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Manual de Cardiogeriatria

Esta primeira edição do Manual de Cardiogeriatria


1ª Edição
tem como objetivo principal discutir, de forma objetiva
e eminentemente prática, a partir da avaliação da
literatura mais atualizada sobre o tema e da grande
experiência dos autores médicos envolvidos, os
principais tópicos relacionados ao diagnóstico e
tratamento das doenças cardiovasculares em idosos.
Pretende-se também que ela sofra revisões periódicas

Manual de Cardiogeriatria
a cada dois anos, que visam incorporar o enorme
volume de informações científicas, que tem crescido
de forma exponencial nos últimos anos.
Creio que todos os autores convidados, aos quais
agradecemos a dedicação e vibração com que
abraçaram a idéia, esperam que ela possa contribuir
para a melhora cada vez mais significativa do aten-
dimento oferecido ao idoso cardiopata em nosso país.

Programa de Educação Médica Continuada LIBBS


Manual de
Cardiogeriatria
Manual de Cardiogeriatria
Copyright © 2002 – Jairo Lins Borges
Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema,
sem prévio consentimento da editora, ficando os infratores sujeitos às penas
previstas em lei. Todos os direitos desta edição reservados a:
Lemos Editorial & Gráficos Ltda.
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Produção editorial: Márcia Muniz da Mata e Sandra Regina dos Santos Santana
Diagramação: Rogério Richard
Revisão: Companhia Editorial
Produção gráfica: Altamir França

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Borges, Jairo Lins/Coordenação


Manual de Cardiogeriatria/ Jairo Lins Borges –
São Paulo : Lemos Editorial, 2002.

Vários autores.
Apoio: Libbs Farmacêutica Ltda.
ISBN 85-7450

1. Manual de Cardiogeriatria I. Título

CDD-6161

Índice para catálogo sistemático:


1. Cardiogeriatria: Cardiologia: Medicina 6161

Impresso no Brasil
2002
Autores

Felício Savioli Neto


Médico-Chefe do Serviço de Cardiogeriatria do Instituto Dante
Pazzanese de Cardiologia de São Paulo.
Hélio M. Magalhães
Diretor Médico do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São
Paulo.
Jairo Lins Borges
Médico do Serviço de Cardiogeriatria do Instituto Dante Pazzanese
de Cardiologia de São Paulo. Médico Coordenador do Projeto.
Stela Maris Grespan
Médica do Serviço de Cardiogeriatria do Instituto Dante Pazzanese
de Cardiologia de São Paulo.
Marcelo Chiara Bertolami
Médico-Chefe do Serviço de Dislipidemia do Instituto Dante
Pazzanese de Cardiologia de São Paulo.
Otavio Rizzi Coelho
Chefe da Disciplina de Cardiologia da FCM – Unicamp.
Willian Cirillo
Médico-Assistente de Cardiologia do HC – Unicamp.
Osvaldo Massayoshi Ueti
Médico-Assistente de Cardiologia do HC – Unicamp.
Fernando Abarca Schelline
Professor-Assistente e Chefe da Enfermaria de Cardiologia do HC –
Unicamp.
Humberto Pierri
Médico do Serviço de Cardiogeriatria do Instituto do Coração do
HCFMUSP.
João B. Serro-Azul
Médico do Serviço de Cardiogeriatria do Instituto do Coração do
HCFMUSP.
Marcia Regina Pinho Makdisse
Médica do Setor de Cardiogeriatria da Universidade Federal de São Paulo.
Antonio Carlos Pereira Barretto
Professor Associado da USP. Diretor do Serviço de Prevenção e
Reabilitação do Instituto do Coração (InCor) – HCFMUSP.
Zilda Meneghello
Médica-Chefe do Serviço de Valvulopatias do Instituto Dante
Pazzanese de Cardiologia de São Paulo.
José Luiz Santello
Cardiologista. Doutor em Nefrologia pela FMUSP. Assistente da Liga
de Hipertensão do HCFMUSP.
André d’Avila
Médico da Unidade Clínica de Arritmia e Marca-Passo do Instituto
do Coração (InCor) – HCFMUSP.
Anísio Pedrosa
Médico da Unidade Clínica de Arritmia e Marca-Passo do Instituto
do Coração (InCor) – HCFMUSP.
Leandro Zimerman
Médico do Serviço de Cardiologia do Hospital das Clínicas de Porto
Alegre, RS.
Dalmo Antonio Ribeiro Moreira
Chefe da Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmias Cardíacas do
Departamento de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese
de Cardiologia de São Paulo.
Cecília Maria Barroso Quaglio
Médica Responsável pela Unidade de Anticoagulação do Serviço de
Valvulopatias do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São
Paulo.
Michel Batlouni
Diretor do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo.
Professor de Pós-Graduação em Cardiologia da FMUSP. Livre-
Docente de Clínica Médica da FMUFGO.
Apresentação

A cardiogeriatria é uma especialidade razoavelmente nova no âmbito


da cardiologia clínica. Ela tem funcionado na prática como um “enorme”
grupo de pesquisa, que procura integrar cardiologistas, clínicos e geriatras
do mundo inteiro, interessados em entender e tratar melhor as doenças
cardiovasculares e suas formas de manifestação, muitas vezes peculiares
e atípicas ou silenciosas, no paciente idoso. Ao mesmo tempo, contribui,
de forma indiscutível, para a valorização e a dignificação do idoso, em
um contexto mundial cada vez mais voltado para a tecnologia e a
capacidade de ação produtiva, características muito ligadas a populações
mais jovens.
Deve-se sempre ter em mente, no entanto, que, por sua grande
experiência e conhecimento acumulados, os idosos muito têm a contribuir
para o desenvolvimento de um mundo melhor e menos árido. Quando
poderíamos classificar um indivíduo como idoso? Após a aposentadoria,
por exemplo? Do ponto de vista prático, talvez mais para efeito de pesquisa
clínica, estabeleceu-se que idosos são aqueles que ultrapassaram a linha
divisória cronológica dos 65 anos. Alguns, no entanto, já falam em 75 ou
80 anos como o momento do limiar da senilidade. Aspectos ligados à
integração e expectativa pessoal em relação à vida, ao grau de
independência individual, à aparência biológica, à função cognitiva e à
qualidade de vida do idoso parecem mais importantes que a frieza de um
corte cronológico que fatalmente contém em seu bojo elevada carga de
subjetividade. Cada vez mais, são oferecidos ao idoso procedimentos
diagnósticos e terapêuticos invasivos, inclusive, visando reduzir a
morbimortalidade das doenças cardiovasculares, consideradas de longe
as que mais afligem e dizimam esse segmento populacional. Tudo isso,
no entanto, deve ser regido por elevado grau de bom senso, respeitando-se
sempre o direito de escolha do paciente e de seus familiares.
Esta primeira edição do Manual de Cardiogeriatria tem como
objetivo principal discutir, de forma objetiva e eminentemente prática, a
partir da avaliação da literatura mais atualizada sobre o tema e da grande
experiência dos autores médicos envolvidos, os principais tópicos
relacionados ao diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares
em idosos. Pretende-se também que ela sofra revisões periódicas a cada
dois anos, que visam incorporar o enorme volume de informações
científicas, que tem crescido de forma exponencial nos últimos anos.
Nosso país é tão rico em pesquisadores e escritores médicos com
elevado grau de excelência nessa área que muitos nomes de destaque
nacional e internacional não foram incluídos neste compacto manual.
Isso, no entanto, só vem enobrecer a medicina brasileira, celeiro farto de
grandes talentos.
Todos os colegas que acessarem este manual prático estão convi-
dados a participar de suas atualizações, mediante críticas e suges-
tões, que poderão ser encaminhadas pelo endereço eletrônico
manualdecardiogeriatria@lemos.com.br
Creio que todos os autores convidados, aos quais agradecemos a
dedicação e vibração com que abraçaram a idéia, esperam que ela possa
contribuir para a melhora cada vez mais significativa do atendimento
oferecido ao idoso cardiopata em nosso país.
Por fim, gostaríamos de agradecer ao laboratório Libbs Farmacêutica
que eticamente, por meio de seu programa de educação médica
continuada, patrocinou a publicação deste manual prático, jamais
influenciando o conteúdo científico da obra ou o direito de cada autor
manifestar seu pensamento, de forma livre e irrestrita.

Jairo Lins Borges


Coordenador do Projeto
Índice

1 - O Envelhecimento e o Sistema Cardiovascular

Alterações vasculares ...................................................... 14


Alterações cardíacas ....................................................... 14
Alterações autonômicas .................................................. 15
Referências bibliográficas ............................................... 17

2 - Doença Coronária Crônica no Idoso


Introdução ....................................................................... 19
Importância e epidemiologia .......................................... 22
Diagnóstico ...................................................................... 23
Estratificação de risco ..................................................... 24
Fatores de risco............................................................... 26
Tratamento clínico ........................................................... 29
Tratamento intervencionista ............................................. 35
Referências bibliográficas ............................................... 41

3 - Fatores de Risco para Doença Coronária


em Idosos
Referências bibliográficas ............................................... 54

4 - Peculiaridades da C ardiopatia Isquêmica


Aguda no Idoso
Manuseio e evidências clínicas ....................................... 59
Técnicas de revascularização do miocárdio .................. 61
Conclusão ........................................................................ 62
Referências bibliográficas ............................................... 63

5 - Doença Arterial Periférica em Idosos


Aterosclerose periférica ................................................... 67
Doença de pequenos vasos ............................................ 72
Fenômeno de Raynaud ................................................... 73
Referências bibliográficas ............................................... 74
6 - Hipertensão Arterial no Idoso
Epidemiologia .................................................................. 75
Aspectos fisiopatológicos ................................................ 76
Peculiaridades clínicas .................................................... 77
Considerações terapêuticas ............................................ 78
Principais medicamentos ................................................ 80
Conclusões ...................................................................... 83
Referências bibliográficas ............................................... 83
7 - Hipotensão e Síncope no Idoso
Síncope ............................................................................ 87
Classificação .................................................................... 90
Avaliação diagnóstica ...................................................... 94
Tratamento ....................................................................... 97
Medidas gerais ................................................................ 97
Tratamento específico ..................................................... 97
Referências bibliográficas ............................................... 99
8 - Insuficiência Cardíaca nos Idosos
Fisiopatologia ................................................................ 102
Diagnóstico .................................................................... 106
Tratamento ..................................................................... 106
Tratamento medicamentoso ......................................... 108
Digital e diuréticos ......................................................... 108
Inibidores da enzima conversora e antagonistas
dos receptores da angiotensina II ............................ 110
Betabloqueadores ......................................................... 113
Considerações finais ..................................................... 114
Referências bibliográficas ............................................. 115
9 - Valvulopatia no Idoso
Introdução ..................................................................... 119
Estenose aórtica ............................................................ 120
Insuficiência mitral ......................................................... 124
Insuficiência aórtica ....................................................... 126
Estenose mitral .............................................................. 127
A escolha da prótese ..................................................... 129
Profilaxia da endocardite ............................................... 130
Referências bibliográficas ............................................. 132

10 - Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico


Avaliação da função renal ............................................. 136
Preservação da função renal:
estratégias gerais ..................................................... 137
Referências bibliográficas ............................................. 143

11 - Tratamento das Arritmias Cardíacas


no Paciente Idoso
Introdução ..................................................................... 145
Bradiarritmias ................................................................ 146
Taquiarritmias ................................................................ 148
Tratamento farmacológico ............................................ 149
Tratamento não-farmacológico ..................................... 153
Diretrizes do DAEC para ablação por
cateter das arritmias cardíacas ................................ 154
Taquicardia sinusal inapropriada .................................. 155
Taquicardia atrial ........................................................... 155
Ablação da junção AV ................................................... 156
Fibrilação atrial .............................................................. 156
Flutter atrial .................................................................... 157
Taquicardia por reentrada nodal ................................... 158
Síndrome de Wolff-Parkinson-White e outras vias
acessórias da condução atrioventricular .................. 158
Taquicardia ventricular idiopática .................................. 160
Taquicardia ventricular com
cardiopatia estrutural ................................................ 160
Diretrizes do DAEC para o implante do cardioversor-
desfibrilador automático ........................................... 161
Prevenção primária ....................................................... 162
Prevenção secundária ................................................... 162
Referências bibliográficas ............................................. 164

12 - Fibrilação Atrial em Idosos


Introdução ..................................................................... 169
Apresentação clínica ..................................................... 170
Sinais e sintomas ........................................................... 171
Tratamento ..................................................................... 172
Restabelecimento do ritmo sinusal ............................... 172
Controle da resposta ventricular ................................... 174
Tratamento da fibrilação atrial paroxística .................... 174
Tratamento da fibrilação atrial persistente .................... 175
Anticoagulação precedendo a
cardioversão da fibrilação atrial ............................... 177
Prevenção de recorrências ........................................... 178
Tratamento da fibrilação atrial permanente .................. 180
Referências bibliográficas ............................................. 181

13 - Anticoagulação Oral no Paciente Idoso


Introdução ..................................................................... 185
Tromboembolismo ........................................................ 185
Complicações hemorrágicas ........................................ 187
Mecanismo de ação dos anticoagulantes orais ............ 188
Anticoagulantes orais .................................................... 188
Monitorização ................................................................ 189
Controle ambulatorial .................................................... 189
Indicações ..................................................................... 190
Índice terapêutico.......................................................... 190
Interações medicamentosas ......................................... 191
Dieta ............................................................................... 191
Definição do risco anual de eventos
tromboembólicos ...................................................... 192
Manuseio perioperatório ................................................ 193
Manuseio de pacientes com valores
elevados de INR ....................................................... 193
Conclusão ...................................................................... 193
Referências bibliográficas ............................................. 195

14 - Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular


no Idoso
Alterações farmacocinéticas
relacionadas à idade ................................................ 198
Alterações farmacodinâmicas
relacionadas à idade ................................................ 202
Fármacos cardiovasculares .......................................... 204
Glicosídeos digitálicos ................................................... 204
Diuréticos ....................................................................... 205
Bloqueadores beta-adrenérgicos ................................. 206
Antagonistas dos canais de cálcio ................................ 207
Nitratos .......................................................................... 208
Inibidores da enzima conversora
da angiotensina ........................................................ 208
Agentes fibrinolíticos ...................................................... 209
Fármacos hipolipemiantes ............................................ 209
Fármacos antiarrítmicos ................................................ 210
Princípios e recomendações para a
terapêutica farmacológica no idoso ......................... 211
Referências bibliográficas ............................................. 213
Capítulo 1

O Envelhecimento
e o Sistema
Cardiovascular
Felício Savioli Neto
Hélio M. Magalhães

A expectativa de vida média do brasileiro vem aumentando


significativamente nos últimos anos, proporcionando um maior número
de idosos na população geral. Assim, neste inicio de século, o Brasil
começa a apresentar tendências de envelhecimento populacional1 . Entre
as doenças com maior incidência nessa população, as patologias
cardiovasculares são as mais freqüentes. Aproximadamente 50% dos
pacientes atendidos em ambulatório de cardiologia são idosos, e cerca
de 50% dos idosos atendidos em ambulatório de geriatria apresentam
pelo menos uma cardiopatia. Portanto, antes de conhecermos as
peculiaridades das principais cardiopatias que acometem a população
geriátrica é fundamental o conhecimento sobre as alterações
cardiovasculares observadas com o processo natural de envelhecimento.
Tais alterações, apesar de muito bem estabelecidas na literatura,
apresentam intensidade com grande variação individual, proporcionando
uma freqüente dissociação entre as idades biológica e cronológica. Assim,
é comum observarmos pacientes cronologicamente idosos, mas
fisiologicamente jovens e vice-versa. Não obstante, identificar o momento
no qual o adulto torna-se idoso é uma missão praticamente impossível,
pois o processo de envelhecimento é contínuo e sem limites definidos,
além de, ser acompanhado de alta prevalência da doença arterial coronária
e de importantes alterações no estilo de vida. A freqüente intersecção
entre esses três fatores estabelece nosso grande desafio: identificar as
O Envelhecimento e o Sistema Cardiovascular

alterações próprias do envelhecimento. Por outro lado, nem sempre é


possível diferenciar os efeitos fisiológicos do envelhecimento sobre o
sistema cardiovascular daqueles provocados por cardiopatias e/ou estilo
de vida sedentário.
O objetivo deste capítulo é descrever as principais alterações car-
diovasculares observadas com o processo natural de envelhecimento, na
ausência de cardiopatias ou influências de estilo de vida, adotando como
definição de idoso todo indivíduo com idade ≥ 65 anos.

Alterações vasculares
Com o avançar da idade as grandes artérias tornam-se mais rígidas,
suas paredes mais espessas e suas formas mais alongadas e dilatadas. A
perda progressiva de tecido elástico, o acúmulo de tecido conjuntivo e o
depósito de cálcio são as principais razões para tais alterações2 . Conse-
qüentemente se observa importante redução na distensibilidade parietal
das grandes artérias, em especial a aorta, clinicamente evidenciada pelo
aumento na velocidade de propagação da onda de pulso3 . O enrijecimento
das grandes artérias promove elevação dos níveis de pressão sistólica
(dentro dos limites normais), aumento da impedância aórtica e subse-
qüente aumento na espessura da parede ventricular esquerda 2 . Entre as
idades de 20 e 80 anos observa-se um acréscimo de 25% a 30% nos
níveis de pressão sistólica4 , correspondendo aproximadamente ao
acréscimo de 1 mmHg por ano em homens e mulheres com idades até
70 anos, e 1,2 mmHg nas mulheres com mais de 70 anos 5 . A pressão
diastólica não sofre modificações significativas com o envelhecimento.
Berman et al., estudando os efeitos do envelhecimento sobre o sistema
cardiovascular, observaram um acréscimo de 30% na espessura da
parede ventricular esquerda, na oitava década de vida, e aumento no
diâmetro da aorta ascendente, na ordem de 9% por década 4 .

Alterações cardíacas
O processo natural de envelhecimento está associado ao aumento da
pós-carga acompanhado de discreto aumento na espessura da parede
ventricular esquerda, porém, com índices ecocardiográficos mantendo-se
dentro dos limites da normalidade (< 11 mm) 6 . Estudos necroscópicos e
ecocardiográficos demonstraram que o aumento na espessura do septo

14
O Envelhecimento e o Sistema Cardiovascular

e da parede livre do ventrículo esquerdo é de apenas 0,3 mm por década,


entre os 30 e 70 anos 7,8 .
O espessamento da parede ventricular associado à progressiva perda
de miócitos e subseqüente substituição destes por tecido fibroso são
determinantes para o aumento na rigidez ventricular. Assim, com a
diminuição da complacência e subseqüente aumento da pressão diastólica
do ventrículo esquerdo, observa-se aumento nas dimensões do átrio
esquerdo2 . Do ponto de vista funcional, aumenta-se a importância da
participação atrial no enchimento ventricular. Assim, o impacto do processo
natural de envelhecimento sobre a função cardiovascular está direcionado
às propriedades diastólicas do coração (Tabelas 1 e 2).
O estudo da função diastólica é realizado de forma indireta, geralmente
pelo eco-doppler-cardiograma, através de seis diferentes índices. Spirito
et al. estudaram esses índices em 86 voluntários, com idades entre 20 e
74 anos e concluíram que o índice que melhor se correlacionou com o
avançar da idade foi a velocidade do fluxo diastólico máximo final9 . A
relação tempo–velocidade de enchimento ventricular inicial (E) e final
(A) é significativamente menor nos idosos, quando comparada com os
mais jovens 10 .
A função sistólica não é comprometida pelo processo natural de
envelhecimento. Gerstenblith et al., através da ecocardiografia, estudaram
a função sistólica de 105 indivíduos saudáveis, com idades entre 25 e 84
anos e concluíram que a fração de ejeção do ventrículo esquerdo não se
alterava com o avançar da idade 6 .

Alterações autonômicas
Os níveis plasmáticos de adrenalina e noradrenalina aumentam com
a idade. A hiperatividade simpática promove dessensibilização progressiva
dos receptores adrenérgicos cardíacos e vasculares, comprometendo os
mecanismos contra-regulatórios. Assim, os idosos apresentam resposta
normal ao estímulo alfa-adrenérgico e atenuada ao estímulo beta-
adrenérgico (Tabela 3).
Durante esforço físico, o aumento da freqüência cardíaca é menos
intenso do que nos jovens. Nos idosos, a resposta cardiovascular diante
do esforço físico é parecida com aquela observada nos jovens sob efeito
de drogas betabloqueadoras.
15
O Envelhecimento e o Sistema Cardiovascular

Tabela 1
Envelhecimento cardiovascular

Tabela 2
Modificações funcionais

Tabela 3
Modificações autonômicas

16
O Envelhecimento e o Sistema Cardiovascular

Referências bibliográficas
1. Ministério do Planejamento e Orçamento. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Grupos Populacionais Específicos.
Rio de Janeiro, 1996, vol. 56, pp.2-612-72.
2. Lakata EG. Cardiovascular system. In: Masoro EJ (ed.). Aging. Handbook of
physiology. Oxford University Press, 1995, pp. 413-74.
3. Nichols WW, O'Rourke MF, Avolio AP, Yagin-Uma T, Murgo JP, Pepine CJ, Conti
CR. Effects of age on ventricular-vascular coupling. Am J Cardiol 1985;55:1179-
84.
4. Berman ND. Geriatric cardiology Lexington, MA: The Collamore Press, DC
Health&Co,1982, pp. 1, 111, 205.
5. Landahl S, Bengtsson C, Sigurdsson JA et al. Age-related changes in blood pressure.
Hypertension 1986;8:1044-9.
6. Gerstenblith G, Fredericksen J,Yin FCP et al. Echocardiographic assessment of a
normal adult aging population. Circulation 1977;56:273-8.
7. Kitzman DW, Scholz DG, Hagen PT et al. Age-related changes in normal human
hearts during the first 10 decades of life. Party II (maturity): a quantitative anatomic
study of 765 specimens from subjects 20 to 99 years old. Mayo Clinic Proc
1988;63:137-46.
8. Gardin JM, Henry WL, Savage DD et al. Echocardiographic measurements in
normal subjects: evaluation of an adult population without clinically apparent
heart disease. Journal of Clinical Ultrasound 1979;7:439-47.
9. Spirito P, Maron BJ. Influence of aging on Doppler echocardiographic índices of
left ventricular function. Br Heart J 1988;59:673.
10. Bryg RJ, Williams GA, Labovitz AJ. Effect of aging on left ventricular diastolic
filling in normal subjects. Am J Cardiol 1987;59:971.
11. Pfeifer MA et al. Differential changes of autonomic nervous system function with
age in mam. Am J Med 1983;76:249.

17
18
Capítulo 2

Doença Coronária
Crônica no Idoso
Jairo Lins Borges
Stela Maris Grespan

Introdução
A doença coronária crônica (DCC) constitui um sério problema de
saúde pública1 nos países ocidentais. Sua incidência tem se elevado, à
medida que aumenta o número de idosos (≥ 65 anos), o maior contingente
populacional portador dessa afecção. A angina do peito, sua manifestação
mais expressiva, está presente em cerca de 50% dos casos. Nos últimos
anos, a partir do melhor conhecimento de sua fisiopatologia, tanto o
tratamento farmacológico quanto o intervencionista da DCC evoluíram
consideravelmente. Todo esse avanço tecnológico permitiu ao paciente
idoso experimentar grande benefício em termos de redução de morbimortali-
dade dessa síndrome clínica, que apresenta elevado potencial de gravidade.
A angina estável crônica se caracteriza por dor ou desconforto na
face anterior do tórax, com irradiação para mandíbula, ombros, membros
superiores ou região dorsal, desencadeada ou agravada por esforço físico
ou estresse emocional e aliviada pelo afastamento do agente precipitante
ou pela utilização de nitroglicerina sublingual.
O diagnóstico de angina do peito é fundamentalmente clínico e sua
presença indica, como regra, a existência de lesão aterosclerótica signi-
ficativa (≥ 70%), envolvendo pelo menos um vaso coronário epicárdico
maior. A dor precordial pode, no entanto, apresentar etiologia não rela-
cionada à doença aterosclerótica coronária (DAC), sendo, por vezes, atri-
buída a condições cardiovasculares outras, como: cardiomiopatia hipertró-
fica, valvulopatias e hipertensão arterial sistêmica (HAS) não controlada.
19
Doença Coronária Crônica no Idoso

A lesão aterosclerótica coronária, mesmo quando inaparente ao estudo


cinecoronariográfico, pode ser responsável por espasmo coronário ou
modificações do tônus desses vasos, levando ao surgimento de crises
súbitas de dor precordial e à variabilidade do limiar anginoso.
Com freqüência, o médico é confrontado com a necessidade de estabe-
lecer o diagnóstico diferencial entre angina do peito, precordialgia atípica
e dores de origem não relacionada ao sistema cardiovascular. O paciente
idoso costuma apresentar alterações osteomusculares e gastroesofágicas,
facilmente confundidas com manifestações da DCC. Deve-se ter em men-
te que essas condições clínicas podem, inclusive, coexistir com a doença
isquêmica coronária. Os estudos clássicos de Diamond e Forrester2 na
década de 1970 demonstraram que a avaliação cuidadosa permite
estabelecer, com elevado grau de certeza, o risco de existência de DAC
(Tabela 1), a partir da análise das características clínicas da dor e de
variáveis simples como idade e sexo. Observa-se que com o aumento da
idade, mesmo dores consideradas atípicas apresentam maior correlação
com DAC. Muitas vezes, no entanto, esses sintomas não são valorizados
pelo paciente ou mesmo pelo médico, chegando a ser considerados
característicos do processo natural de envelhecimento.
A isquemia silenciosa (IS) é encontrada em 20% a 50% dos idosos 3-
5
, sendo identificada normalmente através do teste ergométrico (TE) ou
da eletrocardiografia dinâmica (Holter). Estima-se que 80% dos episódios
isquêmicos sejam silenciosos 15 . A IS constitui um marcador de risco futuro
de eventos coronários maiores (morte ou infarto do miocárdio).
Constituem fatores de risco para IS: idade avançada, DAC estabelecida,
hipertrofia ventricular esquerda (HVE), obesidade e doença ateros-
clerótica de membros inferiores (MMII).

Tabela 1
Probabilidade de existência de DAC em pacientes sintomáticos, de acordo com a idade
e o sexo (combinação de dados de Diamond e Forrester, com o estudo CASS)
Angina típica Precordialgia Dor torácica de origem
atípica não-cardiovascular
Idade (anos) Homem (%) Mulher Homem (%) Mulher Homem (%) Mulher
30-39 76 26 34 12 4 2
40-49 87 55 51 22 13 3
50-59 93 73 65 31 20 7
60-69 94 86 72 51 27 14

20
Doença Coronária Crônica no Idoso

Fatores de comorbidade, como anemia, hipertireoidismo, obesidade,


insuficiência cardíaca (IC) descompensada, infecções, febre e doença
de Paget óssea, aumentam a atividade adrenérgica e podem promover
desequilíbrio entre a oferta e o consumo miocárdico de oxigênio,
precipitando episódios anginosos ou simulando agravamento da doença.
A identificação e correção desses fatores, muitas vezes é suficiente para
restaurar a condição de estabilidade e permitir a manutenção do tratamento
clínico convencional.
A classificação da angina do peito da Sociedade Canadense de Cardiolo-
gia 6 (Tabela 2) é utilizada na prática clínica para definir a gravidade e
progressão da DCC. Dor precordial precipitada apenas por esforços maiores
que os habituais está em geral relacionada a melhor prognóstico, enquanto
o aparecimento de angina em repouso, a mínimos esforços ou em caráter
progressivo, constitui marcador de maior gravidade.
A doença aterosclerótica não-coronária inclui a doença cerebrovas-
cular e a doença arterial periférica de MMII. Sua presença é mais comum
no idoso e, em geral, está associada a processo aterosclerótico mais
generalizado, com elevada incidência de DAC, mesmo entre pacientes
que não apresentem indícios clínicos de DCC. Estudo desenvolvido na
Cleveland Clinic 14 demonstrou que a realização de cinecoronariografia

Tabela 2
Classificação da angina do peito da Sociedade Canadense de Cardiologia (CCS)
Classificação da CCS Perfil clínico Capacidade
funcional
(em METS)
Classe I Atividades habituais não provocam dor. 7
A dor surge apenas aos grandes esforços,
como correr ou carregar peso.
Classe II A dor provoca apenas discreta restrição 5
da capacidade de efetuar atividades
habituais.
Classe III A dor provoca grande limitação da 2
capacidade de efetuar atividades habituais.
Classe IV A dor é extremamente limitante, <2
surgindo em repouso ou impedindo a
execução de atividades básicas, como
alimentar-se, trocar-se ou tomar banho.
MET – Unidade metabólica de consumo de O 2 ; 1 MET = 3,5 ml/kg/min (equivalente a permanecer sentado e
inativo). Ver Anexo II.

