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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríarrt)
APRESENTTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
]■ visto que somos bombardeados por
Vv.-Í
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
ÜL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
. dissipem e a vivencia católica se fortaleca
"" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XXXVII JUNHO 1996 409
O Misterio da Iniqüidade

Presen9a Católica no Brasil

Os "Mamonas Assassinas" e a Vidente

Os Sonhos: Significado

Os Bispos da Franca e a AIDS

A Discutida Eficacia do Preservativo

"Existe Saida? Para Urna Pastoral dos Divorciados"

"Buscar Sentido no Sofrimento" por Peter Kreeft


PERGUNTE E RESPONDEREMOS JUNHO1996
Publicacáo Mensal N°409

Diretor Responsável SUMARIO


Estéváo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
O Misterio da IniqUidade 241
publicada neste periódico
Estatistica Significativa:
Presenta Católica no Brasil 242
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB Sensacáo e Perplexldade:
Os "Mamonas Assassinas" e a
Vidente 246
Administrado e distribuicSo:
Edicoes "Lumen Christi" Mensageiros Noturnos:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5" andar - sala 501 Os Sonhos: Significado 251
Tel.: (021) 291-7122 Grande Surpresa:
Fax (021) 263-5679 Os Bispos da Franca e a AIDS 256

Tópicos da Imprensa:
Enderezo para correspondencia: A Discutida Eficacia do Preservativo 267
Ed. "Lumen Christi"
Fidelidade em Xeque:
Caixa Postal 2666
"Existe Salda? Para Urna Pastoral dos
Cep 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Divorciados" 275
ImpressSo e Encademafío
Serio e Atual:
"Buscar Sentido no Sofrimento" por
Peter Kreeft 285

COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA


"MARQUES SAfíAIVA "
GRÁFICOS E EDITORES Ltda. NO PRÓXIMO NÚMERO:
Te's.: 1021 > 273-9498 /273-9447

"Os Anos Obscuros de Jesús". - "Jesús viveu na india"? - "O Catecismo da Igreja
Católica e nossa Catequese". - "A Biblia, Matyah". -O Culto a Satanás. -Asduas
Meninas que impressionam o Mundo. - Impotencia como Impedimento Matrimonial.

(PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA: R$ 25,00).


(NÚMERO AVULSO .- R$ 2,50).

-O pagamento poderá ser á sua escolha:-

1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro, cruzado, ano
tando no verso: "VÁLIDO SOMENTE PARA DEPÓSITO NA CONTA DO FAVORECIDO' e.
onde consta "Cód. da Ag. e o N° da C\C, anotar: 0229 -02011469-5.

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Rio de Janeiro, enviando, a seguir, xerox da guia de depósito para nosso controle.

3. PELO CORREO. VALE POSTAL, NOMINAL AS EDICÓES "LUMEN CHRISTI", CAIXA POSTAL
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comprovante do Correio..
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efetuarmos o lancamento na ficha do assinante.
¿LO (flfc \H(o

O MISTERIO DA INIQÜIDADE
Em nossos dias, ao lado de exótico pulular de comentes religiosas, regis-
tra-se forte ateísmo prático, que se exprime na degradacao de costumes da
nossa sociedade, a ponto de se enumerarem novos pecados capitais: corrupcüo,
cinismo, irresponsabilidade... (Folha de Sao Paulo, 3o cad., 7/4/96).

Essedeclínio moral faz pensar em palavrasde Max Planck (t 1947), físico


alemao, Premio Nobel 1918:

"Existe um ponto na imensidade da natureza que... é e permanecerá ina-


cesslvel a toda ciencia e, por isto, a todo estudo de causas; esse ponto é o
nosso eu... Um pequenlssimo ponto do universo, que constituí todo um univer
so, o universo que encerra em si, junto da mais profunda dor, a mais excelsa
felicidade; o universo que abraca o complexo de nossos pensamentos, de nos-
sos sentimentos e de nossos desejos e cuja posse ninguém nos pode arreba
tar".

O dentista refere-se assim ao misterio do homem, que ele julga impene-


trável. Em linguagem de fé pode-se desenvolver o pensamento de Planck, afir
mando que o homem traz em si o sinete do Criador ou a marca do Transcendental.
Cercado de bens transitónos, ele é inquieto á procura de Alguém que Ihe satis
faga plenamente; e este é Deus. Com outras palavras; o homem é como a
agulha magnética: foi feria para o Norte, que é invisível, mas que a atrai intensa
mente; ela nao descansa enquanto nao se volta para o Norte (que no caso do
homeméoSenhor).

Blaise Pascal (f 1662) exprime o mesmo misterio, dizendo que o homem


é um canico frágil e quebradizo, mas um canico pensante - o que Ihe confere
enorme dignidade e a capacidade de dominar montanhas e nos e até mesmo os
espacos cósmicos; esse canico é capaz de conceber a Verdade Absoluta e o
Bem sem limites, de modo que ele os procura incessantemente.

Sao estes alguns eloqüentes testemunhos... Dao a entender que o senso


de Deus é algo congénito no ser humano; somente urna deformacao pode expli
car a distorgáo da escala de valores ou a corrida ao dinheiro, á volúpia e ao
poder, que sao falsos deuses, aptos s. desfigurar os seus clientes. Cari Gustav
Jung (f 1961), em sua sabedoría de psicanalista, pode observan

"Entre todos os meus pacientes que estavam na segunda metade da vida,


isto é, tendo mais de tinta e cinco anos de idade, nSo houve um só cujo proble
ma mais profundo nSo fosse constituido pela questSo de sua atitude religiosa.
Todos, em última instancia, estavam doentes porque tinham perdido aquilo que
urna religiSo viva sempre deu em todos os tempos aos seus adeptos; e nenhum
se curourealmente sem recorreré atitude religiosa que Ihe fosse própría".
Donde se vé que a perda de Deus é a perda do homem. -Tais reflexóes
interpelam os cristáos. Porque há tanto ateísmo degradante? Será que o sal da
térra está perdendo o seu sabor? Será que a lámpada do candelabro deixou
empalidecer o seu brilho? - Possa o mes de junho, dedicado ao Amor do Córa-
cao de Jesús, serocasiao de oportuna meditacáo! Sem o saber talvez, o mundo
muíto espera dos discípulos de Cristo.

241
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXVII - N° 409 - Junho de 1996

Estatística significativa:

PRESENTA CATÓLICA NO BRASIL

Em síntese: As denominagóes protestantes se gloriam de


avangarem número de adeptos, meios de comunicagSo social e outras
obras no Brasil. A Igreja Católica realiza grandes e melhores obras
aínda, mas, por principio e afimde evitar polémica, evita fazer alarido
em torno disso. Todavía, excluida a polémica, faz-se necessárío que
o público conhega a vitalidade do Catolicismo em nossa patria. As
tarefas apostólicas, as obras sociais e a riqueza cultural da Igreja
Católica constituem valores que honram a patria brasileira e que o Sr.
Bispo Coadjutor de Jundiaí, D. Amaury Castanho, dá a conhecer ñas
páginas subseqüentes.

O Sr. Bispo Coadjutor de Jundiaí (SP), D. Amaury Castanho,


enviou a PR o artigo que se segué, apresentando aos leitores um
breve panorama da Igreja no Brasil. É necessárío que se faga isto,
frente ao alarde com que a Igreja Universal do Reino de Deus e outras
denominares nao católicas proclamam os seus avancos. A Igreja
Católica costuma guardar silencio diante de tais noticias, a fim de
evitar polémicas. Todavía, excluida a polémica, é oportuno que o
público conhega a vitalidade do Catolicismo no Brasil, como é esbogada
ñas páginas subseqüentes.

A Redacáo de PR agradece cordialmente a D. Amaury Castanho


a valiosa colaboracáo.

UM PANORAMA DIGNO DE NOTA

Os fatos recentes, envolvendo a Igreja Universal do Reino, seu


fundador e principáis líderes, nao foram agradáveis. Á parte os feitos

242
PRESENTA CATÓLICA NO BRASIL

ilícitos que estáo sendo objeto de varios inquéritos e processos, ficou


evidente que, em dezoito anos, a IURD tornou-se poderosa. Dizem,
baseados em que fonte?, contar com cerca de tres milhóes de fiéis!
Tém urna TV, a Record, e quatorze repetidoras. Díspóem de trinta
radios, de um diario e de um semanario de boa circulacáo.

Sem dúvida, em poucos anos, a Igreja Universal do Reino deixou


para tras as Igrejas protestantes históricas, do século XVI. E é a que
se encontra em maior expansáo, mesmo entre as pentecostais. Os
seus imóveis chegariam a 400 milhóes de dólares! A sua organizacáo
é empresarial e eficiente, com um marketing invejável. Conseguiu
eleger seis deputados federáis e varios estaduais. Parece estar
ambicionando liderar as centenas e centenas de outras Igrejas
protestantes, na articulacáo do pastor Nilson Fanini, atual Presidente
da Alianca Batista Mundial, como candidato dos evangélicos na
próxima eleicáo para a Presidencia da República...

Esses dados causam urna certa impressáo a muitos. E a eles


devem sersomados outros. A IURD já teria chegado a uns vinte países.
Todos os protestantes brasileiros somariam uns trinta milhóes de fiéis
entre os cerca de 150 milhóes de nossa populagáo. Arriscam os
evangélicos adiantar que, crescendo como estáo, lá pelo ano 2010
seriam 50% da populagáo brasileira. O Brasil seria, entáo, a ex-maior
nacáo católica da térra. Com templos em todos os recantos e cidades
do Brasil, os evangélicos contam hoje com cinco Universidades e
algumas centenas de escolas secundarias tidas como de bom nivel.
Dispóem, também, de um razoável número de obras assistenciais. Nao
é urna situacáo despreocupante para a nossa Igreja, até porque os
"crentes" pagam o dízimo, fazem proselitismo e atém-se a certas
normas de comportamento externo que impressionam.

A Igreja Católica, nos, os seus Pastores e os católicos mais


conscientes, estamos conscientes dos problemas decorrentes da atual
difusáo das seitas no Brasil e um pouco por toda a América.
Preocupados, nao, porém, apavorados. Até porque, quantidade por
quantidade, o que certamente nao é o mais importante, a nossa Igreja
em organizacáo, unidade, conceito e presenca no Brasil de hoje está
bem melhor que todos os "irmáos separados" em seu conjunto. Os
que se interessam por números, anotem o que se segué:

-130 milhóes de brasileiros continuam professando-se católicos;


foram batizados em nossa Igreja e, pelo menos afetivamente, sentem-
se ligados á fé e á Igreja dos seus antepassados. Somente no ano de
1993 - nao tenho as estatísticas de 1994 e de 1995 - foram batizados
na Igreja Católica, no Brasil, exatamente 2.400.000 pessoas entre
enancas, a absoluta maioria, jovens e adultos, que se prepararam em
Cursos montados para eles. Somos aínda a maiorcomunídade católica
do mundo: cerca de 12% do bilháo de fiéis católicos no mundo;

243
PfcKoUN 11 c iM^oi-um_jH»dLii/^e>M j«nQ/1QQR

além das respectivas Matriz'es. si^mSnwXtS Í


de católicos praticantes. Em 1995 Aparecida recebeu maisX f
de peregrinos de todos os pontos do Brasil E há ciKf.? 2
importantes Santuarios que atraem muKMBuTde' SÜSS,
r.rrilaS!? í?Je ° seJund0 episcopado do mundo: 375 entre
Carteáis, Arcebispos e Bispos. Os nossos padres sao hoje mais di
15 mil. Os Religiosos e Religiosas, de um sem número de Orténs e
Congregares religiosas masculinas e femininas. chegam a 38 mil
Ded.cam-se eles a milhares de obras caritativoJssistenS
pastarais, promocionais e tém 13.217 casas pelo Brasil; lBIIC'ais'

b atiüní «ir?.K-9oe PaStoral * jovens e adullos - conscientes


rom^h-sa° milh0"- Somente os(as) catequistas de Primeira
Comunhao e Crisma ultrapassam 500 mil;

- as obras de natureza caritativo-assistencial da Igreja Católica


no Brasil sao incontáveis: sao creches e orfanatos, ambulatorios e
hospitais, leprosarios, clubes de máes, escolas, abrigos para idosos
casas para a.deticos, instituicóes para meninos e meninas de rúa"
para prostitutas e migrantes...; 50% do que existe no Brasil pertence
a Igreja ou e por ela administrado;

- temos 17 Universidades Católicas, com mais de 300 mil


universitarios e mais de 2000 Escolas, do Pré ao Colegial Todos
reconhecem a qualidade de seu nivel e projeto pedagógico Onde
existem, estáo entre as melhores e mais procuradas;

pe rnm^n da JY Rede Vida<J"á cobrindo. v'a parabólica, todo o Brasil


com 30 repetidoras em questáo de seis meses de fuñcionamento
contamos com 170 radios - as Radios Aparecida e Cancáo S?va de
Se"Ca ?aCI°na! ~ e 17 Centros de Produpáo Audiovisual
lmes, vídeos, discos, fitas e programas para televisáo;
" C¡n o° editoras católicas estáo entre as dez maiores do Brasil- a
S™H"aUl'nne PaHlu-s- a L°y°la e a FTD. Se nao temos hoje
nenhum d.ano católico -ja tivemos sete! -, contamos com pelos menos
15 bem difundidos semanarios e uma centena de boas revistas para
SSÜÍ-c8-9^8'
™1
id5des e 9OStOS- A tira9em desses semanarios e
*n r, e -4 m! hoes P°r més- Sem incluir os folhetos litúrgicos
como "O Domingo", com mais de 1 milháo por semana;

- a CNBB. Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil é tida como


organizado modelar entre as mais de 100 Conferencias Episcopais
do mundo. Alem de sua Presidencia, seu Conselho Permanente e sua
244
PRESENQA CATÓLICA NO BRASIL

Comissáo Episcopal de Pastoral, conta com 16 Regionais, reunindo


todo o episcopado. Seus órgáos subsidiarios (Comissáo Nacional do
Clero e Comissáo Nacional de Pastoral), seus órgáos anexos (Caritas
CCM, CENFI, SCAI, CERIS, CIMI, COMINA, IBRADES, INP, MEB e OSIB)'
organizares relacionadas (CPO, CPT, Comissáo Justica e Paz
PPOOMM) e conexas (ABESC, AEC, CRB, CNIS, CNLe CND), com as
nove Pastarais com organizacáo e vitalidade impressionante;

- as Associacóes Religiosas tradicionais e os modernos


Movimentos Apostólicos de Leigos integram pelo menos 15 milhóes
de católicos. Destacam-se o Cursilho de Cristandade, os Focolares,
as Equipes de Nossa Senhora, as Comunidades Neo-Catecumenais,
os Grupos e Movimentos de Jovens, a Renovacáo Carismática
Católica, o Encontró de Casáis com Cristo...

