Ossos pneumticos Ele era um dos sujeitos mais impulsivos que j conheci, mas de uma sinceridade devastadora.

Encontro-o 20 anos depois num bar de noite e ele vermelho de beber desde o meio-dia. Cumprimentos iniciais, aquela coisa de como vai a vida, comentrios sobre o clima e o cara desanda a me abraar e dizer que eu era uma pessoa muito boa, que ele estava muito feliz em me rever, que havia virado advogado e, como tal, no podia ser bom. Ia alm, era pr-requisito mesmo da profisso que no fosse bom, correndo o risco de ter sua carteira cassada pela OAB caso incorresse em alguma bondade por distrao. Sentamos numa mesa e ficamos l bebericando e falando dos velhos tempos e dos colegas de escola que morreram e dos que ainda vivem, at que ele me vem com a histria do casamento de fulano. Sua expresso mudou para uma de fria, de ira. Comeou a falar que o sujeito havia casado para separar 8 meses depois. Oito meses!, repetia ele, com aquela nfase peculiar que os advogados adquirem por cacoete de profisso. Pra que isso?, prosseguia, pra que casar? Para que ir l na frente dizer que a amaria eternamente e separar oito meses depois? Eu quero meu presente de volta! Perdi uma tarde e 127 reais escolhendo uma porcaria de uma bugiganga para que? Oito meses! Eu j ria a quase cair da cadeira com o discurso dele quando, do nada, surgiu uma criana e grudou nele dizendo: papai, papai! Ele olhou por uns eternos 10 segundos at que reconheceu o garoto de 3 anos ali grudado e disse: meu filho, como voc veio aqui? Logo surgiu a mulher que fora at o bar com a criana em busca dele. Ele pegou a criana no colo, brincaram um pouco, mostrou a todos do bar, tiraram fotos e depois devolveu me, prometendo que em mais algumas horas estaria em casa. A criana chorava grudada no pai, no queria se separar e teve que ser arrancada. Ele ficou um pouco aturdido e disse que estava acostumado, que era o preo que tinha que pagar. A sua expresso tornou-se mais grave e aproximou-se para confidenciar. Havia ficado um ano separado da esposa e, nesse perodo, o mais difcil sempre fora o momento de entregar o filho quando o fim de semana com ele acabava. A criana sempre grudava e chorava e pedia para o papai ficar e dormir com ele. Mas ele sabia que tinha que engolir o choro, explicar ao filho que no podia e ir embora antes que desabasse. No caminho de volta parava o carro para chorar aquela dor to intransfervel e inexplicvel. Essa dor s minha, concluiu, no tenho o direito de passar a ningum!