21
Doença Coronária Crônica no Idoso

rotineira em pacientes que iam submeter-se a cirurgia vascular periféri-


ca eletiva permitiu identificar a existência de algum grau de envolvimento
aterosclerótico coronário em 90% dos casos e a presença de doença
triarterial grave em 28% dos pacientes avaliados.

Importância e epidemiologia
Algo em torno de 60% dos casos de infarto agudo do miocárdio
(IM) ocorrem em pessoas com idade ≥ 65 anos, dos quais 30% envolvem
pacientes com idade superior a 75 anos 7,8 . A mortalidade hospitalar por
IM é três vezes maior no idoso. Cerca de 80% das mortes decorrentes
de IM ocorrem em pacientes idosos 9 . A morbidade do IM é também
elevada em idosos, resultando com freqüência em limitação de
capacidade funcional, disfunção ventricular esquerda e IC.
Eventos coronários maiores são duas a três vezes mais freqüentes
em pacientes que apresentam IS, sobretudo quando esse sinal clínico
ocorre em pacientes com IC ou arritmias ventriculares. Desse modo, a
identificação de IS em idosos reveste-se de grande importância clínica e
prognóstica.
A mortalidade da DAC (Figura 1) eleva-se exponencialmente, com o
avançar da idade, tanto no sexo masculino quanto no feminino. Pacientes

Figura 1 – Mortalidade média da DAC, por idade e sexo, nos Estados Unidos em
1993. 1997 Heart and Stroke Statistical Update. Dallas (Texas), American Heart
Association, 1996.

22
Doença Coronária Crônica no Idoso

idosos coronariopatas apresentam também maior prevalência de doença


multiarterial e níveis mais rebaixados de fração de ejeção do ventrículo
esquerdo (FEVE)10 .

Diagnóstico
Embora a angina clássica de esforço seja uma forma comum de mani-
festação da DCC no idoso, ela pode não ser detectada, mesmo em fases
avançadas da doença, devido à elevada prevalência de sedentarismo
nessa faixa etária e à coexistência de doenças incapacitantes, tanto do
ponto de vista funcional quanto do cognitivo. Por essa razão, os quadros
isquêmicos agudos (angina instável, infarto ou morte súbita), são com
freqüência, a primeira forma de manifestação de DAC no idoso.
Em muitos casos, no entanto, a dispnéia de esforço, devido a efeitos
isquêmicos sobre as funções sistólica e/ou diastólica do miocárdio, pode
ser a forma de apresentação da DCC no idoso. Essa condição é conhecida
clinicamente como equivalente anginoso.
Em estudo clínico de avaliação de pacientes idosos com DAC docu-
mentada, a angina do peito foi encontrada isoladamente em 25% a 43%
dos casos; a dispnéia isolada em 8% a 25% dos casos e a combinação
de angina e dispnéia em quase 50% dos pacientes11 .
A IS é também uma forma de manifestação freqüente da doença em
idosos12 , sobretudo em presença de fatores como: HAS, tabagismo, diabe-
tes melito (DM) e entre pacientes que utilizam antiinflamatórios não-
hormonais regularmente. O elo comum entre essas associações parece
ser uma alteração da capacidade de percepção da dor.
A isquemia miocárdica pode manifestar-se na forma de descompen-
sação aguda de IC13 ou como edema agudo de pulmão, sobretudo em
presença de HAS e de alterações eletro ou ecocardiográficas compa-
tíveis com o diagnóstico de HVE.
Arritmias cardíacas, sintomáticas ou não, embora consideradas inespe-
cíficas, podem estar relacionadas à doença isquêmica coronária no idoso,
podendo levar, inclusive, à morte súbita, mesmo antes da identificação
de sua etiologia.
O exame físico freqüentemente é considerado normal. A presença
de bulhas acessórias, sopros e de indícios clínicos de insuficiência cardíca
ou de lesões ateroscleróticas em outros leitos vasculares, pode levar à
suspeita de DAC crônica.
23
Doença Coronária Crônica no Idoso

O eletrocardiograma e o ecocardiograma simples podem fornecer


subsídios valiosos para a avaliação diagnóstica e prognóstica da DAC
manifesta ou latente. Com freqüência, pode-se identicar, através desses
exames, a existência de áreas isquêmicas ou necróticas do miocárdio,
mesmo em idosos assintomáticos ou sem diagnóstico estabelecido de
DAC. A radiografia simples de tórax permite a visualização da área car-
díaca, da presença de calcificação ou dilatação da aorta e da situação da
circulação pulmonar, bem como a identificação de derrame pleural, forte
indicador da existência de IC.

Estratificação de risco
Pacientes idosos com diagnóstico estabelecido ou sob suspeita de
apresentarem DAC crônica podem ser mantidos em tratamento clínico,
sem que haja necessidade de indicação de estudo angiográfico coronário
invasivo. Os excelentes índices de sensibilidade e especificidade dos
métodos não-invasivos de diagnóstico atualmente disponíveis (Tabela
3) permitem estabelecer com segurança o diagnóstico e prognóstico da
doença, na grande maioria dos casos.
Uma vez estabelecido o diagnóstico clínico de DAC crônica estável,
o passo seguinte deve ser a definição imediata do prognóstico que pode
ser obtido com facilidade pela realização de exames não-invasivos de
diagnóstico. São indicados normalmente o TE simples e os métodos de
imagem que utilizam técnicas de medicina nuclear ou ecocardiografia,
associadas ao TE simples ou à indução farmacológica de resposta
vasodilatadora coronária ou isquêmica do miocárdio. Embora acrescentem

Tabela 3
Sensibilidade e especificidade dos exames não-invasivos utilizados
no diagnóstico da DAC16,17
Método diagnóstico Sensibilidade Especificidade No de No de
(média) % (média) % estudos pacientes
TE simples 68 77 132 24.074
CPM planar 79 (70-94) 73 (43-97) 6 510
CPM por técnica 88 (73-98) 77 (53-96) 8 628
de SPECT
Ecocardiograma de 76 (40-100) 88 (80-95) 10 1.174
estresse
TE – Teste ergométrico; CPM – Cintilografia de perfusão miocárdica; SPECT – Tomografia
computadorizada por emissão de fóton único.

24
Doença Coronária Crônica no Idoso

informações importantes, quando comparados ao TE simples, por


permitirem a localização específica e a avaliação da extensão da área
isquêmica miocárdica em risco, além de poderem avaliar in loco a
resposta do ventrículo esquerdo ao agente provocador de isquemia, os
métodos de imagem não parecem superiores ao TE simples, quando se
considera a importante questão da relação custo–efetividade 16 , exceto
quando o paciente não tiver condições de deambular na esteira ou o
perfil do ECG de repouso (Tabela 4) não permitir a interpretação con-
fiável do comportamento do segmento ST.
A interpretação do TE simples como positivo ou negativo, baseando-se
apenas na análise isolada do comportamento do segmento ST do ECG,
constitui simplificação perigosa e deve ser evitada. Outras informações
importantes são acrescentadas pela avaliação dos seguintes dados: capa-
cidade funcional do paciente, ocorrência de manifestações clínicas du-
rante a prova e análise de parâmetros hemodinâmicos, como comporta-
mento da pressão arterial, da freqüência cardíaca e do duplo produto
(PAS x FC), indicador indireto do consumo miocárdico de O2 .
Recentemente, um estudo publicado pela Duke University18 , que avaliou
pacientes com diagnóstico de DAC estabelecida, concluiu que parâmetros
extraídos do TE convencional permitem o estabelecimento do risco de
ocorrência de eventos coronários maiores nos próximos quatro anos.
Construiu-se uma equação simples, baseada no tempo total de esforço
desenvolvido na esteira (convertido em número de METS), no grau de
infradesnivelamento do segmento ST durante o exame e na presença ou
não de dor típica durante a prova. O resultado (Tabela 5) é dado em
número absoluto e representa o que os autores denominaram escore de
TE da Duke University.

Tabela 4
Indicações para realização preferencial de exames não-invasivos que utilizam
método de imagem na avaliação diagnóstica e prognóstica da DCC1
• Bloqueio de ramo esquerdo ao ECG de repouso.
• Síndrome de pré-excitação ao ECG de repouso.
• Ritmo de marca-passo artificial.
• Infradesnivelamento do segmento ST > 1 mm ao ECG de repouso.
• Paciente incapacitado para deambular na esteira ergométrica.
• DAC estabelecida e passado de revascularização miocárdica.

25
Doença Coronária Crônica no Idoso

Tabela 5
Escore prognóstico de TE da Duke University
Escore de TE = Tempo total de esforço – 5 x infradesnivelamento – 4 x índice
(convertido em METS) do segmento ST ao TE de angina
MET – Unidade metabólica de consumo de O 2 ; 1 MET = 3,5 ml/kg/min.
Índice de angina – 0: ausência de dor ao TE; 1: dor típica ao TE; 2: dor típica que obriga à suspensão do TE;
TE – Teste ergométrico.

Um escore de TE ≥ 5 indica excelente prognóstico nos próximos


quatro anos (sobrevida: 99%; mortalidade anual: 0,25); escore de TE
< -10, indica risco elevado de evento coronário maior (sobrevida: 79%;
mortalidade anual: 5%).
O estudo cinecoronariográfico, embora possa prestar-se a esclareci-
mento diagnóstico em situações específicas, deve ser indicado apenas,
como regra, quando se tem elevado grau de certeza da necessidade de
realização de um procedimento terapêutico invasivo (angioplastia ou
cirurgia de revascularização miocárdica). Pacientes que após estratifica-
ção não-invasiva de risco (Tabela 6) apresentem mortalidade anual ≥
3% são candidatos ideais para cinecoronariografia. Fica claro, no en-
tanto, que esse não deve ser encarado como um modelo matemático
fechado, mas como um princípio geral de orientação, útil para ajudar a
definir a melhor decisão a ser tomada, em cada caso.
As recomendações da ACC/AHA e o nível de evidência para
indicação de estudo cinecoronariográfico em pacientes portadores de
DCC estável estão apresentados na tabela 7.

Fatores de risco
O impacto dos fatores de risco para DAC aumenta com a idade. O
controle desses fatores parece revestir-se de importância ainda maior
no idoso. Os fatores de risco modificáveis mais importantes são: HAS,
dislipidemia, DM, sedentarismo, obesidade e tabagismo.
A pressão arterial sistólica (PAS) eleva-se progressivamente com o
avançar da idade. Sabe-se hoje que a hipertensão sistólica isolada tem
maior correlação com risco de doenças cardiovasculares que a elevação
da pressão diatólica (PAD). Pacientes com idade > 65 anos, com níveis
de PAS > 180 mmHg, têm aumento de três a quatro vezes no risco de
desenvolver DAC, em comparação com níveis de PAS < 120 mmHg.

26
Doença Coronária Crônica no Idoso

Tabela 6
Mortalidade média anual da DAC1 avaliada pela estratificação não-invasiva de risco
Nível de risco Perfil do parâmetro avaliado
Elevado (mortalidade • Disfunção ventricular esquerda grave em
anual ≥ 3%) repouso (FEVE < 35%).
• Escore de TE da Duke University ≤ -11.
• Disfunção ventricular esquerda grave ao
esforço (FEVE < 35%).
• Defeito extenso de perfusão à CPM (sobretudo
se envolve a parede anterior).
• Múltiplos defeitos de perfusão à CPM, de
extensão moderada.
• Defeito extenso e fixo de perfusão à CPM, com
dilatação do VE ou aumento da captação
pulmonar de tálio.
• Defeito moderado de perfusão à CPM, com
dilatação do VE ou aumento da captação
pulmonar de tálio.
• Alteração localizada da contratilidade
miocárdica ao ecocardiograma de estresse,
envolvendo > 2 segmentos e surgindo com
baixas doses de dobutamina (≤ 10 mg/kg/min)
ou com FC baixa (< 120 bpm).
• Evidência ecocardiográfica de isquemia
miocárdica extensa.
Médio (mortalidade • Disfunção ventricular leve a moderada em
anual > 1% e < 3%) repouso (FEVE entre 35% e 49%).
• Escore de TE da Duke University
entre ≥ -10 e < 5.
• Defeito moderado de perfusão à CPM, sem
disfunção do VE ou hipercaptação
pulmonar de tálio.
• Alteração localizada de contratilidade
miocárdica ao ecocardiograma de estresse,
envolvendo ≤ 2 segmentos.
Baixo (mortalidade • Escore de TE da Duke University ≥ 5.
anual ≤ 1%) • Defeito discreto de perfusão à CPM ou
captação miocárdica normal de tálio.
• Contratilidade normal do VE ao ecocar-
diograma de estresse, ou alterações discretas
de contratilidade, limitadas ao ecocardiograma
de repouso.
FEVE – Fração de ejeção do ventrículo esquerdo; CPM – Cintilografia de perfusão miocárdica; TE – Teste
ergométrico; VE – Ventrículo esquerdo; FC – Freqüência cardíaca.

27
Doença Coronária Crônica no Idoso

Tabela 7
Recomendações da ACC/AHA1 para cinecoronariografia*
em portadores de angina estável crônica
Classe I • Paciente com angina limitante (classe III ou IV da CCS), apesar de
estar em uso de medicação plena.
• Paciente considerado de risco elevado (mortalidade anual ≥ 3%)
pela estratificação não-invasiva de risco.
• Paciente com DCC que sobreviveu à parada cardiorrespiratória ou
apresentou arritmia ventricular grave.
• Pacientes com DCC e indícios clínicos de ICC.
• Paciente com características clínicas que indiquem alta
probabilidade de doença isquêmica coronária grave.
Classe IIa • Paciente com disfunção ventricular significativa (FEVE < 45%), em
classe I ou II da CCS, com isquemia demonstrável por exame
não-invasivo, mas considerado de risco baixo ou médio pela
estratificação não-invasiva.
• Paciente que persiste com prognóstico indefinido após
estratificação não-invasiva.
Classe IIb • Paciente em classe I ou II da CCS, com função ventricular
preservada (FEVE > 45%) e com nível de risco baixo ou médio à
estratificação não-invasiva de risco.
Classe III • Paciente em classe I ou II da CCS, que responde ao tratamento
farmacológico e que não apresenta evidência de isquemia aos
exames não-invasivos.
• Paciente que não aceita tratamento intervencionista.
*Ver Anexo I; CCS – Sociedade Canadense de Cardiologia; FEVE – Fração de ejeção do ventrículo esquerdo;
DCC – Doença coronária crônica; ICC – Insuficiência cardíaca congestiva.

Níveis diastólicos > 105 mmHg elevam esse risco em duas a três vezes,
em relação a PAD < 75 mmHg19 .
Os níveis séricos de colesterol começam a cair aos 65 anos na mulher e
aos 50 no homem. Cerca de 20% dos homens e 40% das mulheres idosas
apresentam hipercolesterolemia. A relação colesterol total/HDL-colesterol
constitui importante marcador de risco para DAC no idoso20 . Níveis elevados
de triglicérides, no entanto, parecem apresentar associação independente
com risco de DAC apenas no sexo feminino21 . Grandes estudos clínicos que
utilizaram estatinas na prevenção secundária de eventos cardiovasculares
maiores demonstraram benefícios em idosos com idade até 75 anos 22 .
A prevalência de DM em idosos é da ordem de 12% a 13%. A grande
maioria dos diabéticos, com idade > 70 anos, apresenta DM tipo II ou
não-insulinodependente. O DM dobra o risco de DAC e, quando coexiste
com dislipidemia, eleva esse risco em 15 vezes23 .
28
Doença Coronária Crônica no Idoso

Entre 30% e 50% dos idosos não praticam atividade física regular-
mente. O exercício físico regular eleva o HDL-colesterol, ajuda a con-
trolar a obesidade, a dislipidemia, a glicemia e a HAS. O estudo de
Framingham24 demonstrou que mesmo atividade física moderada pode
ter efeito protetor contra eventos coronários maiores.
O controle da obesidade ajuda a melhorar o perfil metabólico do idoso
e a reduzir os níveis de pressão arterial.
A prevalência do tabagismo em idosos é de cerca de 15% no sexo
masculino e 11,5% no feminino. No estudo CASS, pacientes com idade
> 70 anos, com DAC estabelecida, que continuaram a fumar apresentaram
risco três vezes maior de sofrer um evento coronário grave 42 .
Os novos fatores de risco encontram-se sob intensa investigação no
momento atual; não existem informações suficientes para permitir uma
definição exata de seu papel na DAC do paciente idoso. Níveis elevados
de homocisteína não são incomuns no homem idoso e têm forte correlação
com elevação da prevalência de doença coronária e cerebrovascular25 .
O eventual papel da depressão e do isolamento social, como fator de
risco para DAC, também está sendo investigado em vários estudos
clínicos.

Tratamento clínico
Muitos pacientes idosos portadores de DCC devem ser mantidos
apenas em tratamento clínico, que deve seguir critérios rigorosos, de
acordo com a literatura atual1,26,27.
Os medicamentos utilizados no tratamento farmacológico da DAC
crônica estável podem ser agrupados em duas classes:
• Agentes farmacológicos que reduzem eventos coronários maiores
e têm, portanto, influência direta na redução da morbimortalidade
da doença. São eles: antiagregantes plaquetários; betabloqueadores
após infarto do miocárdio ou na presença de IC; hipolipemiantes;
insulina e antidiabéticos orais; inibidores da enzima de conversão
da angiotensina (ECA).
• Agentes farmacológicos que controlam as manifestações isquêmicas
e anginosas da doença, melhorando a qualidade de vida do paciente,
aumentando sua capacidade funcional e ajudando a evitar a
necessidade de tratamento intervencionista. São eles: betablo-
queadores senso lato; nitratos; antagonistas de canais de cálcio;
29
Doença Coronária Crônica no Idoso

trimetazidina e novos agentes (ranolazina e nicorandil), não


disponíveis em nosso meio.
Apresentaremos a seguir, orientações sobre a utilização de cada uma
dessas classes farmacológicas específicas:
Antiagregantes plaquetários – Publicado em 1995, o estudo dos
“trialistas” representou uma revisão sistemática da literatura disponível
até o ano de 1990 sobre agentes antiplaquetários. Recentemente 28 , o
mesmo grupo da Universidade de Cambridge ampliou essa avaliação,
que passou a incluir 200 mil pacientes analisados. Foram incluídos estudos
que compararam o ácido acetilsalicílico (ASA) com placebo ou outros
agentes antiplaquetários. O objetivo principal do estudo foi avaliar o risco
de eventos cardiovasculares maiores, definidos como: infarto do
miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) não-fatal ou morte de origem
cardiovascular. Observou-se redução de 22 eventos maiores (p = 0,0005),
para cada 1.000 pacientes portadores de angina estável crônica que
utilizaram antiagregantes plaquetários. O ácido acetilsalicílico em doses
baixas (75 mg a 150 mg/dia) constitui, de acordo com esse documento, o
agente antiplaquetário de primeira escolha na DCC. O clopidogrel pode
ser utilizado como alternativa apenas em caso de intolerância ou contra-
indicação ao ASA. O estudo SAPAT 29 , considerado um clássico na
avaliação de antiplaquetários na angina estável crônica, incluiu mais de
2.000 pacientes com idade média de 67 anos. O ASA, na dose de 75 mg/
dia foi testado contra placebo. Após seguimento médio de 50 meses,
ficou demonstrado que os pacientes que utilizaram ASA (Figura 2)
obtiveram redução de 34% (p = 0,003) no risco de ocorrência de eventos
coronários maiores.
Betabloqueadores – Os betabloqueadores constituem agentes de
primeira escolha no controle das manifestações isquêmicas e anginosas
da DCC. São também capazes de reduzir o risco de IM, morte súbita e
a mortalidade global de pacientes que já sofreram IM, sejam eles idosos
ou jovens30-32.Em idosos, utilizam-se preferencialmente agentes hidrofílicos
como atenolol e nadolol, por apresentarem menor incidência de reação
adversa sobre o sistema nervoso central, efeito colateral comum nessa
faixa etária. Portanto, após IM, o uso regular de betabloqueadores torna-se
mandatório. Em pacientes com diagnóstico de IC, secundária a
miocardiopatia dilatada ou disfunção sistólica do VE, o uso regular de
betabloqueadores específicos (carvedilol, metoprolol e bisoprolol)
30
Doença Coronária Crônica no Idoso

Número de pacientes sob risco em cada braço do tratamento


Objetivos principais – gráfico cumulativo (ASA = ácido acetisalicílico)

Figura 2 – Estudo SAPAT.

demonstrou reduzir eventos cardiovasculares maiores e também deve


ser considerado obrigatório. O carvedilol foi o agente mais avaliado na
IC e apresenta excelente perfil de flexibilidade posológica. Deve ser
iniciado na dose de 6,25 mg/dia, visando atingir progressivamente a dose
plena (50 mg/dia).
Hipolipemiantes – O uso regular de estatinas está indicado para
todos os pacientes portadores de DCC, que não conseguirem atingir níveis
de LDL colesterol < 100 mg/dl, através das medidas não-farmacológicas.
Os fibratos estão indicados para pacientes que persistirem com níveis de
triglicérides elevados, o que normalmente se acompanha de redução do
HDL-colesterol.
Diabetes – O controle do DM exige a redução da glicemia de jejum,
da pós-prandial e da hemoglobina glicada; o tratamento intensivo tem
demonstrado correlacionar-se à redução do risco de complicações tanto
micro quanto macrovasculares da doença.
Inibidores da ECA – Os inibidores da ECA foram recentemente
avaliados em um grande estudo clínico denominado HOPE33 , que incluiu
31
Doença Coronária Crônica no Idoso

quase 10 mil pacientes com idade ≥ 55 anos e diagnóstico de doença


aterosclerótica estabelecida (coronária, cerebrovascular ou de MMII) e
diabéticos com mais um fator de risco para DAC. Esse estudo,
considerado um marco histórico da medicina, demonstrou que a utilização
regular de ramipril na dose de 10 mg/dia reduzia em 22% (p = 0,001) o
risco de eventos cardiovasculares maiores. Observou-se também redução
do risco de desenvolvimento de IC e DM. A figura 3 demonstra os
principais achados desse estudo. Portanto, a utilização regular de
inibidores da ECA torna-se mandatória em pacientes portadores de DCC.
Nitratos – Os nitratos constituem os medicamentos mais utilizados
em todo o mundo no momento atual, no tratamento das manifestações
isquêmicas e anginosas da DCC. Além de eficazes e seguros, são muito
versáteis, combinando-se facilmente com betabloqueadores e antagonistas
de cálcio. O mononitrato de isossorbida de liberação prolongada (LP)
apresenta diversas vantagens sobre as formulações convencionais de
nitratos. A comodidade da dose única diária facilita a vida do idoso
coronariopata, obrigado muitas vezes a utilizar vários medicamentos

Figura 3 – Principais resultados do estudo HOPE.

32
Doença Coronária Crônica no Idoso

simultaneamente, em regimes posológicos complexos. O mononitrato LP


não induz desenvolvimento de tolerância e apresenta amplo espectro
posológico (30 mg a 240 mg/dia). Estudo recente 34 , desenvolvido no Reino
Unido (Tabela 4), incluiu 1.212 pacientes que foram acompanhados por
6 meses e demonstrou que o mononitrato de isossorbida LP, na dose de
60mg/dia, foi superior às formulações de nitrato de liberação rápida,
reduzindo em 35% o número de crises de angina e aumentando em 50%
o índice de adesão ao tratamento.
Uma situação razoalvelmente freqüente na prática clínica é o controle
inadequado dos sintomas da DCC, pela utilização de agentes
antianginosos isolados ou em combinação, o que pode ou não indicar
progressão da doença e necessidade de investigação invasiva. Importante
estudo clínico desenvolvido no Reino Unido35 , incluiu 1.014 pacientes
que apresentavam controle inadequado da angina do peito, apesar de
poderem utilizar betabloqueadores, antagonistas de cálcio e nitratos de
liberação rápida, isoladamente ou em combinação. Após um período de
15 dias, em que o tratamento pôde ser intensificado, o mononitrato LP
(60 mg/dia) foi acrescentado ao regime posológico adotado ou substituiu
nitratos de liberação rápida em uso. O mononitrato de isossorbida LP
reduziu de 10 para menos de 5 o número de crises anginosas semanais e
permitiu que o número de pacientes que passaram a poder realizar suas
atividades habituais sem restrições aumentasse em 60%. Os principais
resultados desse estudo estão apresentados na figura 4.

Tabela 8
Resultado da análise comparativa entre mononitrato de isossorbida
LP e nitratos de liberação rápida
Item aferido Mononitrato de Melhora percentual pela
isossorbida LP p utilização do mononitrato
(odds ratios) de isossorbida LP
Índice de mobilidade 0,83 < 0,001 17%
Efeitos colaterais 0,99 0,85 -
No de ataques anginosos 0,64 < 0,001 36%
No de ataques anginosos 0,65 0,006 35%
entre 8 e 10 horas da manhã
Bem-estar psicológico 0,87 0,036 13%
Aderência ao tratamento 0,50 < 0,001 50%
Angiology 1997;48:855-63.

33
Doença Coronária Crônica no Idoso

Figura 4 – Redução do número de crises de angina/semana (A) e aumento (%) do


número de pacientes que passaram a grau funcional II da CCS após a introdução do
mononitrato de isossorbida LP.

34
Doença Coronária Crônica no Idoso

Antagonistas de cálcio – Os antagonistas de canais de cálcio podem


ser divididos em dois grupos: agentes não-diidropiridínicos (verapamil e
diltiazem), medicamentos que têm perfil de ação algo similar ao dos
betabloqueadores e podem ser utilizados em substituição a algo seme-
lhante, em caso de intolerância ou contra-indicação aos betabloqueadores;
agentes diidropiridínicos (nitrendipina, anlodipina, nifedipina, etc.), que
apresentam algumas vantagens sobre os não-diidropiridínicos: têm menor
efeito inotrópico negativo, não atuam inibindo a atividade do nó sinusal
ou a condução AV e podem ser combinados mais facilmente com betablo-
queadores, para controle sintomático da DAC crônica.

Tratamento intervencionista
Pacientes idosos portadores de DCC costumam apresentar impor-
tantes fatores de comorbidade, envolvimento de múltiplos vasos coronários
e maior comprometimento do VE, o que aumenta o índice de complicações
dos procedimentos intervencionistas. Podem, no entanto obter grande
benefício dessa modalidade de tratamento.
Os principais objetivos do tratamento invasivo são: prevenir eventos
coronários maiores, decorrentes de alterações clínicas definidas como
de alto risco, e melhorar a qualidade de vida e a capacidade funcional de
pacientes que não obtiveram controle sintomatológico satisfatório, através
do tratamento farmacológico.
Tanto as técnicas de intervenção percutânea quanto a cirurgia de
revascularização miocárdica (RM) evoluíram muito nos últimos anos e
têm demonstrado resultados bastante satisfatórios no tratamento da DAC
do idoso no momento atual36-39. Os índices de sucesso alcançados não
parecem diferentes dos obtidos em pacientes mais jovens.
A angioplastia transluminal coronária (ATC) apresenta algumas
vantagens, que podem ser consideradas importantes na DAC do idoso.
São elas: realização rápida e fácil, ausência de necessidade de anestesia
geral ou toracotomia, baixos índices de morbimortalidade e recuperação
imediata, permitindo a rápida retomada da atividade normal. Apresenta
também algumas desvantagens: maior incidência de necessidade de
reintervenção, maior dificuldade de alcançar revascularização completa
e de abordar lesões mais complexas ou difusas. As tabelas 9 e 10 apresen-
tam as principais indicações para ATC na DCC e o nível de evidência da
recomendação.
35
Doença Coronária Crônica no Idoso

Tabela 9
Recomendações e nível de evidência do ACC/AHA40 para ATC* em pacientes com
DCC estável, assintomáticos ou em classe funcional I da CCS
Grau de recomendação Perfil do paciente
e nível de evidência
Classe I Não-diabético, em classe I da CCS ou com isquemia
Nível de evidência: B silenciosa, com lesão em 1 ou 2 coronárias (abordáveis
por ATC e responsáveis por extensa área de isquemia
miocárdica) e com baixo risco de desenvolver
complicações.
Classe IIa Mesmo perfil da classe I, porém o(s) vaso(s)
Nível de evidência: B com lesão aterosclerótica provoca(m) isquemia
miocárdica de extensão média.
Classe IIb Classe I da CCS ou com isquemia silenciosa, com
Nível de evidência: B lesão em ≥ 3 vasos (abordáveis por ATC com alta
probabilidade de sucesso e responsáveis por isquemia
miocárdica moderada ou extensa) e com baixo risco de
desenvolver complicações.
Classe III Classe I da CCS, que não preenchem os requisitos das
Nível de evidência: C classes I, IIa e IIb acima citadas ou com as seguintes
características: lesão coronária responsável por
isquemia miocárdica de pequena extensão; ausência de
isquemia detectável objetivamente; lesões complexas e
de difícil abordagem por ATC; sintomas discretos e
provavelmente não relacionados à DAC; lesão de
tronco de coronária esquerda; lesão obstruindo < 50%
do diâmetro luminal; risco elevado de desenvolver
complicações.
*Ver Anexo I.