- todos os domingos, pelo menos 30 milhóes de católicos -


chancas, enfermos e idosos estáo dispensados - participam das
Celebrares da Palavra ou das Celebrares Eucarísticas, em 135 mil
comunidades de fé, culto e amor;

- os nossos seminaristas cursando Filosofía e Teología em 1993


eram exatamente 6.565, os novicos 2.017, sem contar os (as) 3.833
postulantes. De nossa pobreza pudemos oferecer mais de mil
missionários, especialmente á África.
Nao sao dados desprezíveis. Estamos enfrentando os problemas
da secularizacáo e do relativismo, do indiferentismo e do permissivismo
moral, da desagregacáo da juventude e da familia, do crescimento
das seitas e outros. Mas temos motivos de esperanca no futuro!

* * *

IRMAS BENEDITINAS DA DIVINA PROVIDENCIA


60 ANOS DE BRASIL

A Congregagáo das Beneditinas da Divina Providencia foi fundada


na cidade de Voghera (Italia) pelas Irmñs Giustina e María Schiapparoli
em 1847, época em que a Italia era sacudida porum turbilhao político
e ideológico que levaría á perseguigSo religiosa. Conseguiram impor-
se aos tempos, de modo que em 1936, quando a Europa vivía um
clima de pré-guerra, sete Irmas Missionárias da Congregagáo vieram
para o Brasil a fim de trabalhar em Nova Veneza (SC), que era entao
um pequeño povoado. Hoje estSo distribuidas por duas Provincias
em onze Estados do Brasil, dedicándose á infancia desassistida, sob
o lema ACOLHER, ASSISTIR, EDUCAR.

As Irmas dio gragas a Deus por quantos beneficios receberam


do Senhor nesses 60 anos e fazem votos para que muitas jovens se
entusiasmem pelo ideal da CongregagSo neste Brasil, táo neo em
potenciáis ainda nao plenamente desabrochados.

245
SensacSo e Perplexidade:

OS "MAMONAS ASSASSINAS" E A VIDENTE

Em síntese: A precognígño ou premonigáo é um fenómeno


natural, que ocorre em pessoas especialmente dotadas, sem que naja
¡ntervengáo do além (nem de anjo, nem de demonio, nem de "espirito
desencamado"). Distingüese da profecía, carísma do Senhor, que
pode prever acontecimentos a séculos de distancia, ao passo que a
precognigSo é limitada; tem seu "prazo existencial", que, como dizem
alguns parapsicólogos, recobre a duragao de cinco geragóes e nao
mais.

As pessoas dotadas da faculdade premonitoria ou os paragnomos


devem manter-se calmos, procurando nño dar excessiva importancia
ao fenómeno para nao sofrerem tensoes nervosas altamente
prejudiciais.

Entre os videntes, pode haver certa margem de erro. A premonigáo


nem sempre ocorre na hora desejada ou no momento em que um
consulente interroga o paragnomo; daí o risco de que o consulente
receba urna resposta falsa, forjada artificialmente ou ambigua (capaz
de ser interpretada em dois sentidos, de modo a garantir sempre o
acertó do paragnomo).

O caso da vidente que terá predito o desastre do grupo "Mamonas


Assassinas", há de ser entendido como um fenómeno de precognigao,
faculdade natural, explicável pela índole da vidente, sem recurso ao
além.

Na noite de 2 para 3/03/96 deu-se o doloroso acidente de aviáo,


em que faleceram os famosos cantores ditos "Mamonas Assassinas".
A tragedia impressionou o Brasil inteiro. Um pormenor sobreveio para
aumentar a perplexidade de muitas pessoas: urna vidente chamada
"Mié Diñan" veio a público para dizer que já havia previsto o desastre;
em 25/12/95 terá sido noticiada pela imprensa a predicáo de infortunio
dos Mamonas Assassinas; a vidente via urna sombra que os
acompanhava persistentemente. Em conseqüéncia surgiu a pergunta:
como pode tal senhora prever o acidente? Terá sido inspirada por um
anjo?... por um demonio?... por um "espirito desencarnado"?... pelo
próprio Deus? - A vidente nao explica a maneira como recebe as
noticias que ela transmite. Estes fatos suscitam urna reflexáo. Notemos,
alias, que a revista VEJA, de 20/3/96, pp. 52s, fez serias restricóes á
"Máe Diñan".

246
OS "MAMONAS ASSASSINAS" E A VIDENTE

1. PREMONIQÁO OU PRECOGNIQÁO

A parapsicología, entendida como ciencia que fala na base de


investigares e experiencias, ensina que no ser humano pode haver
a faculdade de conhecer antecipadamente os acontecimentos; é a
chamada precogn¡9áo ou premonicáo. Alias, afirmam os parapsicólogos
que o ser humano pode captar um fato ocorrido duas geracóes antes e
também um fato a ocorrer duas geracóes depois dessa pessoa. "Assim,
por exemplo, alguém dotado de facufdades paranormais pode captar no
inconsciente de sua avó algo que sucedeu com essa anciá desde que
nasceu; essa mesma pessoa pode captar no inconsciente dos netos o
que Ihes sucederá até morrerem" (Pe. Edvino Friderichs, Panorama da
Parapsicología ao Alcance de Todos". Ed. Loyola, p. 63). Para que
tais coisas acontecam, basta que a vida da pessoa paranormal seja
simultánea com a vida de sua avó e a de seus netos. Portanto dentro do
prazo de cinco geracóes podem-se dar os fenómenos de retro-cognicáo
e de premonicáo, ou seja, dentro do espaco de duzentos anos; é o que
se chama "o prazo existencial".

O fenómeno da precognicáo difere da profecía propiamente dita.


Esta é um carisma ou um dom de Deus. que nao conhece limite existencial
ou pode prever acontecimentos de vanos sáculos posteriores; é o que
se dá, por exemplo, com o SI 22, com os quatro cánticos do Servidor de
Javé (Is 42,1-9; 49,1-7; 50,4-10; 52,13-53,12); o quarto destes cánticos
descreve o Servidor do Senhor que sofre e vence o sofrimento com
clareza que lembra o Cristo Jesús.

A pessoa que goza da precognicáo, é chamada metagnomo. Ela é


capaz de ver, ouvir, sentir, conhecer e, por conseguinte, predizer
acontecimentos futuros sem que nisto haia intervencáo do além ou do
astral. Trata-se de urna faculdade rara cujo funcionamento costuma ser
espontáneo, imprevisível, havendo, porém, pessoas qe respondem com
éxito a urna sohcitacáo ou a urna demanda de consulente.

Quem é assim dotado, sente-se, nao raro, perturbado e ansioso; a


previsáo de acontecimento futuros, principalmente quando trágicos, aflige
o individuo percipiente e suscita tensáo nervosa. A tais pessoas deve-
se dizer que aceitem a sua constituicáo psíquica com tranqüilidade, nao
fiquem tensas na expectativa da próxima intuicáo; se Ihes ocorre um
caso de auténtica premonicáo, nao fiquem a pensar no fenómeno, pois
isto pode provocar a imaginacáo e a fantasía, que inventaráo
acontecimentos trágicos como se fossem genuínas premonicóes.
Mantenham-se, pois, superiores a qualquertrepidacáo, levando sua vida
normal.

O Pe. Edvino Friderichs, obra citada, pp. 70s, narra o seguinte


episodio:

"A Sra. E.M.C.N., de 31 anos, cabeleireira, dona de um Instituto de


Beleza, veto consultar-me, dizendo logo de entrada: 'Padre, vou ficar
loucai Vou ter que me internar na semana que vem'.

247
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

- 'Calma! Que é que há com vocé? Conté tranquilamente'.

- Veja se isto nao é para perder a cabega, pois tudo o que eu


sonho, geralmente no espago de quinze dias para a frente, se realiza
tim-tim por tim-tim! Sonhei que minha avó ia morrer no dia 23 de abril e
exatamente assim aconteceu. Sonho quantas pessoas vém ao meu
Instituto amanhS ou dentro de cinco dias... ou em outra data; sonho com
determinada cliente, que mora longe e que raras vezes aparece, e eis
que no dia seguinte ou dentro de tres dias aparece; assim sucede
exatamente muitas vezes... Sonho um mundo de coisas tristes e também
urna porgSo de coisas indiferentes e o impressionante é que depois
acontece assim tal qual. Já nSo sei o que fazer, estou desesperada;
como disse, vou enlouquecer...'

Conseguí orientá-la, e, antes de mais nada, tranqüilizá-la de sorte


que se retirou feliz da vida. Nunca foi necessário internarse.

O importante em casos dessa natureza é que a pessoa aceite


esportivamente o fato e nao cultive essa faculdade parapsicología, sob
pena de fícar com o sistema nervoso comprometido, como ensinam as
maiores autoridades tanto em Psiquiatría como em Parapsicología... É
claro que sempre devemos dar um descontó a tudo que nos relatam
pessoas sem espirito científico; sem se darem conta, tendem a exagerar
suas informacdes".

Os autores relatam famosos casos de pre-cognicáo, alguns dos


quais, vale a pena conhecer.

2. FAMOSOS CASOS

1) Conta-se o seguinte episodio, relatado pelo Pe. Edvino Friderichs


na obra citada, p. 68:

Dom Gaspar de Affonseca e Silva, Arcebispo de Sao Paulo, estava


para viajar de aviáo ao Rio de Janeiro em 1942. Na véspera da partida,
urna senhora Ihe telefonou e Ihe pediu que nao viajasse no dia seguinte,
porque seu aviáo ia sofrer um desastre. O Arcebispo despediu-a
caridosamente, explicando que nao podia andar atrás dessas intuicóes...
Pensava, evidentemente, tratar-se de urna visionaria qualquer.

A senhora ficou táo angustiada que se sentiu obrigada, em


consciéncia, a ir falar pessoalmente com Dom Gaspar no sentido de o
demover de viajar. Mas obteve a mesma resposta cariciosa.

No dia seguinte viajou, acompanhado de seu Secretario e de Mons.


Pequeño, Visitador dos Seminarios. Ao aterrissar no Rio, o aviáo, por
falta de boa visibilidade, bateu com urna das asas na Escola Naval, e os

248
OS "MAMONAS ASSASSINAS" E A VIDENTE

tres, juntamente com muitos outros passageiros, pereceram. Tal senhora


era, pois, uma legítima metagnoma, isto é, pessoa dotada de faculdades
paranormais.

2) O Dr. Tenhaeff narra um caso de precognicáo ocorrido com o


grande metagnomo Gérard Croiset:

"Era o dia 17 deJaneiro de 1952. Numa sala de Rotterdam (Holanda)


deveria realizarse uma reuniao no dia 20, tres dias depois. Havia trínta
lugares. Por acaso escolheuse o número 18 e perguntouse ao Sr.
Croiset quem havería de sentarse naqueia cadeira. Após alguns instantes
o Sr. Croiset me disse - escreve o Dr. Tenhaeff - que nao recebia
nenhuma impressáo e pediu se indicasse outra cadeira. Fot o que fiz.
Revetou-me entSo Croiset que nesse tugarse sentaría uma senhora com
cicatrízes no rosto, conseqüéncia de um acídente automobilístico durante
uma temporada na Italia. Com relagáo á senhora, lembrou a 'sonata ao
luaf (sonata al chiaro di luna).

A/o dia 20 de Janeiro, ás 20 e 45 horas, verificou-se que dos 28


convidados á reuniao só vieram 27 e que precisamente a cadeira número
18, sobre a qual Croiset nao tinha experimentado nenhuma reagSo, ficou
desocupada. No outro lugar designado sentouse a senhora de um
médico com cicatrízes no rosto, em conseqüéncia de um acídente de
automóvel durante as ferias, na Italia. O marido afirmou que, de fato, a
'sonata ao luar'incomodava muito a senhora porque se associava a uma
questSo íntima da sua vida.

Experiencias de laboratorio desse género já foram realizadas neo


somente aos milhares, senáo aos milhóes. Basta lembrar-nos, além de
Tenhaeff e Bender, de Rhine e Soal e tantos outros pesquisadores da
mais alta estirpe. De tudo isso se depreende, ser a precognigáo um fato
real, perfeitamente demonstrado e indiscutível" (noticias extraídas da
obra de E. Friderichs, Panorama... (p. 72).

3. VALE A PENA CONSULTAR ADIVINHOS?

Se a precognicáo é um fenómeno real e se existem metagnomos


com provados pela experiencia, coloca-se a pergunta: nao vale a pena
consultar videntes e adivinhos, que nos ajudem a dispor de nossa vida
de tal modo que os acontecimentos futuros nao nos prejudiquem tanto?

- A resposta é negativa por dois motivos:

1) A precognicáo é um fenómeno raro, que nem sempre ocorre no


momento desejado, de modo que o consulente se arrisca a receber uma
resposta forjada artificialmente pelo vidente, que nao quer fazer má figura.
Há mesmo casos em que o vidente responde de maneira ambigua ou
polivalente a fim de que ele possa dizer que acertou, qualquer que seja

249
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

o desfecho da historia. É o que se conta a respeito de um jovem que


certa vez foi convocado para ir para a frente de batalha. Muito nervoso,
o soldado foi consultar um vidente para saber se voltaria vivo do campo
da luta; caso fosse morrer, teria de tomar providencias ¡mediatas. O
adivinho respondeu-lhe por escrito nos seguintes termos:

IRÁS VOLTARÁS NUNCA PERECERÁS EM GUERRA


Tais palavras foram escritas sem pontuacáo e entoacáo de voz. O
jovem; levado por seu otimismo, entendeu-as no sentido de que voltaria
ileso da guerra e muito se rejubilou; assim as interpretou: "Irás, voltarás,
nunca perecerás em guerra". Aconteceu, porém, que morreu no campo
de batalha. Os familiares foram entio procurar o vidente, acusando-o
de se ter engañado e haver engañado o jovem. O adivinho respondeu
que, ao contrario, o jovem é que se havia engañado, pois o que o vidente
quería dizer, era: "Irás, voltarás nunca, perecerás em guerra". Como
dizem os estudiosos, tal procedimento ambiguo nao é raro; deixa sempre
incólume a fama do adivinho, mesmo quando este é um explorador da
credulidade popular. Apesar de charlatáes, tais videntes encontram
sempre clientela, pois há urna propensio, inata em todo ser humano, a
conhecer o futuro; essa propensáo, as vezes, é um tanto cega ou ilógica;
já os romanos afirmayam: "Vulgus vult decipi. - A massa quer ser
engañada"; a mentira é muitas vezes mais interessante e sorridente do
que a verdade, de modo que ela atrai sem que as pessoas se déem
conta disso.

2) Mesmo nos casos de genuínos metagnomos, há sempre


possibilidade de erro ñas previsóes, erro cometido de boa fé ou
candidamente. Em conseqüéncia, nao convém que as pessoas
consulentes se fixem nos oráculos dos videntes como se fossem infalíveis;
podem viver tragedias sem fundamento, ocupando-se com sentencas
que nao tém realidade concreta, histórica. O cristáo entrega a Deus o
seu futuro a aceita o que a Providencia Divina tem por bem enviar-lhe.
Isto nao quer dizer que nao raciocine e procure livrar-se de incómodos,
mas faca-o segundo os recursos que a inteligencia humana e a fé
apontam, e nao segundo meios extraordinarios, sujeitando-se a tomar
por verídicos oráculos que possam ser falsos.

