23).
CONVIDADOS 109
João Daniel Jacobina Brandão de Carvalho
8
Direito Penal: Parte Geral: Tomo I – questões fundamentais; a doutrina geral do crime. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Portugal: Coimbra Editora, 2007, pg. 180.
9
Op. cit. pg. 181.
110 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
Introdução
I. Apresentação do problema
II. A progressiva superação do preconceito
Parte I
Pré-compreensão do tema e panorama do direito comparado
III. Orientação sexual, relações homoafetivas e o papel do Direito e do Estado
IV. A união estável entre pessoas do mesmo sexo no direito comparado
Parte II
A Constituição de 1988 e o reconhecimento jurídico das relações entre pessoas
do mesmo sexo
V. Uniões homoafetivas e princípios constitucionais
1. Princípio da igualdade
2. Princípio da liberdade pessoal, do qual decorre a autonomia privada
3. Princípio da dignidade da pessoa humana
4. Princípio da segurança jurídica
VI. O primado da afetividade: a união homoafetiva como entidade familiar
Parte III
Extensão do regime jurídico das uniões estáveis às uniões homoafetivas
VII. Uniões homoafetivas e a regra constitucional do art. 226, § 3º
VIII. Lacuna normativa e mecanismos de integração da ordem jurídica
1. Os princípios constitucionais na interpretação e na integração da or-
dem jurídica
2. O recurso à analogia na integração da ordem jurídica
Conclusões
1
Trabalho desenvolvido com a colaboração de Cláudio Pereira de Souza Neto, Eduardo
Mendonça e Nelson Nascimento Diz, que participaram da pesquisa e da discussão
de idéias e de teses.
CONVIDADOS 111
Luís Roberto Barroso
I. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
2
CF/88, art. 226, § 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento”.
3
Código Civil, art. 1723: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre
o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
112 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
4
In: http://www.rainbowuniverse.com/newenglandGLBTVets/pressreleases/2003/
pr02.htm. Acesso em: 6 nov. 2006. O fato foi amplamente divulgado na ocasião e a
frase citada pode ser encontrada em diversos outros sítios.
5
In: <http://www.nossomundoeassim.hpg.ig.com.br/canais/menu/frases.htm>.
Acesso em: 6 nov. 2006.
CONVIDADOS 113
Luís Roberto Barroso
6
De que é exemplo a matéria previdenciária. No âmbito federal, destaca-se a Instrução
Normativa INSS/DC nº 25, de 7 jun. 2000, editada por força de decisão judicial ainda
não transitada em julgado (Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0), que estipula
procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao
companheiro ou companheira homossexual.
7
TJ/RS, j. 25 jun. 2003, AC 70005488812, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis. No
mesmo sentido: TJ/RS, j. 17 nov. 2004, AC 70009550070, Rel. Des. Maria Berenice Dias;
TJ/RJ, j. 21 mar. 2006, AC 2005.001.34933, Rel. Des. Letícia Sardas.
8
TJ/MG, j. 24 mai. 2006, AC 1.0024.04.537121-8/002, Rel. Des. Domingos Coelho. No
mesmo sentido: TJ/RJ, j. 7 fev. 2006, AC 2006.001.00660, Rel. Des. Bernardo Moreira
Garcez Neto; TJ/SP, j. 7 jun. 2005, AI 388.800-4/7, Rel. Des. José Joaquim dos Santos.
114 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
PARTE I
PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA E PANORAMA DO DIREITO
COMPARADO
9
V. Hans-Georg Gadamer, Verdade e método, 1997, p. 320 e ss.; Karl Larenz, Metodologia
da ciência do direito, 1997, p. 285 e ss.; Luís Roberto Barroso, “Fundamentos teóricos e
filosóficos do novo direito constitucional brasileiro”. In: Temas de direito constitucional,
t. II, 2003, p. 3 e ss.; Jane Reis Gonçalves Pereira, Interpretação constitucional e direitos
fundamentais, 2006, p. 30 e ss..
10
Nesse sentido, v. Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, 1997, p. 293: “É tão
certo que ninguém é imune a estes pré-juízos como também seria errôneo ver neles
uma barreira absoluta e intransponível. Mas a sua superação não é de todo em todo
possível senão mediante um processo permanente de auto-exame e a preocupação
constante com a ‘questão em si mesma’. Uma disponibilidade para tal é a primeira
exigência que se tem de colocar tanto ao juiz como ao cientista do Direito”.
CONVIDADOS 115
Luís Roberto Barroso
11
Em estudo realizado nos EUA, chegou-se aos seguintes resultados: entre gêmeos
univitelinos, se um dos irmãos era homossexual, em 52% dos casos o outro também
era; entre gêmeos bivitelinos, o percentual ficava em 22%; entre irmãos adotivos, se
restringia a 11%. A pesquisa demonstra que a orientação sexual é influenciada pelo
ambiente familiar, mas é influenciada também, e decisivamente, por fatores genéti-
cos. A pesquisa é reportada por Maria Berenice Dias, União homossexual: o preconceito
e a justiça, 2001, p. 43.
12
Essa afirmação é inquestionavelmente válida para o Brasil, assim como para a
maioria dos países. Nem mesmo a Suprema Corte norte-americana, em sua atual
tendência conservadora, ousou dizer o contrário. No julgamento do caso Lawrence
et. al. v. Texas, que será comentado adiante, declarou-se a inconstitucionalidade da
criminalização da chamada sodomia.
116 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
13
Luís Roberto Barroso, “Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitu-
cional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo”. In: Temas de
direito constitucional, t. II, 2003, p. 10: “A neutralidade, entendida como um
distanciamento absoluto da questão a ser apreciada, pressupõe um operador jurí-
dico isento não somente das complexidades da subjetividade pessoal, mas também
das influências sociais. Isto é: sem história, sem memória, sem desejos. Uma ficção.
O que é possível e desejável é produzir um intérprete consciente de suas circunstân-
cias: que tenha percepção da sua postura ideológica (auto-crítica) e, na medida do
possível, de suas neuroses e frustrações (auto-conhecimento). E, assim, sua atua-
ção não consistirá na manutenção inconsciente da distribuição de poder e riquezas
na sociedade nem na projeção narcísica de seus desejos ocultos, complexos e cul-
pas”.
14
O uso da razão pública importa em afastar dogmas religiosos ou ideológicos – cuja
validade é aceita apenas pelo grupo dos seus seguidores – e utilizar argumentos
que sejam reconhecidos como legítimos por todos os grupos sociais dispostos a um
debate franco, ainda que não concordem quanto ao resultado obtido em concreto. O
contrário seria privilegiar as opções de determinados segmentos sociais em detri-
mento das de outros, desconsiderando que o pluralismo é não apenas um fato
social inegável, mas também um dos fundamentos expressos da República Federa-
tiva do Brasil, consagrado no art. 1º, inciso IV, da Constituição. Sobre esta temática,
v. especialmente a obra de John Rawls, notadamente: Uma teoria de justiça, Liberalis-
mo político e Direito dos povos. Na literatura nacional, v. Cláudio Pereira de Souza
Neto, Teoria constitucional e democracia deliberativa, 2005; e Nythamar de Oliveira,
Rawls, 2005.
CONVIDADOS 117
Luís Roberto Barroso
15
A Alemanha nazista proibia casamentos entre judeus e alemães da chamada raça
ariana, atribuindo competência aos promotores públicos para anulá-los, além de
cominar pena de trabalhos forçados para aqueles que violassem a norma. As rela-
ções extraconjugais também eram proibidas, tudo para proteger a pureza do san-
gue alemão. As normas em questão encontravam-se na Lei para a proteção do
sangue alemão e da honra alemã, de 15 set. 1935.
16
O casamento inter-racial (entre brancos e não-brancos) era considerado ilegal. V.
Prohibition of Mixed Marriages Act (No. 55), de 1949. Posteriormente, relações sexu-
ais entre brancos e não-brancos passaram a ser igualmente vedadas. V. Immorality
Act (No. 21), de 1950, que alterava o Immorality Act (No. 5), de 1927, que já proibia
relações sexuais entre brancos e negros.
17
Nos Estados-Unidos, o casamento inter-racial também chegou a ser proibido em
alguns Estados, como Alabama, Arizona, Geórgia, Montana, Oklahoma, Texas, e
Virginia, o que somente veio a ser declarado inconstitucional pela Suprema Corte
em 1967, no julgamento do caso Loving v. Virginia (388 U.S. 1).
118 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
18
A exposição da jurisprudência estrangeira beneficiou-se de pesquisa gentilmente
cedida pelo Professor Daniel Sarmento.
19
Lei nº 372/89.
20
Lei nº 40/93.
21
Esta lei entrou em vigor em 1 jan. 1995, estabelecendo que a convivência registrada
tem as mesmas conseqüências de um casamento, com exceção da possibilidade de
adoção. Uma ressalva também é feita quando as leis sobre inseminação e fertilização
in vitro, as quais não se aplicam aos conviventes.
22
Trata-se da Lei nº 564/96, bastante similar à lei sueca.
23
Esta lei entrou em vigor em 1 jan. 1998, estabelecendo que a parceria civil é considera-
da como equivalente ao casamento civil, sendo suas conseqüências virtualmente
idênticas.
24
A professora Maria Celina Bodin de Moraes (A união entre pessoas do mesmo sexo:
uma análise sob a perspectiva civil-constitucional, Revista Trimestral de Direito Civil
1:89, 2000, p. 100) atenta para outra possibilidade permitida pelo legislador holan-
dês: o contrato de coabitação para a formalização de relação com um parceiro, o qual
serve apenas para regular o que as partes acordam entre sim, sendo válido somente
entre elas, sem conseqüências perante terceiros.
25
Esta lei entrou em vigor em 1 abr. 2001.
26
Esta lei entrou em vigor em 30 jan. 2003.
CONVIDADOS 119
Luís Roberto Barroso
27
Trata-se da Ley sobre uniones estables de parejas da Cataluña, de 30 jun. 1998.
28
Resultou na Lei nº 7/01, de 11 de maio, que adotou medidas de proteção às uniões
de fato, revogando a Lei nº 135/99.
29
A recomendação sobre a Paridade de Direitos de Homossexuais consta do Doc. A3-
0028/94, sendo as Resoluções de 17 set. 1996; 8 abr. 1997; 17 fev.1998; e 17 set.1998
também relativas à paridade de direitos para os homossexuais.
30
Diz a ementa: Este ato estende, para efeitos civis, a capacidade legal de casamento
a casais formados por pessoas de mesmo sexo, de modo a refletir valores de tole-
rância, respeito e igualdade, de acordo com a Carta canadense de Direitos e Liber-
dades. Emendas em outros atos são conseqüentemente feitas por este ato para
garantir igual acesso aos efeitos civis do casamento e divórcio a casais formados
por pessoas de mesmo sexo. (tradução livre)
120 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
31
Manifestações semelhantes já foram realizadas por supremas cortes ou tribunais
constitucionais de outros países. É o caso da África do Sul, cujo Tribunal Constitu-
cional declarou incompatível com a Constituição a proibição do casamento
homoafetivo, concedendo prazo de um ano ao legislador para que suprima o vício
sob pena de se considerar automaticamente estendida aos homossexuais a possibi-
lidade do casamento (Caso CCT 60/04, Minister of Home Affairs and Another V. Marie
Adriaana Fourie and Another). No mesmo sentido, vale mencionar o caso da Hungria,
cuja Corte Constitucional proferiu decisão semelhante no âmbito da união estável
(Decisão 14/95). Por fim, destaca-se a Suprema Corte de Israel, que considerou
inconstitucional a prática de determinada empresa que concedia benefícios aos
parceiros de seus funcionários heterossexuais, mas os negava no caso de uniões
homoafetivas (Caso El-Al Israel Airlines V. Danilowitz, julgado em 1994). Após a
manifestação da Corte, verificou-se uma modificação na ordem jurídica israelense,
baseada no common law, que passou a reconhecer esse tipo de união.
32
Trata-se do Caso M. v. H. (142 D.L.R 4th), julgado em 1996.
33
Trata-se da Lei da cidade autônoma de Buenos Aires (Ley CABA) nº 1.004/02, que
cria o registro público de uniões civis, de 12 dez. 2002.
34
A decisão mais incisiva foi proferida pela Suprema Corte do Estado de
Massachusets, no caso Goodridge v. Department of Public Health, julgado em 2003. O
Tribunal assentou que a não-extensão do casamento aos casais do mesmo sexo
violava a igualdade e o devido processo legal, afirmando que os argumentos apon-
tados para justificar a discriminação não seriam capazes de justificar a quebra da
isonomia.
35
Romer v. Evans, 517 U.S 620 (1996).
CONVIDADOS 121
Luís Roberto Barroso
PARTE II
A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS
RELAÇÕES ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
36
Uma descrição e análise do caso encontra-se em Ronald Dworkin, Sovereign virtue –
The theory and practice of equality, 2000, p. 456-65.
37
Lawrence et. Al. v. Texas, 539 U.S. 558 (2003).
38
Os principais Estados que proibiam a sodomia homossexual eram Texas, Oklahoma,
Kansas, e Missouri.
122 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
39
A expressão é de Ronald Dworkin, Sovereign virtue, 2000.
40
V. Luís Roberto Barroso, “Eficácia e efetividade do direito à liberdade”. In: Temas de
direito constitucional, 2006 (1ª. ed. 1999), p. 75 e ss..
41
Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constitui-
ção brasileira de 1988, 2001; Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios
constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana, 2001; Maria Celina Bodin
de Moraes, “O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo”. In: Ingo Wolfgang Sarlet, Constituição, direitos fundamentais e direito
privado, 2003; Gustavo Tepedino, “Tutela da personalidade no ordenamento civil-
constitucional brasileiro”. In: Temas de direito civil, 1998; Cristiano Chaves de Farias,
Direito civil: teoria geral, 2005.
42
V. Almiro do Couto e Silva, O princípio da segurança jurídica (proteção à confian-
ça) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus
próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do processo
administrativo da União (Lei nº 9.784/99), Revista de Direito Administrativo 237:271,
2004.
CONVIDADOS 123
Luís Roberto Barroso
1. PRINCÍPIO DA IGUALDADE
43
V. Luiz Edson Fachin, Aspectos jurídicos da união de pessoas do mesmo sexo,
Revista dos Tribunais 732:47, 1996, p. 53: “Em momento algum pode o Direito fechar-
se feito fortaleza para repudiar ou discriminar. O medievo jurídico deve sucumbir à
visão mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos
jurídicos que emergem das parcerias de convívio e de afeto. Esse é um ponto de
partida para desatar alguns ‘nós’ que ignoram os fatos e desconhecem o sentido de
refúgio qualificado prioritariamente pelo compromisso sócio-afetivo”.
44
Boaventura de Souza Santos, As tensões da modernidade. Texto apresentado no Fórum
Social Mundial, Porto Alegre, 2001.
45
CF/88, art. 5º, XLII: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.
46
CF/88, art. 5º, I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição”.
47
Nesse sentido, v. José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 2005, p.
48.
124 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
48
Sobre o tema, v. Ricardo Lobo Torres, “A cidadania multidimensional na era dos
direitos”. In: Teoria dos direitos fundamentais , 1999.
49
A jurisprudência do STF fornece o seguinte exemplo: “(...) I. - Ao recorrente, por não
ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplica-
do o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja
aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao prin-
cípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A
discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do
indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional
(...)”. (STF, DJU 19 dez. 1997, RE 161243/DF, Rel. Min. Carlos Velloso). Na doutrina,
acerca da eficácia privada dos direitos fundamentais, v. Daniel Sarmento, Direitos
Fundamentais e Relações Privadas, 2004.
50
A título de exemplo, em matéria trabalhista, v. TRT 02ª Reg., DJU 14 out. 2005,
Acórdão nº 20050694159 (processo nº 00742-2002-019-02-00-9), Rel. Juiz Valdir
Florindo: “OPÇÃO SEXUAL. DEMISSÃO. DANO MORAL CONFIGURADO (...) O
homossexual não pode ser marginalizado pelo simples fato de direcionar sua atenção
para outra pessoa do mesmo sexo, já que sequer pode-se precisar o que define a
opção sexual do ser humano: se fatores biológicos, psicológicos ou até mesmo ambos.
De todo acerto e procedência é a decisão de primeiro grau, que censurou a atitude da
recorrente. Não há razão alguma ou argumento que possa retirar a condenação”. No
mesmo sentido, v. TRT 15ª Reg., DJU 1 out. 2004, Decisão 038178/2004-PATR
(processo nº 01673-2001-096-15-00-8 ROPS), Rel. Juíza Rita de Cássia Penkal
Bernardino de Souza.
CONVIDADOS 125
Luís Roberto Barroso
51
V. Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade,
1993 (1ª. ed. 1978), p. 11; e Carlos Roberto de Siqueira Castro, O princípio da isonomia
e a igualdade da mulher no direito constitucional, 1983, p. 44.
52
Luís Roberto Barroso, “Razoabilidade e isonomia no direito brasileiro”. In: Temas de
direito constitucional, 2006 (1ª. ed. 1999), p. 161.
126 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
53
Enézio de Deus Silva Júnior, Adoção por casais homossexuais, Revista Brasileira de
Direito de Família 30:124, 2005, p. 143: “Com razão, se o afeto é o que justifica o
respeito mútuo, a durabilidade e a solidez, indispensáveis para que as uniões
formem uma estrutura familiar (independente do sexo biológico e da orientação de
desejo dos seus membros), as relações homossexuais evidenciam todas as nuanças
distintivas do fenômeno humano, ora juridicizado pelo Direito de Família”. No
mesmo sentido, v. tb. Cristiano Chaves de Farias, Reconhecer a obrigação alimentar
nas uniões homoafetivas: uma questão de respeito à Constituição da República,
Revista Brasileira de Direito de Família 28:26, 2005, p. 33; Ana Carla Harmatiuk
Matos, União entre pessoas do mesmo sexo – Aspectos jurídicos e sociais, p. 27, 2004; e
Taísa Ribeiro Fernandes, Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos, 2004, p. 80-1.
54
CF/88, art 226, § 4º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
55
V. Ana Carla Harmatiuk Matos, União entre pessoas do mesmo sexo – Aspectos jurídicos
e sociais, p. 33, 2004.
CONVIDADOS 127
Luís Roberto Barroso
56
Márcia Arán e Marilena V. Corrêa, Sexualidade e política na cultura contemporâ-
nea: o reconhecimento social e jurídico do casal homossexual, Physis 14(2):329, 2004.
57
Quanto ao ponto, v. Luiz Roldão de Freitas Gomes, Da sociedade entre homossexu-
ais, Revista de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 59:26, 2004, p.
30: “Esta [a convivência de pessoas do mesmo sexo], como visto, sem desviar de
aspectos psicológicos e humanos que as possam envolver, não passam de meras
situações de fato, com repercussões apenas no plano patrimonial, como se uma
sociedade de fato houvera, o que jamais pode converter-se em casamento, diante de
sua concepção agasalhada no ordenamento jurídico brasileiro, a partir de suas
raízes históricas e em face dos valores cristãos, que informam o matrimônio”.
58
Como se sabe, a Igreja Católica sequer reconhece as uniões estáveis entre homens e
mulheres. Em discurso recente (19 out. 2006), o Papa reafirmou a posição: “Hoje
uma atenção especial e um compromisso extraordinário são exigidos daqueles
grandes desafios em que vastas porções da família humana estão em maior perigo:
as guerras e o terrorismo, a fome e a sede, e algumas epidemias terríveis. Mas é
necessário também enfrentar, com iguais determinação e clareza de intenções, o
risco de opções políticas e legislativas que contradizem valores fundamentais e
princípios antropológicos e éticos radicados na natureza do ser humano, de modo
particular no que se refere à tutela da vida humana em todas as suas fases, desde
a concepção até à morte natural, e à promoção da família fundada no matrimônio,
evitando introduzir no ordenamento público outras formas de união que contribui-
riam para a desestabilizar, obscurecendo o seu caráter peculiar e o seu papel social
insubstituível.”. In: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/
2006/october/documents/hf_ben xvi_spe_20061019_convegno-verona_po.html>.
Acesso em: 9 nov. 2006.
128 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
59
Marilena Chauí, Convite à filosofia, 1999, p. 365.
60
Marilena Chauí, Convite à filosofia, 1999, p. 360-2.
CONVIDADOS 129
Luís Roberto Barroso
61
Registre-se que para um indivíduo de orientação homossexual, a escolha não é entre
estabelecer relações com pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente, mas entre
abster-se de sua orientação sexual ou vivê-la clandestinamente. As pessoas devem
ter liberdades individuais que não podem ser cerceadas pela maioria, pela imposi-
ção de sua própria moral. Sobre o tema, v. Ronald Dworkin, Sovereign virtue, 2000,
p. 453 e ss..
62
Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações privadas, 2004, p. 241: “Em relação
às liberdades existenciais, como a privacidade, as liberdades de comunicação e
expressão, de religião, de associação e de profissão, dentre tantas outras, existe
uma proteção constitucional reforçada, porque sob o prisma da Constituição, estes
direitos são indispensáveis para a vida humana com dignidade. Tais liberdades não
são meros instrumentos para a promoção de objetivos coletivos, por mais valiosos
que sejam”.
63
Nesse sentido, v. Érika Harumi Fugie, Inconstitucionalidade do art. 226, §3º, da
CF?, Revista dos Tribunais 813:64, 2003, p. 76: “De modo que a liberdade de expres-
são sexual, como direito de personalidade, é direito subjetivo que tem como objeto
a própria pessoa. Assim, é dotado de uma especificidade e se insere no minimum
necessário e imprescindível ao conteúdo do indivíduo. De maneira que o aniquila-
mento de um direito de personalidade ofusca a pessoa como tal. A esses direitos
mais preciosos relativos à pessoa se atribui a denominação de medula da persona-
lidade. Assim, o direito à orientação sexual, em sendo um direito de personalidade,
é atributo inerente à pessoa humana”.