A cirurgia de RM apresenta como vantagens em relação à ATC sua


longa durabilidade e a alta probabilidade de conseguir promover
revascularização miocárdica mais completa. Suas desvantagens são:
morbimortalidade imediata mais elevada, período de convalescença
prolongado e custo operacional elevado. A tabela 11 apresenta as principais
indicações da cirurgia de RM da ACC/AHA41 .
Como se pode observar, existe sobreposição de indicações entre a
cirurgia de RM e a ATC, quando confrontamos as duas diretrizes, originadas
das mesmas instituições40,41. Como regra geral, quanto maior a extensão
e complexidade das lesões coronárias, bem como o número de vasos
envolvidos e o grau de disfunção ventricular esquerda, maior a
necessidade de indicação cirúrgica. Pacientes idosos, uni ou biarteriais,
com lesões favoráveis à abordagem por ATC (sempre que possível,
36
Doença Coronária Crônica no Idoso

Tabela 10
Recomendações e nível de evidência do ACC/AHA40 para ATC*
em pacientes com DCC, em classe funcional II a IV da CCS
Grau de Perfil clínico e nível de evidência
recomendação
Classe I Paciente com uma ou mais lesões significativas (≥ 70%), em um
ou mais vasos coronários passível(is) de abordagem por ATC
com alta probabilidade de sucesso e responsável(is) por
isquemia miocárdica de média ou grande extensão, com baixo
risco de desenvolver complicações. Nível de evidência: B.
Classe IIa Paciente com lesões focais em pontes de veia safena ou com
lesões coronárias múltiplas, considerado de alto risco para
cirurgia de revascularização miocárdica. Nível de evidência: C
Classe IIb Paciente com uma ou mais lesões coronárias, de difícil
abordagem por ATC ou responsável(is) por isquemia miocárdica
de pequena extensão. Paciente com lesão aterosclerótica de 2 ou
3 vasos, com envolvimento importante do terço proximal da
descendente anterior e disfunção do VE ou em tratamento de
diabetes. Nível de evidência: B.
Classe III Paciente sem evidência objetiva de infarto ou isquemia
miocárdica, que não foi submetido a tratamento farmacológico
anteriormente ou com as seguintes características:
Área de miocárdio em risco de pequena extensão.
Lesão(ões) coronária(s) de difícil abordagem por ATC.
Risco elevado de desenvolver complicações.
Lesão(ões) responsável(is) por obstrução < 50% do diâmetro
luminal.
Nível de evidência: C.
Lesão importante de tronco de coronária esquerda.
Nível de evidência: B.
*Ver Anexo I.

incluindo colocação de stents), devem preferencialmente ser submetidos


a essa modalidade de tratamento.
A idade per se não constitui contra-indicação para procedimento
terapêutico intervencionista, porém, sobretudo tratando-se de paciente
muito idoso (≥ 80 ou, segundo alguns autores, ≥ 84 anos), devem-se
considerar rigorosamente as condições clínicas do paciente e a relação
risco–benefício de todas as modalidade de tratamento atualmente
disponíveis. Em todos os casos, no entanto, independentemente de
considerações técnicas, por mais elegantes e fundamentadas que sejam,
a decisão do paciente e de seus familiares deve ser sempre respeitada e
acatada.

37
Doença Coronária Crônica no Idoso

Tabela 11
Recomendações do ACC/AHA41 para cirurgia de RM* em pacientes com DCC estável
Grau de Perfil clínico
recomendação
Classe I Lesão significativa de tronco de coronária esquerda (TCE).
Lesão significativa (≥ 70%), considerada tronco-equivalente,
envolvendo 1/3 proximal de DA e Cx.
Paciente triarterial, sobretudo com FEVE < 50%.
Lesão significativa do 1/3 proximal de DA, em paciente uni ou
biarterial, com FEVE < 50% e/ou isquemia miocárdica de
grande extensão, detectável objetivamente.
Lesão significativa de 1 ou 2 vasos coronários, sem
envolvimento do 1/3 proximal de DA, mas com isquemia
miocárdica de grande extensão, detectável objetivamente e
estratificação não-invasiva classificada como de alto risco.
Angina de difícil controle, apesar de uso pleno do tratamento
farmacológico e risco cirúrgico aceitável. Se a dor for atípica,
deve-se proceder à investigação não-invasiva de isquemia
miocárdica.
Classe IIa Lesão significativa do 1/3 proximal de DA, em paciente uni ou
biarterial, que não preenche os critérios da classe I acima citada.
Lesão significativa de 1 ou 2 vasos coronários, sem
envolvimento do 1/3 proximal da DA, mas com isquemia
miocárdica de moderada extensão, detectável por método
não-invasivo de diagnóstico.
Classe IIb Lesão significativa de 1 ou 2 vasos coronários, sem
envolvimento significativo do 1/3 proximal de DA, que não
preenche os critérios das classes I e IIa acima citadas.
Classe III Lesão significativa de 1 ou 2 vasos, sem envolvimento do 1/3
proximal de DA, em pacientes com sintomas leves,
provavelmente não relacionados à DAC ou que não foram
anteriormente submetidos a uma tentativa de controle por
tratamento farmacológico e apresentam isquemia miocárdica
de pequena extensão ou não-demonstrável por método
não-invasivo de diagnóstico.
Lesões coronárias consideradas limítrofes (50% a 60%), não
envolvendo o tronco da coronária esquerda e sem isquemia
detectável por método não-invasivo de diagnóstico.
Lesões coronárias consideradas não significativas (< 50%).
DA – Coronária descendente anterior; Cx – Coronária circunflexa; * Ver Anexo I.

38
Doença Coronária Crônica no Idoso

Anexo I
Classificação da recomendação e do nível de evidência de procedimentos diagnósticos e
terapêuticos, de acordo com o estipulado pela American Heart Association (AHA) e
pelo American College of Cardiology (ACC)
Classe I – Condição para a qual há evidência favorável e/ou concordância geral de
que o procedimento ou o tratamento é benéfico, útil e efetivo.
Classe II – Condição para a qual as evidências são conflitantes ou as opiniões são
divergentes/controversas acerca da utilidade/eficácia do procedimento ou tratamento.
Classe IIa – O peso da evidência ou da impressão clínica é favorável à utilidade/eficácia.
Classe IIb – A utilidade/eficácia do procedimento/tratamento não parecem
estabelecidos pela evidência/impressão clínica.
Classe III – Condição em que há evidência ou concordância geral de que o
procedimento/tratamento não é útil/efetivo e, em alguns casos, pode ser
prejudicial.
Níveis de evidência:
A – Dados derivados de múltiplos estudos randomizados envolvendo grande
número de pacientes.
B – Dados derivados de poucos estudos randomizados ou que incluíram
pequeno número de pacientes ou ainda análise cuidadosa de estudos não-
randomizados ou registros observacionais.
C – Quando a base primária para a recomendação se baseou em consenso de
especialistas.

39
Anexo II
Consumo de oxigênio/gasto energético em METS para diversas atividades
Tipos de atividade Número Esporte Número Outras atividades Número
Trabalho de METS de METS de METS
Posição Inativo 1 Natação não-competitiva 3 Caminhar até 5 km/h 3,5
sentada Escrevendo 1,5 Ciclismo (até 15 km/h) 4 Caminhar até 7 km/h 4,5
Dirigindo automóvel 1,5 Tênis 7 Caminhar até 9 km/h 7
Dirigindo caminhão 1,8 Futebol, basquete, vôlei 8 Correr 10 km/h 8
Dirigindo caminhão pesado 2,5 (não-competitivos) Levantar pesos até 20 kg 4,5
Natação (120 m em 3 minutos) 9 Levantar pesos até 30 kg 6

40
Posição em pé Inativo 2 Esgrima 10 Levantar pesos até 40 kg 7,5
(fixo ou com pouco Trabalho leve 3 Futebol, futebol de salão, 12 Levantar pesos até 45 kg 8,5
deslocamento) Trabalho moderado 4 basquete, vôlei e squash Ato sexual 5
(competição)
Posição em pé Mover objetivos pesados
(em movimento) (até 30 kg) 5
Doença Coronária Crônica no Idoso

Construção 6
Mover objetos pesados 7
(mais de 50 kg)
Número de METS – Requeridos para a atividade.
Doença Coronária Crônica no Idoso

Anexo III
Protocolos mais usados em teste de esforço
Bruce Gasto Ellestad
energético
V Inc T METS V Inc T
mph % mn mph % mn
1,7 10 3 4 1,7 10 3
2,5 12 3 7 3,0 10 2
3,4 14 3 9 a 10 4,0 10 2
4,2 16 3 12 5,0 10 2
5,0 18 3 15 5,0 15 2
mph – milhas por hora; T – tempo; mn – minutos; METS – Unidade, metabólica de consumo de O 2 .

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Doença Coronária Crônica no Idoso

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43
Capítulo 3

Fatores de Risco para


Doença Coronária
em Idosos
Marcelo Chiara Bertolami

A população idosa é a que mais tem crescido nos últimos anos. Diante
das medidas preventivas e terapêuticas que a medicina moderna tem
disponibilizado para um número cada vez maior de pessoas, esse
crescimento tende a aumentar cada vez mais. A doença aterosclerótica
coronariana (DAC) é bastante prevalente entre os idosos, sendo a maior
causa de morbidade e mortalidade nos indivíduos acima de 65 anos.
Apesar da alta prevalência de doença anatômica (70% por estudos de
necrópsia 1 ), somente 10% a 20% das pessoas acima de 65 anos
apresentam diagnóstico de DAC ativa. A razão dessa discrepância entre
as prevalências anatômica e clínica nos idosos é desconhecida, podendo
ser, pelo menos em parte, devida à falta de dados específicos sobre a
DAC em idosos, à doença diagnosticada erroneamente, à alta prevalência
de doença silenciosa, à pouca atividade física e ao subtratamento dos
fatores de risco nas faixas etárias mais elevadas.
A importância do conhecimento dos fatores de risco que predispõem
à DAC reside no fato de que a possibilidade de intervenção sobre eles
pode trazer benefícios na prevenção primária ou secundária da doença.
Muitos deles são importantes também na gênese da doença aterosclerótica
de outros territórios, particularmente cerebral, desencadeando o acidente
vascular cerebral isquêmico ou os episódios de isquemia cerebral
transitórios, além da isquemia dos membros inferiores. Entretanto, a
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

interferência dos fatores de risco é diferente de acordo com o território


em questão. As dislipidemias e o tabagismo influeciam mais sobre a
circulação coronária; na circulação cerebral a maior influência decorre
da hipertensão arterial, enquanto que na circulação periférica há influência
principalmente do diabetes melito e do tabagismo. A razão dessas
diferenças permanece, até o momento, desconhecida.
Enquanto a importância dos fatores de risco para DAC está bem
estabelecida para as populações de jovens e adultos, muita discussão
existe se esses fatores permanecem importantes após os 65 anos. Entende-se
que à medida que os indivíduos vão envelhecendo, o fator de risco idade
vai tendo cada vez mais influência. Embora o risco relativo dependente
de cada fator de risco vá diminuindo com o envelhecimento, o risco
absoluto aumenta. Dessa forma, em muitas situações, a importância de
determinado fator de risco é maior entre os idosos do que entre os mais
jovens, o que leva a maior benefício para essa faixa etária, com o controle
desses fatores de risco.
A DAC é uma doença multifatorial, embora muitas vezes possa
aparecer em pessoas sem qualquer fator de risco evidenciável. Dessa
forma, a investigação sobre outros fatores de risco, denominados “novos”
ou “emergentes”, é amplamente justificada. Este é o caso da Lp(a), da
homocisteína, do fibrinogênio, dos fatores inflamatórios (particularmente
a PCR ultra-sensível), entre outros.
A maioria dos estudos de prevenção da DAC por meio da atuação
sobre fatores de risco analisou intervenções isoladas sobre um único
fator de risco. Isso se deveu principalmente à necessidade do estabe-
lecimento de causalidade entre o fator de risco e a doença coronária.
Entretanto, na prática clínica, muitos pacientes apresentam múltiplos
fatores de risco em conjunto (exemplo clássico é o da síndrome
metabólica), sendo que a atuação sobre eles deve ser feita de forma
abrangente, podendo trazer benefícios maiores que os mostrados pelos
estudos de intervenção unifatorial.
Outro aspecto importante que cabe analisar é que, enquanto na prevenção
secundária os estudos são muito sugestivos de benefícios da intervenção
sobre os fatores de risco, na prevenção primária muitas dúvidas ainda são
colocadas. Assim, para idosos isentos de manifestações da DAC, deve-se
levar em conta, na decisão da intervenção ou não, não apenas a idade
cronológica dos indivíduos, mas principalmente a idade biológica. Desse
46
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

modo, muitos idosos poderão ser submetidos à intervenção sobre eventuais


fatores de risco que apresentem, porque têm perspectiva de vida livre de
doença, bastante apreciável. Por outro lado, para casos de idosos portadores
de demência ou limitações importantes à qualidade ou ao tempo de vida,
não seria justificável a adoção de medidas preventivas.
A seguir, são analisados dados sobre os principais fatores de risco
para DAC em idosos e como intervir sobre eles.
Hipertensão arterial – É o fator de risco mais importante em idosos.
É discutida em outro capítulo deste manual.
Tabagismo – O tabagismo é um problema comum em idosos e está
associado com aumento significativo do risco de desenvolvimento de
doença cardíaca. No Systolic Hypertension in the Elderly Program
(SHEP), por exemplo, fumantes ativos tiveram 73% de aumento no risco
de DAC2 . Os mecanismos pelos quais o consumo do tabaco aumenta a
prevalência da aterosclerose ainda não são completamente entendidos,
sendo várias as propostas: o fumo está associado à piora do perfil lipídico
(aumento dos triglicérides e diminuição do HDL-colesterol) e à insulino-
resistência; radicais livres presentes no cigarro danificam os lípides,
resultando em partículas lipoprotéicas oxidadas e pró-aterogênicas; o
fumo produz diminuição da paraoxonase, enzima associada à HDL que
protege as lipoproteínas da modificação oxidativa; o fumo produz ativação
do sistema nervoso simpático, o que leva ao aumento da freqüência car-
díaca e da pressão arterial.
Atenção tem sido dada aos fumantes passivos, uma vez que estudos
têm mostrado que eles também apresentam maior prevalência de eventos
ateroscleróticos 3 .
Estudos observacionais indicam que a interrupção do fumo é benéfica
para ambos os sexos e em todas as faixas etárias4 .
Técnicas comportamentais e farmacológicas podem ser empregadas
no manuseio da interrupção do vício. Particular sucesso tem sido
demonstrado com o emprego da nicotina (goma, transdérmica, inalação
ou spray nasal) e/ou da bupropiona.
Dislipidemias – Tem havido alguma controvérsia sobre a importância
da hiperlipidemia como fator de risco para eventos coronarianos em idosos
acima dos 70 anos 2,5,6 . Entretanto, há evidências de que, enquanto o risco
relativo referente às dislipidemias diminui com a idade, o risco absoluto
aumenta significativamente, justificando medidas de atuação para
47
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

tratamento. Não é comum encontrarem-se idosos apresentando grandes


desvios lipídicos. Nessa faixa etária, deve ser dada especial atenção para
a possibilidade de hiperlipidemias secundárias, particularmente
hipotireoidismo, diabetes e insuficiência renal crônica.
Da mesma forma que em populações mais jovens, o primeiro passo
para o tratamento das dislipidemias envolve modificações do estilo de
vida, particularmente em relação a alimentação, atividade física e
abandono do tabagismo. Os idosos, em geral, não apresentam grandes
desvios alimentares; no entanto, têm grande dificuldade em implementar
mudanças de hábitos alimentares. Da mesma forma, a implementação da
atividade física regular não é simples, mas deve sempre ser tentada,
mesmo com exercícios leves, desde que regulares. Nos cuidados
alimentares para controle da hipercolesterolemia é importante a
diminuição do consumo de alimentos ricos em gorduras saturadas e em
colesterol, além do aumento do consumo de frutas, vegetais, legumes e
cereais. Para tratamento da hipertrigliceridemia deve ser feita restrição
de gorduras, açúcar e doces, massas e álcool.
Não existem, até o momento, estudos de intervenção sobre os lípides
séricos que tenham abrangido exclusivamente populações de idosos.
Entretanto, três grandes estudos clínicos envolvendo o tratamento lipídico
em idosos até os 75 anos de idade com DAC conhecida (prevenção
secundária) resultaram em redução significativa da morbidade e
mortalidade cardíaca e da incidência de acidente vascular cerebral e
isquemia cerebral transitória 7,8,9 . Entre os idosos de um desses estudos, o
4S, por exemplo, o tratamento com sinvastatina reduziu a mortalidade
por todas as causas em 34%, a mortalidade por DAC em 43%, os eventos
coronários maiores em 34% e o número de procedimentos de revas-
cularização miocárdica em 41% 7 .
Embora o tratamento de idosos acima dos 75 anos com medicamentos
como as estatinas seja seguro e eficaz10 , ainda não existem dados
definitivos acerca dos benefícios do tratamento de tais indivíduos.
Entretanto, como o risco absoluto de DAC aumenta dramaticamente com
a idade, tanto em homens como em mulheres, o número absoluto de
pessoas que se beneficiarão com a diminuição da colesterolemia deve
ser maior entre idosos. Recentemente, foram apresentados em congresso
da Associação Americana de Cardiologia, mas ainda não publicados, os
resultados parciais do estudo HPS11 (Heart Protection Study), que ana-
48
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

lisou pouco mais de 20 mil pessoas consideradas de alto risco car-


diovascular, nas quais a prescrição de estatinas não seria considerada
mandatória, nem contra-indicada. No grupo de indivíduos que utilizou a
sinvastatina, na dose de 40 mg/dia, durante 5 anos, houve redução
significativa da morbidade e da mortalidade cardiovascular e global. Esse
estudo abrangeu um número considerável de idosos até 80 anos (5.805,
o que correspondeu a 28% da população estudada), sendo que os
benefícios obtidos pelo tratamento nesse grupo etário foram semelhantes
(ou até maiores) que os do grupo mais jovem.
São limitados, até o momento, dados sobre o tratamento medicamentoso
da dislipidemia na prevenção primária da DAC em idosos. Entretanto,
mais de 50% dos idosos, morrem em decorrência de doença
cardiovascular. Parece, portanto, razoável a consideração do tratamento
medicamentoso em alguns idosos que têm alto risco, tais como os que
apresentam níveis de LDL-colesterol ≥ 160 mg/dl, apesar das medidas
dietéticas adequadamente implementadas.
As III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Diretriz de
Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da
Sociedade Brasileira de Cardiologia 12 recomendam que na prevenção
secundária da DAC em idosos devem ser seguidas as mesmas
recomendações que para indivíduos mais jovens. Entretanto, como na
prevenção primária, os dados ainda são escassos; os casos devem ser
avaliados individualmente.
Estudos em andamento, como o PROSPER (the Prospective Study
of Pravastatin in the Elderly at Risk), trarão novas evidências. Esse
estudo, que deverá terminar em 2002, avalia o tratamento com pravastatina
na prevenção de eventos cardiovasculares em 5.800 idosos (homens e
mulheres entre 70 e 80 anos), com DAC preexistente ou com alto risco
para DAC.
Diabetes melito – O diabetes ocorre em aproximadamente 20%
das pessoas acima dos 70 anos de idade. Entretanto, a associação entre
o aumento do risco cardiovascular e o diabetes de aparecimento tardio
não é tão forte como para o de aparecimento precoce. Como exemplo, o
risco relativo conferido pelo diabetes em um coorte de homens jovens
acompanhados no MRFIT foi de aproximadamente 3 vezes. Em
comparação, estudos em idosos encontraram risco relativo mais baixo,
de aproximadamente 2 vezes2,13.
49
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

Os efeitos do controle adequado da glicemia em idosos são incertos.


Um estudo Finlandês de 229 pacientes entre 65 e 74 anos, portadores
de diabetes tipo II, encontrou que a mortalidade cardiovascular de 10
anos foi significativa e linearmente associada ao controle glicêmico,
independentemente do modo de tratamento14 . Entretanto, outros
estudos verificaram que o melhor controle glicêmico de pacientes
portadores de diabetes do tipo II levou à diminuição do desen-
volvimento da doença microvascular, mas não da macrovascular. Esse
achado faz com que se recomende o melhor controle possível dos
outros fatores de risco eventualmente presentes (hipertensão, disli-
pidemia, tabagismo, obesidade, sedentarismo), na prevenção da DAC
em diabéticos.
Sedentarismo – É o fator de risco mais prevalente em idosos porta-
dores de doença cardiovascular (cerca de 70% a 90% de acordo com a
idade avaliada). O combate ao sedentarismo é realizado pela atividade
física programada, o que pode diminuir o risco de desenvolvimento de
DAC por vários mecanismos, entre os quais destacam-se: aumento dos
níveis séricos de HDL-colesterol, redução dos triglicérides, diminuição
da pressão arterial, do peso corpóreo, da resistência à insulina e melhora
da distribuição de gordura corpórea. Acima de tudo, a atividade física
traz melhora da qualidade de vida em idosos.
Ainda se discute a melhor forma de atividade física a ser imple -
mentada entre idosos e qual produz mais benefícios. Recomendam-se,
em geral, pela facilidade de execução, caminhadas regulares, com
aumento gradual da velocidade e da distância percorrida. Recentemente
destacou-se, no programa de atividade física, a impor tância de
exercícios de resistência, particularmente para a população acima dos
65 anos de idade 15 .
Obesidade – Embora não tenha sido demonstrado que a obesidade
continua sendo fator de risco claro para o desenvolvimento da DAC em
idosos, aumento importante de peso e obesidade abdominal continuam a
influenciar adversamente todos os fatores de risco maiores. Muitas
evidências ligam a obesidade abdominal à: insulino-resistência, deterioração
da tolerância à glicose, dislipidemia e hipertensão arterial, sendo que todos,
de forma independente, predispõem à ocorrência de DAC. A intervenção
sobre o excesso de peso pode levar à melhora dos outros fatores de
risco associados. Entretanto, até o momento, não estão disponíveis estudos

50
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

mostrando que a intervenção sobre o peso corpóreo é eficaz na prevenção


primária ou secundária da DAC16 .
Menopausa – Embora muitos estudos observacionais sugiram que o
tratamento de reposição estrogênica, implementado após a menopausa,
traga benefícios sobre a morbidade e mortalidade cardiovascular, por vários
mecanismos, estudos randomizados e controlados por placebo, não
confirmam essa hipótese. Assim, no estudo HERS17 (Heart and Estrogen/
Progestin Replacement Study), o tratamento com estrógeno e progesterona
trouxe, no primeiro ano, maior chance de processos embólicos e de
colecistopatia calculosa no grupo tratado, sem benefícios sobre eventos
cardiovasculares no período analisado (pouco mais de 4 anos). Discute-se
se a continuidade do tratamento por maior tempo não teria possibilitado a
verificação de benefícios com a reposição hormonal (RH). Assim, a
recomendação das Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Diretriz de
Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da
Sociedade Brasileira de Cardiologia 12 é a de não se iniciar a RH com
finalidade de prevenção primária da DAC. Para pacientes que têm outras
indicações de RH, como prevenção de osteoporose e tratamento de
fogachos, entre outros, o tratamento pode ser mantido. Na prevenção
secundária, se a mulher já vem fazendo uso, a RH pode ser mantida, mas
não deverá ser iniciada nas que forem virgens de tratamento.
Fatores de risco emergentes – Não existe consenso sobre quando deve
ser incluída a avaliação dos novos fatores de risco para DAC. Os métodos
ainda não são totalmente padronizados e não estão disponíveis na maioria
dos laboratórios de análises clínicas. Tem sido sugerido o estudo desses
fatores em pacientes portadores de DAC que não pode ser explicada pela
presença de outros fatores de risco e em indivíduos que apresentem
antecedentes familiares importantes de DAC, sem que, no entanto, sejam
identificados fatores de risco capazes de justificar tal problema.
Lp(a) – A lipoproteína(a) assemelha-se à LDL, mas, diferentemente
desta, apresenta, ligada à apo B100, única apoproteína do LDL, uma
outra apoproteína denominada apo(a). Essa proteína tem grande
semelhança estrutural com o plasminogênio, o que confere à Lp(a), além
de capacidade aterogênica (pela similaridade com a LDL), propriedade
trombogênica. Seus níveis séricos são determinados principalmente por
fatores genéticos, o que dificulta a resposta às medidas terapêuticas,
tanto não-farmacológicas (dieta e atividade física) como farmacológicas.
51
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

Diante de níveis aumentados de Lp(a) (> 30 mg/dl), como a resposta


terapêutica em geral é muito ruim, recomenda-se a intervenção agressiva
sobre outros eventuais fatores de risco presentes. Os estudos que têm
avaliado a importância da Lp(a) como fator de risco para DAC em idosos
têm mostrado resultados controversos 18,19,20,21,22 . Não existem até o
momento estudos de intervenção sobre a Lp(a) na prevenção da DAC.
Homocisteína – A hiper-homocisteinemia tem sido apontada como
fator de risco independente para DAC. Está associada freqüentemente
à dieta pobre em folato e vitaminas B12 e B6. Como os idosos geralmente
têm baixa ingesta de folhas vegetais, cereais, produtos de trigo e laranjas,
habitualmente têm deficiência dessas vitaminas. O aumento da homo-
cisteinemia resultante parece estimular o crescimento das células
musculares lisas, dificultar a regeneração endotelial e aumentar a
trombogênese. Dados do estudo de Framingham indicam que aumento
das concentrações de homocisteína é encontrado em 29% dos idosos,
que 10% da doença cardiovascular pode ser atribuída à elevação da
homocisteína e que dois terços dos idosos com tal elevação têm pouca
ingestão de vitaminas B23 . Embora os níveis de homocisteinemia sejam
facilmente restabelecidos pela reposição adequada na alimentação e/ou
suplementos vitamínicos, faltam dados mostrando a eficácia dessa atuação
na prevenção da DAC24 .
Fibrinogênio – Os níveis séricos de fibrinogênio tendem a aumentar
com o envelhecimento e também são mais elevados em portadores de
hipertensão arterial, diabetes, obesidade e em fumantes. Níveis
aumentados de fibrinogênio, mesmo na faixa superior da normalidade,
estão associados com aumento do risco de DAC, acidente vascular
cerebral, mortalidade cardiovascular e global25 . Como o fibrinogênio é
trombogênico, aumenta a agregação plaquetária e parece ser marcador
inflamatório, é de especial importância em idosos, uma vez que estes
provavelmente apresentam lesões ateroscleróticas avançadas, propensas
à instabilização. O controle da fibrinogenemia por medidas higiênicas e/
ou por medicamentos parece promissora, embora ainda faltem evidências
da eficácia dessa atuação.
Fatores inflamatórios – Vários fatores inflamatórios têm sido
estudados quanto à possível capacidade de prever eventos cardiovas-
culares. Entre eles, o que mais tem acumulado dados é a proteína C
reativa (PCR), determinada por métodos de alta sensibilidade. Entre-
52
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

tanto, se os níveis plasmáticos de PCR predizem risco aumentado de


DAC futura, além das informações fornecidas pelos fatores de risco
tradicionais, somente poderá ser determinado após estudos prospectivos
envolvendo grande número de indivíduos. Não se sabe se o seu papel
se aplica aos idosos, sendo que no estudo de Pirro et al. 26 , o
acompanhamento de 2.037 indivíduos do sexo masculino saudáveis e
seguidos por cinco anos, níveis aumentados de PCR foram significativa
e independentemente associados com aumento do risco de DAC no
grupo mais jovem (< 55 anos), mas não nos acima dessa idade.
Conclusão – Embora ainda faltem dados conclusivos sobre a importância
de cada um dos fatores de risco no desenvolvimento e na evolução da DAC
em idosos, seu combate tem sido recomendado como forma de prevenção
primária ou secundária nos indivíduos de faixas etárias mais elevadas e que
apresentem boas perspectivas de qualidade de vida adequada.