4. CONCLUSÁO

A precognicáo é um fenómeno reconhecido como auténtico em


numerosos casos. Importa dissociá-la de crencas religiosas ou importa
reconhecer a sua índole natural, parapsicológica, independente de
intervencóes do além (diabólicas ou angélicas). Existe a tendencia de
atribuir-lhe causas religiosas, misteriosas, incorporando a precognicáo
a um determinado sistema religioso; seriam profecías... Quando isto
acontece, pode-se instaurar urna falsa mística em torno da precognicáo,
que perturba as pessoas tanto no plano físico como no plano psíquico.

250
Mensageiros notarnos:

OS SONHOS: SIGNIFI

Em síntese: Os sonhos sao: 1) a expressáo do inconsciente,


que se manifesta livremente enquanto o consciente se desliga; a
psicanálise estuda o significado dos sonhos, nem sempre chegando
a interpretagáo unánime. Os sonhos também sao: 2) o veículo pelo
qual Deus se quis revelar aos Patriarcas e santos personagens da
Biblia; verMt 1,20; 2,13.19... Em terceiro lugar 3) os sonhos sSo cañáis
de premonigio e precognigao, como atestam e comprovam casos
famosos registrados pela historia. A sabedoria manda que as pessoas
se acautelem contra demasiada valorizagao dos sonhos; podem nao
ter a importancia que Ihes querem atribuir.

Os sonhos deixam muitas pessoas inquietas. Parecem portadores


de mensagem que deve ser interpretada e acatada. Reina, porém,
certa confusáo no setor, que pede esclarecimentos. É o que vamos
propor ñas páginas subseqüentes.

Podem-se atribuir aos sonhos tres funcóes ou significados:

1.0 SONHO NA PSICANÁLISE

O sonho, segundo a psicanálise, é a expressáo do inconsciente,


de modo que por ele se pode descobrir o que vai no íntimo da pessoa.
Esta explicacáo é válida, pois, enquanto o consciente se desliga pelo
sonó, o inconsciente continua em atividade, que prorrompe livremente
através das imagens e do enredo do sonho. A dificuldade, porém,
consiste em interpretar auténticamente o simbolismo dessas imagens.
Os analistas nao concordam entre si, de maneira que dáo á mesma
figura diversos significados. Daí certa inseguranca na interpretacáo
dos sonhos.

2. O SONHO NA BÍBLIA

Segundo a Escritura Sagrada, o sonho pode ser um canal de

251
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

comunicacáo de Deus aos homens. Assim, entre outros os sonhos


de José do Egito {Gn 37, 5-11; 40, 5-22; 41,1-36), os sonhos de S
José no Novo Testamento (Mt 1,20; 2,13.19) e outros (cf. Gn 20 3s-
28,12s; 31,11s. 24; Jz 7,13s; 1Sm 28,6; Jó 33,15...).

Os povos pagaos estimavam grandemente os sonhos como


mensageiros da Divindade; pensavam que principalmente os reis eram
agraciados por tais comunicacóes do Alto. Já que as imagens vistas
em sonhos eram nao raro ambiguas, havia intérpretes oficiáis das
mesmas, que usavam de técnica complexa, aparentemente científica.
Para quem nao pudesse consultar os adivinhos. existiam catálogos
de elucidacáo. O papiro Chester Beatty III apresenta alguns criterios
de interpretacáo, tais como estavam em uso no Egito. O documento
data da 19a. dinastía (cerca de 1300 a.C); refere, porém, idéias
contemporáneas á 12a. dinastía (1200-1800). Eis o que se depreende
do mesmo:

Em muitos casos a interpretacáo do sonho se fazia símplesmente


por analogía: um sonho feliz era bom agouro, ao passo que mau sonho
presagiava desgrapa. Pao branco em sonho era bom sinal; anunciava
prazeres. Sonhar com homens de autoridade e poder também
implicava bem-estar para o futuro. Sonhos obscenos valiam como
péssimos prenuncios.

Havia, porém, criterios mais complicados, a fim de que a


interpretacáo dos sonhos nao ficasse ao alcance de qualquer individuo.
Assim os trocadilhos ou jogos de palavras eram muíto explorados: comer
carne de asno, em sonho, significava engrandecimento, elevacio, pois
os conceitos de "asno" e "grande" eram homónimos. Receber urna
harpa implicava desgraca, pois o nome "harpa", boiné, fazia pensar
em bin, mau.

O homem que tivesse tido um sonho inquietador nao devia


desesperar, pois havia meios para deter os infortunios previstos...
Recomendava-se-lhe que invocasse a deusa (sis, a qual saberla como
defender o devoto dos males que Sete, filho de Nout, estava para
desencadear. Também se usava a seguinte receita: umedecer em
cerveja alguns páes com ervas verdes: á mistura acrescentava-se
incensó, e com o conjunto resultante se esfregavam o rosto de quem
havia sonhado. Este proceder afugentaria todos os maus agouros
transmitidos pelos sonhos.

252
OS SONHOS: SIGNIFICADO 13

No século II d.C. Artemidoro de Éfeso, baseado em suas


experiencias, escreveu cinco livros intitulados Oneirokritiká, código
importante para os decifradores de sonhos.

É claro que a crenca no valor profético dos sonhos estava


freqüentemente ligada a supersticáo, preconceitos humanos, e nao
raro levava a graves erros na vida prática (á semelhanca do que aínda
nos tempos atuais acontece).

Voltando a Israel, verificamos que lá havia o perigo de que


concepcóes pagas relativas aos sonhos se mesclassem com as nocóes
monoteístas e religiosamente puras dos israelitas; daí as restricóes á
interpretado dos sonhos nos textos bíblicos. Com efeito; conforme
as Escrituras, nao há intérpretes profissionais dos sonhos, como os
havia entre os babilonios (cf. Dn 2,2; 4,3; 5,15) e os egipcios (cf. Gn
41,8). A explicacáo dos sonhos se deve a um dom esporádico de Deus;
compete a quem, como o Patriarca José e o Profeta Daniel, possui o
"espirito de Deus" (cf. Gn 40,8; Dn 2, 27). Os intérpretes populares
de sonhos sao condenados pela Lei de Moisés junto com os magos,
os adivinhos, os necromantes... (cf. Lv 19, 26; Dt 13, 2-4; 18,1 Os).
Nos tempos da decadencia religiosa (séc. Vil, VI) pululavam os falsos
profetas, que diziam ter recebido em sonho auténticas comunicacóes
do Senhor; ora o Senhor nao cessava de acautelar os seus fiéis contra
tais ilusóes:

"Ougo os que dizem esses profetas, que em meu nome proferem


falsos oráculos afirmando: 'Tive um sonho, tive um sonho!'... Esses
profetas julgam que poderSo fazer esquecer o meu nome ao meu
povo mediante os sonhos que contam uns aos outros?" (Jr 23, 25-
27).

Também os sabios de Israel, propondo aos jovens discípulos


conselhos para a vida, admoestavam-nos contra as imaginares
noturnas:

"O insensato se entrega a esperangas vas e engañosas, e os


sonhos dio asas aos tolos. Semelhante áquele que procura apresentar
urna sombra ou perseguir o vento, é quem se prende aos sonhos...
Do que é impuro, que pode sair de puro? Da mentira, que pode sair
de verídico? A adivinhagSo, os agouros e os sonhos sSo coisas vSs,
semelhantes ás imaginagóes do coragáo de urna mulherque está para
dar á luz" (Eclo 34,1-5).

253
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

3. O SONHO NA PARAPSICOLOGÍA

Os sonhos sao também veículos de precognicáo ou premonicáo.


Esta nao é uma profecía no sentido teológico da palavra, pois profecía
é um dom ou carisma de Deus concedido a pessoas especialmente
escolhidas para determinada missao; ao contrario, a precognicáo é
um fenómeno natural, decorrente das faculdades mesmas da psyché
humana. A historia conhece famosos sonhos premonitorios, dos quais
sejam relatados os seguintes:

a) Numa noite do ano de 1895, o Conde José Vicente despertou


de seu sonó em seu solar da Alameda Baráo de Limeira (Sao Paulo),
e disse á esposa que a Condessa de Moreira Lima, sua parenta!
acabava de morrer no Rio de Janeiro. E, como o enterro estivesse
marcado para Lorena, cidade onde residía a Condessa, o Conde José
Vicente seguiu para lá no primeiro trem da Estrada de Ferro Central
do Brasil. Ao chegar, perguntou simplesmente ao cocheiro do carro
que o Ievava a que hora sairia o enterro. O cocheiro deu a informacáo
exata. Por conseguinte, nao havia dúvida de que a Condessa de
Moreira Lima falecera e a precognicáo fora verídica.

b) J. A. Symonds, escritor inglés, viu em sonhos uma corrida, em


que um cávalo chamado Antón ganhava por quatro corpos.
Assombrado, verificou no dia seguinte que, em verdade, existia um
cávalo com tal nome e que correría nesse dia. Na opiniáo dos
entendidos, o cávalo nenhuma possibilidade tinha de vencer, mas o
Tato é que venceu...

c) Caso bem comprovado é o do Presidente dos Estados Unidos


Abraham Líncoln. Aos 23 de margo de 1865, Lincoln convídou alguns
amigos para um jantar na Casa Branca. Como no dia anterior, o
Presidente dava a impressáo de estar muito serio e calado, como se
andasse profundamente preocupado. Os convidados o notaram, mas,
por delicadeza, nao ousaram indagar da causa. De repente Lincoln,
quebrando o silencio, prorrompeu nestas palavras: "Sonhei coisa
horrível, o que nao deixa sossego; estou sempre a pensar nisso!" E
com voz baixa, por vezes embargada, contou aos amigos: "Há dois
días fui para a cama bem tarde da noite, e meio-morto de cansaco;
adormecí logo. Durante a noite sonhei que ao meu redor reinava um
silencio de túmulo e que se ouviam apenas os solucos de muitas
pessoas a chorar. Impressionado, levantei-me, desci a escadaria que

254
OS SONHOS: SIGNIFICADO 15

dá para a sala de reunióes na Casa Branca. Também lá ouvi solucos


e choros, mas nao conseguí ver ninguém. Apavorado, atravessei
diversas salas até chegar a um recinto, cuja janela dava para Leste.
Soldados montavam guarda de honra ao redor de um sarcófago.
Aproximei-me e verifiquei que estava aberto e rodeado de pessoas
que choravam inconsolavelmente. Perguntei: 'Quem morreu na Casa
Branca?1 Alguém respondeu: 'O Presidente foi assassinado!' Após
estas palavras, acorde i todo banhado em suor'.

Os amigos quiseram consolar o Presidente, mas ele continuou


sempre preocupado. Chegou o dia 14 de abril. Naquela noite Lincoln,
acompanhado de sua esposa, foi ao teatro Ford. O lugar de honra do
Presidente achava-se guardado por um policial secreto. Apagaram-
se as luzes e o espetáculo comecou. De repente um tiro ecoa pela
sala. Gritos de pavor e consternacáo reboam pelo auditorio. Todos
os olhares convergem para o camarote do Presidente, que caiu
mortalmente ferido por urna bala. O assassino, um fanático opositor
político do Presidente, procurou fugir, mas logo foi preso...

No dia seguinte também se cumpriu á risca tudo o que Lincoln


tinha visto em sonho tres semanas antes: no saláo situado a Leste da
Casa Branca jazia o cadáver do Presidente morto, em cámara ardente,
dentro de um sarcófago aberto, rodeado por urna multidáo em prantos.

Eis um sonho precognitivo, extraordinariamente rico em indicacóes


concretas, que, segundo os estudiosos, parece excluir qualquer dúvida
de autenticidade.

Estes dados sao suficientes para se admitir que a precognicáo


se manifesta através de sonhos. Todavia vale a pena lembrar aqui as
admoestacóes dos sabios que pedem cautela na interpretacáo e
valorizacáo dos sonhos em geral; pode ai haver engaños de graves
conseqüéncias. As pessoas que tém sonhos premonitorios, podem
sentir angustia e tensáo nervosa; faz-se oportuno lembrar-lhes o que
está dito as pp. 247s deste fascículo com relacáo á precognicáo em
geral: vivam o mais normalmente possível, sem pensar muito na
possibilidade de um sonho premonitorio.

255
Grande Surpresa:

OS BISPOS DA FRANQA E A AIDS

Em síntese: Um livro publicado pela Comissao Social da


Conferencia dos Bispos da Franga causou estranheza, pois parece
abonar o uso dos preservativos, ao menos no caso de casáis estáveis
que corram o risco de contagio de um dos cónjuges por parte do outro.
O artigo abaixo analisa as linhas principáis do livro. O escrito frisa
bem que o preservativo neo é solugáo para o problema da AIDS, pois
nao toca na causa mais profunda do flagelo, que é a libertinagem
sexual. Assim como nao se combate o desemprego maniendo os
mecanismos que o geram, assim também nao se combate a Aids
maniendo o fato básico que Ihe dá origem na maioria dos casos. Em
quatro apenas das suas 235 páginas, o livro toca no uso do
preservativo como sqlugao necessária e recomendada por alguns
médicos no caso de casáis estáveis, dos quais um dos cónjuges está
contaminado. Ao referir esta posigao, Monsenhor Albert Rouet,
Presidente da Comissao Social do Episcopado Franges, logo
acrescenta que o preservativo vem a ser "urna resposta insuficiente e
perversa", caso oqueiram aplicar a todos os tipos de uniao sexual.

O pronunciamento de tais Bispos franceses provocou aplausos e


réplicas, consignados ñas páginas subseqüentes. Quem replica, faz
eco fiel ao magisterio da Igreja, Mñe e Mestra, que lembra aos seus
fílhos 1) a necessidade do autocontrole, sem o qual nada de grande
se consegue; 2) a precariedade ou insuficiencia do preservativo em
grande número de casos, conforme estatísticas fidedignas. Ademáis
o argumento do "mal menor" neo se aplica ao caso do preservativo,
pois 1) ninguém é obrigado a terrelagoes sexuais contagiantes ou de
risco, e 2) entre 9 uso do preservativo (mal menor) e a contaminagao
do parceiro (nñ( inaior) existe uma terceira opgao, que é a abstinencia
sexual (abstinencia que a muitos parece defasada ou utópica; donde
o impasse da AIDS).

A imprensa deu noticia de uma decisáo de Bispos da Franca

256
OS BISPOS DA FRANgA E A AIDS 17

datada de 12/02/1996 relativa ao uso de preservativos, "decisáo


inédita que contraria a doutrina do Vaticano", conforme noticiou a
imprensa leiga. A mais questionada frase do documento em foco é a
seguinte:

nMuitos médicos dizem que o preservativo é hoje o único meio de


prevengao. A este titulo é necessário e admissível para os casáis
estáveis que correm grave risco de contagio. Mas esta ó uma resposta
insuficiente e perversa, pois enfrenta a questao no plano individual. A
solugáo que na verdade servirá, é a mudanga de estilo de vida e da
visao da sexualidade".