130 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
64
Sobre o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, v. Luís Roberto Barroso,
Interpretação e aplicação da Constituição, 2004, p. 244; Humberto Ávila, Teoria dos
princípios, 2003, p. 116-7; e Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais
e princípio da proporcionalidade, 2001, p. 152-3.
65
Carlos Santiago Nino, Ética y derechos humanos, 2005, p. 205: “La concepción opuesta al
principio de autonomía tal como lo he presentado se suele denominar ‘perfeccionismo’. Esta
concepción sostiene que lo que es bueno para un individuo o lo que satisface sus intereses es
independiente de sus propios deseos o de su elección de forma de vida y que el Estado pude,
a través de distintos medios, dar preferencia a aquellos intereses y planes de vida que son
objetivamente mejores”.
66
Reinhold Zippelius, Teoria geral do Estado, 1997, p. 370-1: “O moderno Estado tota-
litário, que intervém em todos os sectores da vida e para o qual servem como
exemplo a Rússia estalinista e a Alemanha nazi, reclama realizar as suas idéias
políticas, econômicas e sociais mesmo na esfera privada (...). No moderno Estado
totalitário pretende-se subordinar aos objetivos de Estado e colocar ao seu serviço
não só a economia, o mercado de trabalho e a actividade profissional, mas também
a vida social, os tempos livres, a família, todas as convicções e toda a cultura e os
costumes do povo”.
CONVIDADOS 131
Luís Roberto Barroso
67
A partir do final da década de 90, a produção nacional passou a voltar-se para o
tema. Confiram-se alguns trabalhos representativos: José Afonso da Silva, Dignida-
de da pessoa humana como valor supremo da democracia, Revista de Direito Admi-
nistrativo 212:89, 1998; Carmen Lúcia Antunes Rocha, O princípio da dignidade da
pessoa humana e a exclusão social, Anais da XVII Conferência Nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil, 1999; Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituição brasileira de 1988, 2001; Cleber Francisco Alves, O prin-
cípio constitucional da dignidade da pessoa humana, 2001; Ana Paula de Barcellos, A
eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana,
2001; Maria Celina Bodin de Moraes, “O conceito de dignidade humana: substrato
axiológico e conteúdo normativo”. In: Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição,
direitos fundamentais e direito privado, 2003.
68
Immanuel Kant, Fundamentação à metafísica dos costumes, 2005 (edição original de
1785), p. 77-8: “No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando
uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente;
mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equiva-
lente, então tem ela dignidade. (...) Ora a moralidade é a única condição que pode
fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser
membro legislador no reino dos fins. Portanto, a moralidade, e a humanidade en-
quanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade”. Explicitando
o pensamento de Kant, com remissão a B. Freitag, averbou Maria Celina Bodin de
Moraes, “O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo”. In: Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição, direitos fundamentais e direi-
to privado, 2003: “De acordo com Kant, no mundo social existem duas categorias de
valores: o preço (preis) e a dignidade (Würden). Enquanto o preço representa um
valor exterior (de mercado) e manifesta interesses particulares, a dignidade repre-
senta um valor interior (moral) e é de interesse geral. As coisas têm preço; as
pessoas, dignidade”.
132 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
69
Ana Carla Harmatiuk Matos, União de pessoas do mesmo sexo – Aspectos jurídicos e
sociais, 2004, p. 148: “Há de se conhecer a dignidade existente na união homoafetiva.
O conteúdo abarcado pelo valor da pessoa humana informa poder cada pessoa
exercer livremente sua personalidade, segundo seus desejos de foro íntimo. A sexu-
alidade está dentro do campo da subjetividade, representando uma fundamental
perspectiva do livre desenvolvimento da personalidade, e partilhar a cotidianidade
da vida em parcerias estáveis e duradouras parece ser um aspecto primordial da
experiência humana”.
70
Esta é, como se sabe, uma das máximas do imperativo categórico kantiano, proposi-
ções éticas superadoras do utilitarismo. V. Immanuel Kant, Fundamentación de la
metafísica de las costumbres, 1951. V. tb. Ted Honderich (editor), The Oxford companion
to Philosophy, 1995, p. 589; Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional
financeiro e tributário: Valores e princípios constitucionais tributários, 2005; e Ricardo
Terra, Kant e o direito, 2005.
71
V. Charles Taylor, “A política do reconhecimento”. In: Argumentos Filosóficos, 2000;
José Reinaldo de Lima Lopes, “O direito ao reconhecimento de gays e lésbicas”. In:
Celio Golin; Fernando Altair Pocahy e Roger Raupp Rios (org.), A Justiça e os direitos
de gays e lésbicas, 2003.
CONVIDADOS 133
Luís Roberto Barroso
72
Charles Taylor, “A política do reconhecimento”. In: Argumentos Filosóficos, 2000.
73
V. Almiro do Couto e Silva, O princípio da segurança jurídica (proteção à confian-
ça) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus
próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do processo
administrativo da União (Lei nº 9.784/99), Revista de Direito Administrativo 237:271,
2004.
134 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
74
Código Civil, art. 1.725: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os compa-
nheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bens”.
75
Sobre o tema, vejam-se Hélio Borghi, União estável & casamento – Aspectos polêmicos,
2003, p. 60, e Zeno Veloso, União estável, 1997, p. 86-7. Vale notar que os autores
tratam da união estável heterossexual. No entanto, uma vez reconhecidas as uniões
homoafetivas, a mesma lógica lhes seria aplicável.
CONVIDADOS 135
Luís Roberto Barroso
76
Quanto ao ponto, v. Luiz Edson Fachin, Direito de Família – elementos críticos à luz do
novo Código Civil brasileiro, 2003, p. 306: “Da superação do antigo modelo da ‘gran-
de-família’, na qual avultava o caráter patriarcal e hierarquizado da família, uma
unidade centrada no casamento, nasce a família moderna, com a progressiva elimi-
nação da hierarquia, emergindo uma restrita liberdade de escolha; o casamento fica
dissociado da legitimidade dos filhos. Começam a dominar as relações de afeto, de
solidariedade e de cooperação. Proclama-se a concepção eudemonista da família:
não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família
e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspi-
ração à felicidade”.
77
Vejam-se: Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. V, 2004, p. 2-
3; e Maria Claudia Crespo Brauner, Reinventando o Direito de Família: novos
espaços de conjugalidade e parentalidade, Revista Trimestral de Direito Civil 18:79,
2004, p. 81: “O desafio lançado consiste em aceitar o princípio democrático do
pluralismo na formação de entidades familiais e, respeitando as diferenças intrínse-
cas de cada uma delas, efetivar a proteção e prover os meios para resguardar os
interesses das partes, conciliando o respeito à dignidade humana, o direito à intimi-
dade e à liberdade com os interesses sociais e, somente quando indispensável,
recorrer à intervenção estatal para coibir abusos”.
136 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
78
Neste sentido, v. Enézio de Deus Silva Júnior, Adoção por Casais Homossexuais,
Revista Brasileira de Direito de Família 30:124, 2005, p. 132: “Por tal razão, rompem-
se conceitos e reformulam-se posturas doutrinárias, na seara jurídico-familiar, subs-
tituindo a ideologia tradicional e estatal da família, por outra, mais coerente com a
realidade social sustentada pelo afeto. Neste diapasão, o casamento deixou de ser
considerado único legitimador da família, e a sociedade conjugal tende a ser vis-
lumbrada como estrutura de amor e de respeito, independente do sexo biológico e
da orientação afetiva dos que a integram”. V. tb. Érika Harumi Fugie,
Inconstitucionalidade do art. 226, § 3º, da CF?, Revista dos Tribunais 813:64, 2003, p.
67.
79
V. Luiz Edson Fachin, Direito de Família – elementos críticos à luz do novo Código Civil
brasileiro, 2003, p. 49: “A retomada do valor jurídico da affectio maritalis por si só
denuncia a ratio apenas formal do casamento. A afetividade assume dimensão
jurídica. Migram para a ‘constitucionalização’ princípios e normas básicos do Direi-
to de Família, espraiados na igualdade, na neutralidade e na dimensão da inocência
quanto à filiação”. V. tb. Ana Carla Harmatiuk Matos, União entre pessoas do mesmo
sexo – Aspectos jurídicos e sociais, 2004, p. 27. V. ainda Maria Claudia Crespo Brauner,
Reinventando o Direito de Família: novos espaços de conjugalidade e parentalidade,
Revista Trimestral de Direito Civil 18:79, 2004, p. 83.
80
V. Luiz Edson Fachin, Direito de Família – Elementos críticos à luz do novo Código Civil
brasileiro, 2003, p. 317-8: “Na transformação da família e de seu Direito, o transcur-
so apanha uma ‘comunidade de sangue’ e celebra, ao final deste século, a possibi-
lidade de uma ‘comunidade de afeto’. Novos modos de definir o próprio Direito de
Família. Direito esse não imune à família como refúgio afetivo, centro de intercâm-
bio pessoal e emanador da felicidade possível”.
81
Após a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, a previsão passou a ser feita no art.
175, mantendo-se redação idêntica.
CONVIDADOS 137
Luís Roberto Barroso
82
V. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, A união civil entre pessoas do mesmo
sexo, Revista de Direito Privado 2:30, 2000, p. 32: “O conceito de família para o
Direito é relativo, alterando-se continuamente, como reflexo da própria evolução
histórica da sociedade e dos seus costumes. O certo é que uma das notas peculi-
ares do final do século XX consiste na verificação de que as famílias devem se
fundar, cada vez mais, em valores existenciais e psíquicos, próprios do convívio
próximo, afastando as uniões de valores autoritários, materialistas,
patrimonialistas e individualistas que notabilizaram o modelo de família
oitocentista do Código de Napoleão. E, no âmbito jurídico, não se pode deixar de
considerar o relevante e inestimável papel da Constituição Federal, mormente a de
1988, no direito brasileiro: como já se pôde perceber, o Direito Civil passa pelo
fenômeno de constitucionalização dos bens e valores fundantes do ordenamento
jurídico, com atribuição de maior relevância à pessoa humana (o ser) do que ao
seu patrimônio (o ter). Como observa Giselda Hironaka, o legislador brasileiro, ao
formular a Carta Maior, foi obrigado, diante da realidade da vida, a
constitucionalizar ‘relevantes inovações, entre elas, e principalmente (...)
desmistificação de que a família só se constituísse a partir do casamento civil-
mente celebrado’”.
83
Para um panorama da evolução jurisprudencial e legislativa sobre o tema, v.
Gustavo Tepedino, “Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento
e da família não fundada no casamento”. In: Gustavo Tepedino, Temas de direito
civil, 2004, p. 373 e ss..
84
STF, j. 20 out. 1964, AI 30422, Rel. Min. Luis Galotti: “Sociedade de fato entre
pessoas não casadas. Reconhecimento dela, para efeitos patrimoniais”; STF, j. 20
nov. 1970, RE 60657/GO, Rel. Min. Adalicio Nogueira: “Concubinato. Convivên-
cia ‘more uxorio’, por muitos anos, constitui sociedade de fato. Indenização devi-
da à companheira. Dissídio jurisprudencial superado. Súmula 380"; Súmula 380,
STF: ”Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabí-
vel a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum”. (Sessão Plenária de 3 abr. 1964).
138 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
85
STF, j. 10 mai. 1977, RE 83.930-SP, Rel. Min. Antonio Neder: ”Todavia, em jurídi-
ca linguagem é de se admitir a diferenciação, porque, na verdade, o cônjuge adúl-
tero pode manter convívio no lar com a esposa e, fora, ter encontros amorosos com
outra mulher, como pode também separar-se de fato da esposa, ou desfazer desse
modo a sociedade conjugal, para conviver more uxorio com a outra parte. Na
primeira hipótese o que se configura é um concubinato segundo o seu conceito
moderno, e obviamente a mulher é concubina; mas, na segunda hipótese, o que se
caracteriza é uma união-de-fato (assim chamada por lhe faltarem as justas nuptiae)
e a mulher merece a vida como companheira; precisando melhor a diferenciação, é
de se reconhecer que, no primeiro caso, o homem tem duas mulheres, a legítima e
a outra; no segundo, ele convive apenas com a companheira, porque se afastou da
mulher legítima, rompeu de fato a vida conjugal”.
86
Súmula 35, STF: “em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina
tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impe-
dimento para o matrimônio”. (Sessão Plenária de 13 dez. 1963); STF, j. 12 mar.
1974, AI 59650/SP, Rel. Min. Alimoar Baleeiro: “Concubina - inscrição para previ-
dência. Não nega vigência a direito federal, nem discrepa de jurisprudência predo-
minante do Supremo Tribunal Federal, o acórdão que mandou inscrever, a pedido
do concubinário, em instituições de previdência, como beneficiaria, a concubina”;
Súmula 122, TFR: “A companheira, atendidos os requisitos legais, faz jus a pensão
do segurado falecido, quer em concorrência com os filhos do casal, quer em suces-
são a estes, não constituindo obstáculo a ocorrência do óbito antes da vigência do
Decreto-lei 66, de 1966”. (Decisão: 29 set. 1982); Súmula 159, TFR: “é legítima a
divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os
requisitos exigidos”. (Decisão: 6 jun. 1984); Súmula 253, TFR: “A companheira
tem direito a concorrer com outros dependentes a pensão militar, sem observância
da ordem de preferências”. (Decisão: 2 mar. 1988).
CONVIDADOS 139
Luís Roberto Barroso
PARTE III
EXTENSÃO DO REGIME JURÍDICO DAS UNIÕES ESTÁVEIS ÀS
UNIÕES HOMOAFETIVAS
63. Insista-se, para que não haja margem a dúvida: não tem
pertinência a invocação do argumento de que o emprego da expressão
“união estável entre o homem e a mulher” importa, a contrario sensu, em
proibição à extensão do mesmo regime a uma outra hipótese. Tal norma
foi o ponto culminante de uma longa evolução que levou à equiparação
entre companheira e esposa. Nela não se pode vislumbrar uma restrição –
e uma restrição preconceituosa – de direito. Seria como condenar alguém
com base na lei de anistia. O Código Civil, por sua vez, contém apenas
uma norma de reprodução, na parte em que se refere a homem e mulher, e
não uma norma de exclusão. Exclusão que, de resto, seria inconstitucional.
64. Admita-se, assim, para argumentar, que a Constituição não im-
ponha nem proíba a extensão do regime jurídico da união estável às uni-
ões homoafetivas. O Código Civil, por sua vez, tampouco provê a respeito.
Sendo assim, na ausência de um regime jurídico específico, ditado pelo
constituinte ou pelo legislador, como deve agir o intérprete?
87
Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º: ”Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
CONVIDADOS 141
Luís Roberto Barroso
88
Código de Processo Civil, art. 126: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar
alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as
normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios
gerais de direito”.
89
V. Ronald Dworkin, Freedom’s law, 1996, p. 2: “A leitura moral propõe que todos nós
– juízes, advogados, cidadãos – interpretemos e apliquemos estas cláusulas abs-
tratas (da Constituição) na compreensão de que elas invocam princípios de decên-
cia política e de justiça”.
142 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
legis quando é possível recorrer a uma regra específica apta a incidir sobre
a hipótese, e de analogia iuris quando a solução precisa ser buscada no
sistema como um todo, por não haver nenhuma regra diretamente perti-
nente. A hipótese em exame é, como intuitivo, de analogia legis.
70. De fato, os elementos essenciais da união estável, identificados
pelo próprio Código Civil – convivência pacífica e duradoura com o intuito
de constituir família – estão presentes tanto nas uniões heterossexuais, quan-
to nas uniões homoafetivas. Os elementos nucleares do conceito de entidade
familiar – afetividade, comunhão de vida e assistência mútua, emocional e
prática – são igualmente encontrados nas duas situações. Diante disso, nada
mais natural do que o regime jurídico de uma ser estendido à outra.
71. Admitida a analogia, chegar-se-ia à seguinte conclusão: a Cons-
tituição teria reconhecido expressamente três tipos de família: a decorren-
te de casamento (art. 226, §§ 1º e 2º); a decorrente de união estável entre
pessoas de sexos diferentes (art. 226, §3º); e a família monoparental, ou
seja, aquela formada por apenas um dos pais e seus descendentes (art.
226, § 4º). Haveria, contudo, um tipo comum de família não expressamen-
te reconhecido: a união homoafetiva. Apesar da falta de norma específica, o
reconhecimento dessa quarta modalidade seria imposto pelo conjunto da
ordem jurídica e pela presença dos elementos essenciais que caracterizam
as uniões estáveis e as entidades familiares90.
90
Nesse sentido: TJ/RS, j. 17 nov. 2004, AC 70009550070, Rel. Des. Maria Berenice Dias:
“Inconteste que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se perpetuou
através dos séculos, não podendo o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional
a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é
que caracteriza a entidade familiar e não a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o
afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das
relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do
direito à vida, em atitude manifestamente preconceituosa e discriminatória. Deixe-
mos de lado as aparências e vejamos a essência. (...) A Constituição Federal proclama
o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à intimidade (art. 5º, caput) e prevê como
objetivo fundamental, a promoção do bem de todos, ‘sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (art. 3º, IV). Dis-
põe, ainda, que ‘a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberda-
des fundamentais’ (art. 5º, XLI). Portanto, sua intenção é a promoção do bem dos
cidadãos, que são livres para ser, rechaçando qualquer forma de exclusão social ou
tratamento desigual.” V. também: TJ/RJ, j. 21 mar. 2006, AC 2005.001.34933, Rel.
Des. Letícia Sardas: “Dado o princípio constitucional da dignidade da pessoa huma-
na e da expressa proscrição de qualquer forma de discriminação sexual, não há
impedimento jurídico ao reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo
sexo, com os efeitos patrimoniais aludidos pela Lei 8.971/94 e 9.278/96. 2. Interpre-
tação sistemática do disposto no § 3° do art. 226 da Constituição Federal revela que
a expressão homem e mulher referida na dita norma está vinculada à possibilidade de
conversão da união estável em casamento, nada tendo a ver com o receito de convi-
vência que, de resto, é fato social aceito e reconhecido, até mesmo fins previdenciários”.
CONVIDADOS 143
Luís Roberto Barroso
91
A título de exemplo, v. STJ, DJU 6 abr. 1998, REsp 148.897/MG, Rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar; STJ, DJU 14 mar. 2005, REsp 323.370/RS, Rel. Min. Barros de
Monteiro; e STJ, DJU 16 mai. 2005, REsp 502.995/RN, Rel. Min. Fernando Gonçal-
ves.
144 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
CONCLUSÃO
92
TRF 4ª Reg., DJU 10 ago. 2005, AC 2000.71.00.009347-0, Rel. João Batista Pinto
Silveira.
CONVIDADOS 145
Luís Roberto Barroso
1
Por óbvio, nas ações em que a controvérsia se apresenta exclusivamente de direito,
ou quando os fatos debatidos são incontroversos ou notórios, tal situação não se
coloca, pois não se busca uma verdade, mas, tão só, uma afirmação do direito já
certificado, ao menos no campo fático.
2
TUCCI, Rogério Lauria. Do Corpo de Delito no Direito Processual Penal Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 1978, p.91.
3
TUCCI, Rogério Lauria. Do Corpo de Delito no Direito Processual Penal Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 1978, p.93.
CONVIDADOS 147
Luiz Alberto Ferreira de Vasconcelos Júnior
4
Enfraquece-se, progressivamente, a noção dispositiva do processo civil; o juiz não é
mais um mero espectador do combate, assumindo uma postura mais ativa, dirigin-
do o processo de modo a tornar efetivo o acesso à justiça. Como afirma José Roberto
dos Santos Bedaque “As partes podem perfeitamente manter o pleno domínio sobre
os interesses em litígio; mas jamais sobre o desenvolvimento técnico e formal do
processo. A maneira como a jurisdição realiza seu mister não pertence à esfera de
disponibilidade das partes, pois o processo não pode ser visto apenas como um
instrumento de composição de conflitos, de pacificação, mas meio pelo qual se
busca a justiça substancial.” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios
do Juiz. 2ª edição. São Paulo: RT, 1991, p. 110)
148 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5
No mesmo sentido, as prescrições contidas nos arts. 342, 355, 418, 437 e 440, todos
do CPC.
6
AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, v.2, 3. Ed.,
São Paulo: Saraiva, 1977, p. 241.
CONVIDADOS 149
Luiz Alberto Ferreira de Vasconcelos Júnior
7
Exemplo de situação onde esta inversão se faz necessária é na prova de fato nega-
tivo, pois a sua alegação, inicialmente, transfere o ônus da prova para à parte
contrária, presumindo-se, por exemplo, que a afirmação de inadimplemento é de
difícil prova para o credor, mas o seu contrário, ou seja, o adimplemento, é facil-
mente provável pelo devedor.
150 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
ação passou a ser visto não mais apenas como o direito ao processo, mas,
principalmente, como a garantia cívica de justiça, assumindo o direito pro-
cessual a missão de assegurar resultados práticos e efetivos que não só
permitissem a realização da vontade da lei, mas que dessem a essa vontade
o melhor sentido, aquele que pudesse se aproximar ao máximo da aspira-
ção de justiça.
O processo visto dessa forma assumiu o compromisso de ultrapas-
sar a noção de devido processo legal para atingir o plano do processo justo,
realizador da justiça concreta e não instrumento puro de realização
procedimental e técnica.
Nesse diapasão, as velhas barreiras da imparcialidade8 e do ônus
da prova tiveram de ser revistas, a fim de que os novos valores de ordem
pública inspiradores do processo justo pudessem ocupar seu lugar de
inconteste valor e relevância.
Eis que surge na ciência jurídica a denominada Teoria da Distribui-
ção Dinâmica do Ônus da Prova ou Teoria das Cargas Dinâmicas Proces-
suais, desenvolvida aprioristicamente na Argentina, pelos doutrinadores
Jorge W. Peryrano e Augusto M. Morello.