Anexo I
Graus de recomendações e níveis de evidência adotados pela
Sociedade Brasileira de Cardiologia
Graus de recomendações Definição
A – Definitivamente recomendada Sempre aceitável e segura
Definitivamente útil
Eficácia e efetividade comprovadas
B – Aceitável Aceitável e segura, clinicamente útil,
mas não confirmado definitivamente
por estudo randomizado amplo ou
por meta-análise
B1 – Evidência muito boa Considerado tratamento de escolha
B2 – Evidência razoável Considerado tratamento opcional
ou alternativo
C – Inaceitável Clinicamente sem utilidade, pode
ser prejudicial
Níveis de evidência Definição
Nível 1 Estudos randomizados amplos
e revisões
Nível 2 Pelo menos um estudo randomizado
ou meta-análises
Nível 3 Estudos de pequenas séries
Nível 4 Recomendações de grupos de
especialistas em diretrizes ou
outras reuniões

53
Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

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Fatores de Risco para Doença Coronária em Idosos

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55
Capítulo 4

Peculiaridades da
Cardiopatia
Isquêmica Aguda
no Idoso
Otavio Rizzi Coelho
Willian Cirillo
Osvaldo Massayoshi Ueti
Fernando Abarca Schelline

A expectativa de vida da população brasileira tem aumentado


consideravelmente nas últimas décadas, acompanhando uma tendência
mundial1,2 . A doença arterial coronária é mais prevalente, seja em homens
ou mulheres, com o aumento da faixa etária.
No município de Campinas, as doenças do aparelho circulatório são
a principal causa de óbito, correspondendo a 37% nas mulheres e 28%
nos homens, considerando-se todas as faixas etárias. Acima dos 70 anos,
respondem por 35% nos homens e 45% nas mulheres3 . Assim, podemos
concluir que a cardiopatia isquêmica no idoso constitui uma questão funda-
mental para a saúde pública em nossa sociedade.
Como a aterosclerose é uma doença progressiva, estimava-se que os
fatores de prevenção teriam menor importância no idoso. Muitos trabalhos
publicados na literatura evidenciam que esse é um conceito errado. Os
fatores de risco modificáveis para doença aterosclerótica coronária (DAC),
insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e doença arterial periférica (DAP)
são virtualmente os mesmos, tanto no jovem quanto no idoso4 .
Peculiaridades da Cardiopatia Isquêmica Aguda no Idoso

Sabemos que o tratamento da hipertensão e o abandono do tabagismo


por exemplo adicionam qualidade de vida e longevidade.
A hipertensão arterial é muito prevalente no idoso e, até recentemente,
seu tratamento era considerado polêmico. A hipertensão arterial sistólica
isolada, definida como pressão arterial sistólica > 140 mmHg e diastólica
< 90 mmHg, é a forma mais freqüente de hipertensão nos pacientes
idosos, ocorrendo aproximadamente em 60% dos indivíduos 5 . Essa forma
de hipertensão era considerada “fisiológica”, sendo decorrente da perda
de elasticidade da aorta e de seus ramos arteriais. O estudo SHEP
(Systolic Hypertension in the Elderly Program) comprovou que o
tratamento da hipertensão arterial sistólica isolada do idoso reduz eventos
cardiovasculares: sobretudo a insuficiência cardíaca congestiva e o
acidente vascular cerebral e, possivelmente, a incidência de IAM6 .
Em relação ao tabagismo, alguns estudos como o The U.S. Nurses
Study apontaram-no como fator de risco independente para eventos
coronários na população jovem e idosa8 . Mesmo que ainda haja alguma
controvérsia sobre o benefício do abandono do tabagismo e a incidência
de DAC, é bem estabelecida a relação do cigarro com o aumento da
incidência de câncer de pulmão9 .
O diabetes do tipo II tem aumentado sua prevalência na população senil e
dobra o risco de DAC, podendo aumentá-lo em até 15 vezes quando combinado
à hiperlipidemia no idoso10 . Por sua vez, a dislipidemia, mesmo não tendo a
mesma relevância que no jovem, ainda é um forte preditor de DAC no
idoso, sobretudo a relação colesterol total/HDL 11 . Ainda em mulheres acima
de 70 anos, para um mesmo nível de colesterol de 240 mg/dl ou superior, o
risco da cardiopatia isquêmica pode aumentar em até 10 vezes na
dependência da associação com outros fatores de risco (Figura 1).
Existe uma proporção significativa de pacientes sem sintomas (isquemia
silenciosa). Confrontando-se os dados de autópsia em pacientes acima de
80 anos, dos quais mais da metade apresenta DAC anatomicamente
expressiva 14 , apenas 20% desses pacientes apresentam evidências clínicas
de doença arterial coronária 15 . Corroborando esses dados, cerca de um
terço dos infartos agudos do miocárdio (IAM) não é diagnosticado nos
idosos, pois muitos são totalmente silenciosos. Esse fato não pode ser
subestimado, já que o IAM tem pior prognóstico no idoso16 .
A hipertrofia ventricular esquerda e as alterações difusas de
repolarização no eletrocardiograma são marcadores de isquemia no idoso.
58
Peculiaridades da Cardiopatia Isquêmica Aguda no Idoso

Figura 1 – Risco de cardiopatia coronariana com determinados valores de colesterol,


segundo o nível de outros fatores de risco. Baseado no estudo de Framingham para o
acompanhamento de mulheres de 70 anos de idade.
Col – colesterol; PA – pressão arterial; COL-HDL – lipoproteína de alta densidade;
OGS – fumantes; INTOL. GLUC – intolerância à glicose; ECG-HM – evidência
eletrocardiográfica de hipertrofia ventricular esquerda.
De Kannel WB e Cobb J. Framingham study: risk factors in the cohort aged 65 and
older. In: Lewis B, Mancini M$, Farnaro E (eds.). Prevention of coronary heart
disease in the elderly. London: Current Medical Literature, 1991, pp. 8.

e se a associam a maior risco de evento coronário agudo, ICC e acidente


vascular cerebral (AVC).

Manuseio e evidências clínicas


O infarto agudo do miocárdio (com ou sem supradesnivelamento do
segmento ST) e a angina instável são mais prevalentes no idoso.
É bem estabelecido que a mortalidade do IAM aumenta com a idade.
No estudo GUSTO-I6 com 41 mil pacientes infartados tratados com
estreptoquinase ou r-TPA, a mortalidade intra-hospitalar foi de 3% para
pacientes < 65 anos; de 9,5% entre 65 e 74 anos; de 19,6% entre 74 e 85
anos e de 30,3% para pacientes > 85 anos 19 . Além de maior mortalidade,
o idoso apresenta maior comorbidade por doenças pulmonares, renais,
hepáticas ou diabetes, por exemplo. Também são mais freqüentes
complicações decorrentes do IAM como insuficiência cardíaca, rotura
cardíaca e choque cardiogênico20 .
59
Peculiaridades da Cardiopatia Isquêmica Aguda no Idoso

A terapêutica fibrinolítica nessa população deve ser considerada,


analisando-se a relação custo versus benefício.
No idoso, apesar do maior risco, obtém-se também maior benefício.
Observou-se redução absoluta na mortalidade, de 3,5% nos pacientes com
idade > 65 anos comparada a 2,2% nos pacientes mais jovens 21 .
Por outro lado, a trombólise farmacológica aumenta o risco de
sangramento cerebral com a elevação da idade do paciente.
No estudo ISIS III e no International Study, a incidência de AVC em
pacientes infartados e com idade > 70 anos foi acentuadamente maior,
quando comparada à de pacientes jovens: 2,3% versus 0,6% no ISIS III
e 2,1% versus 0,9% no International Study22,23. Mesmo em uma análise
estatística mais rigorosa, considerando as covariantes, o risco corrigido
de AVC no idoso foi 2,72 vezes maior do que no jovem.
No estudo GUSTO24 (Tabela 1) os dados apresentados comprovam
que o risco de AVC ou hemorragia intracraniana foi maior na população
idosa. A incidência de hemorragia intracraniana foi maior no grupo tratado
com rt-PA, quando comparado ao grupo estreptoquinase. E a mortalidade
do AVC no paciente jovem infartado foi de 40%, metade do valor
encontrado em octogenários.
Estudos mais recentes com trombolíticos incluiram uma maior
porcentagem de mulheres e de idosos (> 75 anos). Isso resultou em
maior incidência de hemorragia intracraniana. Por exemplo: a incidência
de hemorragia intracraniana inicialmente de 0,7%, se elevou para 0,8%
a 0,9% 25 . De todos os trombolíticos, a estreptoquinase, sem heparina,
provocou menor incidência de hemorragia intracraniana e por essa razão
poderia ser mais indicada na população senil. 25 Aliás, o uso preferencial
da estreptoquinase em relação ao t-PA é recomendado pela Sociedade
Brasileira de Cardiologia nos pacientes acima de 75 anos de idade 26 .
Por outro lado, o estudo GUSTO-I demonstrou redução de mortalidade
em pacientes infartados, com idade < 85 anos, submetidos a trombólise
com infusão acelerada de T-PA. Essa redução da mortalidade se manteve
até um ano de seguimento27 .
Infelizmente, os idosos recebem menos trombolíticos compara-
tivamente aos mais jovens, por demora ao acesso hospitalar e possivel-
mente pelo medo do risco de complicações28,29.
Já está consagrado o uso do ácido acetilsalicílico (ASA) e de betablo-
queadores no tratamento da cardiopatia isquêmica aguda do idoso com
60
Peculiaridades da Cardiopatia Isquêmica Aguda no Idoso

ou sem supradesnivelamento do segmento ST. O ASA foi utilizado em


10.018 pacientes acima de 65 anos, após IAM, com redução de 22% da
mortalidade no trigésimo dia 30 . Os betabloqueadores também reduzem a
mortalidade de pacientes infartados acima de 65 anos, mesmo naqueles
portadores de diabetes melito do tipo I, doença pulmonar obstrutiva
crônica e história pregressa de ICC31 .
Também está comprovado que o uso de inibidores da enzima de
conversão da angiotensina previne o remodelamento ventricular esquerdo
e reduz a mortalidade em pacientes idosos portadores de ICC após o
IAM32 .
A heparina tem sido recomendada para o tratamento das síndromes
coronárias agudas, reduzindo a incidência de IAM quando adicionada ao
ASA. Entretanto, faltam estudos específicos no idoso em relação ao uso
de heparina não fracionada e inibidores da glic oproteína IIbIIIa33 .

Técnicas de revascularização do miocárdio


I – Angioplastia
De maneira geral, na cardiopatia isquêmica, o sucesso imediato da
angioplastia no idoso é comparável ao do jovem. Entretanto, observa-se
menor resposta clínica e maior incidência de complicações cardíacas nos
pacientes acima de 80 anos 34,35. Na fase aguda da isquemia coronária
sem supradesnivelamento do segmento ST, diversos estudos (nenhum
especificamente no idoso) não conseguiram demonstrar superioridade da
angioplastia em relação ao tratamento convencional, exceto em pacientes
com isquemia persistente ou recorrente, a despeito do tratamento clínico36 .
Nos pacientes idosos portadores de IAM com supradesnivelamento do
segmento ST, a angioplastia foi capaz de restaurar o fluxo coronário da
artéria relacionada ao infarto em 90% dos pacientes (TIMI-III)25 .
Tabela 1
C GUSTO – Acidente cerebrovascular pelo grupo tratado e idade
Grupo estreptoquinase Rt-PA acelerado Razão (95% IC)
Idade ≤ 75 n = 17.804 n = 9.039
AVC 1,08% 1,20% 1,21 (0,88-1,42)
AVCH 0,42% 0,52% 1,24 (0,86-1,78)
Idade > 75 n = 2.358 n = 1.297
AVC 3,05% 3,93% 1,30 (0,90-1,87)
AVCH 1,23% 2,08% 1,71 (1,01-2,88)
IC – intervalo de confiança.

61
Peculiaridades da Cardiopatia Isquêmica Aguda no Idoso

Análise retrospectiva evidenciou mortalidade de 2% em pacientes


infartados de alto risco (infarto anterior ou taquicardia na apresentação
inicial) e com idade > 75 anos, tratados por angioplastia. Esse mesmo
grupo apresentou mortalidade de 10% quando submetido à terapêutica
trombolítica convencional37 . A maior mortalidade do grupo que recebeu
trombolítico se deveu, provavelmente, à maior incidência de hemorragia
cerebral.

II – Cirurgia de revascularização do miocárdio


Considerando-se o progresso das técnicas de angioplastia adicionado
à colocação de stent intracoronário, a revascularização cirúrgica do
miocárdio tem sido reservada para pacientes com doença aterosclerótica
difusa e mais grave. Isso acaba impactando a morbimortalidade, sobretudo
da população acima de 75 anos 38 . O idoso tem incidência maior de
complicações, como insuficiência renal e AVC, além de necessidade de
ventilação mecânica mais prolongada 38,39.
O estudo BARI (Bypass Angioplasty Ravascularization Investi-
gation) randomizou 709 pacientes com idade entre 65 e 80 anos, portadores
de DAC múltipla, submetidos a angioplastia ou revascularização cirúrgica
do miocárdio40 . A mortalidade da angioplastia no trigésimo dia foi de 0,7%
contra 1,1%, em relação à da cirurgia de revascularização do miocárdio. A
mortalidade em cinco anos foi de 91,5% para cirurgia e de 89,5% para
angioplastia nos mais jovens e de 85,7% e 81,4%, respectivamente, nos
idosos.
Novas modalidades de revascularização, como a cirurgia “minima-
mente invasiva”, que não utiliza técnica extracorpórea, e a utilização de
stents coronários constituem avanços tecnológicos que minimizam os
riscos dos procedimentos terapêuticos invasivos, mesmo na fase aguda
da DAC41,42.

Conclusão
Os autores defendem uma mudança de paradigma no tratamento dos
pacientes idosos portadores de cardiopatia isquêmica aguda. É nosso
entendimento que devemos oferecer todos os recursos de diagnósticos e
terapêuticos atualmente disponíveis, no intuito de prolongar e melhorar a
qualidade de vida desses pacientes.
62
Peculiaridades da Cardiopatia Isquêmica Aguda no Idoso

Sabemos do desafio imposto pela maior dificuldade diagnóstica, pelo


maior risco de complicações das modalidades terapêuticas clínicas e
intervencionistas, mas, indiscutivelmente, a medicina tem muitos recursos
a oferecer a essa população, e os dados da literatura confluem para a
obtenção de índices de sucesso muito próximos dos encontrados em
populações mais jovens.
Não podemos permitir que preconceitos impeçam ou retardem o
melhor tratamento do paciente idoso com síndrome isquêmica coronária
aguda. Na rotina diária, devemos preservar o bom senso e o espírito
humanitário ao lidar com o paciente idoso, tão fragilizado no momento da
doença.

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65
Capítulo 5

Doença Arterial
Periférica em Idosos
Humberto Pierri

Aterosclerose periférica
Os problemas arteriais periféricos aumentam sua freqüência com a
idade e a doença aterosclerótica é a causa mais comum entre idosos.
Tabagismo e diabetes melito são os fatores exacerbantes mais comuns.
Como a circulação arterial periférica pode ser facilmente abordada,
o exame físico torna-se fundamental para orientar o diagnóstico e o
tratamento. Exames laboratoriais ajudam a confirmar o diagnóstico e
quantificar a extensão da doença.
A doença arterial periférica pode ser definida como a redução do
suprimento de sangue arterial para as extremidades.
I – Etiologia e fisiopatologia
A progressão da doença arterial aterosclerótica relaciona-se com a
idade e desenvolve-se paralelamente com a aterosclerose das artérias
coronárias e cerebrais. O processo patológico inicia-se muitos anos antes
do aparecimento dos achados clínicos e seu desenvolvimento é lento e
insidioso.
Os fatores de risco para doença arterial periférica incluem tabagismo,
diabetes melito, hiperlipidemia, hipertensão arterial, policitemia, história
familiar, hiper-homocisteinemia, idade e ooforectomia precoce. Doenças
que elevam os valores do hematócrito podem aumentar a resistência à
corrente sangüínea e à força de cisalhamento exercida contra a parede
dos vasos, resultando em lesão intimal. Essa lesão promove a formação
do ateroma. Diabetes melito mal controlado e hiper-homocisteinemia
Doença Arterial Periférica em Idosos

levam à agressão da camada íntima e ao aparecimento e crescimento de


ateromas.
Não está claro o quanto o tabagismo pode lesar a parede arterial,
entretanto, o monóxido de carbono e outros componentes do fumo muito
provavelmente são tóxicos à íntima. A nicotina é um agente vasoconstritor
direto e, portanto, reduz o fluxo distal. A freqüência de amputação de
membros é dez vezes maior naqueles que continuam fumando, após o
aparecimento da oclusão arterial, do que nos que abandonam o tabagismo.
II – Sinais e sintomas
A maior parte dos idosos portadores de insuficiência vascular periférica
é assintomática. Deve ocorrer pelo menos 70% de obstrução do lúmen
arterial para que haja manifestação clínica.
O sintoma mais específico e freqüente da doença arterial periférica é
a claudicação intermitente (dor, aperto ou fraqueza dos músculos
exercitados). A claudicação ocorre durante caminhada (nunca com o
paciente sentado ou em posição ortostática), forçando o paciente a parar,
pois andar torna-se muito doloroso. O alívio ocorre cerca de cinco minutos
após o repouso. A dor quase sempre é referida como aperto intenso na
panturrilha; se a oclusão for no trecho aortoilíaco a dor será referida no
quadril ou nas nádegas.
A claudicação, freqüentemente, ocorre para a mesma distância
percorrida. Entretanto, situações como frio, vento, aclives e caminhadas
rápidas podem reduzir essa distância. O uso de bengalas ou muletas não
melhora as distâncias percorridas, porque a função muscular está
preservada até que ocorra hipoxia.
Sintomas menos específicos como palidez cutânea, parestesias,
sensação de frio e dor em repouso estão relacionados com a circulação
cutânea dos pés. Essas sensações, quando ocorrerem durante movimento,
relacionam-se com máxima vasodilatação das arteríolas musculares e
desvio de fluxo da pele para os músculos. Sensação de frio que aumentou
recentemente ou que ocorre em apenas um membro bem como
parestesias após o sono podem sugerir insuficiência arterial. Entretanto,
é muito comum que indivíduos idosos sintam mais frio, sem que isso se
associe com insuficiência arterial, mas com vasoconstrição periférica.
Idosos sedentários que não caminham o suficiente para claudicar
podem apresentar-se com dor no pé em repouso ou mesmo gangrena.

68
Doença Arterial Periférica em Idosos

Dor no pé em repouso é sintoma muito perigoso e indica que a circulação


está reduzida a menos de 10% do normal. Essa dor pode ser em queimação
ou na forma de sensação parestésica e tipicamente piora à noite,
prejudicando a qualidade do sono.
A gangrena aparece primeiramente como uma equimose, seguida por
enegrecimento e mumificação da parte envolvida. Em pacientes com
neuropatia, em geral devido ao diabetes melito, pode desenvolver-se
gangrena sem dor.
As feridas podem apresentar-se com muita dificuldade de cicatrização,
e a pele fica propensa a rachaduras, que podem evoluir para celulite ou
infecções profundas.
Na síndrome de Leriche, a bifurcação aortoilíaca começa a se ocluir,
porém as artérias distais freqüentemente estão normais. Os sintomas
são claudicação referida no quadril e impotência sexual, secundárias à
hipotensão arterial das ilíacas. Essa síndrome não é freqüente nos idosos
porque eles costumam apresentar lesões ateroscleróticas difusas e
multiplas áreas de oclusão.
III – Diagnóstico
A ausência de pulsos periféricos sugere fortemente presença de
oclusão arterial. O pulso tibial posterior está sempre presente em pessoas
sadias, embora possa ser difícil palpá-lo em pacientes com edema ou
maléolos proeminentes. A artéria pediosa está ausente em 5% das pessoas
sadias. A poplítea é de difícil palpação e as femorais são de fácil acesso.
A determinação da força do pulso é subjetiva e depende da pressão
de pulso, da idade do paciente e da sensibilidade do examinador. Com a
idade, os pulsos de artérias patentes tendem a se tornar mais proeminentes,
devido à perda de musculatura e tecido elástico, o que predispõe ao
aparecimento de ectasias. A subida da onda de pulso é mais importante
que sua amplitude. Sopros ouvidos sobre a artéria femoral indicam doença
aortoilíaca.
A ultra-sonografia com Doppler pode ser utilizada para permitir acesso
aos pulsos arteriais, porém não prova que o fluxo seja adequado.
A pressão nas pernas é considerada baixa, quando for menor que a
obtida nos membros superiores.
Diferenças de temperatura entre os dedos de cada pé e mudanças na
coloração da pele são achados importantes; para determinar mudanças
69
Doença Arterial Periférica em Idosos

de coloração, o examinador deve elevar o pé acima do nível do coração


por vinte segundos e depois colocá-lo em posição pendente; palidez por
mais de trinta segundos ou coloração violácea (rubor) que aparece após
vinte segundos, indica que o fluxo está reduzido abaixo de 10%. O rubor
pode demorar até 1 a 2 minutos para alcançar seu máximo; é mais
pronunciado nos dedos e pode se estender ao longo das pernas. Nas
isquemias mais intensas, os pés apresentam-se com palidez cutânea
mesmo em repouso na horizontal. Palidez ou rubor prolongados, quando
associados com dor em repouso, são péssimos sinais. Gangrena e
ulceração, particularmente de dedos, calcanhar e maléolo medial, sugerem
doença arterial extensa.
O perfil lipídico e a dosagem de homocisteína devem ser aferidos.
A insuficiência arterial periférica deve ser diferenciada de outras
doenças que causam sintomas semelhantes. Estreitamento do canal
medular no nível da coluna lombar, que é muito prevalente entre idosos,
pode mimetizar claudicação. Entretanto, os sintomas são percebidos tanto
em repouso quanto durante caminhadas, podendo piorar quando os
pacientes estão sentados; a dor costuma irradiar-se para as extremidades.
Na neuropatia diabética, a dor pode ser igual à da insuficiência arterial
periférica, mas geralmente é bilateral. É muito freqüente sua associação
com insuficiência arterial periférica que leva à parestesia e à palidez.
IV – Tratamento
Nos pacientes assintomáticos, a terapia consiste em medidas preven-
tivas envolvendo cuidados com os pés, caminhadas freqüentes e controle
dos fatores de risco. Os pacientes devem ser avisados para evitar posições
que diminuam o fluxo sangüíneo, como cruzar as pernas quando estiverem
sentados.
Nos sintomáticos deve-se aconselhar as mesmas medidas recomen-
dadas aos assintomáticos. Quando ocorrer claudicação, os pacientes
devem descansar e reiniciar a marcha assim que possível.
Os resultados de terapia medicamentosa em pacientes com claudi-
cação intermitente são controversos. A pentoxifilina foi a primeira
medicação aprovada para tratamento desse sintoma, pois, diminuindo
a viscosidade sangüínea e aumentando a flexibilidade das hemácias,
levaria à melhora do fluxo nas arteríolas e capilares. Os resultados
clínicos e os estudos de acompanhamento clínico são desalentadores.

70
Doença Arterial Periférica em Idosos

Até o momento, não há medicação que mude a história natural da claudi-


cação intermitente.
O mais efetivo tratamento para claudicação intermitente é a
intervenção invasiva para implante de pontes ou colocação de stents.
Entretanto, esses procedimentos devem ficar reservados para as
obstruções aortoilíacas ou quando há sintomas importantes.
O risco da cirurgia deve ser pesado contra os potenciais benefícios.
Uma cirurgia malsucedida pode piorar a situação clínica do paciente se a
circulação colateral for seccionada durante o procedimento. Fatores como
estado geral do paciente, idade, estilo de vida, doenças associadas e
localização da lesão devem ser considerados.
Angiografia para determinar necessidade de procedimento cirúrgico
só deve ser realizada quando a cirurgia está sendo seriamente conside-
rada. A cirurgia só será bem-sucedida quando o leito distal permitir bom
fluxo. Cirurgias realizadas em pacientes com lesões proximais são as de
melhores resultados. Pacientes com lesões aortoilíacas apresentam
permeabilidade em cinco anos de aproximadamente 90%. Nas lesões
femoropoplíteas, essa taxa está entre 60% e 70%, quando a lesão está
acima do joelho; lesões no nível ou abaixo do joelho apresentam piores
taxas de patência. Em enxerto femorotibial distal, está abaixo de 50%.
A angioplastia percutânea com colocação de stent é alternativa à cirurgia,
quando as lesões forem curtas e localizadas nos segmentos aortoilíaco e
femoral. Embora seja procedimento simples e realizado com anestesia local,
as complicações (ruptura arterial e embolização distal) podem requerer
cirurgia de urgência. Portanto, o paciente que será submetido a esse
procedimento deve reunir condições para a cirurgia clássica.
Nos pacientes com intensa isquemia na posição de pé, os sinais de
isquemia cutânea são indicadores da necessidade de enxertos arteriais
que podem aliviar dores incapacitantes e evitar amputações. Quando há
placas de gangrena, principalmente em dedos, deve-se aguardar sua total
delimitação, porque a auto-amputação do dedo pode levar a melhor
cicatrização proximal. Úlceras isquêmicas podem cicatrizar, se o fluxo
ao seu redor for melhorado; debridamento químico ou cirúrgico e utilização
de soluções anti-sépticas estão preconizados. Imersão do pé em água na
temperatura corpórea ajuda a curar lesões infectadas.
Idosos que não tenham apresentado perda tecidual ou dor em repouso
não devem ser submetidos à cirurgia.

71
Doença Arterial Periférica em Idosos

Procedimentos de baixo risco podem ser utilizados, como o enxerto


femorofemoral abaixo da área pélvica, o que pode evitar amputação,
quando a doença for unilateral. A taxa de patência nesse caso é semelhante
à obtida pelos enxertos aortofemorais. Enxertos axilofemorais podem
ser úteis quando a doença for bilateral; nesse caso, a taxa de patência é
de aproximadamente 50%.
A presença de lesões múltiplas não contra-indica a cirurgia, pois o
aumento de fluxo pode favorecer o aparecimento de circulação colateral
ao redor das lesões mais distais.

Doença de pequenos vasos


Pode ser definida quando há isquemia cutânea, com áreas de cianose
ou necrose em pés ou mãos, que apresentam circulação adequada.
Em idosos, pode ocorrer devido a crioglobulinemia, criofibrinogenemia,
policitemia, coagulação intravascular disseminada, trombocitose essencial,
vasculite induzida por medicações, síndrome do anticorpo anticardiolipina,
esclerodermia ou embolia com origem em aneurisma, no coração ou em
placas de ateroma.
I – Sinais, sintomas e diagnóstico
Os pacientes apresentam, geralmente, um dedo cianótico ou gangrenado
e podem desenvolver várias lesões em extremidades. Ocasionalmente,
esses achados podem acometer a mão ou o pé por inteiro.
Em pacientes com doença aterosclerótica periférica, piora clínica
súbita das mãos ou dos pés, ou desenvolvimento de cianose ou necrose
em extremidades previamente bem perfundidas, pode indicar doença de
pequenos vasos. Quando há envolvimento da mão, especial atenção deve
ser dispensada na sua investigação, pois as extremidades superiores
freqüentemente são poupadas, mesmo de doença aterosclerótica em
estado avançado.
No exame físico, deve-se procurar aneurisma de aorta abdominal,
femoral, poplítea e subclávia.
A avaliação laboratorial deve incluir: leucograma, contagem de pla-
quetas, coagulograma, teste para crioproteínas, anticorpo anticardiolipina,
anticorpo antinuclear e anticoagulante lúpico.
O eletrocardiograma e o ecocardiograma devem ser realizados
quando há suspeita clínica de aneurisma de ventrículo esquerdo. A ultra-
72
Doença Arterial Periférica em Idosos

sonografia é útil para o diagnóstico de aneurisma de aorta abdominal e


da artéria poplítea. O diagnóstico de fratura de placa de ateroma deve
ser feito por exclusão.
Ocasionalmente, os êmbolos manifestam-se pelo aparecimento de
livedo reticularis.
II – Tratamento
Doenças diagnosticadas devem ser exaustivamente tratadas. Os
aneurismas devem ser tratados cirurgicamente. Anticoagulação por longos
períodos deve ser iniciada naqueles com aneurisma de ventrículo esquerdo;
antiagregantes plaquetários devem ser dados para aqueles que tiverem
embolização devida a placas de ateroma. Não há, até o momento, trata-
mento adequado para pacientes com anticorpo anticardiolipina. A varfarina
pode ser efetiva, visando taxa de INR entre 2 e 3. Para todos os pacientes
com doença de pequenos vasos deve-se ter cuidado extremo com
desidratação, que compromete o fluxo sangüíneo, por aumentar a
viscosidade do sangue.