Este texto suscitou calorosa celeuma, que passamos a esclarecer


ñas páginas seguintes.

1. O TEOR DO DOCUMENTO

Antes do mais, convém observar que nao se trata de um


pronunciamento do Episcopado francés como tal, nías, sim, de uma
Comissáo dita "Comissáo Social", presidida por Mons. Albert Rouet,
Bispo de Poitiers. Por conseguinte, nao se pode dizer que os Bispos
da Franca como tais se manifestaram sobre o preservativo. A
mencionada Comissáo pubiicou uma coletánea de artigos num total
de 235 páginas intitulada "AIDS: a Sociedade em Questáo"; o objetivo
da obra é considerar as reacóes da sociedade contemporánea perante
o flagelo da Aids ou averiguar que relacdes existem entre os enfermos,
os familiares e a própria Igreja.

A obra, devida a varios autores, consta de uma Introducáo e sete


capítulos, que abordam os principáis aspectos da liberdade sexual e
da Aids assim como as respostas da sociedade contemporánea; cada
artigo é da responsabilidade exclusiva do respectivo autor. O volume
se abre precisamente com a seguinte observacáo:

"A Aids flagela hoje mais de vinte milhóes de pessoas no mundo


inteiro; as previsóes estimam para o ano 2000 um total tres ou quatro
vezes superior. Como reagirá. a sociedade a esse flagelo?".

Os autores verificam que a prime ira reacáo é a do medo,... medo


que desencadeia "fenómenos de exclusáo aos toxicómanos,
homossexuais, migrantes, marginalizados... Os doentes sao, muitas
vezes, modos psicológicamente antes de morrerem físicamente".

257
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

O livro se refere a atitudes drásticas da sociedade frente aos


aidéticos:

"O fato de que a Aids se transmite pelo esperma e pelo sangue


provocou reagñes de rejeigSo bastante duras ou mesmo de
condenagSo. Alguns viram nisso um juízo de Deus, como se a Aids
fosse urna sangSo pior do que outras doengas".

A medicina se revela até hoje incapaz de curar a Aids. Para evitar


a transmissáo do virus de urna pessoa atingida a urna pessoa sadia,
a Organizacáo Mundial da Saúde recomenda tres vias: a continencia,
a limitacáo do número de parceiros e o preservativo.

É neste ponto que Mons. Albert Rouet comeca a comentar o uso


de preservativos, dizendo o seguinte:

"O preservativo, pretendendo resolver o problema da imunizagao


no plano meramente individual, nao pode responder ao fenómeno em
sua amplidSo. Como poderla a nossa sociedade eliminar o problema
do desemprego conservando os mecanismos que provocam o
desemprego? Assim também como pensar em superar a Aids com
medidas dependentes das pessoas, sem trocaras maneiras de encarar
a vida que favorecem a transmissSo da Aids?".

A seguir, Mons. Rouet verifica que "muitos médicos competentes


afirmam que o preservativo de qualidade confiávei é atualmente o
único meio de imunizacáo. A este título, ele é necessário. Diversas
campanhas publicitarias informaran) a populacáo a respeito. Após um
período de reacáo muito lenta, parece que os jovens o váo mais e
mais utilizando. Os responsáveis pela saúde pública sustentam a
validada do uso de preservativos. A Igreja, por causa da suspeita de
Ihe ser totalmente contraria, se vé acusada de trabalhar em favor da
morte. O problema está mal colocado, pois confunde diversos setores
que nao tém a mesma qualificacáo moral. A título de evitara infeccáo,
entram sorrateiramente reivindicares ou requisitos que ultrapassam
amplamente a questáo da Aids. É normal que a Igreja - a qual distingue
mais matizes do que geralmente se diz - esteja atenta a estas
extrapolares. Pensar, como já dissemos, numa imunizacáo
meramente individual nao responde as dificuldades sociais. Imaginar
que o uso generalizado do preservativo eliminará todos os riscos
significa limitar-se as conseqüéncias sem examinar as causas e as
condicóes da expansáo da Aids. É urna resposta insuficiente".

258
OS BISPOS DA FRANQA E A AIDS 19

Nao só insuficiente..., mas também perversa, diz o autor, pois


promete "amor sem risco", banaliza o ato sexual, dando a crer que é
normal procurar o amor multiplicando as relacóes.

"É preciso reconhecé-io, mesmo que isto desagrade, que se


espalha a idéia de urna banalizagSo do ato sexual, como se a
multiplicagáo e a diversidade das relagóes sexuais fossem
indispensáveis e, por conseguirte, normáis para descobrir o amor.
Insensivelmente as pessoas passam da tentativa de imunizará indugSo
de um comportamento de iniciagáo sexual tido como habitual e mesmo
como normativo. A resposta aqui é perversa... Ela aumenta a confusSo
entre um meio preventivo, o único conhecido, e um projeto educativo.
Dé a crer que a protegáo material do ato sexual basta para se descobrir
a qualidade do amor. Aconselhando o preservativo a adolescentes e
¡ovens, a sociedade os encarcera sob a autoridade dos seus impulsos,
em vez de os ajudar a compreender a sua identidade sexual.

Por conseguinte se, de um lado, se pode compreender o uso do


preservativo nos casos em que urna atividade sexual já integrada na
personalidade precisa de tentar evitar um risco grave, de outro lado é
necessário sustentar que esse meio neo constituí urna educagao para
a sexualidade adulta".

O último capítulo do livro se intitula: "Diante da Aids, lancar de


novo a esperanca". Em dez páginas, manifesta grande sensibilidade
humana e pastoral. Recordando que a Igreja foi enviada a anunciar o
Evangelho partindo dos mais pobres, os Bispos da Comissáo
escrevem:

"Pobre é aquele que a Aids fere. Pobre é a geragSo que considera


o amor ameagado pelos gestos mesmos que o devem exprimir. Pobre
é a sociedade que nada mais tem a propor senSo precaverse contra
os riscos. Pobreza de saúde, de esperanga e de sentido de vida".

Após esta verificacáo, os Bispos recomendam aos leitores que


"reflitam sobre a orientacáo da sua própria vida para nao sucumbir
ao predominio de modas e de comportamentos que prendem a
liberdade com seducóes imediatistas. A liberdade implica libertacáo
interior". Além disto, o documento pede aos fiéis que afastem o medo,
o sentimento difuso de punicáo para ficarem firmemente conscientes
de que, mesmo na doenca, a vida humana conserva a sua dignidade

259
20 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

e a capacidade de responder á sua vocacáo. Ao dissertarem sobre


as condicóes que assegurem a contencáo da propagacáo da Aids, os
Bispos recomendam que "os fiéis reflitam sobre o caráter singular da
sexualidade humana e continuem os esfor9os para promover urna
educacáo afetiva e sexual que leve a descobrir a beleza e a dignidade
de todo relacionamento humano".

Os Bispos concluem recordando que Cristo, ao dar a vida pelos


homens, nos ensinou a amar: "Ou o amor se detém em nossa medida
de pequeños proprietários do nosso coracáo, de parásitas dos nossos
afetos e assim declina lentamente para recordacóes malsás, ou o amor
transporta o homem para além de si mesmo, impelido pelo desejo de
que Deus irá ao seu encontró". Por isto nao se pode responder ao
desafio da Aids permanecendo apenas no plano da Aids. "Esta
epidemia obriga a ultrapassar as causas biológicas até descobrir o
sentido mesmo da vida humana".

2. REFLETINDO...

Como se vé, o documento em pauta é um grosso livro que trata


da Aids e das reacóes da sociedade perante a molestia; pretende
despertar o interesse dos leitores pela ajuda aos irmáos flagelados,
em lugar de os marginalizar e desprezar. Nesse contexto trata dos
meios que possam deter a expansáo da molestia; o preservativo é
recomendado por muitos médicos em casos especiáis ao menos, ou
seja, entre cónjuges estáveis, dos quais um é capaz de transmitir o
virus ao consorte respectivo. O Presidente da Comissáo que responde
pelo livro, Mons. Albert Rouet, parece fazer eco favorável a esse
parecer, mas logo acrescenta que o uso generalizado do preservativo
é insuficiente e perverso: insuficiente, porque nao vai ao ámago do
problema; se a Aids se deve á libertinagem sexual, qualquer pretensa
solucáo que nao encare a libertinagem é falsa; como combater o
desemprego mantendo os mecanismos que geram o desemprego?
Paralelamente, como combater a Aids mantendo o fato que mais a
causa, a saber a libertinagem sexual? Poder-se-ia ainda acrescentar:
a recomendacáo do uso do preservativo é perversa, porque o
preservativo nao preserva ou nao impede por completo a passagem
do virus HIV, como comprova a própria medicina (ver artigo
subseqüente deste fascículo).

Que dizer entáo da posicáo de Mons. Albert Rouet? - Pretende


realmente reconhecer como válido o uso do preservativo em casos

260
OS BISPOS DA FRANgA E A AIDS

especiáis ou apenas refere a senten9a dos médicos, que propóem o


preservativo como necessário nos referidos casos? O texto de Mons.
Rouet parece aceitar a recomendacáo dos mencionados médicos, mas
logo observa que nao se deve generalizar a pretensa solucáo. O
problema da Aids só poderá ser eficazmente debelado se houver, por
parte da sociedade, urna revisáo da escala de valores ou a tomada
de consciéncia de que libertinagem sexual nao traz a felicidade
almejada. É preciso, pois, atacar a raíz do problema corajosamente,
tocando no ponto fundamental, sem o qual só se apresentam falsos
paliativos, aptos a iludir a juventude. É para esta tese que o livro da
Comissáo Social do Episcopado Francés quer chamar a atencáo, tese
muito válida e premente; no contexto de 235 páginas, quatro délas,
atinentes ao uso do preservativo, se tornaram o ponto mais comentado
pela imprensa.

O Sr. Bispo de Saint-Brieuc et Tréguier, Mons Lucien Fruchaud,


tentou atenuar o alcance da posicáo de Mons. Rouet nos seguintes
termos:

"Lamento que estejam apresentando essa contríbuigáo da


Comissáo Social do Episcopado como posigao que manifesta urna
ruptura com o ensinamento da Igreja ou urna oposigSo á Sania Sé.
Tratase de urna visáo mesquinha e indevida dos objetivos da Comissáo
Episcopal. Tem-se ai urna apresentagSo falsa.

Lamento que estejam apresentando o uso do preservativo como


urna autorizagao largamente concedida a todos em todas as
circunstancias. Urna leitura atenta do texto mostra que nao é isto em
absoluto. No texto que ele assina pessoalmente, diz Mons. Rouet:
'Como o preservativo pode ser admitido nos casos em que urna
atividade sexual já integrada na personalidade precisa de evitar um
risco grave, assim também é preciso afirmar que esse meio nao
propicia educagao para a sexualidade adulta'. Eu gostaria de que neo
deformem este texto e nao digam simplesmente que a Igreja permite
o uso do preservativo, sem apresentar todas as observagdes que vém
antes e depois da secgSo ácima" (Boletim SNOP, órgSo oficial do
Episcopado Francés, n° 981, 23/02/1996, p. 5).

Como se vé, tanto Mons. Rouet como seu colega no episcopado


rejeitam a generalizacáo da permissáo de uso do preservativo.

261
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

3. COMENTARIOS PUBLICADOS NA IMPRENSA EUROPÉIA

Compreende-se que o pronunciamento de Mons. Albert Rouet


tenha provocado surpresa e reacóes. Geralmente os comentadores
o entenderam como abertura para o uso do preservativo, contrariando
a doutrina oficial da Igreja. Desta interpretacáo surgiram, de um lado,
aplausos e, de outro lado, críticas.

3.1. Os Aplausos

O Prof. Luc Montagnier, descobridor dos dois virus HIV da Aids,


julga que o documento dos Bispos franceses representa "urna evolucáo
importante":

"O documento da ComissSo Social do Episcopado condiz com o


que muitos médicos e dentistas pensam, a saber: o preservativo é um
meio mecánico de evitar a infecgio, mas nao é o único. A este título,
significa urna evolugao importante.

Nunca dissemos que o preservativo é o único meio de evitar a


infecgSo pelo virus da Aids. Sempre enfatizamos, porém, que esse
meio nao deveria ser excluido por motivos religiosos. Ao mesmo tempo,
sempre lembramos que o essencial é chegar a ter relacionamento
sexual duradouro, de modo a reduziros riscos da infecgSo. Isto implica
repetir quanto é urgente atuarmos junto aos mais jovens e os
responsabilizar" (Le Monde 13/02/96).

É de notar que o Prof. Montagnier, embora apoie o uso do


preservativo, reconhece que há outra solucáo para o problema da
Aids, a saber: um comportamento sexual estável e duradouro por parte
do homem e da mulher. - Infelizmente esta tomada de posicáo é fraca,
pois em hipótese alguma o preservativo se justifica, como se dirá mais
adiante.

O Dr. Marc Gentilini, Presidente do Comité Católico dos Médicos


Franceses, declarou:

"Eu me regozijo com este avango, que apaga algumas


ambigüidades. Alias, fui interrogado repetidamente pela Comissao
Social do Episcopado Francés, que redigiu o texto...

Julgo que o preservativo é urna questáo de saúde pública. No

262
OS B1SPOS DA FRANQA E A A1DS 23

plano moral, a Igreja Católica pode ser contraria ao preservativo como


meto contraceptivo, que impede a transmissao da vida; Ela, porém,
nao pode ser contraria ao preservativo como meio que impede a
transmissSo da morte" (Le Monde, 13/02/1996).

Na verdade, o preservativo está longe de proporcionar "sexo


seguro" ou de impedir a transmissao da morte, como será explanado
no artigo subseqüente deste fascículo.

3.2. As Críticas

Mons. Alessandro Maggiolini é o Bispo de Como (Italia) e um dos


redatores do Catecismo da Igreja Católica. Concedeu entrevista ao
jornal Corriere della Sera de Miláo, 14/02/96, em que se expande
com muita franqueza sobre a atitude da Comissao Episcopal Francesa.
Mostrou discordar, afirmando: "Um fato, ao menos, é evidente: nao
sao capazes de se comunicar". Transcrevemos tal entrevista em
traducáo brasileira:

Repórter: "Eminencia, Mons. Rouet disse que fizeram urna


interpretagSo forgada do documento. Está de acordó?"

Mons. Maggiolini: "O jornal Le Monde nao pode ter inventado


tudo. Evidentemente o texto do documento é ambiguo. NSo o podem
justificar dizendo: 'Sim, está escrito assim, mas nos queríamos dizer
outra coisa. Ou as pessoas falam com clareza, ou é melhor calarse.
Pergunto a mim mesmo como é possivel, usando o estilo daquele
documento, falar de Jesús Cristo".

R: "Onde estáo as ambigüidades?"