Tal teoria rompe com a clássica distribuição prévia e estática do
ônus da prova, não importando, para ela, a posição da parte, se autora ou
ré, nem, muito menos, a espécie do fato a ser provado, se constitutivo,
impeditivo, modificativo ou extintivo de direitos.
O que vale, na verdade, é a apreciação e valoração, pelo julgador, em
cada caso concretamente concebido, da aptidão, disponibilidade e possi-
bilidade que cada parte possui para suportar o ônus da prova, impondo,
por conseguinte, o encargo de provar os fatos àquela que possa produzir a
prova com menos pesar e dificuldade, ainda que não tenha ela alegado tal
fato.
A flexibilização do ônus da prova há de ser, também, aplicada em
casos de relações assimétricas ou fatos onde, não obstante seja o ônus, via
de regra, determinado a uma das partes, esteja a parte contrária em melho-
res condições de produzir a prova, prestigiando, assim, a busca da verda-
de real, impedindo que questões formais superem as questões de fundo.
8
O que a preservação da imparcialidade do juiz exige é a sua permanência longe da
iniciativa de instaurar o processo e definir o seu objeto, pois somente às partes cabe
a iniciativa de colocar em juízo o conflito jurídico e de dar-lhe os necessários contor-
nos. Em contrapartida, a investigação do direito subjetivo controvertido, tanto nos
aspectos de direito como de fato, não pode ficar na dependência da exclusiva
vontade e diligência das partes, podendo o juiz influir no particular, o que não
significa que ele se torna parcial apenas por se ocupar da apuração da verdade,
diligenciando provas por iniciativa própria.
CONVIDADOS 151
Luiz Alberto Ferreira de Vasconcelos Júnior
Tal apreciação feita pelo magistrado, contudo, deve ser sempre pau-
tada pela razoabilidade e proporcionalidade da medida, evitando, assim,
que a modificação da regra de distribuição do ônus da prova implique uma
verdadeira pena a quem o juiz atribuir o ônus.
Como explicita Marinoni9, a modificação do ônus da prova só deve
acontecer quando ao autor é impossível, ou muito difícil, provar o fato
constitutivo, mas ao réu é viável, ou muito mais fácil, provar a sua inexistência.
O Brasil, apesar de facultar ao juiz, à vista de alguns critérios subje-
tivos descritos em lei, a possibilidade de inverter o ônus da prova nas
relações de consumo10, ainda não positivou, de forma absoluta, tal Teoria
em seu ordenamento jurídico, não obstante ser a mesma amplamente acei-
ta pela doutrina e considerada em diversas decisões dos Tribunais pátrios11.
Todavia, o Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coleti-
vos, em seu art. 11, § 1º, adota clara e expressamente o critério dinâmico do
ônus da prova, valendo a pena transcrevê-lo, in verbis:
9
MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo
as peculiaridades de caso concreto. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/
artigos.php. Acessado em 29/11/2007.
10
A legislação consumeirista (CDC – Código de Defesa do Consumidor) estabelece
como pressuposto para inversão do ônus da prova a hipossuficiência técnico-probatória
da parte, pois não basta a verificação da vulnerabilidade econômico-financeira do
consumidor, sendo necessária, ainda, a observação de superioridade técnica com
relação a capacidade de produção de provas na demanda.
11
“RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CLÍNICA. CULPA. PROVA. 1. Não viola
regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica
da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. 2.
Legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo paciente. 3. Juntada de textos
científicos determinada de ofício pelo juiz. Regularidade. 4. Responsabilização da clínica e do
médico que atendeu o paciente submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da
medula. 5. Inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada. Recurso Especial não
conhecido.” (STJ. REsp 69309 / SC; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Quarta Turma.
DJ 26.08.1996 p. 29688)
“PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA - GRATIFICAÇÃO
DEVIDA A TÍTULO DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA - PROFESSOR DA REDE DE
ENSINO MUNICIPAL - ONUS DA PROVA - PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA -
PARTE QUE POSSUI O CONTROLE DA RELAÇÃO JURÍDICA - HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS - APRECIAÇÃO EQÜITATIVA - 1) Se o requerido não se desincumbiu
de demonstrar a inverossimilhança do direito do autor, correta a sentença que o condenou a
pagar os atrasados, a título de dedicação exclusiva, porque lhe cabia o ônus, tendente a impedir,
modificar ou extinguir tal direito, particularmente incidindo o princípio da carga dinâmica da
prova, onde à parte que possui ou deveria possuir o controle da relação jurídica, cabe apresentar
em Juízo os documentos a ela atinentes. A verificação dos requisitos, se cumpridos ou não, para
o recebimento de gratificação, cabia ao recorrente, e este não logrou apresentá-los. 2) Em termos
152 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
de verba honorária, esta fixada no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), havendo apreciação
eqüitativa por parte do Magistrado, conforme a regra contida no § 4° do art. 20 do CPC, não
há que falar em valores excessivos. 3) Apelo a que se nega provimento.” (TJAP - APELAÇÃO
CÍVEL Nº 2.528/05; Rel. Desembargador DÔGLAS EVANGELISTA. Julgamento
31/01/2006)
“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. IMPUGNAÇÃO JULGADA PROCEDEN-
TE. AUSÊNCIA DE PROVA DA HIPOSSUFICIÊNCIA. ALUSÃO À GARANTIA CONS-
TITUCIONAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DA PRO-
VA. Mantém-se o decreto judicial que acolhe a impugnação à gratuidade judiciária, quando o
impugnado deixa de comprovar com suficiência sua impossibilidade em atender os ônus do
processo e os elementos colacionados aos autos evidenciam a potencia financeira dos litigantes.
A garantia constitucional que assegura o benefício da assistência jurídica integral e gratuita
exige, além da simples “afirmação” da pobreza”, também a “comprovação” da hipossuficiência
de recursos (CF, art. 5º, LXXIV), o que enseja a discricionariedade judicial em sua avaliação.
Cabe ao requerente, assim, como parte mais habilitada, cumprir a demonstração, em respeito à
“teoria da distribuição dinâmica da prova”, fornecendo todos os elementos de convicção que
persuadam sobre alegada hipossuficiência. APELO DESPROVIDO.” (TJRS – Ap. Cível nº
70010284180, Sétima Câmara Cível, Relator José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em
16/03/2005)
12
Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos. Disponível em: http://
www.direitoprocessual.org.br/site/index.php?m=enciclopedia&categ= 16&t=
QW50ZXByb2pldG9zIGRvIElCRFAg LSBBbnRlcHJvamV0b3M=. Acessado em 03/
12/2007.
13
V. DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paulo Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2, Salvador: Editora Jus Podivm, 2007, p. 64.
14
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paulo Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2, Salvador: Editora Jus Podivm, 2007, p. 65.
CONVIDADOS 153
Luiz Alberto Ferreira de Vasconcelos Júnior
BIBLIOGRAFIA
O DIREITO À HOMOAFETIVIDADE
1 – O DIREITO À IGUALDADE
1
Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 1, jan/jun. – 2003, p. 12.
2
inc. III do art. 1º da Constituição Federal.
3
CF, art. 3º, inc. IV: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
156 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
4
CF, art. 5º, inc. I: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição.
5
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.
Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p.
330.
6
RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual: o Direito Brasileiro e a
Homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da
Justiça Federal. Brasília. dez. 1998. nº 6. p. 29.
CONVIDADOS 157
Maria Berenice Dias
7
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica. Revista da
AJURIS, nº 88 – Tomo 1. Porto Alegre: dezembro de 2002. p. 244.
8
Foi a grande pressão do movimento feminista que acabou por alterar essa termino-
logia, face à carga de discriminação contida na expressão “direitos do homem e do
cidadão”.
9
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos: Paradoxo da Civilização. Belo Ho-
rizonte: Del Rey, 2003. p. 40.
158 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
10
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos: Paradoxo da Civilização. Belo Ho-
rizonte: Del Rey, 2003. p. 406.
11
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o Preconceito e a Justiça. 3. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 17.
160 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
cabe identificada somente pelo viés econômico. Devem assim ser reconhe-
cidos todos os segmentos alvo do preconceito ou discriminação social. A
hipossuficiência social leva, por reflexo, à deficiência de normação jurídi-
ca, deixando à margem ou à míngua do Direito certos grupos sociais.
Como a homossexualidade é pressuposto e causa de um especial trata-
mento dispensado pelo Direito, não se pode deixar de reconhecer como
juridicamente hipossuficiente essa categoria por ser socialmente e, por
reflexo preconceituoso marginalizada.
Igualmente o direito à sexualidade avança para ser inserido como
um direito de terceira geração. Esta compreende os direitos decorrentes da
natureza humana, mas não tomados individualmente, porém generica-
mente, solidariamente, a fim de realizar toda a humanidade, de maneira
integral, abrangendo todos os aspectos necessários à preservação da dig-
nidade humana. Impositivo enxergar o direito de todo ser humano de
exigir o respeito ao livre exercício da sexualidade. É um direito de todos e
de cada um, que deve ser garantido a cada indivíduo por todos os indiví-
duos. Portanto, é um direito de solidariedade, cuja exclusão não permite
que a condição humana se realize, se integralize.
A sexualidade é um elemento da própria natureza humana, seja
individualmente, seja genericamente considerada. Sem liberdade sexual,
sem o direito ao livre exercício da sexualidade, o próprio gênero humano
não se realiza, do mesmo modo que ocorre quando lhe falta qualquer ou-
tra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.
Aída Kemelmajer de Carlucci comunga do mesmo entendimento.
12
CARLUCCI, Aída Kemelmajer de. Derecho y homosexualismo en el derecho com-
parado. In: Instituto Interdisciplinar de Direito de família – IDEF. Homossexualidade
– Discussões Jurídicas e Psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001, p. 24.
162 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
13
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do
numerus clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito das Famílias. Família e
cidadania – o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 101
14
VELOSO, Zeno. Homossexualidade e Direito. Jornal O Liberal, de Belém do Pará, em
22.5.1999.
15
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do
numerus clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito das Famílias. Família e
cidadania – o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 95.
CONVIDADOS 163
Maria Berenice Dias
6 – O DIREITO À HOMOAFETIVIDADE
16
SUANNES, Adauto. As Uniões Homossexuais e a Lei 9.278/96. COAD. Ed. Especial
out/nov. 1999. p. 32.
17
RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual: o Direito Brasileiro e a
Homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da
Justiça Federal. Brasília. dez. 1998. nº 6. p. 35.
18
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos: Paradoxo da Civilização. Belo Ho-
rizonte: Del Rey, 2003. p. 418.
164 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
19
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o Preconceito e a Justiça. 3. ed.Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 17.
20
Expressão por mim cunhada na obra intitulada União Homossexual: o preconceito
e a Justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
21
FACHIN, Luiz Edson. Elementos Críticos do Direito das Famílias: Curso de Direito
Civil, Rio De Janeiro: Renovar, 1999. p. 95.
22
RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual: o Direito Brasileiro e a
Homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da
Justiça Federal. Brasília. dez. 1998. nº 6. p. 34.
CONVIDADOS 165
Maria Berenice Dias
7 – A S UNIÕES HOMOAFETIVAS
23
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o Preconceito e a Justiça. 3. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 17.
CONVIDADOS 167
Maria Berenice Dias
24
RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado / Esmafe, 2000. p. 122.
25
PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira. A Sexualidade Vista pelas Tribunais, Belo Hori-
zonte: Del Rey, 2000. p. 281.
168 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
26
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 46.
27
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica. In Revista
da AJURIS, nº 88 – Tomo 1. Porto Alegre: dezembro de 2002. p. 244.
CONVIDADOS 169
Maria Berenice Dias
8 – A HOMOAFETIVIDADE E A JUSTIÇA
28
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do
numerus clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito das Famílias. Família e
cidadania – o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 100.
29
Maria Berenice Dias. Manual do Direito das Famílias, 45.
170 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
30
Maria Berenice Dias. Homoafetividade: o que diz a Justiça, p. 17
CONVIDADOS 171
Maria Berenice Dias
31
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, AI nº 599 075 496, Oitava Câmara Cível,
Relator: Des. Breno Moreira Mussi, Data do julgamento: 17/6/1999, Ementa: RELA-
ÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE SEPARA-
ÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO DOS CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO
MESMO SEXO. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-
se competente para o julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança
das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido.
32
HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTAVÉL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais,
ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qual-
quer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto
à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende
pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos,
modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato
das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para
que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades
possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de
todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida.
(TJRS AC 598 362 655, 8ª C.Cív., Rel,: Des. José S. Trindade, j. 01/3/2000)
172 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
33
UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO.
MEAÇÃO. PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a
existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos
derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são
realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade
retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas
relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios
gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade hu-
mana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacio-
namento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se
debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para
assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (TJRS – AC 70001388982, 7ª C.
Civ. – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j., 14/3/2001).
CONVIDADOS 173
Maria Berenice Dias
34
JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. CONVIVÊNCIA HOMOSSEXUAL. COMPETÊNCIA.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. É competente a Justiça Estadual
para julgar a justificação de convivência entre homossexuais, pois os efeitos preten-
didos não são meramente previdenciários, mas também patrimoniais. 2. São com-
petentes as Varas de Família, e também as Câmaras Especializadas em Direito das
Famílias, para o exame das questões jurídicas decorrentes da convivência homosse-
xual, pois, ainda que não constituam entidade familiar, mas mera sociedade de
fato, reclamam, pela natureza da relação, permeada pelo afeto e peculiar carga de
confiança entre o par, um tratamento diferenciado daquele próprio do direito das
obrigações. Essas relações encontram espaço próprio dentro do Direito das Famíli-
as, na parte assistencial, ao lado da tutela, curatela e ausência, que são relações de
cunho protetivo, ainda que também com conteúdo patrimonial. 2. É viável juridica-
mente a justificação pretendida, pois a sua finalidade é comprovar o fato da convi-
vência entre duas pessoas homossexuais, seja para documentá-la, seja para uso
futuro em processo judicial, onde poderá ser buscado efeito patrimonial ou até
previdenciário. Inteligência do art. 861 do CPC. Recurso conhecido e provido. (TJRS
– AC 70002355204, 7ª C. Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,
j. 11/4/2001).
35
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO
ESTÁVEL. PESSOAS DO MESMO SEXO. Afastada carência de ação. Sentença
desconstituída para o devido prosseguimento do feito. (TJRS – AC 70005733845,
2ª C.Cív.Esp. Rel. – Dr. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, j. 20/3/2003).
36
UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSÓRIO. ANALOGIA.
Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do
mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável,
assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afas-
tada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador
em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate
a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades
familiares impõe que seja feita analogia com a união estável, que se encontra devi-
damente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos, por maioria. (TJRS – EI
70003967676, 4º Grupo de C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos Cha-
ves, j. 09/5/2003).
174 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
nal de Justiça como ao Supremo Tribunal Federal, que ainda não foram
alvo de julgamento.
Porém, como o Tribunal Superior Eleitoral 37 já proclamou a
inelegibilidade (CF 14 § 7º) nas uniões homossexuais, está reconhecido
que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma entidade familiar,
tanto que sujeita à vedação que só existe no âmbito das relações familia-
res. Ora, se estão sendo impostos ônus aos vínculos homoafetivos, mister
que sejam assegurados também todos os direitos e garantias a essas uni-
ões, no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório.
Há que reconhecer a coragem de ousar quando se ultrapassam os
tabus que rondam o tema da sexualidade e se rompe o preconceito que
persegue as entidades familiares homoafetivas. Houve um verdadeiro
enfrentamento a toda uma cultura conservadora e uma oposição à juris-
prudência ainda apegada a um conceito sacralizado de família. Essa nova
orientação mostra que o Judiciário tomou consciência de sua missão de
criar o direito. Não é ignorando certos fatos, deixando determinadas situ-
ações a descoberto do manto da juridicidade, que se faz justiça. Condenar
à invisibilidade é a forma mais cruel de gerar injustiças e fomentar a dis-
criminação, afastando-se o Estado de cumprir com sua obrigação de con-
duzir o cidadão à felicidade.
A postura da jurisprudência, juridicizando e inserindo no âmbito
do Direito das Famílias as relações homoafetivas, como entidades famili-
ares, é um marco significativo. Inúmeras outras decisões despontam no
panorama nacional a mostrar a necessidade de se cristalizar uma orienta-
ção que acabe por motivar o legislador a regulamentar situações que não
mais podem ficar à margem da juridicidade. Consagrar os direitos em
regras legais talvez seja a maneira mais eficaz de romper tabus e derrubar
preconceitos. Mas, enquanto a lei não vem, é o Judiciário que deve suprir
a lacuna legislativa, mas não por meio de julgamentos permeados de pre-
conceitos ou restrições morais de ordem pessoal.38
O caminho está aberto, e imperioso que os juízes cumpram com sua
verdadeira missão, que é fazer Justiça. Acima de tudo precisam ter sensi-
37
REGISTRO DE CANDIDATO. Candidata ao cargo de prefeito. Relação estável
homossexual com a prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. (CF 14 § 7º). Os
sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de
relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de
inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá
provimento. (TSE – Resp Eleitoral 24564 – Viseu/PA – Rel. Min. Gilmar Mendes, j.
1º/10/2004).
38
DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a Justiça. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003. p. 18.
CONVIDADOS 175
Maria Berenice Dias
bilidade para tratar de temas tão delicados como as relações afetivas, cujas
demandas precisam ser julgadas com mais sensibilidade e menos precon-
ceito. Ou seja, com mais atenção aos princípios de justiça, de igualdade e
de humanismo, que devem presidir as decisões judiciais. Necessário ter
visão plural das estruturas familiares e inserir no conceito de família os
vínculos afetivos que, por envolverem mais sentimento do que vontade,
merecem a especial proteção que só o Direito das Famílias consegue asse-
gurar.
9 – A HOMOPARENTALIDADE
39
ALMEIDA, Maria Cristina de. DNA e estado de filiação à luz da dignidade humana.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 179.
40
VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997,
p. 90.
41
CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família.
Anais do I Congresso de Direito das Famílias, Belo Horizonte, 1988, p. 486.
176 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
42
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do
afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001, p. 85.
43
FACHIN, Luiz Edson. Família hoje. A nova família: problemas e perspectivas. Vicente
Barreto (Org.), Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 85.
44
VILLELA. João Baptista. Desbiologização da Paternidade. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, nº 21, 1979, p.404.
CONVIDADOS 177
Maria Berenice Dias
45
BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito das
Famílias. Porto Alegre: Síntese, Jul-Ago-Set. 2002, v. 14, p. 9.
178 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
46
VELOSO, ZENO. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros,
1997, p. 180.
47
BEVILAQUA, Clovis. Código Civil, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1941, v. II, p.
329.
CONVIDADOS 179
Maria Berenice Dias
48
In BEVILAQUA, op. loc. cit.
49
ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2003,
p. 198.
50
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 2.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 47.
51
GROENINGA, Giselle. O secreto dos afetos – a mentira. Boletim do IBDFAM, nº 19,
mar/abr 1993, p. 7.
180 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
52
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito das Famílias e o novo Código Civil.
Belo Horizonte: Del Rey, 2ª ed. 2001, p. 93.
53
ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSI-
BILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal,
a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração,
publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é
a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados
não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o
meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de
abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica,
adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucio-
nalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da
Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável
vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime.
(TJRS, 7.ª C.Cív. AC 70013801592, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 5.5.2006).
54
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução.
Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 21.
CONVIDADOS 181
Maria Berenice Dias
Paulo Queiroz
Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor da
UNICEUB. Procurador Regional da República
em Brasília
1
Conforme se infere de alguns conceitos: “o direito é, pois, o conjunto de condições sob
as quais o arbítrio de um se pode harmonizar com o arbítrio do outro, segundo uma
lei universal da liberdade” (Kant, Metafísica dos Costumes, Parte I, p. 36, edições 70);
“o domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de
partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância
e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo
do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo” (Hegel,
Princípios de Filosofia do Direito, p.12, Ed. Martins Fontes, trad. Orlando Vitorino,
Martins Fontes, S. Paulo, 1997); “Direito é, pois, a realidade que possui o sentido de
estar ao serviço do valor jurídico, da Idéia de direito” (Gustav Radbruch, Filosofia do
Direito, p. 86, Armênio Amado Editor, Coimbra, 1997, 6ª edição, tradução de L.
Cabral de Moncada); “Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva
das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo
valores” (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, p. 67, Saraiva, S. Paulo, 2005).
184 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
uma coisa, isto é, não tem uma essência, uma substância; não existe
ontologicamente, independentemente da representação que fazemos a seu
respeito, porque constitui uma criação humana, que nasce e morre com o
homem, ou seja, o direito não é sólido, nem líquido, nem gasoso, nem
animal, nem vegetal2.
Com efeito, “aquilo que uma teoria do direito objetiva como Direi-
to”, são palavras de François Ewald, “como natureza do direito, como
essência do direito, não tem existência real. O Direito – demos-lhe maiús-
culas – não existe. Ou antes, não existe a não ser como um nome que
reenvia a um objeto, mas serve para designar uma multiplicidade de obje-
tos históricos possíveis – que, como realidades, não têm os mesmos atribu-
tos, e que podem mesmo ter atributos irredutíveis”3, de sorte que, assim
como não existem fenômenos morais, mas apenas interpretação moral dos
fenômenos4, tampouco existem fenômenos jurídicos, mas só interpretação
jurídica dos fenômenos, pois nada é onticamente jurídico, lícito ou ilícito,
mas socialmente construído.