Fenômeno de Raynaud
Síndrome que se caracteriza por palidez cutânea ou cianose intermi-
tente decorrentes de vasoespasmo periférico.
I – Sinais, sintomas e diagnóstico
A exposição ao frio ocasiona embranquecimento ou cianose de mãos,
pés e, algumas vezes, de nariz e orelhas. Essa palidez é seguida de uma
fase eritematosa quando os pacientes entram em ambientes aquecidos.
Os episódios podem ser assintomáticos ou produzir vários graus de dor,
palidez e sensação de frio. Muitos idosos podem apresentar esse
fenômeno mesmo quando a temperatura não se apresenta muito fria. Os
indivíduos afetados apresentam mãos e pés frios, mesmo em ambientes
com temperaturas elevadas. Se os episódios forem freqüentes e prolon-
gados pode ocorrer esclerodactilia.
Sintomas bilaterais começando após os 40 anos de idade freqüen-
temente estão associados com hipertireoidismo, lúpus induzido por
medicações, crioglobulinemia, criofibrinogenemia, doença de aglutinação
induzida pelo frio, esclerodermia e síndrome de CREST (Calcinose,
Raynaud, disfunção Esofageana e Telangiectasia).
73
Doença Arterial Periférica em Idosos

O tratamento é freqüentemente conservador; o paciente deve ser


orientado a utilizar roupas quentes e a evitar o frio. Se o fenômeno for
causado por esclerodermia, o tratamento deverá ser mais rigoroso, pois
os episódios podem causar danos decorrentes de redução de fluxo para
os rins e o coração, levando à alteração da contratilidade cardíaca. Nesse
caso, a utilização de nifedipina três vezes ao dia tem sido considerada
procedimento seguro e efetivo.

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74
Capítulo 6

Hipertensão
Arterial no Idoso
João B. Serro-Azul

Epidemiologia
A pressão arterial sistólica aumenta progressivamente com a idade,
enquanto a diastólica atinge seus maiores níveis entre os 50 e 60 anos de
idade 1 . Estudos epidemiológicos demonstraram que a elevação da pressão
arterial aumenta a morbimortalidade cardiovascular, mesmo na terceira
idade 2,3 . De fato, a ocorrência de doenças cardiovasculares triplica em
hipertensos idosos, quando comparada à observada em normotensos da
mesma idade 3 . Os riscos estão relacionados tanto à hipertensão arterial
sistólica quanto à diastólica, porém, a pressão sistólica, em idades mais
avançadas, passa a ter maior importância na incidência de acidente
vascular cerebral, no desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda
(HVE) e de insuficiência cardíaca.
A hipertensão arterial tem incidência mais elevada com o progredir
da idade, chegando a acometer mais da metade da população geriátrica,
sendo mais expressiva no sexo feminino e na raça negra. Entre suas
modalidades, destaca-se a hipertensão sistólica isolada, encontrada em
7% dos indivíduos entre 60 e 67 anos de idade e que atinge 25% dos
nonagenários 4 . Com efeito, nas últimas décadas o aumento da população
de indivíduos com idade superior a 80 anos e o risco relacionado à
elevação da pressão sistólica denotam a importância dessa forma de
hipertensão.
75
Hipertensão Arterial no Idoso

Aspectos fisiopatológicos
O envelhecimento associa-se a um aumento significativo da carga
imposta pelo sistema vascular ao trabalho cardíaco. Essa sobrecarga é
decorrente do processo degenerativo que ocorre na parede das grandes
artérias (rotura e perda de fibras de elastina, deposição de cálcio e de
colágeno, espessamento da parede vascular e diminuição da elasticidade),
com conseqüente redução da complacência arterial e aumento da
velocidade de propagação das ondas de pressão5 . Desta última resulta o
retorno mais precoce das ondas refletidas da periferia às artérias centrais,
e conseqüentemente, essas ondas refletidas deixam de retornar no período
diastólico do ciclo cardíaco, determinando uma amplificação da pressão
sistólica, responsável pelo desenvolvimento de hipertensão sistólica e
de HVE no indivíduo idoso.
Alterações ateroscleróticas na região dos seios carotídeos podem
reduzir a sensibilidade dos barorreceptores, o que poderia explicar a maior
variabilidade da pressão arterial no idoso e é, provavelmente, uma das
causas da redução dos reflexos posturais que o predispõe à hipotensão
ortostática.
As respostas do sistema alfa-adrenérgico permanecem inalteradas com
a idade 6 ; entretanto, as do sistema beta-adrenérgico, nitidamente declinam,
devido à redução do número e/ou da sensibilidade dos receptores
específicos 7 , e a conseqüente elevação da norepinefrina plasmática. O
aumento da resistência vascular, observada nos gerontes hipertensos, pode
ser relacionado à menor vasodilatação promovida pelos receptores beta-
adrenérgicos, associada à normalidade do sistema constritor alfa. Assim,
a idade relaciona-se a um desvio do equilíbrio do sistema adrenérgico
para o lado do efeito alfa-adrenérgico.
Os idosos hipertensos são mais sensíveis à sobrecarga de sódio e
apresentam atividade plasmática da renina reduzida, o que sugere pouca
influência do sistema renina-angiotensina no aumento da resistência
vascular periférica. Os baixos níveis de renina e sua menor atividade
podem estar relacionados com o declínio da atividade do sistema beta-
adrenérgico que governa sua liberação. Além disso, a hialinização das
arteríolas aferentes renais chega a tornar o aparelho justa-glomerular
menos responsivo aos estímulos para produzir renina. Também é possível
que a liberação de renina esteja suprimida pelo maior acúmulo de sódio.
76
Hipertensão Arterial no Idoso

Os níveis plasmáticos de aldosterona estão elevados em alguns idosos


hipertensos 8 , entretanto, não se sabe se esse aumento estaria relacionado
com maior atividade mineralocorticóide, contribuindo para o estado
hipertensivo.
Os efeitos das alterações ateroscleróticas sobre o endotélio vascular
podem contribuir para a elevação da pressão arterial no idoso. O endotélio
lesado continua a produzir fatores constritores como endotelina,
tromboxane e angiotensina II, porém não produz fatores relaxantes, como
o óxido nítrico e a prostraciclina, resultando em aumento da resistência
periférica.

Peculiaridades clínicas
A aferição da pressão arterial dos idosos deve ser feita com as mesmas
cautelas observadas para os mais jovens. Cumpre enfatizar que costumam
ser necessárias múltiplas avaliações, pois é sabido que a variabilidade da
pressão arterial aumenta com a idade 9 . Deve-se considerar a possibilidade
de presença do chamado “buraco auscultatório”. Evita-se esse erro com
a precaução de insuflar o manguito até níveis de pressão arterial nos
quais há o desaparecimento do pulso à palpação.
A pseudo-hipertensão é um artefato decorrente do endurecimento das
paredes das artérias periféricas e resulta numa falsa estimativa da pressão
arterial à esfigmomanometria. Esse diagnóstico é sugerido em indivíduos
com níveis pressóricos elevados e ausência de lesão em órgãos-alvo;
geralmente são idosos que apresentam artérias dos braços calcificadas, o
que pode ser identificado à palpação e/ou ao exame radiológico. A
pesquisa do sinal de Osler (constatação de artérias palpáveis quando o
esfigmomanômetro encontrar-se insuflado em nível superior ao da pressão
sistólica)10 , pode identificar a pseudo-hipertensão.
A variabilidade da pressão arterial está aumentada entre idosos, o que
depende da redução dos barorreflexos. De modo geral, pode-se dizer que
quanto mais elevada a pressão arterial, principalmente a sistólica, maior
será essa condição. Quanto à variabilidade da freqüência cardíaca, verifica-
se habitualmente que é menor, correspondendo à diminuição da modulação
parassimpática do coração, uma das características do envelhecimento.
O idoso apresenta predisposição à hipotensão ortostática que está
associada a aumento na incidência de quedas (de morbidade expressiva,
dependente de fraturas ósseas e hematomas subdurais), de doença
77
Hipertensão Arterial no Idoso

cerebrovascular e de infarto do miocárdio 11 . Entre as causas predispo-


nentes destacam-se: menor eficiência dos mecanismos reguladores da
pressão arterial (barorreceptores e renais, por exemplo); uso mais fre-
qüente de medicamentos (diuréticos, tranqüilizantes, vasodilatadores,
betabloqueadores); maior ocorrência de doenças crônicas (diabetes melito,
insuficiência cardíaca, doença vascular cerebral). A prevalência de
hipotensão ortostática aumenta com a idade e com o nível de pressão
sistólica, podendo atingir cerca de 30% dos indivíduos com mais de 75
anos 12 . Nos participantes do estudo Systolic Hypertension in the Elderly
Program (SHEP), a hipotensão ortostática foi encontrada em cerca de
16% dos indivíduos. Outro estudo observou hipotensão ortostática,
definida como queda na pressão sistólica acima de 20 mmHg, em 27%
de idosos hipertensos não tratados, sendo que um terço deles relataram
sintomas de tonturas ou escurecimento visual13 . No referido estudo, as
medidas de pressão arterial pela monitorização ambulatorial de pressão
arterial (MAPA) não identificaram os pacientes com hipotensão
ortostática. Em conclusão, a hipotensão ortostática é freqüente entre
idosos e sua detecção pode exigir múltiplas aferições da pressão arterial
nas posições supina e ortostática.
A hipertensão do “jaleco-branco” (elevação da pressão arterial no
consultório do médico, em contraste com verificações domiciliares normais)
é freqüentemente observada nos idosos e pode ser diagnosticada pela MAPA.
Realmente, observou-se que 42% dos idosos com hipertensão sistólica
isolada, participantes do estudo SHEP, apresentavam pressão “normal” à
MAPA14 . Em nossa experiência, esse achado foi constatado em 47% dos
idosos com diagnóstico de hipertensão sisto-diastólica no consultório 15 .
Embora a maior parte dos casos de hipertensão arterial no idoso seja
essencial, a possibilidade da etiologia secundária deve ser lembrada, em
particular a renovascular, de origem aterosclerótica, quando a hipertensão
arterial for de início recente, acelerada ou refratária a tratamento,
mormente em portadores de arteriopatia periférica.

Considerações terapêuticas
Os benefícios do tratamento da hipertensão arterial em idosos estão
bem definidos. Vários trabalhos têm demonstrado redução na morbidade
e mortalidade cardiovascular associada à redução dos níveis pressóricos,
tanto sistólicos quanto diastólicos 16-23.
78
Hipertensão Arterial no Idoso

A definição e o algoritmo do tratamento da hipertensão arterial no


idoso não diferem em relação ao jovem. Considera-se normal o achado
de níveis de pressão sistólica inferiores a 140 mmHg ou diastólica
inferiores a 90 mmHg, conforme as Diretrizes do Comitê de
Cardiogeriatria da Sociedade Brasileira de Cardiologia (Tabela 1).
A coexistência de hipertensão arterial e outros fatores de risco é comum
no idoso. Ademais, o aumento da idade representa, por si só, maior risco
para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Portanto, con-
siderando-se que na associação de fatores de risco, a probabilidade de
eventos cardiovasculares cresce exponencialmente, a atuação combinada
sobre a hipertensão arterial e outros fatores de risco presentes deve ser
imperiosa no indivíduo idoso, especialmente na vigência de doença
aterosclerótica manifesta. São considerados fatores de risco maiores o
tabagismo, a dislipidemia e o diabetes melito.
Deve-se avaliar as lesões em órgãos-alvo, com destaque para o coração
(HVE; doença aterosclerótica coronária; insuficiência cardíaca), o cérebro
(episódio isquêmico transitório ou acidente vascular cerebral), os rins,
as artérias periféricas e a retina.
Com base nessas informações, os pacientes podem ser classificados
em três grupos:
Grupo A – sem fatores de risco e sem lesões em órgãos-alvo.
Grupo B – presença de fatores de risco (não incluindo diabetes melito)
e sem lesão em órgãos-alvo.
Grupo C – presença de lesão em órgãos-alvo, doença cardiovascular
clinicamente identificável e/ou diabetes melito.
A conduta inicial na maioria dos hipertensos deve consistir em
determinar modificações no estilo de vida, como redução da ingesta de

Tabela 1
Classificação diagnóstica da hipertensão arterial
Pressão arterial Pressão arterial Classificação
sistólica (mmHg) diastólica (mmHg)
< 85 < 130 Normal
85-89 130-139 Normal limítrofe
90-99 140-159 Hipertensão leve (estágio 1)
100-109 160-179 Hipertensão moderada (estágio 2)
> 110 > 180 Hipertensão grave (estágio 3)
< 90 > 140 Hipertensão sistólica isolada

79
Hipertensão Arterial no Idoso

sódio, controle do peso corpóreo e adesão a atividades físicas. A introdução


imediata de drogas anti-hipertensivas deve ser considerada nos casos de
hipertensão arterial acentuada, acelerada, ou maligna, e na evidência de
comprometimento importante de órgãos-alvo. O emprego de anti-
hipertensivos deve considerar não apenas os níveis de pressão arterial,
mas também os fatores de risco cardiovascular associados e a presença
de lesões em órgãos-alvo (Tabela 2).
O esquema medicamentoso deve ser individualizado. O tratamento
medicamentoso objetiva atingir níveis de pressão arterial inferiores a
140 mmHg x 90 mmHg. Reduções abaixo de 130 x 85 mmHg podem ser
úteis em situações específicas, como em pacientes diabéticos. Entretanto,
a intensidade e a persistência do tratamento dependerá da resposta,
levando-se em conta a tolerabilidade aos medicamentos, que pode variar
de paciente para paciente. Entre as drogas anti-hipertensivas deve-se dar
preferência aos diuréticos tiazídicos, aos beta-bloqueadores (propranolol,
atenolol) e aos antagonistas dos canais de cálcio (nitrendipina e
felodipina), pois esses tiveram sua eficácia comprovada – no controle da
pressão arterial e na redução da morbimortalidade – em estudos contro-
lados. Outros medicamentos podem ser iniciados como primeira opção,
considerando-se as comorbidades.

Principais medicamentos
Diuréticos – São eficazes como monoterapia no tratamento da hiper-
tensão arterial do idoso e têm comprovada eficácia na redução da morbi-
mortalidade cardiovascular. Devido ao seu baixo custo e à comodidade

Tabela 2
Decisão terapêutica baseada nos níveis de pressão arterial e na estratificação do risco
Pressão arterial Grupo A Grupo B Grupo C
Normal limítrofe Modificações no Modificações no Modificações no
estilo de vida estilo de vida estilo de vida*
Hipertensão leve Modificações no Modificações no Terapêutica
(estágio 1) estilo de vida estilo de vida** medicamentosa
(até 12 meses) (até 6 meses)
Hipertensão Terapêutica Terapêutica Terapêutica
moderada e grave medicamentosa medicamentosa medicamentosa
(estágios 2 e 3)
* Terapêutica medicamentosa deve ser instituída na presença de insuficiência cardíaca, insuficiência renal ou
diabetes melito.
** Pacientes com múltiplos fatores de risco podem ser considerados para a terapêutica medicamentosa inicial.

80
Hipertensão Arterial no Idoso

posológica, têm sido agentes muito utilizados. Podem ocasionar efeitos


indesejáveis como hipovolemia, redução do fluxo sangüíneo renal,
hipocalemia, hiperglicemia, hiperuricemia e elevações dos níveis séricos
de colesterol. Atualmente, admite-se que os efeitos colaterais atribuídos
aos diuréticos podem ser minimizados com o emprego de doses menores
(12,5 mg a 25 mg diários de hidroclorotiazida ou clortalidona, por
exemplo), sem prejuízo de sua eficácia. Os tiazídicos e derivados são
preferidos no tratamento a longo prazo da hipertensão arterial, enquanto
os que atuam na alça de Henle são mais empregados na vigência de
insuficiência cardíaca e renal. Quando não houver contra-indicações,
como em caso de insuficiência renal, sua associação com poupadores
de potássio é indicada para os cardiopatas, especialmente aqueles em
uso de digitálicos.
Betabloqueadores – São eficazes como monoterapia em apenas
50% dos idosos, atingindo cerca de 80% quando associados aos diuréticos.
Reduzem a morbimortalidade cardiovascular e são particularmente úteis
nos hipertensos portadores de insuficiência coronária e arritmias. Deve-
se evitar seu uso em portadores de pneumopatia e vasculopatia periférica.
Bloqueadores de canais de cálcio – São agentes eficazes como
monoterapia e não causam distúrbios no metabolismo de lípides e de
carboidratos. A nitrendipina foi utilizada nos estudos SYST-EUR e SYST-
China22,23 (Tabelas 3 e 4), reduzindo a morbimortalidade cardiovascular
e cerebral em idosos portadores de hipertensão sistólica isolada. São
drogas especialmente indicadas na hipertensão arterial associada à

Tabela 3
The Systolic Hypertension in Europe Trial (SYST-Eur)
• 4.695 pacientes, com idade igual ou acima de 60 anos, com hipertensão sistólica
isolada.
• Estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado, placebo-controlado, com
seguimento médio de 2 anos.
• Nitrendipina (10 mg a 40 mg) como tratamento inicial.
• Associação de enalapril e hidroclorotiazida se não houvesse resposta satisfatória ao
tratamento inicial.
• No grupo que recebeu tratamento ativo houve redução de:
• 42% de acidentes vasculares cerebrais totais;
• 44% de acidentes vasculares cerebrais não-fatais;
• 26% de eventos cardíacos fatais e não-fatais;
• 31% de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais.

81
Hipertensão Arterial no Idoso

Tabela 4
The Systolic Hypertension in China Collaborative Group (SYST-China)
• 1.253 pacientes, com idade igual ou acima de 60 anos, com hipertensão sistólica
isolada.
• Estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado, placebo-controlado com
seguimento médio de 2 anos.
• Nitrendipina (10 mg a 40 mg) como tratamento inicial.
• Associação de captopril e hidroclorotiazida se não houvesse resposta satisfatória
ao tratamento inicial.
• No grupo que recebeu tratamento ativo houve redução de:
• 38% de acidentes vasculares cerebrais totais;
• 58% na mortalidade por acidente vascular cerebral;
• 39% na mortalidade total;
• 39% na mortalidade cardiovascular.

coronariopatia, devido a seu efeito antianginoso. Seus principais efeitos


colaterais são: cefaléia, taquicardia reflexa, rubor facial e edema periférico
(nifedipina, nitrendipina, felodipina e nicardipina); constipação intestinal
e bradiarritmia (verapamil e diltiazem); retenção urinária em pacientes
com prostatismo.
Inibidores da enzima de conversão da angiotensina – Atuam ini-
bindo o sistema renina-angiotensina-aldosterona e elevando as taxas
plasmáticas das cininas e prostaglandinas, substâncias dotadas de ação
vasodilatadora. São especialmente indicados na coexistência de insuficiência
cardíaca congestiva. Podem ser úteis, ainda, nos hipertensos diabéticos
portadores de nefropatia, por reduzir a proteinúria e preservar a função
renal. Os efeitos adversos, como tosse seca, chegam a limitar seu emprego.
Podem causar insuficiência renal nos indivíduos com estenose da artéria
renal, ou hipotensão arterial importante, nos portadores de hipertensão
renovascular.
Antagonistas do receptor da angiotensina II – São drogas
que antagonizam a ação da angiotensina II por meio do bloqueio
específico de seus receptores AT-1. São eficazes como monoterapia,
no tratamento do paciente hipertenso. São úteis principalmente na
coexistência de insuficiência cardíaca e quando o uso dos inibidores
da enzima de conversão da angiotensina é dificultado pela ocorrência
de tosse.
Vasodilatadores – Esse grupo inclui os bloqueadores dos receptores
alfa-1-pós-sinápticos (prazosina) e os de ação direta sobre a musculatura
82
Hipertensão Arterial no Idoso

lisa arteriolar (hidralazina). Não são boas opções como monoterapia ini-
cial, mas podem ser utilizados nos casos de hipertensão refratária ao
tratamento convencional, ou quando há insuficiência cardíaca associada
e não se pode utilizar inibidores da enzima de conversão ou antagonistas
do receptor da angiotensina II (devido a alterações renais, por exemplo).
Podem causar retenção hídrica e taquicardia reflexa.
Simpatolíticos de ação central – Reduzem a atividade simpática
do sistema nervoso central e determinam vasodilatação periférica. São
particularmente indicados nos hipertensos portadores de insuficiência
renal, pois não reduzem a filtração glomerular, e de hipercolesterolemia,
pois reduzem a fração LDL. Costumam ser associados à diuréticos porque
promovem retenção de sódio e água. Seu emprego é restrito devido aos
efeitos colaterais freqüentes, como hipotensão ortostática, depressão,
sonolência e impotência sexual.

Conclusões
O tratamento da hipertensão arterial no idoso, inclusive da sistólica
isolada, está associado a nítidos benefícios em termos de morbimortalidade.
Seu planejamento deve ser fundamentado em apurado diagnóstico,
verificação da presença de outros fatores de risco, avaliação do
comprometimento de órgãos-alvo e presença de comorbidades. Nesse
critério deve prevalecer o estado clínico sobre os achados meramente
tensionais. A redução almejada da pressão arterial deverá ser lenta e
gradual, a fim de evitar quedas tensionais que possam acarretar hipofluxo
em órgãos vitais. Análise conjunta com as condições socioeconômicas
irá determinar a melhor opção terapêutica, objetivando-se, especialmente,
uma boa adesão à prescrição.

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85
Capítulo 7

Hipotensão e
Síncope no Idoso
Marcia Regina Pinho Makdisse

Hipotensão e síncope são comuns nos idosos e estão diretamente


relacionadas à ocorrência de quedas não acidentais. As quedas estão entre
as causas mais freqüentes de atendimento de idosos nos pronto-socorros
e podem resultar em significante morbidade e comprometimento da
capacidade funcional desses pacientes.
Na prática clínica, hipotensão e síncope estão diretamente relaciona-
das. Em mais da metade dos idosos atendidos com queixas de síncope,
quedas, hipotensão ou vertigem observa-se superposição de sintomas e
diagnósticos. A hipotensão ortostática, por exemplo, é causa de síncope
em 20% a 30% dos idosos. Em estudo realizado em uma clínica de
síncope, observou-se que apenas 20% dos idosos apresentavam queixa
de síncope isolada, na maioria dos casos havia superposição entre síncope,
quedas e vertigem e entre os diagnósticos de hipotensão ortostática,
síndrome do seio carotídeo e síndrome vasovagal, sugerindo uma etiologia
comum a todas essas entidades clínicas1 .

Síncope
É um sintoma caracterizado por perda súbita e transitória da cons-
ciência, associada à perda do tônus postural e recuperação espontânea. A
incidência de síncope aumenta com a idade, atingindo níveis de 6% ao
ano nos idosos, com recorrência de 30% 2 . Em um estudo de prevalência
de sintomas em idosos, a ocorrência de síncope, nas mulheres, aumentou
de 3% entre 65 e 69 anos de idade para 13,6% após os 85 anos e de 0,8%
para 13,4%, respectivamente, entre os homens 3 .
Hipotensão e Síncope no Idoso

Fisiopatologia
Os episódios de síncope resultam basicamente da interrupção
transitória do fluxo sangüíneo cerebral. No idoso, caracteriza-se por ser
multifatorial. Os principais fatores que predispõem à síncope estão
descritos na tabela 1.
O enrijecimento arterial gera aumento da pós-carga e a alteração do
relaxamento ventricular resulta em redução da velocidade de enchimento
diastólico, havendo necessidade de maiores pressões de enchimento
ventricular e maior contribuição da contração atrial para a manutenção
do débito cardíaco. Reduções na pré-carga, provocadas por mudança
postural (ortostatismo), medicamentos, perdas de volume e período pós-
prandial, reduzem a pressão de enchimento ventricular e resultam em
queda do débito cardíaco, podendo levar à síncope. A redução da
sensibilidade reflexa barorreceptora dificulta a resposta vascular ao
episódio de hipotensão, tornando o idoso menos capaz de manter o fluxo
sangüíneo cerebral por meio do aumento da freqüência cardíaca e do
tônus vascular4,5 .
O fluxo sangüíneo cerebral diminui com a idade e o limiar de auto-
regulação cerebral está desviado para níveis mais elevados de pressão
arterial, tornando o idoso mais suscetível à isquemia cerebral durante
episódios de hipotensão arterial6 . Dificuldades em manter o volume

Tabela 1
Principais fatores que predispõem o idoso à síncope
I. Alterações cardiovasculares
1. Enrijecimento arterial
2. Aumento da rigidez e redução da complacência ventricular
3. Redução do enchimento diastólico do VE
4. Aumento da pressão arterial sistólica
II. Alterações do sistema nervoso autonômico
1. Redução da sensibilidade reflexa barorreceptora
2. Aumento dos níveis de catecolaminas
III. Redução do fluxo sangüíneo cerebral
IV. Dificuldade em manter o volume circulante efetivo
V. Maior prevalência de hipertensão sistólica (HSI)
VI. Maior prevalência de fibrilação atrial
VII. Doença aterosclerótica
VIII. Comorbidades
IX. Medicamentos

88
Hipotensão e Síncope no Idoso

circulante efetivo, devido à menor capacidade renal de conservação de


sódio, níveis plasmáticos reduzidos de renina e aldosterona e redução da
resposta da sede à hiperosmolaridade plasmática, também são fatores
importantes5 .
Além das alterações decorrentes do processo de envelhecimento, a
maior prevalência de hipertensão sistólica isolada, fibrilação atrial,
doenças crônicas (média de 3,5 por paciente) e de polifarmácia, predis-
põem o idoso à síncope. A suspensão de medicações cardiovasculares,
em uma clínica de síncope, levou à melhora dos sintomas iniciais em
78% dos idosos, não tendo havido necessidade de reintrodução de nitratos
em 77%, de anti-hipertensivos em 69% e de antiarrítmicos em 36% dos
casos 7 . A tabela 2 mostra os principais medicamentos relacionados à
síncope.

Tabela 2
Medicamentos que podem levar à síncope
1. Diuréticos
2. Vasodilatadores
• Antagonistas de cálcio
• Inibidores da enzima conversora da angiotensina
• Hidralazina
• Prazosina
3. Outros anti-hipertensivos
• Alfa-metildopa
• Clonidina
4. Antianginosos
• Antagonistas de cálcio
• Betabloqueadores
• Nitratos
5. Antiarrítmicos
• Amiodarona • Quinidina
• Disopiramida • Procainamida
• Encainida • Sotalol
• Flecainida
6. Digital
7. Outros medicamentos
• Antidepressivos tricíclicos • Fenotiazinas
• Barbitúricos • Haloperidol
• Cetoconazol • Inibidores da monoaminoxidase
• Cisaprida • Sildenafil
• Eritromicinas • Teofilina

89
Hipotensão e Síncope no Idoso

Classificação
As principais causas de síncope estão descritas na tabela 3.
I – Síncopes cardíacas
Arritmias cardíacas – Tanto as bradiarritmias quanto as taquiarritmias
podem causar síncope. A doença do nó sinusal e a taquicardia ventricular
são as arritmias mais encontradas em idosos com síncope, sendo
responsáveis por 22% dos casos 8 . No Brasil, a doença de Chagas é uma
causa de síncope comum nas regiões endêmicas.
Doença valvar – A estenose aórtica é a doença valvar mais relacionada
à síncope do idoso e ocorre em cerca de 25% dos pacientes com estenose
aórtica sintomática. Ao contrário dos pacientes mais jovens, nos quais o
episódio de síncope ocorre geralmente após esforço físico, os idosos
podem apresentar síncope em repouso e em situações de estimulação
vagal ou perdas de volume. Insuficiência mitral e estenose mitral em
fase avançada podem mais raramente levar à síncope 9 .
Miocardiopatia hipertrófica obstrutiva – A síncope nos pacientes
com miocardiopatia hipertrófica obstrutiva pode ser conseqüência da

Tabela 3
Causas de síncope
I. Síncopes cardíacas
1. Arritmias cardíacas
2. Doença valvar
3. Miocardiopatia hipertrófica obstrutiva
4. Doença arterial coronária
5. Mixoma atrial
6. Tromboembolismo pulmonar
7. Aneurisma dissecante da aorta
II. Hipotensão ortostática
III. Síncopes reflexas
1. Vasovagal ou neurocardiogênica
2. Hipersensibilidade do seio carotídeo (HSC)
3. Situacional
4. Hipotensão pós-prandial
5. Neuralgias
IV. Doenças cerebrovasculares e psiquiátricas
1. Acidentes vasculares cerebrais/ataque isquêmico transitório
2. Síndrome do roubo da subclávia
3. Doenças psiquiátricas

90
Hipotensão e Síncope no Idoso

obstrução do fluxo na via de saída do ventrículo esquerdo ou de arritmias


cardíacas, especialmente a taquicardia ventricular. Fatores que aumentem
o grau de obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo, tais como
taquicardia, uso de vasodilatadores, digital e diuréticos, podem predispor
os pacientes à síncope 6 .
Doença arterial coronária – A prevalência de síncope como
manifestação clínica de infarto agudo do miocárdio aumenta com a idade,
podendo ser o único sintoma referido. Esteve presente em 13,4% dos
pacientes em uma série que avaliou as manifestações clínicas de infarto
do miocárdio em idosos, tendo sido mais prevalente entre os mais idosos
(8,8% < 70 anos e 18% ≥ 85 anos)10 .
Mixoma atrial – Pode causar síncope devido à redução do débito
cardíaco provocada pela obstrução da valva atrioventricular. Acomete o
átrio esquerdo em mais de 80% dos casos e se caracteriza por sintomas e
sinais (dispnéia, síncope e sopro) de instalação abrupta e que se alteram
com a mudança de posição do paciente 11 .
Tromboembolismo pulmonar – Pode ocorrer síncope em até 15%
dos pacientes com tromboembolismo pulmonar maciço, devido à
insuficiência ventricular direita 12 .
Aneurisma dissecante da aorta – A ocorrência de síncope em 4% a
5% das dissecções de aorta está freqüentemente associada à ruptura da
aorta proximal, resultando em tamponamento cardíaco13 .
II – Hipotensão ortostática
É a causa da síncope em 20% a 30% dos idosos. É definida como a
queda da pressão arterial sistólica maior que 20 mmHg, medida 1 a 3
minutos após a mudança da posição supina para o ortostatismo. Está
presente em cerca de 11% a 33% dos pacientes idosos, porém, entre
os idosos saudáveis que não usam medicamentos, a prevalência cai
para 6%, sugerindo que o fator etário isoladamente não é suficiente
para levar à hipotensão ortostática14 . A hipotensão, comumente, resulta
da interação entre alterações dos mecanismos reguladores da pressão
arterial, secundárias ao processo de envelhecimento e de condições
associadas (medicamentos, comorbidades, disfunção autonômica ou
da soma desses fatores)15 . A maior prevalência de hipertensão arterial
sistólica no idoso também contribui para o aparecimento de hipotensão
ortostática16 .