M.M.: "Detenhamo-nos, por exemplo, na passagem: 'O


preservativo pode ser admitido nos casos em que urna atividade sexual
¡á integrada na personalidade precisa de evitar um risco grave'. Que
significa isto? Do ponto de vista da Igreja, se alguém tem atividade
sexual integrada na personalidade, é pessoa já madura a ponió de
compreender que, se sofre de Aids, deve escolher a castidade. Se
nSo o consegue, paradoxalmente, é mais merecedora de perdSo a
pessoa que usa o preservativo sem ter urna atividade sexual integrada
na personalidade, ou seja, quem nao tem urna visáo de fé".
263
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

R.: "Portanto, a proposta dos Bispos franceses é urna saída que


gera confusáo?"

M.M.: "Sim. Mesmo que tenha havido um erro de boa fé ou um


modo erróneo de exprimirse, os Bispos cairam na armadilha dos meios
de comunicagSo social, que ignoram totaímente o magisterio da Igreja
para atirarse sobre este pormenor o preservativo, a pílula... Depois
pergunto a mim mesmo: havia necessidade de um documento sobre
Aids e preservativos?"

R.: "V. Eminencia nao pode negar que se trata de um problema


dramático concernente a milhóes de pessoas. Como pode defini-lo
como sendo um pormenor? E como pode dizer que um documento
sobre tal tema nio é indispensável?"

M.M.: "Veja: o problema é outro. Nao se pode anunciar a Moral


antes de anunciar a fé. Que sentido tem falar de normas moráis a um
mundo que nSo eré mais nem mesmo em Deus? É necessário
recomegar do a-b-c da fé: Deus, Cristo, a Igreja. Depois de haver
falado de tais realidades, devemse propor, a quem eré, as normas
moráis, que sSo conseqüéncia da fé. Verdade é que tais normas s§o
compreenslveis também á reta razao, mas é sob a luz da fé que o
homem compreende melhor o valor, por exemplo, de certo modo de
viver a sexualidade".

R.: "é necessário propor sempre a castidade? Também a quem


sofre de Aids e talvez se/a casado?"

M.M.: "A castidade é o ideal ao qual devemos tender".

R.: "Mas muitos leigos exultaram ontem por causa da 'abertura'


dos Bispos franceses. Por exemplo, o cotidiano Libération e o
Manifestó".

M.M.: "Desculpe-me; isso faz-me sorrir. Precisam da béngáo do


Papa para usar os preservativos? Por que aqueles que dizem nao
crer, fazem questño de que a Igreja dé o aval ao seu comportamento?
Isso parece-me ser urna posigSo que, mais do que contraría á fé,
contraría a razáo".

264
OS BISPOS DA FRANQA E A AIDS 25

3.3. Ponderando...

Quem lé os depoimentos pro e contra os preservativos, tem a


impressáo de que a problemática se coloca nos seguintes termos:

- ou fazer concessóes á plena liberdade sexual, que é a maior


matriz de Aids, julgando-se incoercível a onda pansexualista e
erotizante do momento. Essa onda, que arrasta muitos e muitos
cidadáos, seria o criterio da moraiidade. Porconseguinte, nada haveria
a dizer contra a permissividade sexual; antes, seria necessário
capitular perante a sua pujanca; apenas se procurariam evitar as
conseqüéncias daninhas dos parceiros infectados. Donde a
legitimacáo da "camisinha".

- ou tentar remar contra a onda permissiva e lembrar o valor e a


dignidade da castidade. Esta nao significa necessariamente a
abstencáo de sexo, mas o uso do sexo segundo as leis da natureza,
ou seja, dentro do casamento, respeitando-se as funcóes biológicas
respectivas. - Esta é urna posicáo corajosa, a única realmente sadia,
pois qualquer violacáo da natureza está sujeita á réplica da própria
natureza (quem come, quem bebe, quem fuma demais... está sujeito
a adoecer). É esta a resposta da Igreja á epidemia da Aids. Parece
ultrapassada, utópica, desumana...

Ultrapassada pela moda contemporánea, sim, mas nao á luz do


verdadeiro bem da humanidade; a Igreja se faz tutora da dignidade e
do auténtico progresso moral dos homens.

Utópica, talvez sim, aos olhos de muitos que julgam imbatível a


onde libertina contemporánea. Pode-se verificar, porém, que alguns
grupos jovens, saturados pela libertinagem, apregoam atualmente a
castidade. O falso prazer acaba causando tedio, pois, entre outras
coisas, destrói a personalidade no seu físico e no seu psíquico.

Desumana, sim, á prímeira vista,... tanto quanto "desumano" é o


Nao que a máe diz ao filho propenso ás travessuras. É um desumano
que diz Nio aos impulsos cegos do ser humano, mas diz um Sim mais
pleno ao ideal e á dignidade intelectual da pessoa.

Ademáis é de notar que o preservativo nao favorece a garantía


de "sexo seguro" que a propaganda Ihe atribuí. Há interesses espurios

265
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

e comerciáis na difusáo dos preservativos e anticoncepcionais. O


subseqüente artigo deste fascículo abordará os resultados de
pesquisas realizadas sobre a eficacia do preservativo.

A Igreja ousa sustentar a posicáo mais difícil, sujeita á burla e ao


escarnio, mas a única verdaderamente razoável, procurando assim
prestar um servico á humanidade.

Em particular, consideremos o argumento dito do

4. MAL MENOR

Quem justifica o preservativo, raciocina freqüentemente a partir


do principio do "mal menor". Com efeito; o uso do preservativo seria
um mal, mas um mal menor do que transmitir a Aids por contato sexual.
A Moral clássica daría base a tal argumento, ao estabelecer o principio
do mal menor: entre dois males a escolher, o cristáo deve escolher o
mal menor.

Que dizer?

- O principio é válido, sim, mas somente quando nao há terceira


opcáo ou quando alguém 1) nao pode deixarde agiré 2) é estrítamente
obrigado a escolher entre dois males, sem outra alternativa.

Ora, no caso do preservativo

1) ninguém é obrigado a ter relacóes sexuais contagiantes ou de


risco;

2) entre o uso do preservativo e o perigo de contagiar o parceiro,


há urna terceira opcáo: a abstinencia sexual. É certo que esta pode
parecer irrisoria, defasada, mas, na verdade, é a única so lucio correta;
torna-se possível, desde que alguém se convenga do seu valor, sem
se deixar levar na armadilha e na dialética dos meios de comunicacáo
social. Por conseguinte, nao se aplica ao caso do preservativo o
principio do mal menor.

Continuaremos a abordar o assunto no artigo seguinte.

266
Tópicos da Imprensa:

A DISCUTIDA EFICACIA DO PRESERVATIVO

Em síntese: O presente artigo apresenta depoimentos de


médicos e especialistas que afirmam ser ilusoria a alegagáo de que o
preservativo garante "sexo seguro". Melhor é dizer que propicia "sexo
mais seguro" ou "sexo menos inseguro". Na verdade, apenas em 69%
dos casos imuniza contra o HIV, como revelam as estatísticas - o que
quer dizer que um tergo aproximadamente daqueles que usam um
preservativo correm o risco de contaminagáo... e contaminagáo que
gera grande sofrimento e morte, sem que haja remedio a Ihe contrapor.

Temos publicado em PR mais de um artigo concernente á precaria


eficacia do preservativo ou condom (camisinha); ver PR 386/1994,
pp. 332-334; 387/1994, pp. 361-365; 377/1993, pp. 466. 476-479.
Visto que a temática continua no ar, incitada pelas autoridades públicas
e os meios de comunicacáo social, as páginas subseqüentes
apresentario o depoimento de especialistas em Medicina e Ética que
afirmam a insuficiencia do preservativo para garantir "sexo seguro".

1. O MITO DO "SEXO SEGURO"

A revista SELECÓES em seu número de dezembro 1991, pp. 31-


33, publica um artigo de Dr. Robert C. Noble, condensado de
Newsweek, 1/04/1991 (Nova lorque). Aborda, do ponto de vista
cientifíco, a questáo do uso dos preservativos, mostrando como é
ilusoria a proclamacáo do "sexo seguro".

Certa noite, no invernó passado, disseram no telejornal noturno


que os estudantes queriam que as escolas secundarias distribuíssem
preservativos, gratis. Urna adolescente de rosto deliciosamente fresco
afirmou que os de sua idade transavam; daí nao entender por que as
pessoas faziam tanto barulho por causa dos preservativos.

Duas especialistas comentaram o assunto. Urna délas, urna fina


senhora, sentava-se muito empertigada, com seus cábelos brancos
penteados numa permanente. Sendo a representante de urna
organizacáo que p rom ove a abstinencia sexual nos adolescentes,

267
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

declarou, com uma voz muito puritana, que os preservativos nao


funcionam muito bem. A outra, uma mulher jovem e atraente, afirmou
que aos adolescentes, pessoas sexualmente ativas, nao deve ser
negada a protecáo dos preservativos. Concorde¡ com a puritana.

Quais sao meus conhecimentos sobre o assunto? Sou especialista


em doencas infecto-contagiosas. Estou tratando de um rapaz de 21
anos portador de AIDS. Poderia ter sido o modelo do Davi de Donatello.
Seu amante, que trabalha num banco, tem um ar inofensivo. Ele
manteve relaces sexuais apenas com uma pessoa, meu paciente
(seu segundo parceiro). Essa gente nao é idiota. Lé jomáis. Vocé
acha que os preservativos poderiam ter salvado?

Descobri que as pessoas inteligentes nao usam necessariamente


preservativos. Um estudo feito numa Universidade revela que, em 1989,
apenas entre 41% e 51% das mulheres faziam uso deles. Sabem que
existem herpes, verrugas genitais e que há uma ligacáo entre as
doencas transmitidas sexualmente e o risco aumentado de cáncer
cervical. Só que, no calor da paixáo, o cerebro parausa.

Nao posso dizer que me tenha sentido confortado ao ler um dos


folhetos sobre o assunto publicados pelo governo. "Os preservativos
nao sao 100% seguros", dizia ele, "mas, se usados cornetamente,
reduziráo o risco de doencas transmitidas sexualmente, incluindo a
AIDS". Reduzir o risco de uma doenca que é 100% fatal? É tudo o que
temos entre nos e a morte? Chega de "sexo seguro"! Tenho reparado
que o lema agora é "sexo mais seguro".

O folheto tinha outros conselhos: "Se vocé souber que o seu


parceiro está infectado, o melhoré evitaras relacoes sexuais (incluindo
o sexo oral). Se decidir ter relacoes com um parceiro infectado, deve
usar sempre um preservativo, do principio ao fim". Será que tais
admoestacóes ajudam realmente? A maior parte das pessoas nao
sabe se os seus parceiros estio infectados. Sao coisas que nao se
véem. Neste momento, montanhas de pessoas com herpes e infeccóes
viráis estáo mentindo com todos os dentes a seus parceiros sexuais -
ou seja, aqueles que perguntam. Além de tudo, os preservativos podem
romper. Um estudo diz que isso acontece em 4% das vezes.

Ninguém faz uma campanha a favor da virgindade, da abstinencia


ou de uma vida sexual com apenas um parceiro mutuamente fiel e
nao infectado. Isso sería muito enfadonho. Mas estas é que sao as
verdadeiras estrategias de prevencáo - as únicas que resultam.

268
A DISCUTIDA EFICACIA DO PRESERVATIVO 29

Por isso, vou dizer ás minhas filhas que é perigoso ter relacóes
sexuais e que os preservativos dáo urna falsa seguranea. Reduzir o
risco nao é o mesmo que o eliminar. Elas receberáo minha mensagem
juntamente com as outras dos meios de comunicacáo. No filme The
Tall Guy (O Homem Alto), urna enfermeira vai para a cama com a
personagem Guy no seu primeiro encontró e vangloria-se de que gosta
de despachar a questáo do sexo logo no inicio de qualquer relacáo.
Sua companheira de quarto é ninfomaníaca e está sempre na cama
com um homem ou dois. Tudo isto pretende ser engracado. O filme
Pretty Woman (Mulher Bonita) espalha que se pode encontrar a
felicidade com urna prostituta. Quem escreve estas coisas?

A senhora toda empertigada da televisáo tinha razáo. Os solteiros


nao deviam ter relacóes sexuais. Poucas pessoas sao suficientemente
corajosas para afirmar isso publicamente. Em nossa cultura atual, sao
consideradas excéntricas.

Mas a verdade é que os médicos nao conseguem determinar a


maior parte das doencas que se podem apanhar. Nao há cura para
os virus que provocam a AIDS, o herpes ou as verrugas genitais. A
gonorréia e a infeccáo clamidial, se nao forem tratadas, podem por
em risco a possibilidade de engravidar e, se tal acontecer, podem
prejudicar o bebé. A sífilis aumenta vertiginosamente. A gravidez
ectópica e a infertilidade, devidas a doencas transmitidas sexualmente,
continuam a ser um problema.

Nao há sexo "seguro". Distribuir preservativos a adolescentes é


como dar bisnagas de agua para apagar um incendio incontrolável.
Os preservativos nao enfrentam o problema de modo adequado.
Deixemos de nos engañar a nos próprios.

2. SEXO MAIS SEGURO OU MENOS INSEGURO

O Dr. Celso de Almedia Kundlatsch, CRM 9501, Sao Paulo, tem-


se dedicado ao estudo do preservativo e seus efeitos, colecionando
ampia bibliografía de língua inglesa que chama a atengáo para a
precariedade da "camisinha".

Entre outros, eis o resultado da pesquisas da Dra. Susan C.


Weller no artigo A Meta-analysis of Condom Effectiveness in
Reducing Sexually Transmitted HIV, publicado na revista Social
Science and Medicine, 1993, volume 36, issue 12, pp. 1635-1644.
Á p. 1642 lé-se em inglés o que vai aqui traduzido para o portugués:

269
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

"Enquanto neo se conhece melhor a encienda do condom, a


promogáo do uso deste pode ter efeitos ora positivos, ora negativos.
Com efeito; estimular o uso do preservativo de modo geral no grande
público pode resultar no beneficio indireto de maior tomada de
consciéncia das práticas de sexo mais seguro. Em homossexuais
masculinos, o conhecimento do HIV resultou em uso mais ampio do
condom e decréscimo do número de parceiros sexuais. Um efeito
negativo tém sido as más interpretagóes e a desinformagáo
concernente á eficacia do condom. O grande público difícilmente
entende a diferenga entre 'o condom pode reduzir o risco...' e 'o
condom evitará a infecgao do HIV. Presta desservigo á populagSo
quem estimula a crenga de que o condom evitará a transmissSo sexual
do HIV. O condom nao elimina o risco da transmissSo sexual; na
verdade, só pode diminuir um tanto o risco".

No mesmo artigo á. p. 1635, a Dra. Susan Weller afirma:

"As pesquisas indicam que o condom (camisinha) é 87% eficiente


na prevengSo da gravidez. Quanto aos estudos da transmissSo do
HIV, indicam que o condom diminuí o risco de infecgSo pelo HIV
aproximadamente em 69%, o que é bem menos do que o que
normalmente se supóe".