Conclusivamente, o direito é o que dizemos que ele é, porque o direi-
to, como de resto tudo que diz respeito ao homem, não está no fato ou na
norma em si, mas na cabeça das pessoas, de modo que podemos afirmar,
parafraseando o evangelho (Lucas, 17:21), que o reino do direito está den-
tro de nós, e que nós o criamos e recriamos permanentemente, dando-lhe
distintos significados a cada momento de sua produção segundo um dado
contexto histórico-cultural. Dito de outra forma: o direito e o não direito,
2
Calmon de Passos, Direito, Poder, Justiça e Processo, p. 67/68, Ed. Forense, Rio,
1999.
3
Foucault, a Norma e o Direito, p. 160, Vega, Lisboa, 1993. De modo similar, Calmon
de Passos afirma que o Direito “enquanto apenas formulação teórica, enunciado
normativo, proposição ou juízo, ainda não é o Direito”, pois “o Direito é o que dele faz
o processo de sua produção. Isso nos adverte de que nunca é algo dado, pronto, pré-
estabelecido ou pré-produzido, cuja aplicação é possível mediante simples utilização
de determinadas técnicas e instrumentos, com segura previsão das conseqüências”,
razão pela qual “O Direito, em verdade, é produzido a cada ato de sua produção,
concretiza-se com sua aplicação e somente é enquanto está sendo produzido ou
aplicado”, Direito, Poder, Justiça e Processo, p. 67/68, Ed. Forense, Rio, 1999. Não
por outra razão, afirmava Oliver Wendell Holmes que dizer o que o direito realmente
significa é fazer profecias sobre o que os tribunais farão de fato. Textualmente: “the
prophecies of what the courts will do in fact, and nothing more pretentious, are what
I mean by th law”, apud Alexy, el concepto de derecho, cit., p. 23.
4
Nietzsche, Para além do bem e do mal, n° 108, p.92, trad.Alex Marins, S. Paulo,
Martin Claret, 2002.
CONVIDADOS 185
Paulo Queiroz
5
Só assim se explica, por exemplo, que, interpretando a Constituição americana, que
vigora há mais de duzentos anos sem alteração no particular, tenha a Suprema Corte
entendido, inicialmente, que o racismo era constitucional; mais tarde (década de 50),
passou-se a considerar parcialmente inconstitucional; e, finalmente, a partir da déca-
da de 70, prevaleceu o entendimento de que o racismo é inteiramente inconstitucional.
O que mudou, se o texto da lei é o mesmo desde então? A resposta é simples: o
homem que o interpreta!
6
Paul Ricouer, in o justo e a essência da justiça, Instituto Piaget, Lisboa, 1995. Afirma-
ção idêntica faz Umberto Eco, para quem “um texto, uma vez separado do seu
emissor (bem como da intenção do seu emissor) e das circunstâncias concretas da sua
emissão (e conseqüentemente de seu referente implícito), flutua (por assim dizer) no
vácuo de um espaço potencialmente infinito de interpretações possíveis. Conseqüen-
temente, texto algum pode ser interpretado segundo a utopia de um sentido autori-
zado fixo, original e definitivo. A linguagem sempre diz algo mais do que o seu
inacessível sentido literal, o qual já se perdeu a partir do início da emissão textual, in
os limites da interpretação. S. Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p. XIV.
7
Roberto Machado, por uma genealogia do poder, p. XIV, introdução a Microfísica do
Poder, de Michel Foucault, Rio de Janeiro, Graal, 1995.
8
Não sem razão, Boaventura de Souza Santos refere, além do direito estatal ou
territorial, o direito doméstico, o direito de proteção, o direito da comunidade e o
direito sistêmico, classificação que não é exaustiva. O direito doméstico – grandemente
informal – é o direito do espaço doméstico, o conjunto de regras, de padrões normativos
e de mecanismos de regulação de conflitos que resulta da, e na, sedimentação das
relações sociais do agregado doméstico; o direito da produção é o direito da fábrica
ou da empresa, o conjunto de regulamentos e padrões normativos que organizam o
quotidiano das relações do trabalhado assalariado: códigos de fábrica, regulamentos
da linha de produção, códigos de condutas dos empregados etc.; o direito da comu-
nidade, como sucede com o espaço da comunidade, é uma das fontes de direito mais
complexas, na medida em que cobre situações extremamente diversas, podendo ser
invocado tanto pelos grupos hegemônicos como pelos grupos oprimidos; finalmente,
o direito territorial ou do estatal é o direito do espaço da cidadania e, nas sociedades
modernas, é o direito central na maioria das constelações de ordens jurídicas, sendo
que ao longo dos últimos duzentos anos, foi construído pelo liberalismo político e
pela ciência jurídica como a única forma de direito existente na sociedade, in Crítica
da razão indolente, p. 290 e ss, Cortez Editora, S. Paulo, 2000.
186 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
9
Prescreve o aludido artigo que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal”.
10
Como observa Vera Andrade, “a lei penal configura tão-só um marco abstrato de
decisão, no qual os agentes do controle social formal desfrutam de ampla margem de
discricionariedade na seleção que efetuam, desenvolvendo uma atividade criadora
proporcionada pelo caráter “definitorial” da criminalidade (...) “pois entre a seleção
abstrata, potencial e provisória operada pela lei penal e a seleção efetiva e definitiva
operada pelas instâncias de criminalização secundária, medeia um complexo e dinâ-
mico processo de refração”, in a Ilusão de Segurança Jurídica, p. 260, Livraria do
Advogado Editora, Porto Alegre, 1997.
11
Apesar disso, tem razão Niklas Luhmann quando, de uma perspectiva distinta,
assinala que “o direito não se origina da pena do legislador. A decisão do legislador
(e o mesmo é válido, como hoje se reconhece, para a decisão do juiz) se confronta com
uma multiplicidade de projeções normativas já existentes, entre as quais ele opta com
um grau maior ou menor de liberdade. Se não fosse assim, ela não seria uma decisão
jurídica. Sua função, portanto, não reside na criação do direito, mas na seleção e na
dignificação simbólica de normas enquanto direito vinculativo. Ele envolve um filtro
processual, pelo qual todas as idéias jurídicas têm que passar para se tornarem
socialmente vinculativas enquanto direito. Esses processos não geram o direito pro-
priamente dito, mas sim sua estrutura em termos de inclusões e exclusões; aí se
decide sobre a vigência ou não, mas o direito não é criado do nada. É importante ter
em mente essa diferença, pois de outra forma a concepção do direito estatuído atra-
vés de decisões pode ser ligada à noção totalmente errônea da onipotência de fato ou
moral do legislador. É necessário, em outras palavras, diferenciar entre atribuição e
causalidade. A proeminência especial do processo decisório (por instâncias legislativas
ou por juízes) e sua relevância na positivação na vigência do direito não podem levar
à interpretação como algo criativo ou causal; o direito resulta de estruturas sistêmicas
que permitem o desenvolvimento de possibilidades e sua redução a uma decisão,
consistindo na atribuição de vigência jurídica a tais decisões”, Sociologia do Direito
II, p. 8, Biblioteca Tempo Universitário 80, Rio de Janeiro, 1985.
CONVIDADOS 187
Paulo Queiroz
Mas esse discurso aí não cessa, porque prossegue por meio dos
processos de definição e reação social, isto é, os processos de criminalização
secundária, que nada mais são do que continuum daquele. É que a rigor a
lei nada prescreve, nada proíbe, nada autoriza ou permite, pois a lei pres-
creve ou não prescreve, proíbe ou não proíbe, autoriza ou não autoriza,
permite ou não permite, o que dizemos que ela proíbe, autoriza ou permite,
de modo que a lei diz o que dizemos que ela diz12.
Explicando melhor: prescreve a lei que o crime de estupro consiste
em “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave
ameaça” (CP, art. 213); parece óbvio saber em que reside o crime, pois. No
entanto, o que vem a ser “mulher” para efeitos penais? Transexual, por
exemplo, pode ser considerada mulher para fins penais, e, portanto, víti-
ma de estupro? Há algum tempo uma conhecida judoca brasileira foi
impedida de participar de competição por não ser mulher segundo as
regras desportivas: não seria ela então passível de estupro? Práticas sado-
masoquistas podem ser consideradas criminosas? Não faz muito tempo,
autores importantes afirmavam que o marido não podia responder por
crime de estupro contra a esposa, pois, diziam, entre os direitos inerentes
ao casamento estava o de o marido poder dela dispor sexualmente, razão
pela qual não lhe era dado oferecer resistência lícita13. Não bastasse isso,
12
Por isso afirma Lênio Luiz Streck,que, em rigor, não existem julgamentos de acordo
com a lei ou em desacordo com ela, porque o texto normativo não contém imedia-
tamente a norma (Muller), a qual é construída pelo intérprete no decorrer do proces-
so de concretização do direito, de sorte que, quando o juiz profere um julgamento
considerado contrário à lei, na realidade está proferindo um julgamento contra o
que a doutrina e a jurisprudência estabelecem como arbitrário. Conclui, então,
Lênio, que “é necessário ter em conta que o Direito deve ser entendido como uma
prática dos homens que se expressa em um discurso que é mais que palavras, é
também comportamentos, símbolos, conhecimentos, expressados (sempre) na e pela
linguagem. É o que a lei manda, mas também o que os juízes interpretam, os advo-
gados argumentam, as partes declaram, os teóricos produzem, os legisladores
criticam. É, enfim, um discurso constitutivo, uma vez que designa/atribui signifi-
cado a fatos e palavras”, in Hermenêutica jurídica em crise, Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 1999, p. 210/211.
13
Assim, Nélson Hungria: “questiona-se sobre se o marido pode ser, ou não, conside-
rado réu no estupro, quando, mediante violência, constrange a esposa à prestação
sexual. A solução justa é no sentido negativo. O estupro pressupõe cópula ilícita
(fora do casamento). A cópula intra matrimonium é recíproco dever dos cônjuges
(...). O marido violentador, salvo excesso inescusável, ficará isento até mesmo da
pena correspondente à violência física em si mesma (excluído o crime de exercício
arbitrário das próprias razões, porque a prestação corpórea não é exigível judicial-
mente), pois é lícita a violência necessária para o exercício regular de um direito”,
Comentários ao Código Penal, p. 125/126, v.VIII, Forense, Rio, 1959. Assim tam-
188 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
bém, Magalhães Noronha: “as relações sexuais são pertinentes à vida conjugal,
constituindo direito e dever recíproco dos que casam. O marido tem direito à posse
sexual da mulher, ao qual ela não pode se opor. Casando-se, dormindo sob o
mesmo teto, aceitando a vida em comum, a mulher não se pode furtar ao congresso
sexual, cujo fim mais nobre é o da perpetuação da espécie. A violência por parte do
marido não constituiria, em princípio, crime de estupro, desde que a razão da
esposa para não aceder à união sexual seja mero capricho ou fútil motivo, podendo,
todavia, ele responder por excesso cometido”, Direito Penal, p. 70, V. 3, Saraiva, S.
Paulo, 27ª edição, 2003.
14
Diz o referido art. 224 do Código Penal que “presume-se a violência, se a vítima:
a)não é maior de 14(catorze) anos; b)é alienada mental, e o agente conhecia esta
circunstância; c)não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.
15
Diz o artigo: “não haverá penas: a)de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX; e)cruéis”.
CONVIDADOS 189
Paulo Queiroz
16
Processo PGR nº 1.00.000.000836/2005-71, pronunciamento subscrito por Cláudio
Lemos Fonteles, então Procurador Geral da República, datado de 14/03/2005. Na
representação formulada, os autores sustentaram a violação dos seguintes princípi-
os: a)inviolabilidade da vida (art. 5°, caput); b)proibição da pena de morte em tempo
de paz (art. 5°, XLVII, a); c)presunção de inocência (art. 5°, LVII); d)proibição de juízo
ou tribunal de exceção (art. 5°, XXXVII); e)devido processo legal (art. 5°); f)prevalência
dos direitos humanos (art. 4°, II); g)defesa da paz (art. 4°, VI); h)solução pacífica dos
conflitos (art. 4°, VII); i)repúdio ao terrorismo (art. 4°, VII); j)legalidade; l)
proporcionalidade (art. 5°); e m) inviolabilidade da propriedade (art. 5°, caput).
17
Um caso real bem ilustra isso: A foi flagrada por abusar sexualmente de sua filha (B),
de dois anos, e por isso foi presa, processada e condenada a 7 anos e seis meses de
reclusão por crime de atentado violento ao pudor (CP, art. 214), crime hediondo (Lei
8.072/90). O exame criminológico assim a diagnosticou: “personalidade primitiva, com
nível mental baixo e conseqüente imaturidade intelectual e afetiva, que motivam os comporta-
mentos regressivos que emite e que demonstram a dificuldade de adaptação ao meio social.
Evidencia baixo nível de tolerância às frustrações, às quais reage com atitudes oposicionistas e
agressivas, manifestadas através de descargas emocionais intensas, que refletem a dificuldade de
controle sobre os impulsos. Em conseqüência, o processo de Inter-relação social torna-se difícil,
sobretudo quando adota atitudes de supervalorização de si mesmo como uma forma de compen-
sar o sentimento de inferioridade que procura dissimular”. Ora, tivesse essa história se
passado numa família de classe média ou alta e outro seria o desfecho: certamente, a
família submeteria A a tratamento psicológico/psiquiátrico, a sessões de análise ou
semelhante, e, no máximo, lhe tiraria, provisória ou definitivamente, a guarda da
criança (B). Assim, não haveria polícia, nem crime, nem pena, nem prisão; tudo não
passaria de um “problema de família” e resolvido em família.
190 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
18
Como escreve Hungria, na diversidade de tratamento dos fatos antijurídicos, a lei não
obedece a um critério de rigor científico ou fundado numa distinção ontológica entre
tais fatos, mas, simplesmente, a um ponto de vista de conveniência política, variável
no tempo e no espaço, Comentários, v.1., t.2, p. 29.
19
Filosofia do Direito, p. 219, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2004. Diz Del
Vecchio, no entanto, a partir de postulados kantianos, que a noção universal do
direito é anterior à experiência jurídica, aos fenômenos jurídicos singulares, sendo a
experiência apenas a aplicação ou verificação daquela forma. Assim, “uma proposi-
ção só é jurídica na medida em que participar da forma lógica (universal) do Direito.
Fora desta forma, indiferente ao conteúdo, nenhuma experiência jurídica é possível.
Sem ela, falta a qualidade que permite adscrevê-la a esta espécie de experiência. A
forma lógica do Direito é um dado a priori – ou seja, não empírico – e constitui,
precisamente, a condição da experiência jurídica em geral”, in Lições de Filosofia do
Direito, p. 344/345, Coimbra, 1979.
CONVIDADOS 191
Paulo Queiroz
20
Como disse Nietzsche, se houvesse uma escola para legisladores, seria importante
ensinar que palavras como lei, direito, dever, propriedade e crime constituem em si
mesmas uma abstração sem valor e à espera de conteúdo, cor e significado de
acordo com as circunstâncias particulares que as incrementam, in a minha irmã e
eu. Editora Moraes: S. Paulo, 1992, p. 42/43. Convém advertir que se trata de um
texto um tanto apócrifo, cuja autoria atribuída a Nietzsche não foi reconhecida por
Walter Kaufmann, um de seus maiores estudiosos.
192 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
21
Roberto Machado. Nietzsche e a verdade. S.Paulo: graal, 2ª edição, 2002.
22
Verdade e intepretação, in Nietzsche na Alemanha, org. Scarlett Merton, discurso
editorial, S. Paulo, 2005, p. 179/199.
CONVIDADOS 193
Pedro Milton de Brito
til – se esquecem de que a solução adotada pela Suprema Corte dos Esta-
dos Unidos, onde o direito material e o direito processual são predomi-
nantemente estaduais, e não federais, não ode ser aplicada aqui, onde se
dá o inverso, de modo que há necessidade de tribunais nacionais para
uniformizar a aplicação do direito, sob pena de, sendo único na sua ori-
gem, tornar-se diverso em cada Estado. Afinal, os tribunais devem existir
pra julgar e não para dizer que não julgam, porque, se assim for, melhor
será extingui-los, pura e simplesmente.
Tema polêmico ainda é o relativo, não à criação do Conselho Naci-
onal da Magistratura – que se tornou mais ou menos pacífico -, mas quan-
to à sua composição, no qual não deve haver qualquer influência de or-
dem política, como a eleição da maioria de seus membros pelo Congresso
Nacional, da mesma forma que se afigura absurdo se pensar em impeachment
de juízes, sobretudo nos Estados politicamente mais atrasados, onde o
mandonismo que neles impera não admite a contrariedade de seus inte-
resses.
Mas de qualquer sorte, é importante acreditar no aperfeiçoamento
das instituições judiciárias, cujas deformações muito têm a ver, na prática,
com as deficiências da formação política, social e econômica do País que
se encontra ainda em estágio insatisfatório.
CONVIDADOS 197
Teresa Arruda Alvim Wambier
1
RGPS: Regime Geral de Previdência Social previsto nas Leis n° 8.212191e 8213/91 e
no Decreto n° 3.048/99 que aprova o Regulamento da Previdência Social
210 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
2
RMB, equivale à Renda Mensal de Benefício. que para os benefícios de prestação conti-
nuada de caráter substitutivo da remuneração do trabalhador, não pode ter valor
inferior ao salário mínimo, nem superior ao limite máximo de salário de contribuição,
ressalvado o disposto no art. 45 da Lei n° 8213/91.
3
Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar de assistên-
cia permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).
CORPO DOCENTE 211
Anna Carla M. Fracalossi
4
PORTARIA MPS N° 142, DE 11 DE ABRIL DE 2007 - DOU DE 12/04/2007.
5
RMI: Renda Mensal Inicial
6
DER: Data de Entrada do Requerimento na Autarquia.
212 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
7
Decreto n° 3.048/99 em seu Art. 107 dispõe: “A concessão da pensão por morte não
será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer
habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente somente
produzirá efeito a contar da data da habilitação”.
8
“§ 10 – A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do
direito às prestações os das classes seguintes”.
CORPO DOCENTE 213
Anna Carla M. Fracalossi
BIBLIOGRAFIA
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 213 00. São Paulo:
Atlas, 2005.
O RECONHECIMENTO DA DÍVIDA E A
SATISFAÇÃO EM PRESTAÇÕES:
UM ESTUDO SOBRE O ART. 745-A, DO CPC.
ABSTRACT: This article studies the acknowledgment of debt and the payment
of obligations in execution in parts, according to the new article 745-A, of the
brazilian Civil Procedure Code, analysing its legal requirements and juridical
consequences.
1. INTRODUÇÃO.
O novo art. 745-A, do CPC, prevê uma conduta premial para o deve-
dor que não resiste à execução1, permitindo-lhe o parcelamento da dívida,
desde que, no prazo para oferecer os embargos, reconheça o crédito postu-
1
Assim também entende Adriano Perácio de Paula (2007, p. 106).
216 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
lado pelo exeqüente. Para tanto, deve depositar 30% do valor executado,
incluindo aí as custas e os honorários advocatícios, requerendo, em segui-
da, o parcelamento do saldo restante em até seis parcelas mensais, que
serão corrigidas monetariamente, além de serem acrescidas de juros de 1 %
ao mês.
O § 1º do mesmo artigo de lei afirma que, deferida a proposta pelo
juiz, serão suspensos os atos executivos e o exeqüente estará autorizado a
levantar a quantia depositada. Caso contrário, o magistrado dará segui-
mento aos atos satisfativos, mantendo o depósito.
Afirmando tratar-se de uma “moratória” conferida pela lei, José
Maria Tesheiner (2007) tece duras críticas ao novo instituto, sobretudo
porque permite que o Estado interfira no âmbito do direito subjetivo e da
disponibilidade das partes.
Parece-nos que a medida foi criada sob os auspícios da “febre da
efetividade” e coloca em cheque toda uma construção em que se sedimentava
o direito subjetivo do credor de não receber parceladamente uma obriga-
ção, ainda que fosse ela divisível, se assim as partes não tivessem ajustado
(art. 314, do Código Civil), aspecto ao qual voltaremos mais adiante.
A intenção do legislador foi incentivar o devedor a pagar. Sabe o
executado que, se ele se opuser à execução e, no final, sair perdedor da ação
incidental de embargos, incidirão os atos expropriatórios sobre o seu
patrimônio, desfalcando-o de uma só vez. De forma diversa, pode reconhe-
cer a dívida, passando a ter uma posição de menor gravame: poderá parce-
lar o equivalente a 70% da dívida em até seis meses, desde que deposite, de
imediato, os 30% que determina o caput do art. 745-A.
Na realidade forense em que nos encontramos, a medida tende a
apresentar-se como vantajosa também para o credor. Longe dos aspectos
técnicos e científicos do direito, e próximo da realidade, sabe o credor que,
via de regra, o lapso de tempo entre a procura de bens para a penhora e a
efetiva entrega do dinheiro, consumirá mais do que os seis meses máximos
permitidos para o parcelamento2.
2
Athos Gusmão Carneiro (2007a, p. 126) explica: “Pelo novo instituto (que deve a
Ada Pellegrini Grinover suas características fundamentais) ambas as partes resul-
tam favorecidas. O exeqüente vê seu crédito reconhecido pelo executado, e poderá
de imediato levantar os trinta por cento depositados; e não estará sendo prejudica-
do pela demora em receber o saldo, pois provavelmente os atos executórios deman-
dariam mais tempo. Também favorecido o executado, porque diante de um débito
vencido e inconteste, obtém um prazo razoável para efetuar o pagamento, com
ônus bem inferiores aos de qualquer empréstimo em instituição bancária”.
CORPO DOCENTE 217
Antonio Adonias Aguiar Bastos
3
Sobre o reconhecimento jurídico do pedido, deve-se ler a obra de Clito Fomaciari
Júnior (1977). Sobre a distinção entre o mencionado reconhecimento e a confissão,
confira-se a explicação de Humberto Theodor Júnior (2005a, p. 353):
Não se pode confundir o reconhecimento do pedido com a confissão. Enquan-
to a confissão apenas se relaciona com os fatos em discussão; sem que a parte
se manifeste sobre a jurisdicidade da pretensão do outro litigante, o reconhe-
cimento do pedido refere-se diretamente ao próprio direito material sobre o
qual se funda a pretensão do autor.