91
Hipotensão e Síncope no Idoso

As causas mais comuns de hipotensão ortostática estão descritas na


tabela 4. As causas primárias são mais raras e devem ser lembradas nos
pacientes que apresentam hipertensão supina com hipotensão postural
marcante, na ausência de outras condições ou medicações associadas à
hipotensão postural. A causa secundária mais comum de síncope é a
induzida por medicamentos, principalmente diuréticos e vasodilatadores17 .
III – Síncopes reflexas
Vasovagal ou neurocardiogênica – É mais comum em jovens.
Durante o episódio de síncope, ocorre inicialmente aumento da pressão
e da freqüência cardíacas, seguidas de hipotensão e bradicardia de
instalação abrupta, com recuperação espontânea18 . A síncope vasovagal
está comumente associada a sintomas de atividade autonômica e humoral,
tais como palidez, náuseas, vômitos e sudorese, mas, pode ocorrer na
ausência desses sintomas. Ocorre geralmente em indivíduos sem
cardiopatia e fatores desencadeantes (dor intensa, medo, estresse
emocional, punção venosa, ortostatismo prolongado, calor,
instrumentação, etc.) são identificáveis na maioria dos casos 12 .
Hipersensibilidade do seio carotídeo (HSC) – Caracteriza-se
por hipotensão e bradicardia exageradas em resposta à massagem do

Tabela 4
Causas de hipotensão ortostática
I. Primárias: falência autonômica
1. Hipotensão ortostática primária (falência autonômica pura)
2. Atrofia sistêmica múltipla (síndrome de Shy-Drager)
3. Doença de Parkinson
II. Secundárias
1. Hipovolemia
2. Medicações (ver Tabela 2)
3. Cardíacas (ver Tabela 3)
4. Hipertensão sistólica isolada
5. Repouso prolongado no leito
6. Neuropatias periféricas (diabetes, amiloidose, etc.)
7. Doenças do sistema nervoso central (AVC ou tumor do hipotálamo ou
mesencéfalo)
8. Metabólicas (deficiência de vitamina B12)
9. Endocrinológicas (diabetes insipidus, insuficiência adrenal,
hipoaldosteronismo)
10. Doença vascular periférica (grandes veias varicosas)

92
Hipotensão e Síncope no Idoso

seio carotídeo. É freqüente em idosos, podendo atingir níveis de até 46%


nos pacientes que procuram atendimento devido a quedas e/ou síncopes
inexplicadas. A prevalência de síncope no grupo-controle foi de 13% 19 .
Os episódios de síncope podem ser causados por fatores que exerçam
pressão sobre o seio carotídeo (colarinho apertado, movimentos abruptos
do pescoço, fazer a barba, etc.), patologias cervicais (linfadenomegalias,
tumores de cabeça e pescoço) e uso de medicamentos (alfa-metildopa,
digital e propranolol).
Situacional – É a síncope que ocorre durante ou imediatamente
após eventos específicos, tais como micção, evacuação, deglutição ou
tosse. Está freqüentemente associada à hipotensão ortostática. Os
pacientes que apresentam síncope relacionada à deglutição, de modo
geral apresentam doença estrutural do esôfago (divertículo, espasmo,
estenose, acalasia). O diagnóstico deste tipo de síncope é sugerido pela
anamnese5.
Hipotensão pós-prandial – Ocorre durante ou até 1 hora após a
refeição e está relacionada ao desvio de sangue para os vasos es-
plâncnicos. A combinação de refeições quentes, ricas em carboidratos
e posição ortostática, esteve associada à hipotensão sintomática, em
22% dos idosos funcionalmente independentes, em um estudo re-
cente 20 .
Neuralgias – Os episódios de síncope associados à neuralgia do
trigêmeo ou do glossofaríngeo, geralmente estão associadas à bradicardia,
provavelmente secundária à estimulação vagal intensa6 .
IV – Doenças cerebrovasculares e psiquiátricas
Acidente vascular cerebral/ataque isquêmico transitório – Rara-
mente causam síncope. Sua ocorrência sugere isquemia originada na
circulação vertebrobasilar6 .
Síndrome do roubo da subclávia – A síncope é secundária à estenose
da artéria subclávia e desvio do fluxo da artéria vertebral ipsilateral para
suprir o fluxo sangüíneo para o membro superior. Raramente causa
síncope. Deve ser suspeitada quando existe diferença na pressão arterial
≥ 20 mmHg e na intensidade dos pulsos entre os braços 21 .
Doenças psiquiátricas – Ansiedade generalizada, ataques de pânico
e depressão maior podem estar relacionadas à sincope, principalmente
em pacientes mais jovens 22 .
93
Hipotensão e Síncope no Idoso

Avaliação diagnóstica
I – Avaliação inicial
Inclui história, exame físico e eletrocardiograma. Se bem realizados,
a história e o exame clínico podem levar ao diagnóstico etiológico em
38% a 50% dos casos 23,24.
História clínica – Se possível, os dados devem ser coletados com o
paciente e com a testemunha, pois amnésia retrógrada pode ocorrer em
até um terço dos idosos com síncope 1 . Deve-se interrogar a respeito da
posição em que o paciente se encontrava na hora da síncope, a forma de
cair, a duração do episódio, se foi precedido por sintomas (palpitações,
dispnéia, dor torácica, sudorese, dor na face ou pescoço, etc.), a presença
de fatores precipitantes (movimentos do pescoço, mudança postural, ativi-
dade física, evacuação, micção, deglutição, tosse, pós-prandial, estresse
emocional) e antecedentes de cardiopatia, doença neurológica ou meta-
bólica, medicações em uso e ajustes recentes na medicação e recorrência
da síncope 25 .
Exame físico – Deve ter como objetivo confirmar ou excluir alterações
cardíacas, neurológicas e hipotensão ortostática.
1. Pressão arterial – Recomenda-se medir a pressão após 5 minutos
na posição supina, e 1 a 3 minutos após assumir a posição
ortostática. Redução ≥ 20 mmHg na pressão sistólica inicial ou
redução da pressão sistólica abaixo de 90 mmHg caracterizam a
hipotensão ortostática, independente da presença de sintomas25 .
A resposta pressórica a mudanças posturais pode ser variável,
podendo ser necessárias medidas em ocasiões diferentes para se
estabelecer o diagnóstico, principalmente se a função autonômica
estiver preservada e as medidas forem tomadas à tarde. Ward e
Kenny, avaliando idosos com hipotensão postural sintomática
documentada, observaram reprodutibilidade das medidas de
pressão, em apenas 67,5% dos pacientes. A reprodutibilidade foi
maior no período da manhã e em todos os pacientes que
apresentaram hipotensão postural, a queda dos níveis sistólicos
ocorreu nos primeiros 2 minutos 15 .
Deve-se ainda verificar a pressão arterial nos dois braços. Assimetrias
na intensidade dos pulsos ou nos níveis de pressão > 20 mmHg, são
sugestivos de dissecção da aorta ou síndrome de roubo da subclávia.
94
Hipotensão e Síncope no Idoso

2. Exame do sistema cardiovascular – Observar a presença de


arritmias, sopros cardíacos ou carotídeos, sinais de insuficiência
cardíaca, grandes veias varicosas.
Exame neurológico – Buscar basicamente sinais neurológicos focais.
Eletrocardiograma (ECG) – Inespecífico na maioria dos casos,
porém, quando está alterado, torna-se um preditor independente para
síncope cardíaca. Deve-se observar alterações de ST, ondas Q patológicas
e duração do intervalo QT. O ECG é diagnóstico de síncope devida à
arritmia, na presença de bradicardia sinusal < 40 bpm, bloqueios
sinoatriais, pausas sinusais repetidas > 3 segundos, bloqueios atrioven-
triculares (Mobitz II ou total), alternância entre bloqueio de ramo direito
e esquerdo, taquicardia supraventricular paroxística ou taquicardia
ventricular e disfunção de marca-passo25 .
II – Avaliação complementar
Laboratorial – Glicemia, eletrólitos, hemograma e função renal. Nos
casos suspeitos, solicitar sorologia para doença de Chagas.
Massagem do seio carotídeo (MSC) – Está indicada nos pacientes
com mais de 40 anos de idade, nos quais a avaliação inicial não identificou
a causa da síncope. Está contra-indicada nos primeiros três meses após
infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico
transitório. Nos pacientes que apresentam sopro carotídeo, deve-se realizar
ultra-sonografia com Doppler das carótidas. Se estenose significativa (>
70%) for observada, evita-se o procedimento. O exame deve ser realizado,
preferencialmente, em mesa de teste de inclinação. O paciente deve
permanecer na posição supina por 5 minutos, com monitorização contínua
de eletrocardiograma e pressão arterial não invasiva. A massagem deve
durar no máximo 5 segundos, com intervalo de 1 minuto entre os lados.
Diagnostica-se hipersensibilidade do seio carotídeo quando os sintomas
são reproduzidos durante ou imediatamente após a MSC. A resposta pode
ser cardioinibitória (assistolia ≥ três segundos), vasodepressora (queda na
pressão arterial ≥ 50 mmHg) ou mista. Caso a MSC seja negativa bilate-
ralmente, repete-se o procedimento com inclinação de 700 , aumentando-
se a sensibilidade do teste 26 . As complicações neurológicas da MSC são
incomuns e transitórias (0,14% a 0,45%)27,28.
Ecocardiograma – É importante para o diagnóstico de cardiopatia
estrutural, especialmente estenose aórtica e mixoma atrial, e para estra-

95
Hipotensão e Síncope no Idoso

tificação de risco. Está indicado nos pacientes com suspeita de síncope


cardíaca25 .
Holter – Está indicado nos pacientes com cardiopatia estrutural e
sintomas freqüentes, quando a probabilidade de se identificar uma arritmia
é maior. No idoso, a interpretação dos resultados torna-se mais difícil
devido à alta prevalência de arritmias assintomáticas. Correlação positiva
entre alteração eletrocardiográfica e sintomas, ocorre em 2% a 15% dos
pacientes. Quando houver suspeita diagnóstica e o Holter não detectar
arritmias, os monitores de eventos com memória circular, que podem
permanecer com o paciente por tempo prolongado, podem aumentar em
até 25% a chance de diagnóstico29 .
Teste ergométrico – Está indicado nas síncopes induzidas por
exercícios, na suspeita de doença coronária e de arritmias desencadeadas
pelo esforço. A ocorrência de síncope durante o exercício, sugere síncope
cardíaca e na fase de recuperação, síncope reflexa 25 .
Teste de inclinação (tilt table test) – É útil no diagnóstico da síncope
vasovagal, da hipersensibiliade do seio carotídeo e da hipotensão
ortostática. Está indicado, principalmente, nos idosos sem cardiopatia e
com síncope inexplicada. O teste pode ser potencializado com o uso de
medicações tais como isoproterenol, adenosina e nitratos. Nos idosos,
devido ao risco maior de complicações, recomenda-se evitar o uso de
drogas provocativas. O teste é positivo se ocorrer síncope. Observam-se
três tipos de resposta. A mista, quando a freqüência cardíaca (FC) diminui,
mas permanece > 40 bpm ou cai < 40 bpm por < 10 segundos sem
assistolia > 3 segundos. A cardioinibidora, na qual a FC cai abaixo de 40
bpm por > 10 segundos ou assistolia > 3 segundos. A vasodepressora,
quando há queda isolada da pressão arterial (a FC reduz-se em menos de
10% do valor de pico). As contra-indicações ao teste são: estenose aórtica
ou mitral grave, cardiomiopatia obstrutiva e obstruções críticas das
coronárias ou carótidas30,31.
Estudo eletrofisiológico (EEF) – Pode ser indicado quando a
avaliação inicial sugere arritmia como causa da síncope (presença de
cardiopatia estrutural, alterações eletrocardiográficas, palpitações
precedendo a síncope). É útil para identificar e guiar o tratamento de
taquiarritmias, disfunção do nó sinusal e doença do sistema de condução.
Tem valor prognóstico. Os pacientes com síncope inexplicada e EEF
não diagnóstico, apresentam baixo risco de morte súbita 6,25.
96
Hipotensão e Síncope no Idoso

Monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) – Pode


ser útil para documentação de hipotensão pós-prandial e suspeita de
hipotensão provocada por medicamentos.
Tomografia de crânio e eletroencefalograma – Estão indicados,
respectivamente, nos pacientes com alterações neurológicas focais e
quando há suspeita de epilepsia 25 .
Avaliação neurológica e psiquiátrica – Não deve ser recomendada
de rotina. Devem ser encaminhados os pacientes com sintomas sugestivos
de síncope psicogênica ou antecedente de doença psiquiátrica, falência
autonômica, síndrome de roubo cerebrovascular e acidente vascular
cerebral25 .

Tratamento
O tratamento da síncope depende de sua etiologia. No idoso, no
entanto, por seu caráter multifatorial, medidas gerais devem ser instituídas
com o intuito de prevenir a recorrência e reduzir a morbidade relacionada
à síncope.

Medidas gerais
Reavaliação das medicações prescritas – Duspender qualquer
medicação cujo benefício terapêutico não esteja claro; rever a necessidade
de manter nitratos, antiarrítmicos e hipotensores; ajustar doses de medicações
cardiovasculares, especialmente diuréticos e vasodilatadores; evitar uso de
vários hipotensores em um mesmo horário e no período pós-prandial.
Controle das comorbidades – Corrigir anemia, hipovolemia,
diabetes, etc.
Mudanças de hábitos – Evitar: movimentos bruscos do pescoço,
colarinhos apertados, mudanças posturais abruptas, ortostatismo
prolongado, refeições copiosas e ricas em carboidratos. Estimular: ingestão
hídrica e de fibras, evitando-se o esforço da evacuação; uso de meias
elásticas e atividade física regular.

Tratamento específico
Síncopes cardíacas – As taquiarritmias devem ser tratadas com
antiarrítmicos, ablação por cateter (procedimento que tem se mostrado seguro
mesmo em octogenários)32 e/ou desfibrilador implantável. Se não for possível
97
Hipotensão e Síncope no Idoso

reverter a fibrilação atrial, iniciar medicações para controle da freqüência


ventricular e anticoagulação oral de baixa intensidade (INR 2-3), na ausência
de contra-indicações. Nas bradiarritmias, o primeiro passo deve ser suspender
medicações que possam causar bradicardia (digital, betabloqueadores,
antagonistas do cálcio, antiarrítmicos). Não havendo melhora, indica-se marca-
passo atrial ou dupla-câmara por serem mais fisiológicos. A ocorrência de
síncope em pacientes com estenose aórtica grave está associada à redução
da sobrevida média em dois anos e constitui indicação para troca valvar. A
miocardiopatia hipertrófica pode ser tratada com medicamentos
(betabloqueadores ou verapamil) e nos casos mais graves, implante de marca-
passo dupla-câmara ou cirurgia estão indicados 5,6,25.
Hipotensão ortostática – O tratamento inicial consiste em
suspender ou ajustar a dose dos medicamentos que possam causar
hipotensão e repor a volemia. Recomenda-se elevar a cabeceira da cama
à noite (> 100 ) para permitir exposição gravitacional durante o sono,
mudanças posturais lentas, uso de meias elásticas e atividade física
programada. Nos casos muito sintomáticos, tratamento medicamentoso
com fludrocortisona (0,1 mg, 2 vezes ao dia) ou midodrina (2,5 mg a 10
mg VO, 3 vezes dia) pode ser instituído. A terapia medicamentosa pode,
entretanto, agravar a hipertensão supina 25 .
Síncopes reflexas – Na síncope vagal, deve-se inicialmente
identificar e evitar os fatores desencadeantes. Os betabloqueadores são
as drogas mais utilizadas e agem através da inibição da ativação dos
mecanoceptores cardíacos, devido à redução da contratilidade
miocárdica. Os mais utilizados têm sido o atenolol, o propranolol e o
metoprolol. A eficácia dos betabloqueadores, no entanto, tem sido
questionada em estudos prospectivos controlados. Outros medicamentos,
tais como fludrocortisona, paroxetina, midodrina e teofilina, também têm
sido utilizados. Testes de inclinações repetidos (tilt training) podem ser
úteis na prevenção de recorrência da síncope 5,6,25.
Nos idosos com hipersensibilidade do seio carotídeo, o implante de
marca-passo dupla câmara deve ser o tratamento de escolha, quando a
resposta à MCE for cardioinibitória 33 . Na forma vasodepressora, a
suspensão de vasodilatadores (se possível), a correção da volemia e o
uso de vasoconstritores, podem ser úteis.
Nas síncopes situacionais, o tratamento consiste em evitar ou modificar
o evento deflagrador da síncope. Na síncope pós-miccional, recomenda-se
98
Hipotensão e Síncope no Idoso

postura protegida (urinar sentado) e evitar ingerir grandes quantidades


de líquido à noite. Na relacionada à evacuação, regularizar o hábito
intestinal com maior ingestão de líquidos, fibras e, se não for suficiente,
regularizadores intestinais. Na síncope provocada pela tosse, tratar a
causa da tosse e, se necessário, utilizar antitussígenos. Ingerir alimentos
sólidos em pequenas porções e evitar líquidos muito gelados, ajudam a
prevenir a síncope relacionada à deglutição5,6,25.
Na hipotensão pós-prandial, recomendam-se refeições fracionadas,
com baixo teor de carboidratos, evitando-se álcool, exercícios físicos e
administração de vasodilatadores, após as refeições principais 20 .
Doenças cerebrovasculares e psiquiátricas – A síncope por roubos
vasculares deve ser tratada através de angioplastia ou cirurgia. Os casos
suspeitos de síncope psicogênica devem ser encaminhados ao psiquiatra.

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100
Capítulo 8

Insuficiência
Cardíaca nos Idosos
Antonio Carlos Pereira Barretto

Os pacientes idosos estão mais sujeitos à insuficiência cardíaca (IC)


do que os mais jovens, como confirmam os dados epidemiológicos. No
estudo de Framingham, por exemplo, a IC foi observada em cerca de 1%
dos pacientes com menos de 55 anos de idade e naqueles com mais de 85
anos, em 30% 1 .
Assim, a IC tem sido motivo crescente de estudo, porque vem se
tornando mais freqüente e, também, por suas implicações sociais,
pois aumenta a mortalidade dos portadores, além de reduzir a sua
qualidade de vida. Ao lado disso, aumenta as despesas de Saúde Pú-
blica, assim como as do paciente, pois provoca um crescimento ex-
pressivo das hospitalizações. A IC é a causa mais comum de hos-
pitalização no idoso2 .
Os dados do estudo DIG, que arrolou mais de 8.000 pacientes,
documentam essas informações. Dividindo-se a casuística em cinco
grupos, aqueles com idade inferior a 50 anos, os com idade entre 50 e 59
anos, os com 60 a 69 anos, os com 70 a 79 anos e aqueles com mais de
80 anos, pode-se observar um aumento progressivo da incidência de morte
e de hospitalizações por insuficiência cardíaca, com o aumento da faixa
etária 3 (Figura 1). Esses achados, comuns a vários estudos com idosos,
têm várias causas, como a própria fisiopatologia do comprometimento
cardíaco, embora contribua muito a presença de doenças associadas, que
são muito mais freqüentes com o aumento da idade e que agregam fatores
agravantes à evolução dos pacientes.

101
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

Os dados brasileiros apontam para a mesma direção. No estudo EMI4,


embora a IC não tenha sido a principal causa de consulta dos idosos em
ambulatórios (cerca de 10%), foi a maior causa de hospitalização (31%),
inclusive de urgência (18%). Em levantamento que realizamos no InCor,
observamos que cerca de 10% das internações foram decorrentes de
quadros de IC5 . Pudemos constatar que nesses pacientes, a mortalidade
entre os idosos foi maior, em decorrência da associação de múltiplos
fatores agravantes, como fibrilação atrial, pneumonia, insuficiência renal,
diabetes, etc. (Figura 2). Pudemos também verificar que os idosos
permaneceram internados por mais tempo (o período médio de internação
dos idosos é de 24 dias e dos jovens, de 15 dias) para a compensação da
ICC e o controle dos vários diagnósticos associados 6 .

Fisiopatologia
O comprometimento cardíaco do geronte é rico em peculiaridades
fisiopatológicas com implicações clínicas. Um aspecto bastante
interessante é o tipo de comprometimento cardíaco, pois o geronte

Figura 1 – Gráfico mostrando aumento das hospitalizações e da mortalidade com o


aumento da idade (dados do estudo DIG).

102
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

Figura 2 – Gráfico mostrando maior número de diagnósticos secundários com o


aumento da idade, em pacientes internados por insuficiência cardíaca.

apresenta, para a mesma intensidade de manifestação clínica, menor


grau de disfunção sistólica, menor dilatação ventricular e maior grau de
disfunção diastólica. Os estudos de IC em idosos identificaram pacientes
com função sistólica preservada em 30% a 50% dos casos 7 . Quando se
dividem os pacientes por faixas etárias, a freqüência de IC com função
sistólica normal é maior com o aumento da idade, sendo de 22% nas
idades de 70 a 74 anos, 34,1% na faixa de 75 a 84 anos e 49,1% nas
idades acima de 85 anos 8 . No estudo DIG, a disfunção diastólica mais
que dobrou de freqüência, passando de 8,2% entre os com menos de 50
anos para 19,5% entre os com mais de 80 anos (Figura 3) 3 . Apesar do
comprometimento miocárdico ser, em média, maior entre os jovens, a
taxa de mortalidade aumenta com a idade, tanto nos que apresentam
disfunção sistólica como nos que têm disfunção diastólica. Entretanto,
os pacientes com disfunção diastólica têm menor mortalidade que os
com função sistólica mais preservada (Figura 4) 3 .
Esse achado valoriza a fração de ejeção como forma de avaliar o
desempenho ventricular global; por outro lado, tanto nos idosos como
103
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

Figura 3 – Dados do estudo DIG mostrando o aumento da incidência de pacientes


com disfunção diastólica entre os pacientes mais idosos.

Figura 4 – Dados do estudo DIG mostrando aumento da mortalidade para os mais


idosos, sendo que os com disfunção diastólica apresentam menor mortalidade.

104
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

entre os mais jovens, a classe funcional tem se mostrado excelente fator


prognóstico, sendo melhor preditor de mortalidade que a fração de ejeção
e o consumo de oxigênio 8 . Embora se deva avaliar a fração de ejeção de
todos os pacientes, pois a presença de disfunção sistólica identifica
pacientes de pior prognóstico, os sintomas identificam com maior acurácia
os pacientes que terão pior evolução.
A estimulação neuro-hormonal, ao lado de um mecanismo
compensatório, tem tido seu papel valorizado em portadores de IC, pois
a manutenção de níveis elevados de estimulação tem sido reconhecida
como fator perpetuador de falência cardíaca e como indicador prognóstico
da doença9-11. Com a instalação da disfunção sistólica, o aumento da
estimulação neuro-humoral tem papel fundamental como mecanismo
compensatório. O aumento dos níveis dos neuro-hormônios de efeito
vasodilatador, como o fator atrial natriurético, facilitando a função car-
díaca, mantém o paciente compensado. À medida que aumenta o dano
miocárdio e a própria estimulação neuro-humoral, passam a predominar
os efeitos dos neuro-hormônios com efeito vasoconstritor, que induzem
ao aumento da resistência periférica e dificultam a função cardíaca,
provocando um ciclo vicioso de piora progressiva da doença.
Ao lado de melhorar o desempenho cardíaco e ser muitas vezes o
fator capaz de manter pacientes compensados, o aumento precoce do
fator atrial natriurético vem sendo valorizado como um marcador precoce
da presença de IC10,12,13. No Brasil, já temos hoje kits de dosagem que
auxiliam no diagnóstico diferencial da IC, freqüentemente difícil nos
idosos12,13. Devemos dosá-lo, por exemplo, para o diagnóstico diferencial
da dispnéia do idoso ou mesmo no diagnóstico diferencial do edema. Se
os níveis de BNP se encontrarem aumentados, a causa mais provável
para os sintomas será a insuficiência cardíaca; se os níveis estiverem
normais, devemos continuar a investigação e valorizar outras causas
(doença pulmonar, insuficiência renal).
No idoso com IC, assim como no idoso sadio, os níveis de
norepinefrina são maiores que nos jovens. Esses dados documentam que
nos idosos a resposta neuro-hormonal não difere qualitativamente da
observada nos mais jovens; entretanto, os níveis mais elevados podem
explicar a pior evolução que os idosos costumam apresentar.
O papel da idade no comportamento neuro-humoral foi analisado no
estudo SOLVD, que detectou, nos portadores de disfunção sistólica
105
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

severa (fração de ejeção < 35%), um aumento de norepinefrina e do


fator atrial natriurético, redução dos níveis de renina e estabilidade dos
níveis de arginina/vasopressina, em função do aumento da idade 9 .
Em resumo, entre pacientes com IC, os idosos apresentam, para o
mesmo grau de sintomatologia, menor grau de dilatação das câmaras
ventriculares, menor disfunção sistólica, maior intensidade de disfunção
diastólica e níveis mais elevados de catecolaminas e de fator atrial
natriurético.

Diagnóstico
O diagnóstico da IC no idoso nem sempre é fácil, não só pela diferença
na forma de manifestação, como também pela comorbidade, que é um
achado usual. As manifestações clínicas da IC nos idosos freqüentemente
diferem das encontradas entre os mais jovens. O diagnóstico é dificultado
pela influência dos hábitos ou pela presença de condições concomitantes
que podem mimetizar ou mascarar a IC14,15, à medida que causem, por
exemplo, tosse crônica, náusea, vômitos, fadiga, dispnéia, estertores de
base ou edema. Por outro lado, no idoso, a IC pode exteriorizar-se por
manifestações atípicas que incluem distúrbios do sono, do paladar e até
alterações comportamentais.
O sinal clínico mais sensível para o diagnóstico da IC é a ausculta de
estertores crepitantes nas bases pulmonares (sensibilidade de 44%) e o
mais específico, a estase jugular (especificidade de 97%)2 .
Com a difusão da dosagem do BNP, poderemos cada vez mais utilizar
esse método para o diagnóstico diferencial de muitos casos, descartando-se
a IC naqueles com níveis baixos de BNP10,12,13.
Uma vez diagnosticada a IC, torna-se fundamental caracterizar o tipo
e o grau de comprometimento cardíaco. No idoso, muitas cardiopatias,
destacando-se a doença arterial coronária e a estenose aórtica valvar,
podem evoluir de maneira silenciosa, tornando sua identificação
fundamental para uma orientação correta. É defensável, portanto, solicitar,
para todos os idosos portadores de IC, estudo ecocardiográfico bidi-
mensional, para auxílio diagnóstico, etiológico, funcional e prognóstico16 .