Esta verificacáo significa que aproximadamente um terco dos


usuarios do preservativo está sujeito á contaminacáo apesar do
recurso utilizado. Esta porcentagem é especialmente expressiva e
grave se se pensa que o risco a incorrer é o de graves sofrimentos
que desembocam em morte sem que haja remedio a contrapon

O próprio Dr. Celso de Almeida Kundlatsch escreve em resposta


ao Oficio n° 401/CGPN - DST-AIDS/GAB/SAS/MS, de 23 de outubro
de 1995:

"SEXO SEGURO" X "SEXO MAIS SEGURO"-"SEXO DE RISCO MENOR"


"SAFE SEX" X "SAFER SEX"

A expressao sexo seguro, data venia, ao contrarío do afirmado


no Oficio 401 nao é aceita nem consagrada internacionalmente e
provoca dúvidas em muitos.

Por algum tempo e/a foi usada por numerosos grupos, aqui e no
exterior. No entanto muitos nunca a usaram por julgá-la incorreta,
entre os quais sempre estive.

270
A DISCUTIDA EFICACIA DO PRESERVATIVO 31

Os seus seguidores a estáo abandonando e ela muitas vezes


está sendo abertamente combatida".

O mesmo Dr. Celso Kundlatsch, em carta circular aos amigos


datada de 1°/03/1995, escreve:

"A Aids é doenga nova, mortal, sexualmente transmissível,


provocada por um virus (HIV) que impossibilita o organismo de lutar
contra infecgqes e certos tipos de cáncer. Isto ocorre devido á perda
da resistencia normal pela destruigáo do sistema imunogénico, dos
linfócitos T4.

Qualquer pessoa, independentemente de idade, sexo ou raga,


pode pegar e transmitir a Aids; basta entrar em situagáo de risco.

Até o momento nao temos vacina nem terapéutica (remedio)


eficazes contra ela. Isto preocupa.

Mas o que realmente inquieta, é o seu pontencial pandémico, ou


seja, sua capacidade de provocar grave epidemia no mundo todo.

Urna doenga sexualmente transmissível (DST), transmitida porum


individuo que fica longo período - varios anos - imaginando estar
sadio e assim aparentando e, no entanto, está infectado e transmitindo
a doenga, é um horror do ponto de vista epidemiológico. E, se a doenga
é fatal, o efeito é devastador.

A pandemia de Aids está em expansSo e sem sinais de remissáo.


A prevengSo é a única forma de impedir a propagagao do HIV. A agáo
individual responsável é importante pega nesta prevengéo. Portanto,
todos precisam saber o que é Aids, como é transmitida e como evíta
la.
Como é propagado o virus da Aids?

O HIV é transmitido:

a) Pelo sangue contaminado, por transfusáo de sangue e


derivados ou por instrumentos sujos com ele e que atravessem a pele,
como agulhas de injegáo, acupuntura ou tatuagem, alicate para unha,
navalha de barbear, etc.

b) Da mae doente para o filho, através da placenta, durante o


parto ou pelo aleitamento.

271
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

c) Pela via sexual: qualquer pessoa contaminada pelo HIV (homem


ou mulher) pode passá-lo para o seu parceiro ou parceira sexual,
mediante qualquer tipo de sexo (oral, anal, vaginal). O virus pode ser
transmitido de um homem infectado para a mulher, da mulher infectada
para o homem, do homem infectado para outro homem e da mulher
infectada para outra mulher. O sexo nao protegido, feito com urna
pessoa contaminada, é um risco, e a contaminagáo, muitas vezes,
pode ocorrernuma única relagSo sexual. O perígo aumenta se houver
outra doenga sexualmente transmissível (DST) ou ulceragóes...

Lembre-se: para saber se urna pessoa nao foi contaminada pelo


HIV, é necessário o exame de sangue anti-HIV. Nao se pode fazer
teste de Aids pelo olho; o exame realizado com o sangue é a única forma
segura. Pessoas com ótima aparéncia podem estar contaminadas. A
aparéncia ou o nivel social podem impressionar um parceiro, nao o
virus. O virus nao quer saber se há amor; o HIV está pouco ligando
para o fato de alguém amar outra pessoa ou nao. O amore a confíanga
nao imunizam contra o virus da Aids.

Nao mantenha relagoes sexuais com pessoas contaminadas pelo


HIV. Alerta: pessoas com múltiplos parceiros sexuais ou que fazem
uso de drogas injetáveis, oferecem grandes riscos de contaminagSo
pelo virus da Aids...

A camisinha pode fracassar, com risco de morte, na protegáo


contra o HIV.

Urna metanálise de varios estudos sobre a transmissao sexual do


HIV em heterossexuais, realizada por Susan C. Weller e publicada
em Social Science and Medicine (3) concluiu que, 'embora
pesquisas indiquem que os condons (camisinhas) sao 87% eficientes
na prevengño da gravidez, estudos da transmissao do HIV indicam que
os condons diminuem o risco de infecgáo pelo HIV aproximadamente
em 69%, o que é bem menos do que normalmente se supóe'. Isto
significa que urna terga parte dos usuarios de camisinha está táo
exposta á contaminagáo pelo virus quanto aqueles que praticam o
sexo sem protegáo".

A guisa de complementacáo, pode-se aqui citar a carta do Sr.


Norberto De Vivo publicada no JORNAL DO BRASIL de 10/3/1996, p.
10, onde se lé o seguinte:

"Na entrevista ao JB, publicada em 29/2/96, o artista plástico

272
A DISCUTIDA EFICACIA DO PRESERVATIVO 33

Mauricio Bentes questiona a seguranga oferecida pela camisinha na


prevengSo da Aids, ao relatara sua frustrada experiencia que resultou
na aquisigao do virus HIV".

3. MAIS DOIS DEPOIMENTOS

O jornal O LUTADOR, de Belo Horizonte, edicáo de 14-20/01/96.


p. 3, traz as seguintes noticias:

EPIDEMIOLOGISTA
DESMONTA O MITO DO
PRESERVATIVO CONTRA AIDS

"O preservativo (a camisinha) pode retardar o contagio, mas neo


acabar com ele". Éoque sustenta, com base em motivos estritamente
científicos, o Dr. Leopoldo Salmaso, médico epidemiologista e auxiliar
de Infectologia no Hospital de Pádua, na Italia.

Um repórter Ihe pergunta:

"Se o preservativo nño impede o contagio, mas apenas o retarda,


que meios realmente eficazes temos á disposigSo?"

E o médico: - "É preciso conseguir urna substancial estabilidade


no casal. Se a pessoa passa de urna taxa de promiscuidade elevada
para urna relagao regular de casal único, reduz o contagio de, pelo
menos, dez mil vezes. Esta é urna afirmagao que os epidemiologistas
sempre fizeram. Só que, por motivos ideológicos, prefere-se por isso
de lado, nao falar".

- "Quer dizer, entSo, que voltamos á antiga recomendagSo de


relagóes sexuais estáveis?" - interroga o repórter.

E o médico: - "Certamente. Por outro íado, nño vejo como


enfrentar um problema epidemiológico como o da AIDS com urna
metodología profilática tao precaria. Se urna crianga esté com
sarampo, há duas maneiras de evitar o contagio: ou se retém o menino
em casa, ou se manda á escola com urna mascarazinha. É obvio que
o segundo modo é muito mais inseguro que o prímeiro. Usando a
máscara, o menino contaminaría os colegas em 15 días em vez de

273
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

contaminá-los em um día. Mas o resultado seria, de qualquer maneira,


urna epidemia generalizada".

Quando se faz urna campanha em que se afirma enfáticamente


que sexo com camisinha é sexo seguro, prímeiro, se está mentindo.
Segundo, se essa afirmacáo vem acompanhada - como acontece no
Brasil - de um estímulo ao sexo livre, promiscuo, vulgar, antinatural, é
certo científicamente que estamos espalhando AIDS por ai, em nome
de preconceitos e de ideología. (Materia aproveitada de "Awenire"
Milao, 5/12/95).

"NADA DE CARIDADE ÁS
CUSTAS DA VERDADE"

O Padre Lino Ciccone, professor de Teología Moral e Bioética na


Faculdade Teológica de Lugano, ¡embrava, no Día Mundial de Combate
á AIDS, que a Igreja nao está impedindo o verdadeiro combate á
doenga pelo fato de opor-se ao uso da camisinha como preservativo.

Insistiram, porém, com ele: "Nao será urna falta de carídade com
os cónjuges (se um deles está infectado), proibir-lhes o uso de
camisinha? Como evitar a contaminacáo do outro?" Ele respondeu:
"A pessoa infectada, que diz amar o companheiro ou companheira,
deve sem dúvida, em nome do amor, evitar qualquer comportamento
que ameace a saúde e a vida do outro. Como a taxa de falha do
preservativo é bastante grande, a conclusáo é que, para evitar a
contaminacáo, a receita é a abstinencia da sexualidade genital".

Eo professor termina com urna frase lapidar: "Nao se faga jamáis


carídade ás custas da verdade, nem se imponha a verdade
voltanto as costas á carídade".

Estas noticias sao suficientemente significativas para dissipar as


ilusóes de "sexo seguro" e sugerir procedimentos mais radicáis para
se conter a epidemia da Aids. Somente mudancas no comportamento
moral da sociedade e urna escala de valores que subordine os instintos
á razio e á fé poderlo deter a onda mortífera.

274
Fidelidade em Xeque:

"EXISTE SAÍDA? PARA UMA


PASTORAL DOS DIVORCIADOS1

por Bernhard Háring

Em síntese: O Pe. Ha'ring deseja acudir aos casáis infelizes em


seu matrimonio, facilitando-lhes segundas nupcias. Para tanto, apela
para o principio da oikonomia ou da dispensagSo misericordiosa da
graga divina vigente entre os cristaos orientáis. Conforme o autor, a
Igreja, seguindo o exemplo dos ortodoxos, deveria conceder novo
casamento aos cónjúges que tivessem a conviccáo de que o seu
casamento foi nulo, embora isto nao possa ser provado objetivamente
ou no foro externo ejurídico: os pastores de almas estariam habilitados
a abengoar sacramentalmente essas novas nupcias, mesmo a revelia
da legislagSo oficial da Igreja.

Ora tal tese é inaceitável, porque o Senhor Jesús afirma que novas
nupcias de pessoas validamente casadas sSo adulterio: cf. Me 10,11s;
Le 16,18; Mt 5, 32; 19,9 e também 1 Cor 7,11. E, para que conste que
um casamento contraído na Igreja n§o foi válido, é preciso que haja
provas evidentes e objetivas; n§o basta a conviegao subjetiva dos
interessados, que fácilmente se podem engañar. Quem admite nova
uniSo conjugal sem ter certeza de que a primeira foi nula, admite a
possibilidade de se cometer adulterio. Ora praticar um ato cuja
identidade n§o é clara e que pode ser pecaminoso, jé é agko
pecaminosa. Com outras palavras; admitir um matrimonio que possa
ser adulterio, é aceitar o adulterio hipotético; da mesma forma, ministrar
a um enfermo um remedio que possa ser contra-indicagáo, é ato
culposo, pois quem o faz admite a possibilidade de estar tesando a
saúde ou a vida do próximo.

O livro do Pe. Háring pode ter sido inspirado por ótima intengao,
mas incita á desorden), ao subjetivismo e á burla de leis, sem as quais
o bem comumjá neo é possível.

A Igreja dedica atengáo aos divorciados, como bem demonstra a


ExortagSo Apostólica Familiaris Consortio; se contraíram novas

275
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

nupcias, nao podem receber os sacramentos, mas freqüentem a S.


Missa e rezem por si e pelos seus, pois o Senhor n§o os abandona.

* * *

O Pe. Bernhard Háring, famoso moralista, publicou um livro


traduzido para o portugués com o título "Existe Saída? Para urna Pastoral
dos Divorciados".1 Propóe idéias ¡novadoras, que "fazem parte de sua
preparado ¡mediata para a morte, com a firme confianca na promessa
do Senhor: 'Bem-aventurados os misericordiosos porque alcancaráo
misericordia' (Mt 5,7)".

O livro tem chamado a atencáo do público em geral, pois trata de


assunto delicado e candente. Eis por que exporemos o seu conteúdo,
ao qual se seguirlo alguns comentarios.

1. O LIVRO E SUA TESE

O Pe. Háring está impressionado com o grande número de casáis


infelizes em nossos dias. Nao podendo levar vida conjugal, separam-se
e desejam contrair novas nupcias. Esbarram, porém, com a legislacáo
da Igreja, que nao reconhece divorcio e direito a novo casamento, se o
primeiro matrimonio foi contraído validamente e consumado. Desejando
atender a tais situacoes, o Pe. Háring apoia-se no principio de que Deus
é misericordioso para com os infelizes. Á luz desta premissa, propóe a
seguinte tese:

Estamos na época do ecumenismo. É, portante, oportuno que os


católicos considerem a mentalidade e a prática pastoral dos cristaos nao
católicos, para aprender deles o que seja conveniente; cf. pp. 38-40.
54...2 Ora os orientáis ortodoxos instituem sua praxe pastoral sobre a
base da oikonomía, palavra grega que em Teología significa
"dispensacáo misericordiosa da graca divina". Eis como Háring define a
oikonomía professada pelos cristaos orientáis:

1 Tradugáo de Gabriel Galacho S.J. e Marcos Marcionilo. - Ed. Loyola, SSo


Paulo 1990. 140 x 210 mm. 100 pp.

2 "Nesses tempos de ecumenismo. a Igreja ocidental pode aprender, nesses


problemas e em outros similares, com o exemplo da espirítualidade e da praxis
das Igrejas ortodoxas, o que melhor serve á sua missño pastoral no mundo de
hoje ou em ampios setores da Igreja Católica, para mostrarse leal ao Pai de
familia que. tirando do seu tesouro divino de sabedoria, quer combinar as coi
sas antigás com as novas' (p. 45).

276
"EXISTE SAiDA? PARA UMA PASTORAL DOS DIVORCIADOS" 37

"Oikonomía significa todo o projeto salvífico de Deus, como bom


pai de familia que é, e designa urna espiritualidade que se caracteriza
pelo louvor a o 'administrador' 1 misericordiosíssimo da Igreja; é
caracterizada também pela fé no Bom Pastor, que conhece e chama
pelo nome cada urna das suas ovelhas e, quando necessário, abandona
no redil as 99 que estao a salvo e se poe a caminho para ir, solícito e
amoroso, atrás da ovelha perdida" (pp. 42s).

Quem adota o principio da oikonomía, prestará á Igreja urna


obediencia nao inerme, mas críativa (cf. p. 57).