(...) Reconhecida a procedência do pedido, pelo réu, cessa a atividade
especulativa do juiz em tomo dos fatos alegados e provados pelas partes. Só
lhe restará dar por findo o processo e por solucionada a lide nos termos do
próprio pedido a que aderiu o réu. Na realidade, o reconhecimento acarreta o
desaparecimento da própria lide, já que sem resistência de uma das partes
deixa de existir o conflito de interesses que provocou sua eclosão no mundo
jurídico.
Em se tratando de forma de autocomposição do litígio, o reconhecimento do
pedido pelo réu só é admissível diante de conflitos sobre direitos disponíveis
(THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 353).
Assim também leciona Moacyr Lobo da Costa (1983, p. 73-74):
O Código de Processo Civil manteve o sistema do Anteprojeto Buzaid a pro-
pósito da distinção entre confissão e reconhecimento do pedido. A primeira,
como meio de prova, e o segundo, como figura processual autônoma com a
função específica de pôr termo ao processo [atualmente, ao litígio, dada a
modificação do conceito legal de sentença - arts. 162,267 e 269, do CPC -,
promovido pela Lei n.O 11.232/2005].
(...) Como a confissão somente pode versar sobre os fatos da causa, ela faz
prova contra o confitente e dispensa a parte contrária de provar os fatos que
afirmou e formam objeto da confissão.
(...) Conquanto a mais importante das provas, a confissão judicial não é
decisiva, no sentido de eximir o juiz de examinar todos os elementos da causa
e apreciar o mérito da ação, para decidir a lide de acordo com o direito
aplicável e com as demais provas produzidas, nem vincula o pronunciamento
da sentença em favor da parte beneficiada com a confissão.
218 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5
No mesmo sentido: Misael Montenegro Filho (2007, p. 531) e Adriano Perácio de
Paula (2007, p. 25).
220 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
7
Na mesma linha: Reinaldo Alves Ferreira (2007).
8
Em sentido diverso, Misael Montenegro Filho (2007, p. 531) afirma tratar-se de
“novação de natureza processual”, devendo ser o credor ouvido acerca do requeri-
mento de parcelamento realizado pelo executado. Humberto Theodoro Júnior (2007a,
p. 216) a considera como uma “moratória legal”. Reinaldo Alves Ferreira (2007)
considera o art. 745-A como uma norma de direito material, equivocadamente
situada no CPC, pois cria uma “forma excepcional de extinção da obrigação” e
rebate a posição dos já aludidos professores, concebendo que o instituto não seja
uma “moratória legal”, por entender que “a moratória pressupõe apenas o alarga-
mento do prazo para o pagamento, sem que o débito seja amortizado com o
parcelamento da obrigação”. De acordo com o magistério de José Eduardo Carreira
Alvim (2007, p. 220) o artigo 745-A regula “uma espécie de injunção (monitória),
reconhecida ao executado, em proveito do exeqüente, quando reconhecer o crédito
constante do título executivo objeto da execução”.
9
Eis o magistério de Clito Fomaciari Júnior (1977, p. 05):
O reconhecimento jurídico do pedido é um instituto processual que se volta à
pretensão deduzida pela parte contrária. Através dele, o réu comparece a
Juízo com o intuito deliberado de não mais opor resistência ao pedido do
autor, aceitando-o. (...).
Marca-se o reconhecimento jurídico do pedido pela aceitação não só dos fatos
deduzidos pelo autor, como também das conseqüências jurídicas invocadas.
Através dele, admite o réu a própria pretensão do autor.
Constitui-se um ato jurídico unilateral, independendo, em nosso sistema, da
aceitação da parte a quem o reconhecimento favorece. Basta, para sua valida-
de, a manifestação de vontade do réu.
222 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
10
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco (1997, p. 25) explicam que: “A pacificação é o escopo magno da jurisdição
e, por conseqüência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser
definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo
social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante
a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada
um” (itálicos existentes na versão original).
11
No mesmo sentido: Misael Montenegro Filho (2007, p. 531).
12
Neste sentido, confira-se a seguinte decisão de 1 ° Grau: “COMO O EXECUTADO
RECONHECEU O CREDITO DO EXEQUENTE, DEFIRO O PEDI DO DE FLS. 45/
46, NO TOCANTE AO DEPOSITO DE 30% (TRINTA POR CENTO DIO VALOR
EM EXECUCAO E PARCELAMENTO DO RESTANTE EM 06 (SEIS) PARCELAS,
QUE SERAO CORRIGIDAS MENSALMENTE E ACRESCIDOS DE JUROS DE 1 %
(UM POR CENTO), COM FULCRO NO ARTIGO 745-A, DO
CODIGO DE PROCESSO CIVIL. SESPENDO A EXECUCAO ATE O PAGAMEN-
TO INTEGRAL DO DEBITO (ART. 745-A, § 1°, DO CODIGO DE PROCESSO
CIVIL). O NAO PAGAMENTO DE QUALQUER DAS PRESTACOES IMPLICA-
CORPO DOCENTE 223
Antonio Adonias Aguiar Bastos
quação da execução), positivado pelo art. 620, do CPC, pelo qual o juiz
mandará que a execução se faça pelo modo menos gravoso para o executa-
do, quando, por vários meios, puder o credor promovê-la.
Quanto à contraposição da norma processual em comento com a do
art. 314, do Código Civil, entendemos que este não foi revogado, tendo sua
aplicação preterida em relação ao art. 745-A, somente no processo executi-
vo. Em tal situação, a regra processual é mais específica, além de ser poste-
rior à da Lei Substantiva.
Não fosse o suficiente, trata-se de norma de direito público, dirigin-
do-se de maneira cogente ao Estado-juiz e às partes15. Ela se situa em outro
contexto que não o do direito obrigacional. Extrapola, portanto, a esfera da
disponibilidade e da vontade das partes, sobretudo se comparada com o
art. 314, do Código Civil, que constitui norma dispositiva, no campo das
obrigações civis 16.
Neste passo, entendemos que o ato do executado é de reconhecimen-
to17, não nos alinhando à corrente doutrinária que afirma ser uma “novação
processual”, inclusive porque, se novação fosse, seria exigido o consenti-
mento do credor.
O último requisito é o prazo para a prática de tais atos, deixando o
comando evidente e expresso tratar-se do lapso temporal para os embar-
gos. Como é sabido, o lapso de tempo para a prática de um ato processual
pode extinguir-se por três espécies de preclusão: a temporal, a consumativa
e a lógica.
Daí concluir-se que, em princípio, o devedor terá os mesmos 15 dias,
a fluir da juntada do seu respectivo mandado de citação, para depositar o
sinal, reconhecer a obrigação e requerer o parcelamento. A mesma regra da
autonomia do prazo para a defesa do devedor (art. 738, § 1°) aplica-se para
a postulação do parcelamento.
Sob outra perspectiva, se o devedor embargar antes de findos os 15
dias, terá ocorrido preclusão consumativa, não lhe sendo mais lícito obter
o favor legal previsto no art. 745-A.
15
Explicando que a norma processual é de direito público e de aplicação cogente:
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco (1997, p. 90-91) e José Eduardo Carreira Alvim (2005, p. 243).
16
Neste aspecto, não concordamos com Reinaldo Alves Ferreira (2007) que a norma
seja de direito material, e nem que estabeleça uma “forma excepcional de extinção
da obrigação”. A extinção da obrigação, no caso, ocorrerá mediante o integral paga-
mento da dívida, que já está previsto no Código Civil.
17
Se o ato for praticado por advogado, ele deve possuir poderes especiais para tanto,
pois o reconhecimento implica alienação de direito, não se presumindo incluso nos
poderes gerais para o foro.
CORPO DOCENTE 225
Antonio Adonias Aguiar Bastos
18
Explica Misael Montenegro Filho (2007, p. 531): “Fluído o prazo de que tratamos, é
inquestionável que o devedor pode pôr fim à demanda executiva (a qualquer tem-
po), através do pagamento da dívida, com os acréscimos legais e processuais,
como permitido pelo art. 651 do CPC (remição da dívida). A diferença reside no
fato de que, se a intenção de pagar for manifestada no prazo para a oposição dos
embargos (nos quinze dias após a juntada do mandado de citação aos autos), o
executado conta com a prerrogativa de efetuar o pagamento da dívida de forma
parcelada, o que não se confirma após o curso da dilação, quando a dívida deverá
ser liquidada a vista” (sic).
19
Athos Gusmão Carneiro (2007, p. 98-99) leciona: “Sim, em princípio cuida-se de
prazo peremptório. Destarte, findo o prazo para embargos, ao devedor não mais
assiste o direito a pleitear e obter moratória. Todavia, se o exeqüente concordar, às
partes será sempre lícito transigir, com a adoção do regramento do art. 745-A, o que
pressupõe que o devedor não tenha ajuizado ação de embargos, ou dela venha a
desistir”.
20
Neste diapasão: Fredie Didier Junior (2007a, p. 169) e Adriano Perácio de Paula
(2007, p. 108).
21
O professor mineiro explica que os embargos poderão ser opostos “se houver tem-
po”, considerando ele que a defesa contra a 2" penhora ou contra a penhora
superveniente dá-se nos próprios autos da execução, e não por embargos, como nós
entendemos.
226 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
22
Eis o entendimento de Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa (2007, p.
905): “Para efeito do depósito de 30%, deve ser considerado o valor total dos
honorários estipulados pelo juiz. O beneficio da redução pela metade somente tem
lugar quando há pagamento integral e no prazo de 3 dias (art. 652-A § ún), o que
não ocorre quando o executado lança mão do art. 745-A”.
No mesmo sentido, Adriano Perácio de Paula (2007, p. 107) explica que as situa-
ções dos arts. 652-A, 738 e 745-A são exc1udentes, umas das outras:
Realizada a citação, abre-se ao executado três alternativas, que se excluem uma das
outras, a saber:
a) pagar no prazo de 3 (três) dias a íntegra da dívida, ganhando a redução da
metade dos honorários estipulados (parágrafo único do art. 652-A do CPC);
b) oferecer embargos de devedor no prazo de 15 (quinze) dias após a juntada aos
autos do mandado de citação (caput do art. 738 do CPC);
c) reconhecer a dívida no prazo de 15 (quinze) dias e propor o pagamento em até 6
(seis) prestações, com depósito do sinal de 30% (trinta por cento) do valor exeqüendo
(art. 745-A do CPC).
228 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
sociedade, a Lei peca quando não exige nenhuma garantia do credor para
que possa ser contemplado com o aludido beneficio, embora para obtê-Io
tenha que exibir o pagamento de 30% do valor da execução.
Teria andado melhor o legislador se tivesse exigido além do paga-
mento de parte da dívida algum tipo de garantia do devedor para que o
beneficio do parcelamento fosse concedido evitando que maus pagadores
possam lançar mão da faculdade legal apenas para protelar a execução
com o pagamento de apenas 30% do devido. (LIMA FILHO, 2007).
A garantia haveria de corresponder monetariamente aos 70% (se-
tenta por cento) do valor da obrigação, já que 30% são depositados de
imediato, resguardando, assim, o direito do executado, em não ser onerado
indevidamente, já que a finalidade do processo executivo é a satisfação do
direito do credor, e não a punição do executado.
7. REFERÊNCIAS
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo Processo Civil brasileiro. 23. ed.
Forense: Rio de Janeiro, 2005.
______. A “nova” execução dos títulos extra judiciais. Mudou muito? In: Revis-
ta de Processo, Ano 32, n. 143. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro/
2007a.
CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral do Processo. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005.
CORPO DOCENTE 231
Antonio Adonias Aguiar Bastos
<http://www.emapl.com.br/formacao-continuada/Enunciados_ aprova-
dos - VIICRAM.p dt>. Acesso em 27 jul. 2007.
Lei 11.441/07. Revista Juristas, João Pessoa, a. III, n. 92, 19/09/2006. Dis-
ponível em: <http://www.juristas.com.br/modJevistas.asp?ic=2690>.
Acesso em: 28/7/2007.
232 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
_______. Curso de direito processual civil. VoI. II. 37. ed. Rio de Janeiro:
Forense,
Cezar Santos
Prof. universitário da UFBA e da UCSAL, Mem-
bro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia
– titular da cadeira nº. 21, Presidente do Rotary
Club Bahia Norte.
Christianne Gurgel
Professora de Direito Processual do Trabalho e
Prática Trabalhista da UCSAL. Advogada.
1
Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados Membros e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo-
crático de Direito e tem como fundamentos: (...) III- a dignidade da pessoa huma-
na; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
238 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
1
O presente artigo é uma revisão atualizada do trabalho Os Contratos Eletrônicos e o Novo
Código Civil publicado originalmente na Revista CEJ nº 19, p. 62-77, out/dez-2002,
editada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Colabora-
ram originariamente Fernando Berbert de Castro, Delegado de Polícia Federal, ex-advo-
gado, ex-professor de Direito da Informática da Faculdade de Direito da Universidade
Católica do Salvador, e Thiago Tavares Nunes de Oliveira, então Acadêmico de Direito
e de Administração de Empresas, atualmente professor de Direito da Informática da
Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador e palestrante em matéria
de Software Livre e de Combate à Pornografia Infantil na Internet.
240 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
I. INTRODUÇÃO
2
CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. São Paulo: Lejus; 1999 (Pág.
245). Trata-se de uma tradução do original Teoria generale del diritto.
CORPO DOCENTE 241
Eurípedes Brito Cunha Júnior
3
Idem. (pág. 245 a 246). Disse o autor que a eletricidade não parecia ser objeto de
furto, já que algo que não se toca, não se vê, e nem parece ser coisa. Trouxe a lume
duas posturas diante do novo: “Tal a força do hábito que, na Alemanha, para que tais fatos
fossem punidos, foi necessário promulgar uma lei especial. Sinal, certamente, da maior dutilidade
da inteligência latina é que nossos magistrados tenham preferido inverter o silogismo, e, em vez
de deduzir do fato de a eletricidade não ser uma coisa que esta não se pode roubar, terem
deduzido da verificação de que pode ser roubada a conclusão de que deve ser uma coisa.”
4
REZENDE, Pedro Antonio Dourado de. As possíveis leis de assinatura digital no
Brasil. Disponível na Internet em <http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/
leis.htm >. Uma destas discussões diz respeito à adoção da assinatura digital com
criptografia de par de chaves assimétricas. É importante esclarecer que um estudo
sério sobre o assunto conduz à compreensão de que a criptografia com par de chaves
assimétricas é conceito, bem explicado pelo Prof. Pedro Rezende da Unb, e não
‘tecnologia’, ou seja, criptografia não é tecnologia, nem engessa a tecnologia. A respei-
to, vale transcrever o seguinte texto de sua lavra: “Condeno, combato e repilo a
classificação da criptografia assimétrica como sistema tecnológico, já que é conceito
semiótico. Criptografia assimétrica quer dizer literalmente ‘escrita com ocultação não
simétrica’. Os três substantivos nesta definição lexical remetem respectivamente à
linguagem, à cognição e à geometria, perenidades que independem de qualquer ferra-
menta ou lei criada pelo homem, antecedendo e sobrevivendo a utilidade de nossos
ordenamentos jurídicos e nossos sistemas tecnológicos. Tal conceito tem parentesco
com outros que já conhecemos da semiótica, como o de escrita por alfabeto, o de
escrita por ideograma, o de escrita numérica posicional — com seus sistemas decimal
e binário, e o de escrita numérica não posicional — cujo sistema mais conhecido hoje
é o romano”. Igualmente recomendável o debate travado com o Prof. Augusto Tavares
Rosa Marcacini, denominado “Assinatura digital em debate com um Professor do
direito processual” Disponível na Internet em <http://www.cic.unb.br/docentes/
pedro/trabs/debatsindex.htm>
242 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5
Ressalve-se, aqui, normatização da Bovespa/BMF, sobre validade jurídica dos con-
tratos eletrônicos firmados em bolsa.
6
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Direito e informática: uma abordagem jurí-
dica sobre criptografia. Rio de Janeiro: Forense, 2002 (pág. 59 a 61).
CORPO DOCENTE 243
Eurípedes Brito Cunha Júnior
Portanto, o Brasil não possui uma lei que verse especificamente so-
bre o valor probante do documento eletrônico, a assinatura digital, a
certificação digital, nem tampouco sobre o comércio eletrônico7. Não se
pode afirmar que o § 1o do art. 10 da Medida Provisória nº 2200/20028
versa sobre o valor probante do documento, já que apenas transporta para
o documento eletrônico o princípio da presunção de veracidade da decla-
ração em relação ao subscritor.
Por “Comércio eletrônico”, num sentido mais amplo, há que se refe-
rir não só às transações que visam à prática de atos comerciais ou que dela
resultam, como também a todas as transações eletrônicas, ainda que fora
do âmbito da relações comerciais, tais como aquelas de natureza civil e até
mesmo as abrigadas pelo direito administrativo.
Os números do comércio eletrônico são assombrosos e evidenciam
uma intensa e crescente atividade por seu intermédio. O constante cresci-
mento da quantidade de páginas na Internet apontam nesse sentido. Em
julho de 2000, o panorama mundial era de cerca de 7 bilhões de páginas,
em outubro de 2001 eram 313 bilhões de páginas (eMarketer)9, e para o
final deste ano de 2002 estão previstas 350 bilhões de páginas (Sap)10 na
Internet. Só no Brasil, em outubro de 2001, eram 4,3 bilhões de páginas
(Megasolutions)11. Hoje os principais bancos nacionais concentram boa
parte de seus esforços no desenvolvimento de produtos direcionados para
as transações eletrônicas, dando primazia ao homebanking e ao atendimen-
to eletrônico nas próprias agências, tendo transferido para um terceiro
plano o atendimento pessoal, tradicional, nas agências bancárias, que nos
dias atuais encontram-se completamente desertas de funcionários.
Devido à falta de regulamentação legal, as empresas buscam prote-
ger-se e criar um certo nível de segurança para si e para seus consumido-
res, adotando certificados digitais em seus sites, a exemplo do que fazem os
7
A vigente Medida Provisória nº 2.200/2001 não trata da contratação eletrônica. Ela
instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira, além de fazer breve refe-
rência a alguns institutos do direito da informática que serão objeto de definição na
futura Lei do Comércio Eletrônico.
8
Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins
legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos
com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presu-
mem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº
3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil.
9
Disponível na Internet em < http://live.emarketer.com/>
10
Disponível na Internet em <http://www.sap.com/>
11
Disponível na Internet em <http://www.megasolutions.com.br/>
244 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
12
LIMA, Osmar Brina Correia. (sem título). Belo Horizonte: Inédito, 2002 (pág. 4). A
página eletrônica do Professor Doutor Osmar Brina Correia Lima, cuja leitura reco-
mendo, está Disponível na Internet em <http://www.obcl.com.br/>, mas não con-
tém citado artigo.
13
O Simpósio Internacional de Direito Comercial Eletrônico e Telecomunicações foi
realizado entre os dias 14 e 16 de agosto de 2002, em Belo Horizonte-MG, sob a
coordenação científica do Professor Carlos Rohrmann, Doutor em Direito.
CORPO DOCENTE 245
Eurípedes Brito Cunha Júnior
14
O artigo encontra-se publicado no site do IBDI, Instituto Brasileiro da Política e do
Direito da Informática, Disponível na Internet em <http://www.ibdi.hpg.ig.com.br/
artigos/alexandre_freire/001.html>
246 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
15
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1990 (pág. 45 e 46). Pare ele,
“requer o contrato, para valer, a conjunção de elementos extrínsecos e intrínsecos. A
doutrina moderna distingue-os sob os nomes, respectivamente, de pressupostos e requisi-
tos.
Pressupostos são as condições sob as quais se desenvolve e pode desenvolver-se o contrato
(FERRARA). Agrupam-se em três categorias, conforme digam respeito: 1.o) aos sujeitos; 2.o)
ao objeto; 3.o) à situação dos sujeitos em relação ao objeto. Todo contrato pressupõe:
a) capacidade das partes; b) idoneidade do objeto; c) legitimação para realizá-lo.
Esses pressupostos devem estar presentes no momento em que o contrato se realiza ou alcança
vigor (BETTI). São, portanto, extrínsecos, embora se integrem posteriormente na relação
contratual. Mas, não bastam. A lei exige outras condições para o contrato cumprir sua função
econômico-social típica. São requisitos complementares, considerados elementos intrínse-
cos indispensáveis à validade de qualquer contrato: a) o consentimento; b) a causa; c) o
objeto; d) a forma. Porque pressupostos e requisitos se completam, confundem-se, apesar
de serem diversos. Por simplificação, diz-se que são requisitos essenciais à validade do
negócio jurídico: a capacidade do agente, a possibilidade do objeto e a forma, esta
quando prescrita em lei. Sendo o contrato negócio jurídico bilateral, a vontade dos que o
realizam requer exame à parte, por ser particularização que precisa ser acentuada. Assim, o
acordo das partes adquire importância especial entre os elementos essenciais dos negócios
jurídicos bilaterais. É, de resto, sua força propulsora.”
248 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
16
Carnelutti. Op. Cit. (pág. 444).
17
Idem. (pág. 444).
CORPO DOCENTE 249
Eurípedes Brito Cunha Júnior
o antigo, é semelhante ao art. 134, II. O sentido do art. 108, combinado com
o 215, eqüivale a uma refundição dos art. 130 e 134), bem como naqueles
celebrados com a cláusula de não valer sem instrumento público (art. 109
do novo e 133 do antigo).
Excetuando-se as situações em que os contratos devam ser escritos,
solenes ou não, nada obsta que sejam celebrados de forma verbal, ou de
qualquer outra forma que a mente humana seja capaz de imaginar ou in-
ventar.