Tratamento
O tratamento do idoso não difere substancialmente, quando
comparado ao proposto para pacientes mais jovens. Devemos tomar o
106
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

cuidado de não nos deixar guiar pela idade para contra-indicar certas
condutas, por as considerarmos de risco, e deixar de oferecer aos idosos
o benefício que elas poderiam promover.
Os principais objetivos do tratamento são aliviar os sintomas, prevenir
hospitalizações e possivelmente prolongar a sobrevida.
A orientação terapêutica deve inicialmente tentar identificar se é
possível corrigir causas desencadeantes ou agravantes de IC, como por
exemplo hipertensão arterial, insuficiência coronária, valvulopatia,
infecções, embolismo pulmonar, ingestão excessiva de sal, arritmias
cardíacas, anemia e uso de antiinflamatórios não-hormonais (AINH).
Entre idosos, é freqüente a não adesão ao tratamento ou uma confusão
na tomada dos medicamentos, desencadeando ou agravando o quadro. A
orientação quanto à dieta e à restrição de sódio deve considerar que,
freqüentemente, alterações do paladar levam a um maior consumo de
sal. A prescrição dos medicamentos deve levar em conta a tendência à
menor eliminação e à interação de drogas, pois em geral várias delas são
utilizadas concomitantemente.
Gostaria de apontar, por exemplo, o papel dos AINH entre as causas
de descompensação cardíaca. Em estudo recente, pôde-se observar que
a principal causa de hospitalização entre idosos foi a descompensação
desencadeada pelo uso de AINH. Um dado importante a se considerar,
quando da prescrição desses medicamentos, é o tempo de ação, pois os
AINH de ação prolongada foram os que mais provocaram esses eventos 17 .
Apesar de o tratamento básico do idoso não diferir do prescrito aos
mais jovens, algumas peculiaridades devem ser ressaltadas.
Pelas características próprias dos mais idosos, são muitas as razões
para maior necessidade de internações5,18,19 . Recentemente, demonstrou-se
que pacientes não casados ou sozinhos descompensam mais, fato também
muito freqüente entre os idosos 20 . Isso ressalta a falta de estrutura social,
que freqüentemente transforma o idoso em um problema familiar, o que
leva a família a procurar os hospitais como solução. Em nossa experiência,
o abandono do idoso em casa é fator importante para pior evolução, e,
mais freqüentemente que desejaríamos, temos tido dificuldade para dar
alta para os idosos, pois os familiares não os querem em casa, alegando
não ter condições de tratá-los adequadamente. Referem não ter quem
os faça companhia durante o dia, fato que provoca um círculo vicioso,
pois esses pacientes, em casa, não receberão a medicação adequada e
107
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

retornarão com maior freqüência ao hospital. No Hospital Auxiliar de


Cotoxó, pudemos observar que uma das principais causas de reinternação
é a não tomada da medicação da maneira prescrita 6 .
Documentada a importância da assistência domiciliar, um estudo
analisou o papel de visitas da equipe médica à casa dos pacientes e
observou melhora da classe funcional e redução do número de
hospitalizações. Nesse estudo, 42 pacientes idosos (média de idade de
78 anos) foram visitados por clínicos e uma equipe de paramédicos, em
casa, pelo menos uma vez por semana. Com a implantação do serviço,
houve redução do número de internações, de 3,2 para 1,2/ano, e do número
de dias internados, de 26 para 6 dias por ano. Paralelamente, a atividade
física diária, avaliada em um escala de 1 a 4, passou de 0,7 para 1,4.
Portanto, o apoio aos idosos pode proporcionar, além de melhora clínica,
redução nos gastos médicos 20 .

Tratamento medicamentoso
Pelas evidências até hoje acumuladas, o tratamento medicamentoso
do idoso deve ser feito de maneira semelhante ao realizado para os mais
jovens. Assim, o tratamento da IC, baseado na prescrição de digital,
diuréticos e no bloqueio neuro-hormonal (inibidores da enzima conver-
sora, espironolactona e betabloqueadores), é também acompanhado de
boas respostas, como redução das manifestações clínicas, da necessidade
de hospitalização e pelo aumento da sobrevida, entre os idosos. Nas
formas assintomáticas, previne o aparecimento da doença.
A afirmação de que o tratamento deve ser semelhante, está baseada
nos achados dos vários estudos clínicos. Embora o número de estudos
específicos para a população idosa seja pequeno até hoje, devemos
considerar que, na maioria dos grandes estudos multicêntricos, não houve
exclusão dos idosos de sua casuística, e na análise dos resultados
procurou-se verificar se a idade influenciava a resposta, constatando-se
que os gerontes respondem de maneira semelhante aos mais jovens.

Digital e diuréticos
A utilidade dos digitálicos é óbvia em portadores de IC com fibrilação
atrial, para controle da freqüência cardíaca e redução dos sintomas. Sendo
essa arritmia mais freqüente entre os idosos, um percentual significativo
de pacientes tem indicação precisa para sua prescrição.
108
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

O papel da idade na evolução e na resposta à digoxina foi objeto de


análise específica no estudo DIG21 . Esse estudo mostrou que a prescrição
de digoxina não modifica a sobrevida dos portadores de IC, mas seu
emprego crônico induz a uma maior estabilização dos pacientes, que, na
evolução, apresentam menor número de descompensações e internações.
Nesse estudo, cerca de 27% dos pacientes tinham mais de 70 anos, e na
apresentação original21 a idade não foi apontada como fator agravante
para o emprego desse medicamento; os efeitos benéficos do digital
continuaram a ser observados, reduzindo as hospitalizações em geral e
as decorrentes de falência cardíaca, independente da idade dos pacientes.
Vale ressaltar que a idade deve ser considerada como um risco para
intoxicação digitálica. Quanto à intoxicação digitálica, o estudo DIG
mostrou dados interessantes, que documentaram a dificuldade de seu
diagnóstico. Destacou-se que manifestações muitas vezes atribuídas à
intoxicação digitálica poderiam ser decorrentes da própria idade, e não
da ação do digital3 . Embora tenha sido observado um aumento do número
de casos suspeitos de intoxicação digitálica, esse aumento também foi
observado entre os que foram tratados com placebo.
Outro ponto importante no momento da prescrição do digital aos idosos
é valorizar a concomitância de outras doenças, como alterações renais
(redução da velocidade de filtração glomerular), que predispõem à
intoxicação, fato que nos leva a sempre prescrever digital com mais
cuidado, nesses pacientes.
Outra medicação indispensável no tratamento da IC é o diurético. O seu
valor é tão grande que não se admite planejar estudo com grupo-controle
sem diuréticos. Seu uso adequado é fundamental, recomendando-se doses
elevadas para os pacientes com IC avançada19 . Tentativas de suspensão desses
agentes resultam quase sempre em descompensações mais freqüentes.
Nos idosos, a prescrição deve ser mais cuidadosa, pela presença
freqüente de insuficiência renal e maior suscetibilidade à desidratação,
que podem exacerbar a disfunção renal e causar hipotensão postural,
levando a quedas e fraturas. Considerando esses problemas eventuais,
sua utilidade é enorme nos idosos, especialmente porque a disfunção
diastólica é mais freqüente nessa faixa etária e também porque os
diuréticos são muito eficazes para controlar a sintomatologia da IC.
Os resultados do estudo RALES documentaram a importância de se
bloquear especificamente a aldosterona, que, apesar de ter seus níveis
109
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

reduzidos no início do tratamento com inibidores da ECA, torna a elevar-se


com a continuação do tratamento, por escape22 . A prescrição da
espironolactona para pacientes com IC tratados com digital, diuréticos e
inibidores da ECA induziu uma redução expressiva na mortalidade e no
número de hospitalizações. A idade não modificou essa resposta, não
havendo diferença quando se comparou o resultado entre pacientes com
idade maior ou menor que 67 anos. Houve inclusive uma tendência para
melhor resultado entre os pacientes mais idosos 22 .

Inibidores da enzima conversora e antagonistas


dos receptores da angiotensina II
O bloqueio do sistema renina-angiotensina pelos inibidores da ECA
ou pelos antagonistas dos receptores da angiotensina II, é a base do
moderno tratamento da IC.
Os inibidores da ECA tiveram seus beneficios demonstrados em todas
as fases da insuficiência cardíaca. Nas formas sintomáticas, têm papel
fundamental na redução dos sintomas e na estabilização clínica, reduzindo
as internações e a mortalidade. Nas formas iniciais ou nos portadores de
disfunção ventricular assintomática, previne a progressão da doença ou
o aparecimento da IC23-27. Considerando que os benefícios da droga se
acentuam com o aumento do número de alterações, seria de se esperar
que realmente os inibidores da ECA demonstrassem melhores resultados
(ou tendência para) entre os idosos.
Nos estudos com inibidores da ECA, os idosos não foram excluídos,
nem contemplados de forma específica. No estudo CONSENSUS23 , por
exemplo, em que a idade média dos pacientes foi de 70 anos, a idade não
modificou as respostas ao medicamento, permitindo concluir que os
inibidores da ECA podem e devem ser empregados nos gerontes, com
IC classe III/IV da NYHA.
Nos estudos SAVE, AIRE e TRACE, também se procurou verificar se
a resposta diferia conforme a idade. Nos três estudos, os mais idosos
apresentaram mais eventos. Nos estudos SAVE 24,25 e AIRE 26 , os efeitos do
tratamento se assemelharam aos observados entre os pacientes mais jovens.
No estudo SAVE, a redução de mortalidade foi de 8% entre pacientes com
menos de 55 anos, 13% entre os com idades entre 56 e 64 anos e 25%
entre pacientes com mais de 65 anos (Figura 5). Essas diferenças, contudo,
110
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

Figura 5 – Gráfico mostrando a maior mortalidade nos idosos e o maior benefício de


redução desta com o emprego dos inibidores da enzima conversora. Dados do estudo
SAVE.

não atingiram nível de significância estatística, sugerindo que a resposta


aos inibidores da ECA é uniforme, em função da idade 25 . No estudo AIRE,
a mortalidade foi reduzida acentuadamente entre os pacientes com mais
de 65 anos (cerca de 38% versus cerca de 5%). No estudo TRACE27 ,
contudo, os resultados foram opostos, com maior benefício entre os
pacientes com menos de 65 anos (38% versus 17%).
Apesar da controvérsia, os estudos clínicos parecem demonstrar que
os inibidores da ECA são mais benéficos nos idosos do que nos pacientes
mais jovens.
No entanto, apesar de todas essas evidências, o uso de inibidores da
ECA é menor que o esperado28 , e com doses menores que as desejadas. É
importante ressaltar que em nenhum dos grandes estudos com inibidores
da ECA a idade foi identificada como fator de intolerância à droga ou às
doses preconizadas. Num desses estudos, o objetivo foi verificar a redução
da insuficiência mitral em portadores de miocardiopatia dilatada, pelo
emprego de inibidores da ECA; esse estudo mostrou que os melhores
resultados foram obtidos com 100 mg de captopril e que doses de 25 mg
não surtiram efeitos significativos 29 . Vale ressaltar que a idade média
dos pacientes incluídos foi de 70 anos.
111
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

No estudo ATLAS, o papel da dose foi especificamente analisado e


observou-se haver uma tendência de redução de mortalidade com doses
mais elevadas, além de redução significativa das hospitalizações, entre
os pacientes que receberam doses plenas30 . A resposta foi semelhante
entre os pacientes com idades acima ou abaixo de 70 anos, documentando
que também aos idosos as doses plenas devem ser prescritas.
Dessa forma, também para os idosos, a obtenção dos efeitos desejados
depende do emprego de doses plenas, valendo enfatizar que não dispomos
de evidências de que doses pequenas sejam eficazes; sabemos que, mesmo
em nosso meio, doses plenas da droga são bem toleradas5 .
Os antagonistas dos receptores da angiotensina II (RAII) são uma
família mais nova de drogas, de efeito muito semelhante aos inibidores
da ECA, diferenciando-se por provocar menos efeitos colaterais (tosse);
esses agentes foram especificamente testados em pacientes idosos, nos
dois estudos ELITE31,32. O estudo ELITE II mostrou não haver diferenças
quanto à mortalidade, entre pacientes tratados com inibidores da ECA
ou antagonistas dos RAII. Esse estudo mostrou não haver diferença
significativa na resposta dos pacientes com idade superior ou inferior a
70 anos.
Os estudos ELITE mostraram também que as duas drogas utilizadas,
losartan e captopril, são igualmente bem toleradas pelos idosos, mas
que os antagonistas dos RA II provocaram menos efeitos colaterais.
Mesmo em relação à deterioração da função renal (uma preocupação
de muitos clínicos sobre esse possível efeito dessas duas famílias de
drogas), os estudos ELITE mostraram não haver diferença entre essas
duas classes de medicamentos e que essa deterioração não é muito
freqüente, mesmo com o uso de doses plenas; confirmou-se, porém,
que devemos ser mais cuidadosos com os mais idosos, pois a creatinina
se eleva mais freqüentemente em pacientes acima de 70 anos (11%
versus 8,4%).
O conjunto desses estudos permite concluir que os inibidores da ECA
são tão ou mais efetivos nos idosos, em comparação aos pacientes mais
jovens; portanto, os gerontes devem receber prescrição dessas drogas.
Doses plenas são bem toleradas pela maioria dos idosos e são mais
eficazes que doses baixas. Nos pacientes intolerantes aos inibidores da
ECA, devemos prescrever os ARA II, que também são eficazes nos
pacientes idosos.
112
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

Betabloqueadores
Crescem as evidências de que os betabloqueadores modificam a
história natural da IC. Os estudos US-Carvedilol, MERIT-HF, CIBIS-II
e COPERNICUS demonstraram, de maneira indubitável, o valor dessas
drogas no tratamento da IC, tanto na estabilização clínica, reduzindo
hospitalizações, quanto, especialmente, por mudar a malignidade da
doença, reduzindo sua alta mortalidade 33-36. Seu uso, associado aos
inibidores da ECA, reduz a mortalidade em cerca de 35%; esse benefício
é pelo menos o dobro do observado nos estudos que utilizaram apenas
inibidores da ECA.
Apesar da documentação de todos esses benefícios, a prescrição de
betabloqueadores na IC continua um assunto polêmico e os clínicos, em
geral, não os prescrevem.
A idéia de que betabloqueadores são contra-indicados para pacientes
com IC vem do tempo das aulas de fisiologia na Faculdade de Medicina,
uma vez que se trata de droga inotrópica negativa. O receio de prescrevê-
los tem razão de ser, pois, se utilizados de início em doses altas, realmente
agravam a situação clínica dos pacientes. Entretanto, quando são iniciados
em doses baixas (carvedilol 3,125 mg, 2 vezes ao dia; metoprolol, 25
mg/dia), promovem o bloqueio dos efeitos deletérios da hiperatividade
simpática e reduzem a toxicidade dela resultante, bem como os efeitos
deletérios da adrenalina sobre o coração e a periferia, melhorando
substancialmente a evolução dos pacientes.
No entanto, é importante lembrar que os betabloqueadores devem ser
iniciados em doses baixas e aumentados paulatinamente, até se atingir
as doses que se mostraram eficazes nos grandes estudos (25 mg, 2 vezes
ao dia de carvedilol ou 200 mg de metoprolol ao dia).
Embora a idade não tenha sido objeto de um estudo específico, para
avaliar o benefício do tratamento com betabloqueadores, em todos os
estudos realizados, procurou-se verificar se essa resposta era diferente
nos mais idosos. A resposta, embora sem diferença estatisticamente
significativa, parece menos expressiva entre pacientes com idade mais
avançada. No estudo US Carvedilol33 , a redução de mortalidade foi de
70% entre pacientes com idade inferior a 59 anos e de 62% entre os com
mais de 59 anos. No estudo MERIT-HF34 , a redução de mortalidade não
foi significativa entre os mais idosos e foi significativa entre aqueles que
113
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

estavam no tercil inferior e no intermediário. No estudo COPERNICUS36 ,


a redução de mortalidade foi significativa entre pacientes com menos de
65 anos, mas não naqueles com mais de 65 anos.
Esses dados devem ser analisados com cuidado, pois é possível que
essa menor resposta detectada possa estar relacionada à inclusão de um
menor número de pacientes idosos.
A prescrição de betabloqueadores entre idosos deve ainda levar em
consideração que eles apresentam com maior freqüência bradicardia e
bloqueios atrioventriculares, situações nas quais essa prescrição deve
ser cuidadosa, embora não constituam contra-indicação, a priori.
Pelos resultados até hoje apresentados, os betabloqueadores devem
também ser prescritos aos idosos, embora os benefícios possam ser menos
expressivos que os observados nos mais jovens.
Devemos também lembrar que a prescrição dessas drogas deve ser
bastante cuidadosa entre os idosos, pois esses apresentam mais
comorbidades, como quadros de bronquite e claudicação intermitente, o
que pode dificultar sua prescrição.

Considerações finais
Embora a terapêutica da IC venha evoluindo, nas formas avançadas
a IC continua sendo uma doença maligna, e preveni-la pode ser a melhor
forma de mudar a história natural dessa doença.
Reduzir a incidência de coronariopatia por meio do controle dos fatores
de risco, principalmente a hipertensão arterial, considerando que a
insuficiência coronária é a principal causa de IC, é medida fundamental
para sua prevenção.
Mesmo nos muito idosos, o controle da hipertensão resulta em menor
número de casos de IC na evolução37,38. No estudo SHEP, o controle da
hipertensão sistólica com diuréticos reduziu em 50% os casos de IC38 .
Outro ponto muito importante é a avaliação da causa da IC (corona-
riopatia e/ou valvulopatia). A idade por si só não deve ser uma contra-
indicação para cirurgia, pois o controle da isquemia ou a redução da
sobrecarga hemodinâmica que a insuficiência coronária ou a valvulopatia
promovem, podem modificar substancialmente a função cardíaca e,
também a qualidade e a quantidade de vida dos idosos. No momento
da indicação, deve-se considerar com cuidado a idade biológica do
paciente, pois poderíamos deixar de oferecer esse benefício para muitos
114
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

pacientes com idade numericamente avançada, mas ainda muito ativos


e impossibilitados de manter suas atividades, em decorrência das
limitações promovidas pela doença. Para esses pacientes, a cirurgia
não terá o mesmo risco que teria nos pacientes realmente debilitados e
envelhecidos.
É muito importante ressaltar que, quanto ao tratamento medicamentoso
propriamente dito, para se obter os resultados desejados, a otimização
dos medicamentos se torna fundamental. Nas formas avançadas de IC é
fundamental o emprego de doses corretas de diuréticos, inibidores da
ECA e betabloqueadores 39,40 . Grupos clínicos especializados no
tratamento de pacientes graves vêm demonstrando que o emprego de
doses corretas de diuréticos e inibidores da ECA é fundamental para
manter o paciente compensado. Muitas vezes, a otimização do tratamento,
incluindo suporte social adequado, permite melhorar a qualidade de vida
desses pacientes.
É importante enfatizar ainda a importância da assistência global ao
paciente idoso, pois para muitos seria fundamental, ao lado da prescrição
correta dos medicamentos, orientar a família ou o seu cuidador sobre a
necessidade da administração correta dos medicamentos, da orientação
dietética e da manutenção da situação funcional, pois muitos idosos não
mais apresentam condições de, sozinhos, controlar a medicação e mesmo
suas atividades básicas20 . A assistência a esses idosos mantém sua boa
qualidade de vida por mais tempo.
A imunização dos idosos (> 64 anos) com IC, realizada em 1991 e
1992, resultou na redução de 37% na freqüência de hospitalizações por
IC, o que levou a uma redução dos custos de 43%, em relação aos anos
de 1990 e 19912 .
O tratamento do paciente idoso é mais complexo que o dos pacientes
mais jovens, pois, ao lado da orientação do tratamento propriamente
dito, devemos observar cuidadosamente as doenças associadas e também
se a orientação será seguida pelo paciente, ou se seria indispensável uma
orientação à família, caso contrário, não obteremos os resultados dese-
jados.

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117
Insuficiência Cardíaca nos Idosos

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118
Capítulo 9

Valvulopatia no Idoso
Zilda Meneghello

Introdução
A insuficiência cardíaca (IC) congestiva tem prevalência superior a
5% na população entre 65 e 75 anos e de 10% a 20% na faixa etária
acima de 80 anos. É uma doença multifatorial. Suas causas mais comuns
no idoso são: hipertensão arterial sistêmica (HAS), doença aterosclerótica
coronária (DAC), e a lesão valvar, que cada vez mais desempenha papel
importante1 .
Embora qualquer tipo de lesão valvar possa estar presente nos idosos,
as mais comuns são a valvulopatia aórtica calcificada e a insuficiência
mitral por prolapso de valva mitral (PVM), devido à doença mixomatosa.
Outras causas como isquemia, falência ou ruptura de músculos papilares,
calcificação do anel mitral, endocardite infecciosa (EI) e dissecção da
aorta ascendente podem estar presentes com menor incidência.
Uma peculiaridade importante na população geriátrica é a presença
freqüente de comorbidades como DAC, HAS, doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC), doença cerebrovascular (DCV), doença
arterial periférica (DAP), diabetes melito e insuficiência renal2-4. Essas
associações exercem influência no diagnóstico das lesões valvares, nas
decisões terapêuticas, nos procedimentos corretivos das valvulopatias e
no prognóstico dessa população5,6 .
Assim, o estabelecimento da gravidade da doença pode estar dificultado
ou até não ser reconhecido. Por exemplo, a ausculta de uma quarta bulha
(B4), em paciente jovem com hipertrofia ventricular esquerda (HVE) e
estenose aórtica, é um sinal que sugere gravidade hemodinâmica. No idoso,
no entanto, a B4 está freqüentemente presente sem evidência de estenose
aórtica, principalmente em pacientes com HAS de longa duração. Devemos
salientar que em idosos o pulso periférico apresenta amplitude maior, devido
à diminuição da elasticidade da aorta e à transmissão da onda de pulso
119
Valvulopatia no Idoso

com maior velocidade. Isso pode mascarar o pulso parvus et tardus da


estenose aórtica e o pulso em “martelo d’água” da insuficiência aórtica.
Por outro lado, os sopros cardíacos são extremamente comuns na
população geriátrica, com prevalência de 60%; entretanto, a maioria deles
não apresenta implicações clínicas importantes. Resultam, em geral, de
espessamentos valvares relacionados ao envelhecimento ou de regur-
gitação mitral discreta, secundária à disfunção de músculo papilar, devido
a doença coronária ou miocardiopatia, hipertensiva ou idiopática.
O tratamento clínico do paciente idoso é semelhante ao do mais jovem7.
No idoso, mesmo com lesão valvar discreta, é comum encontrar-se
fibrilação atrial (FA). Essa condição representa risco para tromboem-
bolismo e AVC isquêmico. Por isso, a anticoagulação deve ser indicada,
a não ser que exista contra-indicação absoluta 8 .
Os pacientes idosos com doença valvar geralmente representam um
desafio para o cardiologista, não só do ponto de vista diagnóstico como
terapêutico. A decisão de se encaminhar um paciente idoso com
regurgitação ou estenose valvar significativa para cirurgia cardíaca pode
ser difícil e deve ser individualizada, devido à diversidade de problemas
encontrados nessa faixa etária. Geralmente, o paciente com menos de
70 anos tem mortalidade e morbidade similares à do indivíduo mais jovem,
desde que tenha um problema semelhante. Entretanto, nessa faixa de
idade existe uma maior prevalência das comorbidades descritas
anteriormente, o que pode levar ao aumento da mortalidade cirúrgica.
Nos pacientes com idade ≥ 75 anos, principalmente na presença de DAC
concomitante, a mortalidade cirúrgica é maior e a sobrevida menor 4,6,9 .
Assim, o objetivo da cirurgia valvar no idoso difere do indivíduo mais
jovem. O importante é aliviar sintomas, melhorar a capacidade física e a
qualidade de vida, mais do que prolongá-la. Nessa faixa etária, os pacientes
apresentam maior comprometimento valvar e, na grande maioria das
vezes, a troca da válvula é necessária. Por esses motivos, as decisões
devem ser individualizadas, contemplando as expectativas e decisões do
paciente. Uma exposição clara e paciente sobre os riscos e benefícios
da cirurgia deve sempre ser feita.

Estenose aórtica
A estenose aórtica é a lesão valvar mais freqüente no idoso. A etiologia
degenerativa é a mais comum nessa idade; ocorre por um processo de

120
Valvulopatia no Idoso

calcificação das valvas e incide mais freqüentemente a partir da sexta


década de vida. Estudos têm mostrado que ela é devida ao estresse
mecânico prolongado sobre uma valva que apresenta alguma alteração
inflamatória, com infiltração de macrófagos e linfócitos T. A fibrose e a
calcificação iniciam-se na base da valva e progridem para as bordas dos
folhetos, porém, as comissuras estão freqüentemente abertas e a estenose
resulta, geralmente, de rigidez das cúspides. Em um estudo
ecocardiográfico de população geral, 2% das pessoas com idade superior
a 65 anos apresentaram estenose aórtica calcificada e 29%, algum grau
de esclerose valvar, definido como espessamento irregular dos folhetos,
porém sem estenose. Acredita-se que este seja o processo inicial da doença.
O diabetes e a hipercolesterolemia são fatores de risco para seu desenvol-
vimento. Por sua vez tem-se verificado que tanto a esclerose da valva
aórtica como a estenose aórtica calcificada estão associadas a fatores
de risco para ateroesclerose coronariana, como tabagismo, hipertensão
e redução dos níveis de HDL-colesterol. Estudos têm mostrado que a
esclerose aórtica aumenta o risco de morte cardiovascular e de infarto
do miocárdio 10 .
I – Classificação da estenose aórtica
A valva aórtica tem área de abertura de 2,6 cm2 a 3,5 cm2 . É necessária
uma redução até um quarto do seu diâmetro normal para que ocorram
alterações importantes. Não há uniformidade na quantificação da gravidade
da estenose aórtica, porém, com base em dados hemodinâmicos e na
história natural, classificamos a estenose aórtica como discreta quando a
área valvar for > 1,5 cm2 (> 0,9 cm2 /m2 ) e grave quando for < 1 cm2
(< 0,6 cm2 /m2 ). Áreas entre 0,75 cm2 e 1 cm2 pertencem a uma zona
cinzenta, na qual alguns casos de estenose crítica podem ser incluídos,
apesar de serem classificadas como lesão moderada por muitos autores.
Gradientes acima de 50 mmHg, na vigência de débito cardíaco normal, são
considerados importantes. O gradiente transvalvar está diretamente
relacionado à quantidade de fluxo através da valva. Assim, pacientes com
estenose grave e débito cardíaco baixo, como acontece, por exemplo, na
disfunção ventricular, apresentam pequenos aumentos do gradiente sistólico.
Na estenose aórtica ocorre aumento da contratilidade atrial, que contribui
para o enchimento ventricular. Na perda dessa contração, como acontece
na fibrilação atrial, o paciente apresenta deterioração clínica rápida.
121
Valvulopatia no Idoso

II – História natural e sintomatologia


Os principais sintomas da estenose valvar aórtica são dispnéia, dor
torácica e síncope. Apesar de o paciente permanecer assintomático por
longo período, a média de sobrevida após o início das primeiras mani-
festações clínicas é de 2 a 3 anos, sendo de 5 anos para precordialgia, de
3 anos para síncope e de 1,5 ano para IC. Provavelmente, a sobrevida é
menor no paciente idoso.
III – Diagnóstico
O diagnóstico se faz através da história clínica, do exame físico e de
exames complementares. O sinal mais comum da estenose aórtica é o
sopro sistólico de ejeção que se irradia para o pescoço11 . Esse sopro,
mais evidente nos idosos, é melhor audível em área aórtica, desaparecendo
sobre o esterno e reaparecendo em área apical e assemelha-se ao sopro
de regurgitação mitral. Essas características são conhecidas como
fenômeno de Gallivardin.
Embora uma estimativa razoável da gravidade da lesão possa ser
obtida através do exame físico, o ecodopplercardiograma permite uma
avaliação mais acurada do gradiente transvalvar e da área da valva. A
ecocardiografia é também útil na avaliação da hipertrofia ventricular
esquerda e na estimativa da fração de ejeção do ventrículo esquerdo
(FEVE).
Geralmente, a gravidade da estenose aórtica pode ser bem avaliada
através de técnicas não-invasivas e o cateterismo cardíaco deve ser
solicitado quando há discrepância entre a clínica e os exames comple-
mentares ou visando avaliar a presença de DAC associada, ou ainda
para a realização de cinecoronariografia em todos os casos encami-
nhados para correção valvar cirúrgica.
IV – Tratamento
Recomenda-se profilaxia para EI em todos os pacientes com estenose
aórtica.
No tratamento da HAS, deve-se manipular cuidadosamente agentes
anti-hipertensivos, uma vez que várias das drogas utilizadas podem agir
desfavoravelmente na estenose aórtica.
A lesão discreta, de modo geral, apresenta progressão lenta no
paciente mais jovem; no idoso, entretanto, pode evoluir mais rapidamente.
122
Valvulopatia no Idoso

Os pacientes devem ser avaliados uma vez por ano e orientados a procurar
o clínico se surgir algum sintoma. O ecocardiograma deve acompanhar
a consulta para avaliação de eventual progressão da doença.
A lesão moderada pode ser acompanhada clinicamente, a cada seis
meses a um ano, devendo o paciente evitar grandes esforços no dia-a-dia.
O ecocardiograma pode ser feito anualmente ou se houver mudança de
sintomatologia ou do quadro clínico. Aconselha-se a troca valvar cirúrgica
em pacientes desse grupo que necessitem cirurgia de revascularização
miocárdica ou outra correção valvar.
Os pacientes assintomáticos apresentam boa sobrevida quando
mantidos em tratamento clínico. A relação risco–benefício não favorece
a indicação cirúrgica nesses casos, porque há sempre o risco inerente
à intervenção e às complicações da prótese e do uso de anticoagulantes.
Quando, mesmo em pacientes assintomáticos, a lesão valvar for grave
justificam-se avaliações mais criteriosas e com menor intervalo de tempo.
Pacientes oligossintomáticos, com área valvar < 0,4 cm2 /m2 de superfície
corporal (< 0,80 cm2 ), hipertrofia septal >15 mm, bloqueios fasciculares
ao eletrocardiograma ou episódios de taquicardia ventricular não
sustentada devem ser considerados para tratamento intervencionista
(Tabela 1). Nos pacientes com lesão grave e sintomas inquestionáveis,
a cirurgia deve ser indicada. Mesmo em octagenários, a expectativa
de vida foi maior com a cirurgia (5,1 anos) que com o tratamento clínico
(1,6 ano) 12 .
Qualquer grau de disfunção ventricular em pacientes assintomáticos
com estenose aórtica justifica a cirurgia. Entretanto, deve-se questionar
se a disfunção ventricular pode ser atribuída a outra etiologia.