Essa criatividade compreende, entre outras coisas, o conceito de


epiquéia. Este conceito, de origem grega e jurídica, utilizado pela teología
oriental, é propugnado por Bernhard Háríng, que o entende do seguinte
modo:

"A epiquéia é urna dimensao eminente da virtude da prudencia para


tomar urna decisáo, quando há coliseo entre valores, leis e deveres...
Santo Afonso de Ligórío, patrono dos moralistas, ensina de maneira
inequívoca:

Epiquéia significa a excegSo de um caso, quando numa situagao


dada se pode julgar com seguranga, ou ao menos com grande
probabilidade, que o legislador nao teve a intengSo de o incluir na lei" (p.
78).

Com outras palavras: quando urna lei se toma muito onerosa para
determinada pessoa, a autoridade responsável pode declarar tal súdito
dispensado de cumplir a lei. Aplicando isto á doutrína do matrimonio, diz
B. Háring: quando um casamento "morreu" por falta de amor dos cónjuges
ou de um deles e a vida una se toma muito penosa para os interessados,
é-lhes lícito contrair segundas nupcias desde que possam criar em si a
conviccáo subjetiva de que a primeira uniáo nupcial nao foi válida. O
segundo casamento será nao somente civil, mas poderá ser também
religioso, diz Haring.

Em conseqüéncia, continua o autor, a Igreja tem que abrir máo da

1 Oikonomfa, em grego, quer dizer administracño da casa ou simplesmente


administragéo. Donde se segué que o oikónomos ó o administrador. Conforme
esta imagem. toda a historia da salvagáo é comparada á administragéo dos
dons de Deus, que vem a ser o administrador da graca.

277
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

sua prudencia tuciorista. Tuciorismo' vem a ser o sistema que opta sempre
pelas sentencas de Moral mais seguras ou menos sujeitas a engaño ou
erro. Assim, por exemplo, o tuciorismo nao declara nulo um casamento
enquanto nao haja plena evidencia de que foi nulo. Com outras palavras-
enquanto há razóes que permitem supor a legitimidade de um casamento"
este é tido como legítimo; é preciso provar que tais razóes tenues sao
inconsistentes. Ora Háring crítica o tucionismo na praxe matrimonial da
Igreja:

"Por tras desse tucionismo - deste querer proceder com seguranga


absoluta - esconde-se o medo de um possível pecado contra a
sacramentalidade do matrimonio ao tolerar um segundo casamento. E
assim se chega á aplicagSo de um tuciorismo legalista precisamente num
terreno tao sensívele doloroso. Neste caso se está esquecendo o axioma
- incontroversível - de que 'os sacramentos sao para o homem'. E se
esquece do mesmo modo o principio fundamental, mais claro aínda, de
que as leis sao para o homem e nSo o homem para determinadas leis de
obrígatoriedade muito duvidosa" (p. 65).

Ainda em outros termos: para que a Igreja reconheca a nulidade de


um casamento, basta a certeza subjetiva dos cónjuges (ou, ao menos,
um juízo altamente provável) de que o matrimonio foi inválido; basta,
pois, urna apreciado pessoal, sem necessidade de provas objetivas
(testemunhos fidedignos, documentos escritos, exames médicos...):

"A questao da epiquéia se poe antes de tudo quando os interessados,


depois de adequada refíexao do pastor, estao convictos de que o primeiro
matrimonio era inválido desde o comego. Neste caso, porforga da virtude
da epiquéia, os interessados estáo autorizados, em principio, a contrair
um segundo matrimonio. E, em minha opiniáo, também o pastor pode
proceder discretamente á cerimónia matrimonial" (p. 82).

Chega-se assim ao ponto culminante da tese de Háring: quando


dois cónjuges julgam com elevada probabilidade que nao estáo
validamente casados, estáo habilitados a contrair cada qual nova uniáo
matrimonial; o sacerdote poderá dar-lhe valor de sacramento, como fazem
os cristáos orientáis ortodoxos ou cismáticos. Assim se reproduziria entre
os católicos latinos o que se dá entre os orientáis separados, que tém

A palavra vem de tutus, seguro, certo; donde se faz o comparativo tutior (-


mais seguro); o sistema respectivo 6 o tuciorismo.

278
"EXISTE SAiDA? PARA UMA PASTORAL DOS DIVORCIADOS" 39

um ritual oficial para ministrar o sacramento do matrimonio aos


divorciados. Todavia a esta altura da sua explanacáo pergunta Háríng:

"É preciso inscrevé-los no livro de registros de casamentas ou basta


consignar a cerimónia no forum internum (no foro interno da
consciéncia)?" (p. 82).

E responde:

Nos casos em que o Ordinario do lugar nao quer proceder á aplicacáo


da epiquéia e tampouco está inclinado a tolerá-la, há tres possíveis modos
de agir a respeito:

"Prímeiro: o pastor do lugar assume um certo risco, disposto tanto a


dar contas do assunto como a suportar cristámente as conseqüéncias
desagradáveis que possam advir.

Segundo: ele informa aos parceiros que querem se casar, de que


em tal situagao podem proceder de acordó com a forma canónica da
béngSo nupcial para casos de necessidade, ou seja, em presenga de
duas testemunhas, porque simplesmente neo se dispoe de um sacerdote
autorizado.

Terceiro: o casal, depois de se aconsethar com o confessor e o


orientador espiritual, celebre seu matrimonio civil como forma substitutiva
da béngao nupcial para os casos de necessidade em que nao se dispoe
de um sacerdote autorizado para a celebragño do matrimonio canónico,
confiando em que, com a graga de Deus, poderao viver o seu segundo
matrimonio de maneira a se aproximaren) o mais possível do ideal do
matrimonio crístSo.

Concordando com a opiniao de nao poucos moralistas, sou do


parecer de que se pode aplicar um desses tres modelos segundo as
circunstancias, quando a decisao do tribunal eclesiástico é adiada
durante anos, já foi adiada ou, com toda probabilidade, se fará esperar;
sempre supondo que os interessados estejam convictos da invalidade
de seu prímeiro matrimonio ('com alta probabilidade')" (pp. 82s).

Como se vé, a tese de Háríng, embora procure guardar fidelidade á


Igreja e á Tradicáo, burla por completo a autoridade da Igreja e redunda
em subjetivismo total; solapa as normas objetivas da Igreja e dá ocasiáo
a que cada crístáo faca o seu Cristianismo de acordó com o seu modo
de ver pessoal, apoiado numa concepcio flexível e bonachá de
"misericordia divina".

279
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

Eis ainda urna passagem significativa do pensamento de Háring:

"A/o caso do acompanhamento psicoterapéutico dos divorciados que


voítaram a casar ou que estao pensando em cóntrair um segundo
matrimonio, ater-nos-emos a urna idéia fundamental de Viktor Frankl e
de outros psicoterapeutas: em vez de impor ás pessoas, sem mais nem
menos, urna norma, como por exemplo a norma que responde á nossa
consciéncia ou que é simplesmente urna norma geral da Igreja,
auscultaremos pacientemente como nosso interlocutor busca por si o
caminho para o mais Intimo de sua consciéncia e quais sao os seus
motivos e razdes.

Quando escutamos com urna consciéncia desparta (conscientia


como conhecimento existencial de experiencia em uniáo com outros) e
examinamos cuidadosamente todas as posibilidades, ajudamos nosso
interlocutor em sua busca honrada e sincera de mais luz. Nossa 'palavra',
nossos gestos, nosso rosto tém de comunicar alentó e nSo expressar
nenhum tipo de reprovagao ou desgosto. A nossa tem de ser sempre
urna palavra daquele amor que é simplesmente a verdade" (p, 60).

B. Háring considera, no final do seu livro, o caso de dois cónjuges


que vivam sob o mesmo teto (pois talvez precisem um do outro como
amigos), mas nao tém relacóes conjugáis. - A Santa Sé permite que
recebam os sacramentos, caso se conservem "como irmáo e irmá" e
freqüentem urna igreja em que nao sejam conhecidos. Ora Háring tenta
convencer o leitor de que a Igreja nao faz mais caso da cláusula "viver
como irmáo e irmá", mas aceita que vivam conjugalmente e recebam os
sacramentos; cf. pp. 88-90. É, porém, evidente que tal cláusula subsiste
como é expressa na Exortacáo Apostólica Familiaris Consortio n° 84:

"A Igreja reafirma a praxis, fundada na Sagrada Escritura, de nao


admitirá comunháo eucaristica os divorciados que contrairam nova uniáo.
Nao podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e as suas
condigdes de vida contradizem objetivamente áquela uniáo de amor entre
Cristo e a Igreja, significada e realizada na Eucaristía. Há, além disso,
outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem essas pessoas á
Eucaristía, os fiéis seriam induzidos em erro e confusao acerca da
doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimonio.

A reconciliagao pelo sacramento da penitencia - que abriría o


caminho ao sacramento eucaristico - pode ser concedida aqueles que,
arrependidos de ter violado o sinal da Alianga e da fídelidade a Cristo,

280
"EXISTE SAÍDA? PARA UMA PASTORAL DOS DIVORCIADOS" 41

estao sinceramente dispostos a urna forma de vida nao mais em


contradigáo com a indissolubilidade do matrimonio. Isto tem como
conseqüéncia, concretamente, que, quando o homem e a mulher, por
motivos serios - quais, por exemplo, a educagao dos filhos - nao se
podem separar, assumem a obrigagao de viver em piena continencia,
isto é, de abster-se dos atos próprios dos cónjuges"1.

Em suma, o livro reflete o ánimo de quem senté profundamente o


problema dos casáis infelizes e os quer ajudar, baseando-se na
misericordia divina. Todavía cede ao subjetivismo, que menospreza nao
somente leis objetivas da Igreja, mas também as normas do Evangelho,
como se verá sob o subtítulo seguinte.

2. OBSERVARES

O livro do Pe. Háring nao pode deixar de sugerir algumas


ponderales, pois toca em pontos-chaves da vida crista.

1) Antes do mais, notemos que o autor tem boa intencáo,


procurando, de um lado, manter-se fiel á Igreja e, de outro lado, atender
aos casos de matrimonios infelizes: "Aqueles que buscam conselho e
aquele ou aqueles que o dáo, buscam a maior fidelidade possível ao
mandamento final do matrimonio indissolúvel, mas completamente dentro
do mandamento final ainda mais ampio: 'Sede misericordiosos como vosso
Pai do céu1" (p. 55).

Todavía a maneira como o Pe. Háring concebe essa fidelidade ao


preceito do matrimonio indissolúvel, anula propriamente a fidelidade,
como se verá a seguir.

2) Em nome da misericordia, Háring chega a legitimar a dissolucáo


de qualquer matrimonio fracassado. Basta que os esposos divorciados
tenham a conviccáo pessoal de que "o seu primeiro matrimonio era inválido
de antemáo e estava condenado ao fracasso; deveriam entáo ter a
faculdade de voltar a se casar no Senhor" (p. 66).

A esta afirmacáo podem-se fazer duas ponderacóes:

- a misericordia nunca deve ser tal que permita ou legitime urna


infracáo da lei de Deus; ora a indissolubilidade do matrimonio decorre
da lei de Deus; cf. Me 10,11:

1 A mesma doutrina foi reaformada pela Congregado para a Doutrina da Fé em


Carta datada de 14/9/94.

281
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

"Todo aquele que repudiar a sua mulher e desposar outra, comete


adulterio contra a prímeira; e, se essa repudiar o seu marido e desposar
outro, comete adulterio".

Ver outrossim Le 16,18; Mt 5, 32; 19, 9; 1Cor 7,11:

- a nulidade do matrimonio, devidamente avaliada ou comprovada,


permite, sim, a separacáo dos cónjuges com novas nupcias. Mas essa
nulidade há de ser objetiva e lealmente demonstrada, para que nao venha
a acontecer que um adulterio (o segundo enlace) passe por legítimo
casamento. O tuciorismo, no caso, tem plena razáo de ser, porque se
trata do dilema "Virtude ou Pecado?"; nao é lícito, em hipótese nenhuma,
aceitar o risco de cometer um pecado; quem aceita tal risco, já está
pecando. Com outras palavras: quem quer legitimar um novo casamento
sem ter certeza de que o prímeiro foi nulo, está aceitando legitimar talvez
um adulterio; ora nunca me é lícito praticar um ato cuja identidade ignoro
ou que possa ser um pecado grave. Paralelamente nunca me é lícito dar
a um enfermo um remedio que possa ser contra-indicado; nao basta a
probabilidade nem a certeza subjetiva de que nao é contra-indicado;
devo chegar á certeza de que o remedio aplicado é o remedio certo, pois
está em risco a saúde ou a vida de um ser humano.

3) Para o Pe. Háring, como dizíamos, a conviecáo subjetiva dos


interessados sem o apoio de pravas objetivas, é suficiente para se
contrairem novas nupcias. Tal subjetivismo é apto a esvaziar e burlar
toda e qualquer leí. É principio que toma impossível a vida dos homens
em sociedade, pois a vida social requer normas objetivas, que todos
possam compreender, avaliar, e ás quais todos possam igualmente referir
se. Se falta urna legislacáo social objetiva, a sociedade se toma caótica,
e disto sao responsáveis aqueles que, por "condescendencia
misericordiosa", solapam o bem comum.

Mesmo que alguém esteja sinceramente convicto de que seu


matrimonio foi nulo, ainda nao se pode dizer que de fato ele foi inválido,
pois a realidade das coisas nao depende da sinceridade das conviecóes.
Alguém pode estar sinceramente convicto de algo que nao seja verdade.

Notemos outrossim que a epiquéia é urna virtude que julga se, em


tais ou tais circunstancias particulares, a norma objetiva obliga ou nao
obriga a pessoa. Ora o juízo sobre a validade de um casamento nao é
um juízo de epiquéia; nao é um juízo sobre a aplicacáo ou nao de
determinada lei. É, antes, a verificacáo de um fato: a uniáo entre tal

282
"EXISTE SAlDA? PARA UMA PASTORAL DOS DIVORCIADOS" 43

homem e tal mulher foi realmente um casamento ou teve apenas a


aparéncia de casamento? Doutro lado, a epiquéia (a dispensa da Iei)
nao pode ser aplicada quando a Iei em foco nao admite excecáo, como é
a Iei que proibe o adulterio.

4) O Pe. Haring insiste em distinguir entre urna Moral legalista (como


sería a da Igreja) e urna Moral evangélica, que se inspira principalmente
no amor e na misericordia de Deus (pp. 63-65). - A propósito observamos:
"legalismo" é aplicacáo cega de leis que ignora que a Iei é para o homem
e nao o homem para a Iei; isto nao é cristáo. A Igreja nao é legalista, pois
ela conhece a dispensa e a epiquéia; todavía ela insiste na observancia
de leis, mesmo quando penosas, desde que redundem no bem do próprio
homem; nem tudo o que é oneroso, deve ser rejeitado; o bem particular
e o bem comum pedem a fidelidade a deveres que possam exigir algum
sacrificio.

5) O Pe. Haring afirma: "Hoje o direito ao matrimonio e a formar urna


.familia é considerado e sentido como um dos direitos humanos mais
fundamentáis" (p. 66). Daí se seguiría que segundas nupcias constituem
um direito impreterível (ou quase) para toda pessoa infeliz em seu primeiro
casamento.