Embora o novo Código Civil não tenha inserido expressamente a
forma eletrônica de contratação em nosso ordenamento jurídico, o fez de
maneira indireta, envolvendo as situações em que as partes estão presen-
tes, assim como aquelas em que estão ausentes. Tais modificações, embora
poucas em quantidade e pequenas se comparadas ao texto anterior, repre-
sentam um grande avanço, servindo como um calmante para a inquietação
do operador do direito, que certamente diminuiu, acaso não se haja dissi-
pado inteiramente.
Um avanço diz respeito à ampliação da noção de contratos entre
presentes contida no preceito do art. 1.081, inciso I do código vigente, pois
a novel lei equiparou ao telefone, como meio de comunicação para a forma-
ção contratual, outros meios de comunicação que a estes se assemelhem
(art. 428, I), conforme já observara Érica Brandini Barbagalo18, à época do
processo legislativo.
Outro avanço, observado com o mesmo cuidado pela citada autora,
versa sobre a substituição da noção de contrato epistolar, do caput do art.
1.086 do código antigo, pela de contratos entre ausentes (art. 434, caput),
portanto, ampliada, na mesma esteira daquele outro dispositivo.
Com isso, e sem necessidade de enumerá-lo explicitamente, o novo
Código Civil admitiu a contratação na forma eletrônica, seja entre ausentes
ou entre presentes. Daí, é correto afirmar que os contratos podem ser reves-
tidos de forma verbal, escrita, solene ou eletrônica.
Pode parecer impróprio falar em forma eletrônica, na medida em que
é evidente que um contrato celebrado por e-mail ou por documento a ele
anexado e um outro celebrado através de uma videoconferência são
extrinsecamente tão diferentes. Por isso, e porque não é possível dispensar
a todos os contratos eletrônicos o mesmo tratamento, a forma eletrônica é
um gênero que comporta várias espécies que serão podem ser denominada
subformas, as quais serão examinadas ao longo do tópico que versa sobre a
classificação dos referidos contratos.
18
BARBAGALO, Érica Brandini. Contratos eletrônicos. São Paulo: Saraiva, 2001(pág.
54).
250 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
19
LOPES, V. Carrascosa, ARRANZ, M a . A. Pozo, CASTRO, E. P. Rodríguez. La
Contratación informática: el nuevo horizonte contractual. Gradana (Espanha):
Comares, 1999. (pág. 25).
CORPO DOCENTE 251
Eurípedes Brito Cunha Júnior
20
WALD, Arnold. Um novo direito para a nova economia: a evolução dos contratos
e o Código Civil. Publicado na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº
12 - JUL-AGO/2001 (pág. 39).
252 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
21
O Projeto de Lei 1.483/99 define como documento eletrônico “a informação gerada,
enviada, recebida, armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, opto-
eletrônicos ou similares”. Isso porque os equipamentos eletrônicos e os meios de
transmissão tidos como eletrônicos não se apresentam de forma eletrônica pura.
Geralmente há participação efetiva de componentes ópticos (cabos de fibra óptica,
discos e leitoras ópticas), opto-eletrônicos (conversores, a exemplo do equipamento
de linha óptica, que converte os sinais elétricos que trafegam nos circuitos eletrôni-
cos dos equipamentos em sinais ópticos aptos a trafegarem pelas transparentes
fibras ópticas de silício ou germânio que integram os cabos ópticos). Com a trans-
missão no espaço livre (rádio e TV comerciais abertas, ou seja, não assinadas; trans-
missão por satélite) os sinais elétricos são modulados e trasladados para uma
freqüência de transmissão compatível com a do equipamento de recepção. As ante-
nas transmissoras são conversores eletromagnéticos que transformam os sinais elé-
tricos em ondas eletromagnéticas que viajam pelo espaço e são atenuados com o
aumento da distância do local de recepção. As antenas de recepção fazem o proces-
so inverso, captando sinais eletromagnéticos e convertendo-os em sinais elétricos.
CORPO DOCENTE 253
Eurípedes Brito Cunha Júnior
não o objeto em si, que pode também ser eletrônico. Mas este não define
necessariamente a forma, integrando, ao contrário, seu conteúdo.
Assim, seria razoável denominarem-se eletrônicos os contratos que
fossem celebrados ou, em algum momento, ainda que parcialmente, execu-
tados em meio eletrônico.
Em contraponto, são ora propostas as seguintes denominações: con-
tratos informáticos; contratos virtuais; e contratos artificiais-cibernéticos.
Segundo LOPES, ARRANZ e CASTRO22, informáticos são os contra-
tos que têm por objeto os bens produzidos pela informática, tais como os
contratos de licença de uso de software, de desenvolvimento de software,
de locação de equipamentos, de leasing de máquinas, de manutenção de
equipamentos, de manutenção de bases de dados, etc. Tem-se daí que, nos
contratos informáticos, a informática fornece os bens por eles tutelados, mas
não exatamente os meios de celebração ou execução. Por exemplo, quando
se entra numa loja, na Avenida Sete de Setembro, na Cidade de Salvador, e
se obtém na prateleira um software produzido em série, está-se a celebrar –
por adesão – um contrato de licença de uso de software, na forma da Lei
9.609/98.
Por outro lado, num exame perfunctório do termo no léxico, e sem
pretender adentrar em discussão de cunho filosófico, que pode ser bem
explicitada por Pierre Lévy23, o filósofo da Cybercultura, virtual é o “que não
existe como realidade, mas como potência ou faculdade; que eqüivale a outro, po-
dendo fazer as vezes deste, em virtude ou atividade; potencial; que não tem efeito
atual; possível”24. Um contrato celebrado em meio eletrônico pode ser execu-
tado até mesmo logo em seguida, a exemplo de um download que se dá logo
em seguida ao fornecimento de um número do cartão de crédito. Os contra-
tos eletrônicos sérios – como qualquer outro contrato sério – são reais,
verdadeiros, sinceros, não meramente potenciais. Na medida em que o co-
mércio eletrônico se expande na sociedade moderna, tais contratos devem
impor confiabilidade, para que não haja descrédito e subsequente desuso.
Imagine-se que, por hipótese e amor ao debate, fossem considerados virtu-
ais os contratos celebrados ou executados através dos meios eletrônicos.
Isso tornaria muito fácil burlar a legislação consumerista, deixando de
22
LOPES, ARRANZ, e CASTRO. Op. Cit. (pág. 109).
23
LÉVY, Pierre. O que é o virtual. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996.
24
MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia
Melhoramentos, 1998 (pág. 2208).
254 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
fornecer um produto que já teve seu preço pago pelo consumidor, ao argu-
mento de que não haveria obrigação a ser cumprida por tratar-se de um
contrato meramente virtual, que não constituiria obrigações reais, mas mera
faculdade do proponente em obrigar-se à proposta. Por isso, parece impró-
prio denominar tais contratos como virtuais.25
Com relação à denominação de contrato artificial-cibernético, ou sim-
plesmente artificial, já foi transcrita anteriormente lição do Professor Ale-
xandre Freire Pimentel, na qual deixa demonstrada claramente a intenção
de Vittorio Frosini em contrapor semanticamente o termo artificial ao natu-
ral. A explicação por si só bastaria para encerrar a discussão.
Mas se se considerar artificiais os contratos celebrados eletronica-
mente, apenas por argumentar, ter-se-ia que, à semelhança dos contratos
virtuais, estes não seriam reais. E pior do que isso, a possibilidade de tor-
nar-se reais ficaria submetida ao talante dos contratantes (proponente e
aceitante), em afronta ao princípio do pacta sunt servanda, como se proposta
e aceitação não gerassem nenhum efeito jurídico. Portanto, tais contratos,
seja porque praticamente inexistentes, seja em razão do simples potencial
que representam, não interessam ao mundo jurídico.
Ainda que se impute ao contrato verbal uma certa dificuldade quan-
to à produção de prova em juízo, é certo que testemunhas (as prostitutas
das provas)26 podem depor com a finalidade de comprovar sua existência.
A um contrato escrito, ainda que por instrumento particular, difícil a prova
contrária de sua existência, em razão de sua materialidade. Ora, se consi-
deramos que num contrato celebrado eletronicamente a prova pode ser
produzida por meio de perícia técnica, que é costumeiramente mais, diga-
25
O faço com todas as venias dos autores que tratam de “contratos virtuais”. Como
referência, para eventual estudo acerca das justificativas que amparam as denomi-
nações “direito virtual” e “contrato virtual”, indico o sítio do culto e inteligente
Professor Doutor Carlos Rohrmann, Coordenador científico do Simpósio Internaci-
onal de Direito Comercial Eletrônico e Telecomunicações, realizado entre os dias 14
e 16 de agosto de 2002, em Belo Horizonte, Minas Gerais, autor de diversos artigos
sobre o tema, Disponível na Internet em <http://home.earthlink.net/~lcgems/
index.htm>
26
Faço tal afirmação sem qualquer preconceito ou tom pejorativo às profissionais do
sexo, mas por imperativo de esclarecer tratar-se de alguém que satisfaça necessida-
des momentâneas do interessado. O respeito à própria condição humana de luta
pela sobrevivência, da necessidade de integração ao mercado de trabalho, para
garantir a subsistência, me levou a escrever essa frase que geralmente se diz mas
não se escreve.
CORPO DOCENTE 255
Eurípedes Brito Cunha Júnior
27
Justiça se faça, surgiu-me a idéia de adotar esta classificação quando presenciava um
debate entre os advogados Sérgio Ricardo Marques Gonçalves e Mauro Leonardo Cu-
nha, na Conferência Direito da Informática, realizada em São Paulo, em agosto de 2000,
quando este último disse não haver contrato eletrônico puro. Daí, pensei que poderia
haver um escalonamento, uma gradação quanto à pureza eletrônica do contrato.
CORPO DOCENTE 257
Eurípedes Brito Cunha Júnior
28
A Internet, exemplo mais corriqueiro da situação enfocada embora não seja o único,
não é nem pode ser considerada ambiente físico, mas um megacanal de comunica-
ção. Mundo digital desmaterializado significa uma quebra de paradigma, em termos
de canal de comunicação, do que se apresenta hoje em dia em relação ao que existia
antes do emprego das novas tecnologias nas relações entre as pessoas.
CORPO DOCENTE 259
Eurípedes Brito Cunha Júnior
29
A palavra virtual não está sendo empregada aqui em seu sentido técnico, porque já
foi antes explicitada a inadequação do termo virtual no âmbito do direito. Aqui ela
é utilizada em seu sentido vulgar, de algo inerente ao mundo da informática, intan-
gível.
260 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
30
Para fazer justiça, inclui duas últimas categorias por sugestão do Dr. Pedro Marcos
Cardoso Ferreira, culto advogado baiano, pós-graduado em Direito Público.
31
São exemplos de órgão que fornecem certidões a Secretaria da Receita Federal Dis-
ponível na Internet em <http://www.receita.fazenda.gov.br> e o Ministério da Pre-
vidência Social Disponível na Internet em <http://www.mpas.gov.br/>
32
O sítio de compras do Governo Federal está Disponível na Internet em <http://
www.comprasnet.gov.br/>
CORPO DOCENTE 261
Eurípedes Brito Cunha Júnior
33
O sítio do Estado da Bahia, citado aqui como um exemplo, dentre outros sítios
estaduais, está Disponível na Internet em <http://www.comprasnet.ba.gov.br/>
34
ROSSI, Mariza Delapieve apud BARBAGALO. Op. cit. (pág. 51). Na nota nº 91 de
rodapé, a autora faz referência ao artigo “Aspectos legais do comércio eletrônico –
contratos de adesão”, publicado aos Anais do XIX Seminário Nacional de Proprie-
dade Intelectual, promovido pela Associação Brasileira de Propriedade Intelectual.
35
BARBAGALO. Op. Cit. (pág. 48 e 50). A autora referiu-se a Cesar Viterbo de Matos
Santolim, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e João Vicente Lavieri.
262 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
36
Sala de bate-papo na Internet, também conhecido como bate-papo virtual.
CORPO DOCENTE 263
Eurípedes Brito Cunha Júnior
37
São cláusulas abusivas, na dicção do art. 51 do Código de defesa do Consumidor,
entre outras, as relativas ao fornecimento de produtos e serviços que impossibili-
tem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer
natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos,
subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, transfiram
responsabilidades a terceiros e as que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada. A relação do art. 51 do CDC é meramente exemplificativa. Seu regula-
mento, o Decreto nº 2.181/97, traz uma relação extensa de cláusulas abusivas,
constantemente ampliada por Portarias da Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça.
38
AMARAL JR., Alberto do. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor.
Juarez de Oliveira (Coordenador). São Paulo: Saraiva, 1991 (Pág. 204 e 205). Se-
gundo o autor, que é um dos co-autores do anteprojeto do CDC: “Nos contratos de
massa, as cláusulas contratuais são predeterminadas, unilateralmente, mediante a
elaboração de esquemas uniformes, que deverão se repetir em todos os contratos
celebrados pelo predisponente.
Os contratos de massa suprimem todas as negociações prévias, cabendo ao aderen-
te aceitar ou recusar em bloco o regulamento uniforme que lhe é apresentado. O
traço essencial que os singulariza não é tanto a diferença econômica entre as partes,
mas o poder de estabelecer unilateralmente as cláusulas que deverão integrar o
instrumento contratual.
Enquanto os contratos individuais são precedidos pela ampla discussão das cláu-
sulas que compõem o seu conteúdo, os contratos de massa são contratos por
adesão para os clientes ou consumidores que, em regra, não discutem as suas
cláusulas, como sucederia nos contratos isolados.”
264 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
39
JUNQUEIRA, Miriam. Contratos eletrônicos. Rio de Janeiro: Mauad, 1997 (pág.
68). A autora explica que o EDI “é um padrão internacional para intercâmbio
eletrônico de dados. Apresenta-se como origem da padronização os seguintes acon-
tecimentos: a) por volta de 1985, surgiram dois padrões que tiveram larga aceita-
ção: ANSI ASC X12 (American National Standards Institute Accredited Standards
Committee – Instituto Nacional Americano de Padrões – Comitê Credenciado de
Padrões), na América do Norte, GTDI (Guidelines for Trade Data Interchange – Orien-
tações para Intercâmbio de Dados Comerciais), na Europa. Embora atendessem
necessidades domésticas, a existência desses dois padrões, significantes mas dife-
rentes, criou dificuldades para o comércio internacional. b) em 1986, a UN/ECE
aprovou o ‘UN/EDIFACT’, que significa Intercâmbio Eletrônico de Dados para
Administração, Comércio e Transporte. O conceito é simples: um único padrão
internacional para o EDI, suficientemente flexível para atender às necessidades do
governo e da indústria privada.”
CORPO DOCENTE 267
Eurípedes Brito Cunha Júnior
40
Conforme consta na Wikipedia “Telefone por IP, VoIP ou Voz via infra-estrutura IP
é a tecnologia que torna possível estabelecer conversações telefônicas em uma Rede
IP (incluindo a Internet), ao invés de uma linha dedicada à transmissão de voz,
prescindindo da comutação de circuitos e o seu conseqüente desperdício de largura
de banda.” Disponível na Internet em <http://pt.wikipedia.org/wiki/VoIP>
Ainda segundo a Wikipedia, em razão da convergência de “serviços de dados, voz,
fax e vídeo”, também possibilita a construção de “novas infra-estruturas para
aplicações avançadas de e-commerce”. (ex., Call center Web).”
41
BARBAGALO. Op. Cit. (pág. 72).
268 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
42
FERNANDES, Tiago Gomes. Lei aplicável aos contratos eletrônicos internacionais
de consumo. In: Direito Internacional e da Integração. PIMENTEL, Luiz Otávio
(Coordenador). Florianópolis: Boiteux, 2003. (pág. 307)
43
Idem. (pág. 307)
CORPO DOCENTE 269
Eurípedes Brito Cunha Júnior
44
SANTOLIM, Cesar Viterbo Matos. Formação e eficácia dos contratos por computa-
dor. São Paulo: Saraiva, 1995 (pág. 15 a 17).
270 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
45
Estabelece o art. 133 da Carta Magna que o advogado é indispensável à administra-
ção da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profis-
são, nos limites da lei.
46
O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906/94,
dispõe, no parágrafo 1 o do art. 2o: No seu ministério privado, o advogado presta
serviço público e exerce função social.
47
CARNELUTTI. Op. Cit. (pág. 168).
48
VANDRÉ, Geraldo. Excerto do refrão da música “Para não dizer que não falei de
flores”, composta na época da ditadura militar no Brasil.
272 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
IX. BIBLIOGRAFIA
49
Pode-se dizer que essas são virtuais vítimas do golpe do vigário, podendo tornar-se
reais vítimas, se o golpe for levado a termo.
50
SANTOLIM. Op. cit. (pág. 41).
51
Idem. (pág. 41).
274 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
LIMA, Osmar Brina Correia. (sem título). Belo Horizonte: Inédito, 2002.
1
Sobre o tema conferir: Paulo Rangel. Direito Processual Penal, 10 ed., Lumen Juris,
p.478.
276 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
2
Neste trabalho a expressão autodefesa e defesa pessoal serão usadas como sinônimos.
Essa ressalva faz-se importante considerando a posição do sempre respeitado
Fernando de Almeida Pedroso, para quem defesa pessoal é aquela desempenhada
pelo acusado, enquanto que a autodefesa é a defesa técnica desempenhada pelo
próprio réu, quando possuir capacidade postulatória, como o advogado. (2001, P.
35)
CORPO DOCENTE 277
José Gomes Brito
zes, quando a estes, certamente poderá contribuir muito mais que seu
defensor.
Por outro lado, a República Federativa do Brasil, nos termos do art.
1º da CF, assenta-se sobre o fundamento do Estado Democrático de Direi-
to. Tal fundamento deve irradiar por toda atividade estatal, inclusive pelo
próprio processo penal.
A Democracia no processo penal, inerente ao Estado Democrático
de Direito, implica a participação plúrima de todos os envolvidos na rela-
ção processual, o que inclui, evidentemente, a participação efetiva do réu.
Isso posto, a participação pessoal efetiva do réu no processo penal
decorre tanto das garantias da ampla defesa e do contraditório, como do
próprio sustentáculo da República Federativa do Brasil, caracterizando
um reflexo do postulado da democracia no processo penal.
Como exemplos do novo perfil que adquiriu o interrogatório como
meio de defesa, tem-se a Lei nº. 10.792/03, que alterou o CPP, permitindo
a formulação de perguntas pelas partes (art.188), além do direito de entre-
vista reservada com seu advogado, antes da audiência (art. 185, §2º).
Explicitada, em breves linhas, a relevância da participação pessoal
do acusado no processo penal, impende apreciar o momento em que essa
intervenção deva ocorrer.
Segundo o art. 394 e seguintes do Código de Processo Penal, no rito
ordinário, após o recebimento da denúncia, segue-se com a realização do
interrogatório do acusado. Após o que, defesa prévia e oitiva das testemu-
nhas.
Como primeiro ato processual após o recebimento da denúncia, na
audiência de interrogatório o acusado limita-se ou a negar os fatos conti-
dos na denúncia ou queixa, ou a dar sua versão. Nada mais. Sempre esta-
rá adstrito à narração fática contida na inicial acusatória. Assim, pessoal-
mente, não poderá manifestar-se sobre a prova produzida ao longo da
instrução, que ocorrerá após a sua única e breve participação no processo.
Iniciar o processo com a oitiva do acusado restringe sobremaneira o
seu direito de, exercendo a autodefesa, participar efetivamente da produ-
ção da prova. Assim, a atual localização temporal do interrogatório no
rito ordinário previsto no CPP não atende a amplitude da defesa e do
contraditório, não sem antes caracterizar uma indevida limitação à demo-
cracia no processo penal.
Atento a essa problemática, o legislador pós 1988 tem respeitado,
em alguns casos, o valor da autodefesa, realizada em sede de interrogató-
rio.
278 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
A Lei 9.099/95, conforme dispõe seu art. 81, determina que o inter-
rogatório do acusado somente ocorrerá após a oitiva de todas as testemu-
nhas, bem como da vítima3.
A doutrina tem recebido com bons olhos essa evolução legislativa.
Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio
Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes assim se posicionam:
3
Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à
acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo
recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, inter-
rogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos deba-
tes orais e à prolação da sentença.
CORPO DOCENTE 279
José Gomes Brito
4
Segundo a nova redação do p. único do art.261, alterado pela Lei nº.10.792/03, a
defesa técnica exercida por defensor público ou dativo deve ser sempre fundamen-
tada, sob pena de nulidade. O Projeto de Lei n. 4.204/01, alterando a atual redação
do referido parágrafo único, amplia a proteção da defesa técnica, excluindo a
restrição à defesa exercida por defensor dativo ou público, abarcando os casos em
que o defensor seja constituído pelo próprio acusado. Esses são exemplos de como
a defesa técnica tem sido preservada pelo legislador infraconstitucional.
280 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 5 ed. Belo Hori-
zonte: DelRey, 2005.
INTRODUÇÃO
1
Há notícia de um bebê nascido em São Paulo, que já conta com quase um ano
permanentemente ligado a aparelhos.
CORPO DOCENTE 283
Nágila Maria Sales de Brito
WILHELMS, 2005). Por esse conceito, morte é a parada total das funções
encefálicas, em conseqüência de processo irreversível e de causa conheci-
da, mesmo que o tronco cerebral esteja temporariamente funcionando. O
anencéfalo, por sua vez, como já vimos, é o resultado de um processo
irreversível, de causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida,
e que, por não possuir a parte vital do cérebro, poderia, a grosso modo, ser
considerado um natimorto.
Ora, no caso da anencefalia, inexistente a possibilidade de vida
viável, não há que se falar em aborto, porquanto, juridicamente, este é a
morte causada pela interrupção da gestação, não sendo lesado, nesse caso,
o interesse protegido pela norma penal, qual seja a vida do ser em forma-
ção.
Parece-nos ter sido este, inclusive, o entendimento do Ministro do
STF, Marco Aurélio de Mello, ao conceder liminar para antecipação tera-
pêutica de gravidez do feto anencefálico, na referida ADPF nº 542.
Há quem critique, porém, esse posicionamento, afirmando que os
defensores dessa teoria olvidam-se de atentar para o artigo 3º da mencio-
nada Lei de Doação de Órgãos, que não utilizou o termo morte cerebral,
mas sim morte encefálica. Aduzem eles que, indubitavelmente, o feto com
anencefalia não preenche os requisitos necessários à constatação da mor-
te encefálica, não se podendo confundir morte encefálica com morte cere-
bral. São, porém, distinções tão tênues que preferimos trabalhar com o
signo indiscutível de inviabilidade de vida própria.
Bastante questionado e ainda sem pacificação o entendimento so-
bre o momento exato do início da vida e o da ocorrência da morte, tendo
2
“(...) HÁ, SIM, DE FORMALIZAR-SE MEDIDA ACAUTELADORA E ESTA NÃO
PODE FICAR LIMITADA A MERA SUSPENSÃO DE TODO E QUALQUER PRO-
CEDIMENTO JUDICIAL HOJE EXISTENTE. HÁ DE VIABILIZAR, EMBORA DE
MODO PRECÁRIO E EFÊMERO, A CONCRETUDE MAIOR DA CARTA DA RE-
PÚBLICA, PRESENTES OS VALORES EM FOCO. DAÍ O ACOLHIMENTO DO
PLEITO FORMULADO PARA, DIANTE DA RELEVÂNCIA DO PEDIDO E DO
RISCO DE MANTER-SE COM PLENA EFICÁCIA O AMBIENTE DE
DESENCONTROS EM PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS ATÉ AQUI NOTA-
DOS, TER-SE-ÃO NÃO SÓ O SOBRESTAMENTO DOS PROCESSOS E DECI-
SÕES NÃO TRANSITADAS EM JULGADO, COMO TAMBÉM O RECONHECI-
MENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DA GESTANTE DE SUBMETER-SE
À OPERAÇÃO TERAPÊUTICA DE PARTO DE FETOS ANENCEFÁLICOS, A
PARTIR DE LAUDO MÉDICO ATESTANDO A DEFORMIDADE, A ANOMA-
LIA QUE ATINGIU O FETO. É COMO DECIDO NA ESPÉCIE. 3. AO PLENÁRIO
PARA O CRIVO PERTINENTE”. (Trecho da liminar concedida pelo Ministro do
STF, Marco Aurélio de Mello, na Argüição de Descumprimento de Preceito Funda-
mental nº 54).
CORPO DOCENTE 289
Nágila Maria Sales de Brito
3
Expressão utilizada por Débora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro.
296 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
fazer a escolha de Sofia, ou seja, dizer quem deve morrer ou viver, por
exemplo, quando existe só uma vaga de UTI e dois pacientes à espera.
Referidos os princípios da Bioética, há que se falar no Biodireito
(não é unanimemente aceita essa terminologia na doutrina), designativo
de um novo ramo da Ciência Jurídica, ainda em formação, com a incum-
bência de trazer aos fatos originados das novas tecnologias a incidência
do Direito. Tem ele princípios próprios, tais como o da dignidade, da lega-
lidade, do consentimento livre e informado, da cooperação científica entre
países e do direito ao sigilo e à privacidade a serem observados pelos
profissionais que lidam com as questões bioéticas, que se multiplicam na
atualidade.
Vale observar que questões como a que ora se analisa ainda persis-
te em busca de uma solução justa ante a problemática da definição do
início e do fim da vida.
Configura, no entanto, sob todos os aspectos analisáveis, desuma-
na a exigência à mulher ter de suportar uma gravidez, com todo o seu
incômodo e riscos, que não vai conduzi-la a um final feliz de trazer um
bebê saudável nos braços; ao contrário, ante o quadro chocante, preferível
poupá-la até de vê-lo após a sua retirada do útero, não se devendo esque-
cer que, também indubitável, poder ela considerar-se um depósito funerá-
rio de um futuro natimorto, de quem só restará a comprovação da existên-
cia por meio do único documento que ficará de lembrança: o atestado de
óbito.
Dada a impossibilidade, pois, de falar-se de vida em potencial na
hipótese do anencéfalo, visto que perecerá imediatamente, caso desliga-
dos os aparelhos, a dignidade a ser preservada, por óbvio, repita-se, é da
gestante.
Tal matéria merece ser estudada sob diversos aspectos, mormente o
penal, civil, filosófico e constitucional, inclusive com a necessária distin-
ção entre pessoa, ser humano e indivíduo, o que não é possível em traba-
lho deste jaez, pelo que optamos por restringir a abrangência do estudo à
caracterização ou não da conduta como tipo penal4.
O aborto, permitido porque de gravidez oriunda do estupro, na
forma do previsto no art. 128, II do C. Penal, não depende de autorização
judicial para sua prática, porque se impõe a excludente de culpabilidade.
Mas, por precaução, tem sido sempre pedida autorização judicial, mor-
4
Quem desejar aprofundar o tema ver MORI, Maurizio, in A moralidade do aborto,
sacralidade e o novo papel da mulher, na obra O embrião e pessoa humana?, publicada
pela UNB.
CORPO DOCENTE 297
Nágila Maria Sales de Brito
5
V. a angústia e o sofrimento demonstrado no filme Quem são elas ?, dirigido por
Débora Diniz.
298 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília:
Letras Livres, 2004.
FRIGÉRIO, M. V., SALZO, I., PIMENTEL, S., et al. Aspectos bioéticos e jurídi-
cos do abortamento seletivo no Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de
Medicina Fetal, 2001; 7:12-18.
GOMES, Luiz Flávio. Nem todo aborto é criminoso. Informativo do Jus Podivm.
Salvador: nov/dez/jan/2004, p.09.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. v. 2. 3. ed. rev. amp.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 99-123.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. Curitiba-Rio de Ja-
neiro: ICPC/Lumen Juris, 2006, p. 322.
1. INTRODUÇÃO
1
CHRISTINO, Márcio. Sistema Penitenciário e o RDD. Disponível em: www.mj.gov.br/
Depen/publicacoes/marcio_christino.pdf. p. 2
2
Mencione-se, por todos: MOREIRA, Rômulo de Andrade. Este monstro chamado
RDD. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 23.08.2004. Acesso em 20/05/
2007.
3
CUNHA, Rogério Sanches; PÁDUA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Regime
Disciplinar Diferenciado. Breves Comentários (RDD). IN: CUNHA, Rogério Sanches. Lei-
turas Complementares de Execução Penal. Salvador: JusPodivm. 2006. p. 104.
CORPO DISCENTE • FORMANDOS 305
Igor Raphael de Novaes Santos
4
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ed. São Paulo:
Malheiros. 2006.
5
Íntegra da resolução no sítio: www.mj.gov.br/depen/publicacoes/
nagashi_furukawa.pdf.
6
Maiores informações: www.seap.rj.gov.br
7
NUNES, Adeildo. O regime disciplinar na prisão. Disponível na internet:
www.ibcrim.org.br.
8
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11ed. São Paulo: Atlas. 2007. p. 149.
306 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
9
CARVALHO, Salo de; FREIRE, Christiane Russomano. O Regime Disciplinar Dife-
renciado: Notas Críticas à Reforma do Sistema Punitivo Brasileiro. IN: CARVALHO,
Salo. Crítica à Execução Penal. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 275.
10
Termo utilizado com ressalvas em razão da inexistência de definição do que seja uma
“organização criminosa” em nosso ordenamento jurídico.
11
Ibidem.
CORPO DISCENTE • FORMANDOS 307
Igor Raphael de Novaes Santos
3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME
12
ibidem. p.2
13
Vale-se aqui da expressão utilizada pelo professor Juarez Cirino dos Santos em sua
obra.
14
Art 24, I da Constituição da República.
15
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal 2ed. São Paulo: RT. 2006. p. 72
308 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
16
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. v1. 10ed. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 16.
17
Expressão cunhada pelo professor Salo de Carvalho.
CORPO DISCENTE • FORMANDOS 309
Igor Raphael de Novaes Santos
18
DELMANTO, Roberto. Regime disciplinar diferenciado ou pena cruel. Boletim IBCCRIM.
São Paulo, v.11, n.134, p. 5, jan. 2004.
19
JAKOBS, Gunther. Derecho Penal del ciudadano y Derecho Penal del enemigo. IN:
MARTÍN, Luis Gracia. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo. São Paulo:
RT. p. 84
20
ibidem. p. 86
21
MARTÍN, Luis Gracia. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo. São Paulo:
RT. p. 87
310 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5. DA COMPLACÊNCIA DO JUDICIÁRIO
22
BUSATO, Paulo César. Regime Disciplinar Diferenciado com Produto de um Direito
Penal do Inimigo. IN: CARVALHO, Salo. Crítica à Execução Penal. 2ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2007. p. 297.
23
SCHIMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. IN:
CARVALHO, Salo. Crítica à Execução Penal. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
p. 31/33.
24
Ibidem. p. 271.
CORPO DISCENTE • FORMANDOS 311
Igor Raphael de Novaes Santos
Reflexo disto pode ser encontrado nas lições dos professores Rogé-
rio Sanches Cunha e Thales Tácito25, os quais, em que pese o reconheci-
mento da indeterminação típica, defendem a constitucionalidade do Re-
gime Especial:
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
25
Ibidem.p.104
26
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. p. 310
312 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
27
Termo consignado por Zaffaroni em seu Manual de Direito Penal Brasileiro.
28
A título exemplificativo basta relembrar a Lei nº 8.072/90, a Nova Lei de Tóxicos
(Lei 11.343/06) e a recente alteração no aumento do percentual para concessão da
progressão de regime as ditos crimes hediondos (Lei 11.464/2007)
CORPO DISCENTE • FORMANDOS 313
Igor Raphael de Novaes Santos
REFERÊNCIAS
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11ed. São Paulo: Atlas. 2007.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. Curitiba: ICPC/
Lumen Juris, 2006.
A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA PELOS DÉBITOS TRABALHISTAS E A
LEI DE LICITAÇÕES. INTERPRETANDO O § 1º
DO ART. 71 DA LEI 8.666/93
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e contratos Administrativos. 8ª
ed., São Paulo: Dialética, 2002, p.566
2
Segundo os escólios de Sérgio Pinto Martins, o dono da obra não é considerado
empregador “pois não assume os riscos da atividade econômica, nem tem intuito de lucro na
construção ou reforma”, daí porque não responde pelos encargos trabalhistas, salvo se
construtora ou incorporadora. (In Direito do Trabalho, 22ª ed., São Paulo: Atlas,
2006, p. 187).
3
No sentido do texto, MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo.
13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 286.
CORPO DISCENTE • FORMANDOS 317
Rodrigo Dantas Tourinho
4
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed., rev.,
ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 481.
5
Terceiro é definido por Sérgio Cavalieri Filho, como sendo “alguém estranho à Ad-
ministração Pública, alguém com o qual o Estado não tem vínculo jurídico
preexistente” (In Programa de Responsabilidade Civil. 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p.
30).
CORPO DISCENTE • FORMANDOS 319
Rodrigo Dantas Tourinho
5. CONCLUSÕES
6. BIBLIOGRAFIA
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed.,
rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007;
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 22ª ed. – São Paulo: Atlas,
2006;
1. INTRODUÇÃO
1
Este estudo utiliza o termo ontologia na concepção Heideggeriana do ser- em- si, ou
seja, no sentido estrito do termo Dasein. Objetiva-se a demonstração da necessidade
de sua apreciação quando da análise do ordenamento jurídico a fim de dotar o
dispositivo constitucional de uma práxis sinérgica com as necessidades do homem
social.
326 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
2
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7.ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 29.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 327
Carlos Alberto José Barbosa Coutinho
3
Paulo Bonavides ensina que “[...] os direitos representam por si certos bens, as
garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais,
as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas ( ainda que possam ser objeto
de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das
pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurí-
dicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na
acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-
se”. In: Curso de Direito Constitucional. São Paulo:Malheiros, 2004. p. 528.
328 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
4
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídi-
cos. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.24.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 329
Carlos Alberto José Barbosa Coutinho
5
Chama-se de Pós-Modernidade as condições sócio-culturais e estéticas do capi-
talismo contemporâneo, podendo ser denominado também de pós-industrial ou
financeiro. É um termo que se tornou de uso corrente, mas bastante disputado.
Teóricos e acadêmicos têm diferentes concepções sobre o mesmo.
6
CAPELLARI, Eduardo. A Crise da Modernidade e a Constituição: Elementos para a
Compreensão do Constitucionalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica,
2004. p. IX do Prefácio.
330 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
7
MÜLLER, Friedrich. Quem é Povo? A Questão Fundamental da Democracia. Tradução
de Peter Naumann. 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 95.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 331
Carlos Alberto José Barbosa Coutinho
8
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p.15.
9
PASSOS, J. J. Calmon. Direito, Poder, Justiça e Processo: Julgando quem nos Julgam. Rio
de Janeiro: Forense, 2003. p. 05.
332 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
10
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 1.
11
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Tradução e
notas de Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1999. p.135.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 333
Carlos Alberto José Barbosa Coutinho
12
CAPELLARI, Eduardo. A Crise da Modernidade e a Constituição: Elementos para a Com-
preensão do Constitucionalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p.
105.
334 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5. CONCLUSÃO
13
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2003. p. 48.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 335
Carlos Alberto José Barbosa Coutinho
6. REFERÊNCIAS
1 - INTRODUÇÃO
1
Antes da Reforma do Poder Judiciário proposta pela EC/45, a competência para
homologar as sentenças estrangeiras bem como para conceder o “cumpra-se” às
Cartas Rogatórias era do Supremo Tribunal Federal de acordo com o antigo Art.
102, h. Este declínio de competência visou diminuir a distribuição de processos
para a Corte Máxima a fim de evitar o estado de abarrotamento daquele Tribunal.
2
O instituto da Argüição de Relevância existiu durante a vigência Constituição Fede-
ral de 1967 após a emenda constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977.
338 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
(...)
Assim, para completar o princípio da recorribilidade existe,
também, o princípio da dualidade de instâncias ou duplo grau
de jurisdição.
Isto quer dizer que, como regra geral, a parte tem o direito a
que sua pretensão seja conhecida e julgada por dois juízos
distintos, mediante recurso, caso não se conforme com a pri-
meira decisão. Desse princípio decorre a necessidade de ór-
gãos judiciais de competência hierárquica diferente: os de
primeiro grau (juízes singulares) e os de segundo grau (Tri-
bunais Superiores).
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual
Civil. 42ª ed. Forense. Rio de Janeiro: 2005. p. 26.
(Grifos do Original)
Por outro lado, há quem afirme, entretanto, que esta tese ora suscita-
da não faz, nem ao menos pressupor, qualquer garantia. Deste modo, o
duplo grau de jurisdição tampouco se encontra implicitamente previsto
na Constituição Federal, isto porque, a previsão da possibilidade de
interposição de recursos aos tribunais superiores estabelece competência,
o que não pode ser confundido com instituir um princípio3! Para Oreste
Nestor de Souza Laspro- rebatendo as teses dos defensores de garantias
constitucionais aos princípios em estudo – “o duplo grau de jurisdição não
assegura, efetivamente, uma decisão melhor, nem tampouco garante a isenção do
juízo e a efetiva defesa das partes, portanto, não se pode considerá-lo como um dos
elementos formadores do devido processo legal”4.
As decisões do Tribunal Máximo têm entendido que “diante do
disposto no inciso III do Artigo 102 da Constituição Federal, no que revela
cabível o extraordinário contra decisão de última ou única instância, o
duplo grau de jurisdição, no âmbito da recorribilidade ordinária, não
consubstancia garantia constitucional”5. Em matéria de recurso administrati-
vo, também, é vasta a jurisprudência daquele Tribunal negando o caráter
garantista ao duplo grau de jurisdição, como bem denota, por exemplo, a
ementa do RE 346882/RJ - RIO DE JANEIRO.
3
Texto publicado na internet no site www.abdconst.com.br/arquivos/
emenda_45_seus efeitos.doc. Autor Desconhecido.
4
LASPRO, Oreste Nestor de Souza: Duplo grau de jurisdição no direito processual
civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 99.
5
Com este teor vem julgando o Supremo Tribunal Federal como se pode aferir dos
seguintes Acórdãos: ai 210039 agr - ano-1998 uf-sp turma-02 n.pp-006 Min. Marco
Aurélio - dj 04-12-1998 pp-00015 ement vol-01934-05 pp-00994 - ai 210048 agr -
ano-1998 uf-sp turma-02 n.pp-006 Min. Marco Aurélio - dj 04-12-1998 pp-00015
ement vol-01934-05 pp-01000 - ai 210722 agr - ano-1998 uf-sp turma-02 n.pp-006
min. Marco Aurélio - dj 04-12-1998 pp-00015 ement vol-01934-05
340 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
3 – DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
6
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42ª ed. Foren-
se. Rio de Janeiro: 2005. p. 570.
7
Frise-se que em tempos do Código de Processo Civil anterior, muitas discussões
giraram em razão da natureza da execução do acórdão impugnado pelo Recurso
Extraordinário, isto pois aquele regulamento nada dispunha sobre os efeitos deste
recurso. Para solucionar tais conflitos teóricos, o STF editou a Súmula 228: “não é
provisória a execução na pendência de recurso extraordinário, ou de agravo desti-
nado a fazê-lo admitir”. Enfatize-se que esta súmula já não está mais em vigor em
função do Código de Buzaid ser claro ao dar efeito apenas devolutivo a este recur-
so.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 341
Marcel Santos Mutim
8
Critérios propostos por José Miguel Garcia Medina, Teresa Arruda Alvim Wambier
e Luiz Rodrigues Wambier na obra Breves comentários à nova sistemática processual
civil. 3ed. São Paulo: RT, 2005, p. 103 e 104. Outros grandes pensadores do direito
entendem no mesmo sentido como Luiz Manoel Gomes Jr. em A repercussão geral da
questão constitucional no recurso extraordinário. São Paulo: RT, 2005, p. 101 e 102 e
Lenio Luiz Streck em Comentários à reforma do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 140 2 141.
9
DIDIER JR, Fredie, e CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual
Civil. Vol. III. 3° ed. Editora Juspodivm. Salvador: 2007. p. 269.
344 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
10
O Artigo “Nótula sobre a repercussão geral (ou transcendência) do recurso extraor-
dinário” do professor Marcelo Andrade Féres está publicado e pode ser encontrado
através do seguinte endereço de internet: http://jus2.uol.com.br/doutrina/
texto.asp?id=7530.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 345
Marcel Santos Mutim
11
Assim dispõe o Art. 93, IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo
a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advoga-
dos, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade
do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”
12
MACIEL, José Alberto Couto. Regulamentação da repercussão geral nos recursos
extraordinários. Revista Jurídica Consulex – Ano XI – n° 252 – 15 de julho de 2007.
346 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
argüições feitas, apenas 5% das argüições foram acolhidas, sendo que 20% deixa-
ram de ser conhecidas por deficiência do instrumento e o restante (75%) foram
rejeitadas. Clarividente está, pois, que a Argüição de Relevância não alcan-
çou seu fim científico.
Notória, por fim, os pontos divergentes entre a Antiga Argüição de
Relevância e a Nova Repercussão Geral. Sendo assim, parecem-nos mais
acertado aqueles que não entendem como idênticos estes mecanismos ju-
rídicos.
13
Neste sentido, defendendo a Inconstitucionalidade da Repercussão Geral, entende o
professor Dirley da Cunha Júnior e Carlos Rátis, em “EC 45/2004 - Comentários a
Reforma do Poder Judiciário”, 2005, Salvador: editora juspodivm, p. 44: “esse novo
pressuposto de admissibilidade recursal se não vier a ser declarado inconstitucional,
só poderá ser exigido quando for elaborada a lei que o regule, posto que de eficácia
limitada a norma do § 3° em comento. Sem embargo, independentemente do que
venha a ser preconizado pela lei como repercussão geral, o novo § 3° do Art. 102 é
flagrantemente inconstitucional, pois autoriza norma infraconstitucional, não ape-
nas a restringir, mas ceifar a possibilidade de o jurisdicionado exercer um direito
fundamental. Há, portanto, incontestável violação ao Art. 60, §4° da CF/88.”
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 347
Marcel Santos Mutim
8 – CONCLUSÃO
14
BUZAID, Alfredo. Ensaio para uma revisão do sistema de recursos no código de
processo civil. Revista Jurídica. Porto Alegre. nº 22, out. 1956. p. 8.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 349
Marcel Santos Mutim
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DIDIER JR, Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Pro-
cessual Civil. Vol. III. 3° ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2007.
SILVA. Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13 ed. São Pau-
lo: Malheiros, 1996.
1
Dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
352 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
2
Lei 10.520/2002
356 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
ser retirada por outra licitante. Se a modalidade for pregão, ainda maior o
desconforto, uma vez que as licitantes têm iguais oportunidades durante o
certame, de reduzir o preço. Essa licitante, além de poder comprovar a
regularidade fiscal posteriormente, também está autorizada a cobrir o me-
nor preço, mesmo depois de encerrada a fase de lances. Os empresários das
companhias de médio ou grande porte, excetuando-se os desavisados, de-
vem, já a essa altura, participar dos combates licitatórios, receosos de envidar
esforços e posteriormente serem preteridos, donde se conclui que a Lei em
destaque e, conseqüentemente o Decreto, protege para estimular de um
lado e desestimula do outro.
A Carta Federal assegura no art. 37, XXI que “...obras, serviços, com-
pras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes...”. Assim, tal comando
se impõe a quaisquer regras que atinjam as licitações em qualquer esfera
governamental e, nesse diapasão, a Lei de Licitações - Lei nº 8.666/93, no
seu art. 3º, define que “a licitação destina-se a garantir a observância do princí-
pio constitucional da isonomia e a selecionar proposta mais vantajosa para a Ad-
ministração”.