- Respondemos: a perspectiva do Senhor no Evangelho é outra.


Com efeito, em Mt 19,12 diz Jesús:

"Há eunucos que nascem tais desde o ventre materno. Ehá eunucos
que foram feitos eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram
eunucos por causa do Reino dos céus".

Os eunucos que se fizeram tais por causa do Reino dos Céus, nao
sao os que voluntariamente abracam o celibato. Na verdade, os
antecedentes do texto falam da indissolubilidade do matrimonio...
indissolubilidade que espanta os Apostólos a ponto de exclamarem que,
nessas condicóes, é melhor nao se casar. Jesús nao Ihes respondeu
positivamente, mas insistiu na sua proposicáo: deu a entender que urna
pessoa infeliz em seu casamento deve passar a viver como eunuco por
causa do Reino dos Céus. O terceiro tipo de eunuco, portante, é o
daqueles que, nao conseguindo viver seu matrimonio, sao chamados á
vida una por amor do Reino dos Céus! A tal ponto chega a radicaiidade
do Evangelho, que certamente nao é bonacháo!

6) O ecumenismo ou a aproximacáo dos crístáos separados nao há

263
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

de ser cultivado mediante derrogacáo á verdade revelada por Jesús


Cristo. A genuína caridade nao pisoteia a verdade, mas, ao contrario,
respeita-a, como diz Sao Paulo: "Seguiréis a verdade em amor" (Ef 4,15).
Háring insiste em que os católicos tém que aprender dos demais cristáos...
Nao há dúvida, mas isto nao há de ser feito indistintamente; além do
qué, a recíproca também é verdadeira.

7) O recurso á autoridade de S. Afonso Maria de Ligório (t 1787),


freqüente no livro em foco, toma características incompatíveis com a
Moral católica. S. Afonso nao abonaría o pensamento do Pe. Háring,
muito marcado pelo subjetivismo e a crítica á autoridade da Igreja.

Eis por que lamentamos a publicacáo de tal obra nao somente em


sua língua original alema, mas em diversas traducdes, propensas a
disseminar incertezas e desordem (ou mesmo subversáo) na praxe
pastoral da Igreja. Aos divorciados a Igreja dedica especial solicitude
expressa ñas palavras da Exortacáo Apostólica Familiaris Consortio:

"Exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis a


ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles nao
se consideren} separados da Igreja, podendo, e melhor devendo,
enquanto batizados, participar da sua vida. Sejam exortados a ouvir a
Palavra de Deus, a freqüentar o Sacrificio da Missa, a perseverar na
oragSo, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da
comunidade em favor da justiga, a educaros fílhos na fé crista,' a cultivar
o espirito e as obras de penitencia para assim implorarem, dia a día, a
graga de Deus. Reze por eles a Igreja, encoraje-os, mostre-se máe
misericordiosa e sustente-os na fé e na esperanga" (n° 84).

É para desejar que tais normas mais e mais reconforten! os fiéis


cuja vida conjugal fracassou e cuja fidelidade a Cristo e á Igreja permanece
inabalável.

1 Precisamente esta norma implica que os pais nao casados na Igreja pecam o
Batismo para seus fílhos e significa outrossim que os clérigos nao devem recu
sar o Batismo desses pequeninos, desde que naja certeza moral ou esperanga
fundamentada de que receberáo instrucéo religiosa. O que importa, no caso,
neo é o tipo de vida dos pais, mas a formacáo religiosa dos fílhos. (Nota do
Redator)

284
Serio e Atual:

"BUSCAR SENTIDO NO SOFRÍMENTO"

por Peter Kreeft

Em síntese: Peter Kreeft, autor católico de língua inglesa,


discorre sobrer o tema "sofrimento", abordando todos os aspectos e
objegóes que daí possam derivar contra a existencia ou a Providencia
de Deus. Considera as solugóes que filósofos e artistas propuseram
para o problema da dor e da morte, verificando a insuficiencia de
cada qual das mesmas. Leva em conta outrossim a maneira como
certos autores do Antigo Testamento encararam o assunto; aínda eram
inadequadas. Por último, mostra, aos olhos da fé, que somente em
Jesús Cristo se elucida, de algum modo, o misterio do sofrimento:
Deus o permite porque decorre das limitagóes da criatura; o homem o
padece, mas o Senhor nao Ihe assiste impassível a partir do seu trono
de gloría; Ele o tomou sobre si, fazendo-se homem e experimentando
a ma/s atroz das modalidades de sofrimento e morte para ressuscitar
e transfigurar a dor e a morte. O autor reconhece que somente a fé
consegue penetrar no misterio do sofrimento; verifica, porém, que,
para quem tem fé, as luzes propostas sao aptas a transformar a vida
reconfortando profundamente a pessoa que sofre.

Peter Kreeft nao se identifica no livro em foco; apenas á p. 35 se


lé que "dá aulas de filosofía e religiao". É autor de língua inglesa
católico pelo seu modo de se referirá Igreja, aos Santos e as verdades
da fé. Escreve sobre o tema "sofrimento" em diálogo com o leitor. 1
Este Ihe apresenta objecóes contra a Bondade, o Poder, a Providencia
de Deus, e Peter Kreeft responde-lhe, usando nao somente
argumentos teológicos, mas também conceitos filosóficos aristotélico-
tomistas, que tornam o livro muito rico em dados e de sólida
consistencia. Reconhece que o sofrimento é um misterio, mas misterio
elucidado, de algum modo, pela Paixáo, Morte e Ressurreicáo de
Cristo.

O livro é de leitura agradável, destinado a quem deseje refletir a


fundo sobre todas as facetas da temática "sofrimento". A seguir,
examinaremos de mais perto o contéudo do livro.

1 Peter Kreeft, Buscar Sentido no Sofrimento. Tradugao de Alexandre Patriarca.


Ed. Loyola, S5o Paulo, 1995. 130 x 200 mm. 191 pp.

285
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

1.0 PLANO DO LIVRO

A obra é muito bem arquitetada. Supóe o autor dialogando com o


leitor cético e avesso á fé. Na qualidade de pensador cristáo, Peter
Kreeft considera com o seu interlocutor algumas cenas de sofrimento
real, que a historia de cada dia apresenta ao observador nos hospitais,
ñas estradas, ñas fábricas, ñas familias... A temática é assim, logo de
inicio, bem ilustrada. A seguir, percorre as respostas meramente
humanas que a questáo do sofrimento e da morte no mundo possa
obter; transmite, pois, o pensamento de Sócrates, o de Platáo, o de
Aristóteles, o de Boecio, o de Freud, o de Gabriel Marcel, o de C. S.
Lewis. AnalisaJambém sete sugestoes de artistas, entre os quais
Antoine de Saint-Exupéry no,seu livro "O Pequeño Príncipe". Mostra
que cada qual destas tentativas de solucáo é insuficiente. Passa entáo
á Escritura Sagrada, realcando o que certos personagens bíblicos
(Abraáo, Moisés, Samuel, Jeremias, Oséias, Joel, Isaías, Joáo Batista)
afirmaram ou insinuaram a respeito da temática. Finalmente considera
Jesús Cristo, testemunhando que Ele como Pessoa (p. 138) é a
resposta no "capítulo mais importante do livro" (cap. 7); o autor
desenvolve com lucidez o-significado de expiacáo, a transfiguracáo
do sofrimento e da morte pelo fato de que Deus feito homem os
assumiu; verdade é que deixa o misterio da dor impenetrado, ao menos
em suas últimas minucias; a solucáo depende da fé, como o autor
nao se cansa de repetir. A'.fé, porém, se comprova. de algum modo,
pelos dizeres do capituló 8, em que Peter Kreeft mostra que a
concepcáo crista renova a vida e levanta o ánimo de quem sofre -
coisa que as teorías meramente humanas nao conseguem. O livro se
encerra no seu cap. 10, que considera "por que a modernidade nao
consegue entender o sofrimento": aponta dificuldades de ordem
filosófica e religiosa queembotam o olhar do pensador moderno
perante as grandes verdades da fé; entre estas, encontra-se o
conceito de Bem Supremo identificado com prazer e conquista de
poder; quem abraca tal filosofía de vida, só pode ver no sofrimento
um motivo de escándalo. *■■■■■

Terminando estebreve:sumáriordo.livro; nao podemos deixarde


assinalaralgunserros gráficos: de certa importancia; assim á p.188,
emvez de "o seré nao-ser", leia-se "o ser n3o é o nao-ser". A p.144,
leia-se "causalidade" em vez de "casualidade". Á p.152 leia-se
"Eclesiastes" em lugar de "Eclesiástico". Á p. 43 leia-se "mítico" (=
próprio do mito) em vez de "místico". Á p. 181 nao se leía
"circunsessáo", mas "circunincessáo" (termo técnico da teología
trinitaria). A p. 51 está escrito "O problema do panteísmo nao é que
nao seja inadmissível"; sería entáo admissível?

Importa agora por em relevo algumas das passagens mais


significativas da obra.

286
BUSCAR SENTIDO NO SOFRIMENTO 47

2. A TESE DO LIVRO

O que o autor quer dizer, através de suas páginas muito ricas de


dados, chacóes e ponderales, é o seguinte:
2.1. O Sofrimento: Misterio e nSo Problema
O sofrimento é um misterio, e nao um problema... O problema
tem solucáo, ao passb que o misterio é urna realidade que Deus
penetra e conhece perfeitamente, mas que escapa ao nosso
conhecimento limitado: "Deus tem seus bons motivos para deixar que
coisas ruins acontecam a pessoas boas. Mas Ele nao diz isto a Jó,
que nao consegue descobrir nada... Nossas mentes estáo no escuro,
mas Deus é luz... Estamos no escuro precisamente porque a realidade
é luz, muita luz... Somos como morcegos ou corujas; enxergamos bem
as sombras, mas nao o Sol; pelo excesso de.luz,.o Sol nos cega" (p.
61).

2.2. Luz sobre o Misterio: Jesús Cristo


Esse misterio é, de algum modo, elucidado pela pessoa e a obra
de Jesús Cristo. Deus nao é um Senhor distante, indiferente á dor
dos homens, mas Ele assumiu a natureza humana e quis compartilhar
o sofrimento e a morte dos homens para os transfigurar ou dar-lhes
sentido:1 , ,

"Ele veio á vida e a morte, e ainda faz assim. Ainda está aqui:
Todas as vezes que o fizestes a um déstes mais pequeños, que sao
meus irmáos, foi a mim qué o fizestes1 (Mt 25,40)... Ele está asfixiado
nos fornos de Auschwitz; esgueira-se pelos guetos de Soweto, é
retalhado em milhares de campos de morte... espalhados por todo o
mundo... :■,:■■•" -r- ::•■

Dessa forma, quando sentimos os martelos da vida batendo sobre


nossas cabecasou nossosxoracóes, devernos-estat certos de que
ele está ao nosso lado] absbrvendo cada goípécoñosco. Cada lágrima
que vertemos, torna-se a suá lágrima.-Talvez eje nao as enxugue
prontamente, mas as torna suas? Qual das bp96és'preferiríamos: ter
os própriosolhos secos, oubs'olhos'carregados de lágrimas déle?
Ele'veio/fstá aqui e é b/que importa^íSé naoxura de-imediato lodos
os nossosossos quebrados enossbs'Bmores'e^nossa'vida, ele entra
em todos eles ese reparte como opio,'e nos alimenta. E:nos mostra
que podemos usar nossas próprias feridas como alimento para aqueles
que amamos... , ^J..!.,í_ ■.

Todos os nossos sofrimentosnpodem.ser .convertidos em suas


obras,.nossas paixóes em sua agao. É.porJsto que ele.instituiu a
ora9áo, disse Pascal, para emprestar ás criaturas a dignidade de
caúsalidade... .

Assim a resposta de Deus para o problema do sofrimento nao


apenas aconteceu realmente há dois mil anos, mas ainda acontece

287
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 409/1996

em nossas próprias vidas... Todo o nosso sofrimento pode-se tornar


parte de sua obra, a maior obra jamáis realizada, a obra da salvacáo
de ajudar a conquistar a felicidade eterna para todos os homens que
amamos.

Isto pode serfeito com uma condicáo: que tenhamos fé. Pois a fé
nao é apenas uma escolha mental que fazemos dentro de nos; é como
uma transacáo com ele... A parte dele já está terminada ('está
consumado', ele disse na Cruz). Nossa parte é a de receber o seu
trabalho e deixar que ele naturalmente aja dentro e além das nossas
vidas, incluindo nossas lágrimas. Nos oferecemos isso a ele, e ele
realmente toma nossas vidas e as suas de maneira táo poderosa que
f¡cariamos impressionados. ... . „ '
O crístáo vé o sofrimento, como vé todas as coisas, de maneira
totalmente diferente, num contexto totalmente diferente, da dos
descrentes" (p. 143s).

"Vamos dar um passo para tras. Nos comecamos como misterio


nao apenas do sofrimento, mas o do sofrimento; numtmundo
supostamente criado por um Deus que ama. Como tirar Deus do anzol?
A resposta de Deus é Jesús, Jesús nao é Deus fora do anzol, mas
Deus no anzol. É por isto que a doutrina da Divindade.de ^Cristo é
crucial: se nao é Deus na Cruz, mas apenas umhomem bompentáo
Deus nao está no anzol, na Cruz, no nosso sofrimento. E, se Deus
nao está no anzol, entáo Deus nao íesfá fora rdó anzol. Cómopoderia
ele sentar-se no céue ignorar nossas lágrimas? -' .
Há, como vemos, uma boa razáo para nao acreditarmos em Deus:
o mal. E Deus, ele mesmo, respondeu a esta objecáo nao com palavras,
mas com acóes e lágrimas. As lágrimas de Deus sao Jesús" (pp. 147s).
2.3. Sofrimento e Ateísmo : ., ,; 3 ,>.

Interessante é também o seguinte raciocinio sobre o ateísmo:


"Pode haver um argumento .muito bom contra. Deus -o mal -.
Mas há muitos butros bons argumentos a seu favor. Na yerdade, há
pelo.menos quinze argumentos diferentes a favor,dejDeus^O malré
uma evidencia contra Deus> Mas^a.maipria das evidénciasESáoiáíavor
de Deus. Os ateus devem responder, a Jtodos^osaquiñze ¿argumentos,
os que créem em.Deus devem responder a apenas um"jp. 40}.-,
Em suma, a leitura do livro émüito enriqueceddral Abre
perspectivas interessantes, visto que o autor tem grande cultura
filosófica, teológica e literaria. As vezes usa de linguagem um tanto
obscura, que o trádutor nao ajuda a esclarecer. ;Támbém o-estilo
poético e¡metafórico de algumas passagens deixao leitór. inseguro
quanto á interpreta9§o:Mas a obra como tal é de grande valor; merece
ser lida com vagar e atencáo, pois ela fala profundamente aoleitor,
mesmo ao menos disposto a crer na Providencia Divina.

Estévao Bettencourt O.S.B.

288
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