É sabido que o princípio da isonomia deve ser interpretado à luz da
advertência de Aristóteles, que afirmou consistir o princípio da igualdade
em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sob esse pris-
ma, nada há que afirmar contra o poder constituinte que instituiu que se
tratasse as ME´s e EPP´s de forma especial. Não há também que se erguer
contra o legislador que seguiu com o objetivo de atender à Constituição,
estabelecendo desigualdades a fim de igualar.
No dizer de Celso Bandeira de Mello, a licitação “estriba-se na idéia de
competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e
aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assu-
mir.” Acrescenta ainda que “a licitação é uma aplicação concreta do princípio
da igualdade, o qual, na Constituição está encartado como um dos direitos e garan-
tias fundamentais.” Segundo esse mesmo autor, a afirmação de Aristóteles
acerca do princípio da isonomia tem muito valor como ponto de abertura
dessa discussão, mas não a encerra, uma vez que “entre um e outro extremo
serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao
espírito: Quem são os iguais e quem são os desiguais? (...) que espécie de igualdade
veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação (...) sem quebra e agressão
aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?”
Diante disto, o tratamento diferenciado e favorecido dado as ME´s e
EPP´s, não padece, em princípio, de mácula por agressão a um princípio
constitucional. Entretanto, é de se lamentar que as medidas objetivando
358 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade criar um novo paradigma para o insti-
tuto do Erro Judiciário, relacionando-o com a responsabilização civil dos Po-
deres e Instituições Públicas. Versa o artigo sobre a possibilidade de uma
indenização cível em virtude da responsabilidade por Erro Judiciário em face
da não aplicação da Súmula de efeito vinculante, tendo em vista as conseqüên-
cias que uma decisão proferida por um magistrado ou membro do Poder Exe-
cutivo, em desconformidade com a súmula, que se fazia obrigatória, pode
acarretar na vida daquele que busca a prestação jurisdicional.
ABSTRACT
The present work has for purpose to create a new paradigm for the institute of
the Judiciary Error, relating it with the civil responsabilização of them To be
able and Public Institutions. The article turns on the possibility of a civil
indemnity in virtue of the responsibility for Judiciary Error in face of not the
application Abridgement of binding effect, in view of the consequences that a
decision pronounced for a magistrate or member of the Executive,
disconformity with the abridgement, that if made obligator, can cause the life
of that it searchs the judgement
1. INTRODUÇÃO
4. O ERRO JUDICIÁRIO
7. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Revisão Criminal. 2 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2007.
370 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
nados por ele próprio para que possa seguir, servir e ser administrado pelo
povo.
Entretanto, apesar dessa ser uma premissa conhecida pelo povo
brasileiro, inserida em seus espíritos e corações, a população brasileira se
encontra aprisionada pela sua própria imaturidade política; se converteu
em principal patrocinadora de um Estado que não atua como seu servidor,
ao aceitar políticas como a do “rouba, mas faz”, cujo único beneficiário é o
establishment.
É possível que exista um povo tão oprimido política e economica-
mente que prefira legitimar um candidato que pensa mais em si mesmo que
nos seus eleitores em troca de migalhas?
No Brasil, a institucionalização do poder ocorreu preenchida pelas
peculiaridades nacionais. Faz parte da história do povo brasileiro atribuir
poderes demais a seus governantes; desse modo sua iniciativa foi homeo-
paticamente reprimida para que o Estado se tornasse o único responsável
por ela.
Mesmo quando o Estado brasileiro se tornou um estado federal, ele
o fez mediante um processo centrífugo, no qual, o poder emergente cedeu
parcelas de poder aos estados federados. O contrário do que aconteceu na
formação da federação norte americana, na qual o poder foi delegado ao
poder emergente seguindo critérios que mantiveram a autonomia necessá-
ria a uma administração eficiente e independente por parte dos Estados
federados; como deve ser.
Também no âmbito constitucional, se pode detectar algumas ano-
malias. A integridade do texto constitucional é constantemente desrespei-
tada. Nascida em 1988, a Constituição cidadã é filha de um processo alheio
às massas desde a eleição de sua Assembléia Constituinte, que fora
congressual: resultante de um acúmulo de funções por parte dos integran-
tes do Congresso Nacional. O texto original da referida Constituição foi
inspirado em outras constituições de países que possuem uma sociedade
civil ativa; se constituiu, então, uma semente de esperança de um futuro
mais justo. Infelizmente, sementes não germinam sobre pedras, pedras es-
tas que são o conjunto de maus hábitos que se misturam á essência do que
é o Brasil e de quem são os brasileiros.
A Constituição vigente, em menos de 20 anos, já conta com 54 emen-
das, o que é uma pena. No livro “Debate sobre a Constituição de 1988” (4),
escrito quando ocorreu o décimo aniversário da referida Constituição, 10
dos maiores juristas do Brasil escreveram sobre ela e sua recepção por
parte dos detentores eventuais do poder e por parte de seus titulares: todos
elogiaram a Assembléia Constituinte, mas não houve uma opinião positi-
372 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
que não deve ser feito é justamente o que tem sido feito, se tem desistido de
ter orgulho de ser brasileiro.
O Brasil sofre com as conseqüências dos maus tratos do mundo
capitalista globalizador; globalizado seria se a inserção das nações nesse
processo fosse fruto de uma decisão política por parte do conjunto de indi-
víduos que dela fizesse parte, no entanto é imposto pela força dos países
mais abastados do globo. De modo que, para a maior parte da humanidade
a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O
desemprego crescente se torna crônico. A pobreza aumenta e as classes
médias perdem em qualidade de vida. O poder aquisitivo do salário míni-
mo tende a diminuir por conta da inflação. A fome e o desabrigo se genera-
lizam. Os frutos da evolução científica são privilégios das classes mais
abastadas e não chegam sequer a ser conhecidos pelos mais carentes. A
educação de qualidade é cada vez mais inacessível.
Dessa maneira o maior bem que nos pode advir do uso da ação
popular é a reeducação política dos detentores eventuais do poder, acostu-
mados a desrespeitar os limites de sua competência em função de interes-
ses particulares ou contrários ao bem público, por parte da sociedade civil.
Assim, a soberania popular, além de se tornar mais efetiva, tende a ampliar
seu alcance na medida em que o exemplo de sucesso de algumas ações
populares inspira a impetração outras ações populares.
Da mesma forma, o exemplo tornará mais precisa a enunciação dos
atos que podem ser objeto de ações populares, uma vez que o § 2º, do art. 5º
(15), a torna bastante abrangente:
REFERÊNCIAS
13. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18º ed. São
Paulo: Editora Atlas S.A., 2005.
16. AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Reno-
var, 2001.
17. SILVA, José Afonso da. Ação Popular Constitucional. São Paulo: Ed.
RT, 1968.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 381
Ricardo Gonçalves dos Santos Júnior
20. HOBBES, Thomas. Leviata. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001.
Gleison Soares
Bacharelando em Direito da Universidade Ca-
tólica do Salvador
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
2. DA HISTÓRIA DA PENA
1
“É que as manifestações sobre as teorias da pena já pressupõem como imprescindí-
vel a existência mesma da sanção penal, excluindo do universo acadêmico as res-
postas teóricas negativas a respeito da real necessidade da sanção”. (CARVALHO,
Salo de (org.).Crítica à Execução Penal. RJ: Lumen Juris, 2002, p. 03)
384 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
2
“Não podendo explicar os acontecimentos que fugiam ao cotidiano (chuva, raio,
trovão), os homens primitivos passaram a atribuí-los a seres sobrenaturais, que
premiavam ou castigavam a comunidade por seu comportamento. Esses seres, que
habitariam as florestas, ou se encontrariam nas pedras, rios ou animais, maléficos
ou propícios de acordo com as circunstâncias, eram os totens, e a violação a estes ou
a descumprimento das obrigações devidas a eles acarretavam graves castigos”.
(MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. V.1. Atlas, 2001).
3
O homem primitivo, assinala Oswaldo Henrique Duek Marques “encontra-se muito
ligado à sua comunidade, pois fora dela sentia-se desprotegido dos perigos imagi-
nários. Essa ligação refletia-se na organização jurídica primitiva, baseada no cha-
mado vínculo de sangue, representado pela recíproca tutela daqueles que possuíam
uma descendência comum. Dele se originava a chamada vingança de sangue, defini-
da por Erich Fromm como ‘um dever sagrado que recai num membro de determina-
da família, de um clã ou de uma tribo, que tem de matar um membro de uma
unidade correspondente, se um de seus companheiros tiver sido morto’”. (MAR-
QUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo : Juarez de Olivei-
ra, 2000. p. 2.)
4
Ferri, admitindo embora a vingança privada como forma primitiva da pena, propôs
que se ajuntasse ao vocábulo vingança, este outro: defensiva: “deve dizer-se vin-
gança defensiva e não, somente vingança (como fazem os criminalistas e os histori-
adores do direito), visto que na reação do ofendido contra o ofensor, além do
ressentimento de vingança pelo passado, há também a intenção, mais ou menos
consciente da defesa para o futuro, reduzindo o ofensor à impossibilidade de repe-
tir a agressão, matando-o ou dando-lhe a impressão de que tal repetição não lhe
convém” (FERRI, Princípios de direito criminal, p. 9)
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 385
Gleison Soares
5
Emprega-se o vocábulo ‘discurso’ no sentido atribuído por Chïm Perelman e Lucie
Olbrecht-Tyteca no livro Tratado de Argumentação. Explicitando ainda mais a
compreensão proposta, discurso aqui se refere às manifestações que legitimam a
ações repressivas do Estado contra o cidadão submetido. A partir de um local
simbólico, o Estado estabelece sua argumentação tendo por auditório universal (o
qual pretende convencer) o senso comum e auditório particular (o qual pretende
persuadir) a classe dominante. Evidente, portanto, que raramente as razões (ou
convicções) serão semelhantes às racionalizações (ou justificações) do discurso.
Desta forma, a melhor definição de ‘discurso de poder’ está relacionada com as
características típicas da propaganda: o discurso do poder na modernidade estaria
caracterizado como propaganda, pois não é porta-voz dos consensos, atuando no
convencimento e normalização até alcançar o custo de legitimação suficiente para
determinada ação política.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 387
Gleison Soares
abandono final da ilha pelo último membro do povo. Isto deverá assim acontecer
para que cada um receba a punição equivalente aos seus atos e a dívida de sangue
não permaneça vinculada ao povo”.
A pena passa a ser, portanto, uma pura exigência de “justiça”, pois
como afirmara Hegel: “é a negação da negação do Direito”. A expiação do
delinqüente assume característica obrigatória, face à necessidade do
restabelecimento do equilíbrio legal, pois a sanção penal é a conseqüência
direta do crime e sua finalidade é devolver o mal provocado, sendo legiti-
mo a compensação de culpas.
Por via derradeira, a teoria retributiva da pena legitima, sem más-
caras e fantasias, o sentimento de vingança, que passa a ser protegido
pelo ordenamento jurídico, ainda que somente exercido pelo Estado.
Inexorável, entretanto, são as críticas veementemente realizadas por
Claux Roxin ao proceder as análises de tal teoria, entendendo como sen-
do-a concebível apenas por um ato de fé, posto que inadmissível é aceitar
que um mal (pena) possa, legalmente, compensar um outro mal (crime),
face aos direitos assegurados nas Constituições democráticas da
modernidade, que têm, em seus bojos, repúdio para com a vingança e o
princípio de Talião.6
6
“A própria idéia de retribuição compensadora só pode ser plausível mediante um
ato de fé. Pois, considerando-o racionalmente, não se compreende como se pode
pagar um mal cometido, acrescentando-lhe um segundo mal: sofrer a pena. É claro
que tal procedimento corresponde ao arraigado impulso de vingança humana, do
qual surgiu historicamente a pena; mas considerar que a assunção da retribuição
pelo estado seja algo quantitativamente distinto da vingança, e que a retribuição
tome a seu cargo ‘a culpa de sangue do povo’, expie o delinqüente etc., tudo isto é
concebível apenas por um ato de fé, que, segundo a nossa Constituição, não pode
ser imposto a ninguém, e não é válido para uma fundamentação, vinculante para
todos, da pena estatal” (ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de direito penal.
Lisboa: Veja, 1986. p.19-20)
388 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
7
“Exprimindo numa só frase: a teoria da prevenção especial não é idônea para
fundamentar o Direito Penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e
conseqüências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição
e porque a idéia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se legitima por
si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de
considerações”. (ROXIN, Claus. Op. Cit., p.21)
390 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
4.1 INTRODUÇÃO
8
As penas alternativas advieram não para contestar a pena privativa de liberdade,
mas sim para substituí-la, como se meia-culpa estivesse assumindo, pois não
deslegitimava-a, nem tão pouco visava a sua abolição, porém assumia, simultanea-
mente, o perigo do cárcere e a necessidade de redução deste. Por isso há de denomi-
narem-se substitucionistas, e não abolicionistas.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 391
Gleison Soares
9
“a prisão constitui um mal em si mesma, pois gera reincidência – a prisão não
impede que atos Anti-sociais se produzam; pelo contrário, aumenta seu número.
Não melhora os que vão parar nela... Não consegue o que se propõe. Mancha a
sociedade... É um resto de barbárie misturado com filantropismo jesuítico”
(Kropotkin, Peter. A Inutilidade das Leis, p. 104).
392 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
10
Estudos feitos em 2005 pela Fundação Internacional Penal e Penitenciária (FIPP)
comprovam que o Brasil, ao chegar ao ano de 2010 terá uma população carcerária
de 1.000.000 (um milhão) de presos (mais de 0,5% de toda população do país).
Neste diapasão, Admite-se que querer combater a criminalidade com o Direto
Penal é querer eliminar a infecção com analgésico.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 393
Gleison Soares
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: a Nova Parte Geral. Rio de
Janeiro: Forense, 1985.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME
DISCIPLINAR DIFERENCIADO1
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
1
Artigo apresentado para publicação na Revista Jurídica dos Formandos em Direito
matutino da UCSal 2007.2.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 395
Igor Souza Marques
2
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: Comentários à Lei nº. 7.210, de 11-7-1984.
p. 149 – 152.
3
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernandinho_Beira-Mar>
4
Revista Consulex, A Intricada Questão Carcerária, ano X, nº. 230, agosto de 2006, p. 9
– 12.
396 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
5
DESCARTES, René. Meditações. São Paulo. Editora Nova Cultural. 1988, p. 20.
6
MIRABETE, Julio Fabbrini. Obra citada, p. 153.
7
Art. 52, caput, §§ 1º e 2º da Lei 7.210 de 11 de junho de 1984 (Lei de Execução
Penal)
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 397
Igor Souza Marques
8
LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade
constitucional, p. 12.
9
LOPES Jr., Aury. Obra citada, p. 16.
398 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
10
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9061>
11
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro. p. 67.
12
LOPES Jr., Aury. Obra citada, p. 32.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 399
Igor Souza Marques
de que deseja garantir a ordem quebrada (que ordem?); 2º) essas medidas
emergências, que comovem o congresso fazendo com que os representan-
tes do povo apareçam em seus postos de trabalho para debater propostas
de leis são sempre voltadas para defender os interesses de uma classe – a
classe dominante.
Antes de tratar dos pontos de inconstitucionalidade do RDD espe-
cificamente, faz-se mister tratar das limitações dos princípios e garantias
constitucionais.
Celso Antônio Bandeira de Mello13 conceitua princípio como sendo
o mandamento nuclear de um sistema. Dele, consequentemente, emana todo o
ordenamento jurídico. Esse conceito afasta (ou faz com que o pensador
crítico do direito re-pense) o entendimento da Lei de Introdução ao Código
Civil (Decreto-Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942), que preconiza em
seu art. 4º que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Em verda-
de, sendo mandamento nuclear, não há hierarquia entre a lei e o princípio,
sendo que a lei é que deverá se adequar ao princípio, e não vice-versa.
Com relação às liberdades ou garantias constitucionais, percebe-
mos que nenhuma das liberdades constitucionais é absoluta. As liberda-
des constitucionais são, por conseguinte, limitadas ou limitáveis. Essa
limitação observa um princípio bastante difundido nos ordenamentos ju-
rídicos dos Estados europeus, que foi desenvolvido pela doutrina alemã,
chamado princípio da proporcionalidade. Esse princípio se aproxima muito
de um princípio pensado pela doutrina norte-americana, chamado princí-
pio da razoabilidade, uma vez que ambos têm por escopo “oferecer critérios
à limitação da atuação do Poder Público, suporte jurídico à salvaguarda
dos direitos fundamentais dos cidadãos” 14 . O princípio da
proporcionalidade compreende três sub-princípios, quais sejam: adequa-
ção, necessidade e ponderação ou proporcionalidade stricto sensu. Pelo
sub-princípio da adequação entende-se que devem ser adotadas medidas
apropriadas ao alcance da finalidade prevista no mandamento que pre-
tende cumprir. O sub-princípio da necessidade exige que o Poder Judici-
ário apure se a medida ou a decisão tomada, dentre as aptas à consecução
do fim pretendido, é a que produz menor prejuízo aos cidadãos envolvi-
dos ou à coletividade. Por último, pelo sub-princípio da ponderação ou da
proporcionalidade em sentido estrito se pretende alcançar parâmetros para
13
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. p. 204.
14
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3682>
400 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
15
José Sérgio da Silva Cristóvam ensina que “Se uma determinada situação é proibida
por um princípio, mas permitida por outro, não há que se falar em nulidade de um
princípio pela limitação do outro. No caso concreto, em uma relação de “precedên-
cia condicionada”, determinado princípio terá maior relevância que o outro, pre-
ponderando-o. Não se pode aceitar que um princípio reconhecido pelo ordenamento
constitucional possa ser declarado inválido, porque não aplicável a uma situação
específica. Ele apenas recua frente ao maior peso, naquele caso, de outro princípio
também reconhecido pela Constituição. A solução do conflito entre regras, em sín-
tese, dá-se no plano da validade, enquanto a colisão dos princípios constitucionais
no âmbito do valor”.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 401
Igor Souza Marques
16
Diz José Sérgio da Silva Crittóvam que “A existência de princípios absolutos,
capazes de preceder sobre os demais em quaisquer condições de colisão, não se
mostra consoante com o próprio preceito de princípios jurídicos. Não se pode negar,
por outro lado, a existência de mandamentos de otimização relativamente fortes,
capazes de preceder aos outros em praticamente todas as situações de colisão.
Pode-se citar v.g. os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da
cidadania, da proteção da ordem democrática, etc”.
402 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
soa humana) dentre os preceitos encontrados no glorioso art. 5º, não care-
ce de delongas acerca de sua fundamentação, sendo a mesma da usada a
respeito do princípio maior.
A Lei Maior continua, no mais belo entre os seus dispositivos, ve-
dando as penas cruéis (art. 5º, XLVII) e assegurando aos presos o respeito
à integridade física e moral (art. 5º, XLIX).
Como dissemos acima, tanto o tempo determinado para cumpri-
mento da sanção quanto à rigorosidade podem caracterizar uma pena
cruel. Além disso, esses fatores também ocasionam lesão à integridade
moral do preso.
Em trabalho que trata do direito da personalidade das pessoas,
GOMES (2005) diz que este é absoluto, extra-patrimonial, intransmissível,
imprescritível, indisponível, vitalício e necessário, e que pode ser dividido
em: direitos à integridade física e direitos à integridade moral. Ao porme-
norizar os “direitos à integridade moral”, o autor diz que:
17
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2069>
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 403
Igor Souza Marques
18
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9061>
404 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
CONSIDERAÇÕES FINAIS
19
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 126.
20
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. p. 32.
CORPO DISCENTE • GRADUANDOS 405
Igor Souza Marques
21
“Regime Disciplinar Diferenciado como Produto de um Direito Penal de Inimigo”,
in Revista de Estudos Criminais nº. 14, Porto Alegre: NOTADEZ/PUC/!TEC, agos-
to/2004, p. 145.
406 Revista Jurídica dos Formandos
em Direito da UCSal - 2007.2
REFERÊNCIAS
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2004;
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo. Editora Atlas,
2001;
1. INTRODUÇÃO
2. DESENVOLVIMENTO
extraordinário que não seja relevante, que não tenha repercussão geral.
Conforme já foi dito, a súmula vinculante foi inserida no nosso
ordenamento baseando-se no sistema jurídico americano; o que não faz o
menor sentido, uma vez que aqui adotamos o Civil Law e lá é adotado o
Common Law System. Sendo os dois sistemas totalmente diferentes, não
poderíamos jamais nos fiar no americano para criar novos institutos jurí-
dicos próprios.
Há uma crise atual entre a decisão judicial justa e a rápida. As duas
deveriam, idealmente, coexistirem, mas para o sistema brasileiro parecem
ser lados opostos de uma mesma moeda. Cabe citar aqui Frankfurt, que
dizia que o julgamento sábio tem seu próprio momento para acontecer. Por isso
o tribunal pode se recusar a julgar um recurso naquele momento.
A súmula vinculante provoca o já citado engessamento jurídico,
pois tolhe a apreciação valorativa livre do magistrado, garantida em Cons-
tituição Federal. Ao castrar os juízes, tendendo a abolir essa garantia indi-
vidual dos magistrados, a súmula vinculante trazida pela emenda consti-
tucional nº 45 ofende diretamente os artigos 60, §4º da constituição e 5º,
XXXVII. Ofende também as cláusulas pétreas ao atribuir função legislativa
ao poder judiciário, já que a súmula vinculante é, conceitualmente, a trans-
formação da jurisprudência em lei.
3. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRAU, Eros Roberto: Direito, Conceitos e normas jurídicas. São Paulo: RT,
1987.