Tabela 1
Estenose aórtica – Recomendações para cirurgia
Lesão grave sintomática
Lesão grave assintomática
• Disfunção sistólica do VE
• Alterações eletrocardiográficas graves – Bloqueios fasciculares,
Episódios de taquicardia ventricular não sustentada,
Área valvar < 0,8 cm2 , hipertrofia septal ( > 15 mm)
Lesão moderada/grave assintomática – apenas se for necessária cirurgia para outras
condições cardíacas associadas

123
Valvulopatia no Idoso

V – Valvotomia por cateter balão


Na estenose aórtica calcificada, a valvotomia aumenta a área valvar,
mas apresenta índice de reestenose de 60% em seis meses13 . A valvotomia
não é alternativa à troca valvar; sua indicação está restrita ao paciente
muito idoso e sintomático, por exemplo, que entre em edema agudo de
pulmão. Nessa situação, o procedimento pode melhorar o débito cardíaco,
a perfusão dos órgãos periféricos e reduzir a pós-carga em grau suficiente
para permitir a troca valvar em um segundo momento. Também pode
ser útil em pacientes que não são candidatos à cirurgia devido a
comorbidades e que são internados freqüentemente com IC congestiva.
A valvotomia por balão pode manter esses pacientes fora do hospital por
um período variável de tempo e melhorar a sua qualidade de vida.

Insuficiência mitral
I – Etiologia
A insuficiência mitral discreta, sem indicação cirúrgica, é freqüente.
Pode ser devida à disfunção de músculo papilar ou à calcificação do
anel mitral, principalmente nas mulheres, com prevalência de 18% entre
62 e 70 anos e de 89% após os 91 anos. Nos homens com idade acima
de 62 anos, a prevalência de calcificação é de 47% 4-6. Raramente está
presente refluxo importante na calcificação do anel mitral. Grandes
depósitos de cálcio no anel mitral podem ulcerar e embolizar, afetar o
sistema de condução e provocar bloqueios cardíacos, ou tornar-se sítio
para EI. Nessa idade, os refluxos de maior intensidade são devidos ao
PVM. Nesses casos, é comum a ruptura espontânea de cordas
tendíneas, levando à insuficiência mitral grave e à IC1,9 . Os casos agudos
podem também ocorrer na presença de síndromes coronárias agudas,
decorrentes de insuficiência de músculo papilar ou de ruptura de
cordoalha tendínea.
II – Diagnóstico
As manifestações clínicas da doença estão relacionadas a dispnéia
progressiva, fraqueza, tosse, edema de membros inferiores e, eventual-
mente, palpitações. Em casos agudos, os sintomas se revestem de
apresentação mais dramática, com quadros de IC congestiva aguda, com
intensa dispnéia, sudorese e, eventualmente, estados hipotensivos.

124
Valvulopatia no Idoso

Os achados de exame físico se relacionam à presença de sopro sistó-


lico em foco mitral, de intensidade variável. Deformidades torácicas,
comuns nessa idade, tais como cifose ou cifoescoliose, podem modificar
ictus, bulhas e sopros.
O ecodopplercardiograma é exame de importância no diagnóstico da
insuficiência mitral, podendo ajudar a quantificá-la, analisar sua etiologia
e repercussão hemodinâmica. O ecocardiograma transesofágico pode
ser necessário, devido à deformidade torácica, comum nessa faixa etária.
Como se trata de sobrecarga de volume, o ecocardiograma avalia a função
ventricular através de índices. No atual estágio de desenvolvimento, a
ecocardiografia permite que essa técnica seja suficiente para o diagnóstico
e a quantificação da insuficiência mitral, na maioria dos casos. A solicita-
ção de cateterismo cardíaco segue a mesma orientação dada para a
estenose aórtica.
III – Tratamento
O tratamento clínico na insuficiência mitral aguda é indicado até a reali-
zação do procedimento de correção cirúrgica definitiva, dependendo da
intensidade das manifestações hemodinâmicas. Em casos de maior
comprometimento, como no edema agudo de pulmão, pode-se recorrer ao
emprego de vasodilatadores venosos (por exemplo, nitroprussiato de sódio),
aminas vasopressoras e até ao balão intra-aórtico. Inibidores da enzima de
conversão da angiotensina podem ser usados na insuficiência mitral crônica
grave para a redução da pós-carga. Entretanto, como nos pacientes mais
jovens, há necessidade de mais estudos clínicos para que se demonstre a
eficiência dos vasodilatadores no tratamento da insuficiência mitral14 . Como
na estenose aórtica, a profilaxia da EI está recomendada.
Pacientes com insuficiência mitral discreta e moderada devem ser
avaliados anualmente. Devem ser orientados a procurar o clínico, se
surgir algum sintoma. O ecocardiograma deve acompanhar a consulta,
para avaliação da progressão da doença.
Pacientes sintomáticos com lesão grave devem ser encaminhados à
cirurgia, a despeito do tratamento clínico instituído. Em pacientes assinto-
máticos com lesão grave, a cirurgia pode ser considerada quando houver
disfunção de ventrículo esquerdo ou se houver indicação para realização
de cirurgia de revascularização miocárdica (Tabela 2). Entretanto, os
resultados não são tão animadores como na estenose aórtica, devido à

125
Valvulopatia no Idoso

Tabela 2
Insuficiência mitral – Recomendações para cirurgia
Lesão grave sintomática
Lesão moderada/grave assintomática
• Apenas se for necessária cirurgia para outras condições cardíacas associadas

multiplicidade de etiologias, com destaque para a insuficiência coronária.


A sobrevida após cinco anos de troca valvar mitral associada à revascu-
larização miocárdica, é de apenas 50% 15 . Os resultados são melhores
para plastias mitrais (mortalidade operatória de 4% e tardia de 6%, após
25 meses). Acima de 75 anos de idade, o risco cirúrgico está aumentado.

Insuficiência aórtica
A insuficiência aórtica tem incidência bem menor que a da estenose
e normalmente costuma ser discreta ou, às vezes, moderada. Sua etiologia
é devida a HAS, alterações degenerativas da valva aórtica ou alterações
aneurismáticas da aorta ascendente.
Em uma casuística de pacientes idosos com insuficiência aórtica
que foram submetidos a tratamento cirúrgico, a etiologia reumática foi
a causa em 39% dos casos, a doença da aorta em 28%, a alteração
isolada da valva aórtica, incluindo doença reumatóide, em 22% e a EI
em 11% 16 .
I – Diagnóstico
Os achados clínicos característicos na insuficiência aórtica são o sopro
cardíaco e as modificações de pulsos periféricos. O sopro é diastólico,
em decrescendo, aspirativo e é melhor audível no rebordo esternal
esquerdo ou no foco aórtico. Em casos de maior gravidade, tanto a
intensidade como a duração do sopro podem estar reduzidas. A análise
dos pulsos periféricos pode oferecer dificuldades nos idosos e apresentar
alterações de amplitude, devido à perda de elasticidade das grandes
artérias.
O raio X de tórax pode ser importante para a avaliação de vários
dados, entre os quais a dilatação aneurismática da aorta ascendente,
principalmente quando analisada em projeções oblíquas e de perfil.
O ecodopplercardiograma é importante para elucidação diagnóstica,
para avaliação da gravidade da lesão e também para o acompanhamento
126
Valvulopatia no Idoso

de portadores de insuficiência aórtica. Ele avalia a função ventricular


através de índices.
Índice de volume diastólico final > 150 ml/m2 ou diâmetro diastólico
do ventrículo esquerdo (VE) > 70 mm e índice do volume sistólico final >
60 ml/m2 ou diâmetro sistólico > 55 mm e FEVE < 0,55 associam-se a
disfunção ventricular17-20. Esses índices, importantes na avaliação de
indivíduos mais jovens, servem apenas para indicar um acompanhamento
clínico mais cuidadoso nos idosos. A decisão cirúrgica baseia-se mais
precisamente no aparecimento de sintomas.
O acompanhamento ecocardiográfico em casos de disfunção
moderada deve ser anual; nos assintomáticos com lesão grave, a cada
seis meses. O cateterismo cardíaco deve ser solicitado quando há
discrepância entre a clínica e os exames complementares, para avaliar
presença de DAC, ou para a realização de cinecoronariografia,
necessária em todos os casos encaminhados para a correção valvar
cirúrgica.
II – Tratamento clínico
O tratamento clínico está reservado para o paciente assintomático,
com insuficiência aórtica moderada a grave e com FEVE preservada. A
melhor opção é o emprego de inibidores da enzima de conversão da
angiotensina. Outras opções são os vasodilatadores e os antagonistas
dos canais de cálcio 20 .
III – Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico deve ser considerado nos pacientes sintomá-
ticos, a despeito do tratamento clínico instituído. Na lesão moderada a
grave, a intervenção cirúrgica deve ser indicada apenas se for necessária
cirurgia para outras condições cardíacas associadas.
Quando a insuficiência aórtica está associada a aneurisma de aorta
ascendente ou dissecção da aorta, a colocação de um tubo ascendente,
com suspensão da valva aórtica pode ser feita, com bom índice de
sucesso a longo prazo21 (Tabela 3).

Estenose mitral
A estenose mitral é mais rara entre idosos. Apresenta as mesmas
manifestações clínicas encontradas no paciente mais jovem (ICC e AVC
127
Valvulopatia no Idoso

Tabela 3
Insuficiência aórtica – Recomendações para cirurgia
Lesão grave sintomática
Lesão grave assintomática
• Disfunção sistólica VE (FEVE em repouso < 0,50)
• Dilatação acentuada do VE (DSF > 55 mm; DDF > 75 mm)
Lesão moderada/grave
• Dissecção da aorta ascendente
• Dilatação aneurismática da aorta ascendente (> 50 mm)
• Necessidade de cirurgia para outras condições cardíacas associadas
DSF – Diâmetro sistólico final; DDE – diâmetro diastólico final.

por fenômeno embólico, principalmente em presença de fibrilação atrial,


comum nessa situação).
A etiologia da estenose mitral é atribuída a seqüela de febre reumá-
tica e sua sintomatologia, em geral, inicia -se na terceira e quarta décadas
de vida; por esse motivo, é rara na população geriátrica. Pode resultar
também de intenso processo de calcificação do aparelho valvar mitral.
I – Diagnóstico
Os sintomas, quando presentes, se caracterizam por dispnéia e tosse,
eventualmente hemoptise e edema de membros inferiores. Ao exame
físico, pode-se constatar ritmo de fibrilação atrial; seus achados mais
característicos estão associados à presença de B1 hiperfonética e ao
ruflar diastólico em foco mitral. Convém salientar que, como resultado
de grau mais intenso de calcificação da valva mitral em pacientes idosos,
é comum uma menor expressão dos achados auscultatórios.
Deformidades torácicas, comuns nessa faixa etária, tais como cifose
ou cifoescoliose, podem modificar ictus, bulhas e sopros.
O eletrocardiograma e a radiografia do tórax são importantes e podem
identificar sobrecarga ventricular, congestão pulmonar e ritmo de
fibrilação atrial.
O ecocardiograma é de grande importância na avaliação inicial e no
acompanhamento do paciente com estenose mitral. A valva mitral normal
tem área de abertura de 4,5 cm2 . Classificamos a estenose mitral como
discreta quando a área valvar for > 1,5 cm2 e grave quando < 1 cm2 .
Áreas entre 1 e 1,5 cm2 são consideradas lesões moderadas. O ecocar-
diograma também nos fornece o estado anatômico do aparelho valvar
mitral através da análise de sua mobilidade, do grau de espessamento, da
128
Valvulopatia no Idoso

calcificação e do acometimento do aparelho subvalvar mitral. Cada um


desses elementos recebe graduação que varia de 0 a 4; assim, pode-se
estabelecer um escore ecocardiográfico conhecido como escore de
Wilkins, que varia de 0 a 16. Além disso, pode-se verificar o gradiente
transmitral, a pressão da artéria pulmonar e o diâmetro das câmaras,
bem como a presença de trombo no átrio esquerdo ou no apêndice atrial.
Eventualmente, há necessidade do ecocardiograma transesofágico.
II – Tratamento clínico
A profilaxia da EI deve ser instituída. O tratamento do portador de
estenose mitral visa aliviar sintomas congestivos através do emprego de
diuréticos. Em ritmo sinusal e na ausência de contra-indicações, o uso de
agentes betabloqueadores pode ser útil. A digoxina é utilizada para o
controle de freqüência cardíaca, em pacientes em ritmo de fibrilação
atrial. Nesse caso, o emprego de anticoagulantes está indicado, sempre
que não houver contra-indicação absoluta e as condições socioeconô-
micas, culturais e geográficas permitirem a anticoagulação com segurança.
III – Tratamento intervencionista
Nos pacientes com lesão discreta ou moderada sem hipertensão arterial
pulmonar, o acompanhamento deve ser anual, com controle clínico e
ecocardiográfico. Nos pacientes sintomáticos com lesão grave, ecocar-
diograma com escore de Wilkins favorável (até 8), sem trombo em átrio
esquerdo ou contra-indicação para seu emprego, a realização de valvo-
tomia percutânea deve ser o método de escolha para o tratamento.
Entretanto, na população de idosos, o achados de valvas com escore
ecocardiográfico favorável é mais raro. A cirurgia está indicada no
paciente sintomático que não possa ser submetido à valvotomia percutânea
ou que necessite de outros procedimentos cirúrgicos, principalmente de
revascularização miocárdica. Em paciente oligossintomáticos, que evo-
luam com hipertensão arterial pulmonar, fibrilação atrial ou episódio de
tromboembolismo transitório, a cirurgia deve ser considerada (Tabela 4).

A escolha da prótese
Na escolha da prótese para o idoso (Tabela 5), devem-se considerar
dois aspectos importantes: a menor durabilidade das biopróteses e a
possibilidade de sangramentos, pela obrigatoriedade do uso de
129
Valvulopatia no Idoso

Tabela 4
Estenose mitral – Recomendações para cirurgia
Lesão grave sintomática
Lesão moderada/grave assintomática
• Com evolução progressiva da hipertensão arterial pulmonar ou episódios
isquêmicos transitórios
• Na necessidade de cirurgia para outras condições cardíacas associadas

Tabela 5
Recomendações do tipo de prótese valvar cardíaca no idoso
Bioprótese
• Menor expectativa de vida
• < 70 anos e posição mitral
• Decisão do paciente
Prótese mecânica
• Condições ideais para uso de anticoagulante
• Maior expectativa de vida
• Decisão do paciente

anticoagulantes quando se implanta uma prótese mecânica. Como no


idoso a expectativa de vida é menor, justifica-se a colocação de valva de
tecido. Esse tipo de prótese é menos sujeito a falência nesse grupo etário.
Porém, com a maior longevidade da população atualmente observada
pode-se, às vezes, optar pela implantação de uma prótese mecânica.
Como regra geral, escolhe-se a bioprótese quando houver menor
expectativa de vida, geralmente em indivíduos com mais de 70 anos.
Nos pacientes com menos de 70 anos, deve-se dar preferência à
bioprótese se a valva a ser substituída for a mitral. Alguns estudos têm
revelado que a bioprótese em posição mitral tem durabilidade maior. A
prótese mecânica poderá ser escolhida quando houver maior expectativa
de vida, geralmente na faixa etária abaixo de 70 anos, em condições
ideais de anticoagulação ou por decisão do paciente. Vários autores
indicam preferencialmente a colocação rotineira de próteses biológicas
em posição aórtica, em pacientes com idade ≥ 60 anos.

Profilaxia da endocardite
Os idosos com doença valvar representam um grupo de pacientes
com risco moderado a elevado para EI. De acordo com a última diretriz
da American Heart Association, pacientes de alto risco para EI são
130
Valvulopatia no Idoso

aqueles com próteses valvares e endocardite infecciosa prévia. De risco


moderado são os que têm PVM com refluxo e lesões valvares em geral.
Na população geriátrica, cerca de 75% dos casos de EI ocorrem na
vigência de doença estrutural subjacente, de natureza degenerativa. Em
seguida, por ordem de frequência, a infecção se dá nos pacientes com
PVM, principalmente quando associada à regurgitação mitral e nos que
têm eletrodo de marca-passo. Os principais eventos predisponentes à EI
são: procedimentos dentários, instrumentação (cistoscopia), debridamento
de úlceras de decúbito, cirurgias gastrintestinais infectadas, cirurgias do
trato biliar, cirurgia de próstata, catéteres infectados, entre outros.
A profilaxia da EI em nossa instituição é baseada nas recomendações
da American Heart Association, com pequenas modificações, e estão
resumidas nas tabelas 6 e 722 .

Tabela 6
Profilaxia recomendada para procedimentos geniturinário e gastrintestinal
Condição Agente Dose Modo
Paciente de Ampicilina Adulto: 2 g IM/IV, 30 minutos
alto risco Criança (não antes do proce-
exceder 2 g): 1 g dimento, 6 horas
depois
Gentamicina Adulto: 1,5 mg/kg IM/IV, dentro dos
(Adulto: não 30 min do início
exceder 120 mg) do procedimento
Criança: 1,5 mg/kg
Alto risco e Vancomicina *Adulto: 1 g **IV, iniciar 1 hora
alérgico a Criança: 20 mg/kg antes e encerrar a
ampicilina/ infusão 30 min
amoxicilina após o procedimento
Gentamicina Adulto: 1,5 mg/kg IM/IV, 30 min antes
Criança: 1,5 mg/kg do procedimento
Paciente com Ampicilina Adulto: 2 g lM/IV, 30 min antes
risco moderado Criança: 50 mg/kg do procedimento
Amoxicilina Adulto: 2 g VO, 1 hora antes
Criança: 50 mg/kg do procedimento
Risco moderado Vancomicina Vide acima* Vide acima**
e alérgico
à penicilina
Fonte: Dajani et al. JAMA 1997;277(22):1794-1801. Adaptado pelo Instituto Dante Pazzanese de
Cardiologia de São Paulo – Setor de Valvulopatias e CCIH.

131
Valvulopatia no Idoso

Tabela 7
Profilaxia para procedimentos dentário oral, esofagiano e em aparelho respiratório
Condição Agente Dose Modo
Clássica Amoxicilina Adulto: 2 g Via oral (VO),
Criança: 50 mg/kg 1 hora antes
do procedimento
Paciente não-apto Ampicilina Adulto: 2 g IM/IV, 30 min
a tomar Criança: 50 mg/kg antes do
medicamento VO procedimento
Paciente alérgico Clindamicina Adulto: 600 mg
à penicilina Criança: 20 mg/kg VO, 1 hora antes
do procedimento
Azitromicina/ Adulto: 500 g
claritromicina Criança: 15 mg/kg
Paciente não-apto Clindamicina Adulto: 600 mg IV, 30 min antes
a med. VO e alér- Criança: 20 mg/kg do procedimento
gico à penicilina
Fonte: Dajani et al. JAMA 1997;277(22):1794-1801. Adaptado pelo Instituto Dante Pazzanese de
Cardiologia de São Paulo – Setor de Valvulopatias e CCIH.

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133
134
Capítulo 10

Disfunção Renal
no Paciente
Cardiogeriátrico
José Luiz Santello

Há notáveis similaridades entre os rins e o coração. São órgãos que


recebem cerca de 20% do débito cardíaco; há interdependência funcional
entre ambos, de forma que a falência de um leva à disfunção do outro;
dependem tanto do fluxo sangüíneo quanto de pressão arterial, possuem
elevado matabolismo e suas disfunções, isoladamente, são fortes
preditores de mortalidade cardiovascular e global.
No paciente geriátrico, há uma faceta diferente nesse binômio e
interdependência: a redução simultanêa da reserva funcional desses
órgãos, tornando-os mais suscetíveis às agressões mútuas e aos agentes
e patologias exógenas.
Em decorrência da redução contínua da reserva funcional renal, há
aspectos específicos, nos modelos de estudos empregados para comprovar
os benefícios de determinada intervenção, em idosos com disfunção renal.
Em termos de nefroproteção e preservação da função renal, os estudos
avaliam como alvo terapêutico não o desfecho fatal – usual em cardiologia
– mas o percentual de pacientes que foram para diálise ou ainda o tempo
necessário para que a creatinina dobre seu valor inicial1,2 .
Em conseqüência da intrincada interdependência, há várias formas
para elaborar este documento. Poderíamos avaliar a disfunção renal
primária no paciente cardiogeriátrico, analisar a redução de sua reserva
funcional e a suscetibilidade renal diante das patologias que acometem
os idosos cardiopatas ou ainda – e esta foi a forma escolhida – optar por
135
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

considerar as mais importantes situações em que o cardiologista deve


considerar uma abordagem global do paciente, porém com enfoque
específico na preservação da função renal.

Avaliação da função renal


O desafio inicial, e ainda relevante, é considerar os instrumentos
disponíveis para quantificar a função renal3 . Sua avaliação é importante
para: determinar o início da doença, seu prognóstico, ajustar doses de
medicamentos e interpretar sintomas e sinais da disfunção renal3 . Embora
a maneira mais adequada e acurada de medir a função renal, seja o
clearance de creatinina, muitas vezes sua utilização pode ser difícil na
prática clínica. Há inegáveis dificuldades na coleta de urina entre os
idosos, perdas involuntárias e problemas urinários que dificultam a coleta
adequada de urina, em intervalos longos. Além disso, massa muscular,
sexo, idade e outros fatores podem interferir na quantificação da função
renal. Ressalte-se que a melhor maneira de avaliar diretamente a filtração
glomerular é a realização do clearance de creatinina, contudo existem
alternativas para inferir a filtração glomerular4,5 .
Foram avaliadas pelo menos 10 equações que tentaram obter da
creatinina mensurada no plasma uma estimativa do real clearance de
creatinina, empregando alguns índices e parâmetros de correção.
Devemos também considerar fatores exógenos que interferem na
quantificação. A tabela 1 apresenta alguns fatores que podem afetar a
filtração glomerular além dos já citados, e devem ser lembrados tanto
na quantificação direta quanto na estimativa calculada da filtração glo-
merular.
Dentre as equações que procuram predizer o clearance de creatinina,
a mais largamente usada é a equação de Cockcroft-Gault de 19764 , mas

Tabela 1
Fatores que afetam os resultados da avaliação da função renal
1. Redução da perfusão renal (hipotensão, hipertensão renovascular)
2. Desidratação ou redução do volume extracelular
3. Uso de antiinflamatórios não-esteróides
4. Consumo habitual de proteínas e carga protéica aguda (aumentam Clcr)
5. Controle glicêmico em diabéticos
6. Nível da pressão arterial e classe de anti-hipertensivos em uso
Clcr – Clearance de creatinina.

136
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

há outras equações que podem ser aplicadas à beira do leito com índice
preditivo adequado3 . Selecionamos duas equações para serem empregadas
na prática diária (Quadro 1) que utilizam apenas as quatro operações
aritméticas e por não necessitarem calculadoras e que são convidativas
para a prática médica diária 5 .

Quadro 1
Modelos lineares para a estimativa da filtração glomerular
Cockcroft-Gault
Clcr = [(140- idade) x Peso x “F”] / 72 x Cr-pl
onde: Cr-pl = creatinina plasmática (mg/dl), F = 1 para homens e 0,85 para mulheres
Toto (AASK study): Clcr (ml/min/1,73 m2 )
Homens: = - 0,30 x (idade - 52) + 105 / Cr-pl + (peso - 86)
Mulheres: = - 0,29 x (idade - 52) + 88 / Cr-pl – 0,77 x (BMI – 30)
Por exemplo: Homem de 80 anos, Cr = 2,0, peso 65 kg = 23 ml/min para 1,73 m2 .

Preservação da função renal:


estratégias gerais
Sempre há condições de empregar um raciocínio clínico, visando a
preservação da função renal que, de antemão, sabe-se decrescer pro-
gressivamente no envelhecimento normal do homem. Por isso, é preciso
estabelecer como meta o emprego de estratégias documentadas cienti-
ficamente que podem evitar o grande número de complicações renais,
observado nos pacientes cardiogeriátricos 6,7 .
Há subsídios científicos, bem comprovados, para estratégias que visem
a preservação da função renal, na presença de: a) hipertensão arterial, a
qual isoladamente é o principal fator de risco para desenvolvimento de
disfunção renal8 e cujo controle acompanha-se de redução do risco de
desenvolvimento de insuficiência renal terminal (Figura 1); b) a presença
de diabetes melito é igualmente determinante; o controle da pressão
arterial e da glicemia está associado à redução do risco9,10; c) a presença
de disfunção renal é marcador de pior prognóstico11 ; d) o uso de drogas,
como antiinflamatórios não-hormonais (AINH) e contrastes radiológicos,
confere maior risco de disfunção renal na presença de nefropatia prévia
e diabetes12 ; e) para níveis moderados de disfunção renal, as repercussões
cardíacas costumam ser marcantes; f) na prática clínica, há usualmente
uma miríade de fatores desencadeantes; nos idosos, essa situação é a
mais prevalente.
137
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

Figura 1 – Risco relativo para diversas apresentações da doença aterosclerótica no


paciente hipertenso.

I – Hipertensão arterial no idoso sem disfunção renal


A prevalência de hipertensão arterial aumenta com a idade, alcançando
até 50% da população septuagenária 13 . Praticamente todas as classes
de drogas já foram usadas e aprovadas em idosos hipertensos não
complicados, sendo consideradas eficazes na redução da morbi-
mortalidade, de forma genérica. Nessa população, o objetivo terapêutico
adequado para preservar a função renal, é manter a pressão arterial
abaixo de 140/90 mmHg6 . Na presença de hipertensão sistólica isolada,
os bloqueadores de canais de cálcio foram as drogas mais testadas e
comprovadas na prevenção de eventos cardiovasculares. A hipertensão
sistólica também tem valor preditivo de pior prognóstico renal7,14. Os
estudos mostraram que o supracitado alvo terapêutico tem sido alcançado
com duas ou mais drogas anti-hipertensivas. Não há comprovação de
que nesses pacientes – idosos e hipertensos não complicados – alguma
classe de anti-hipertensivos seja melhor que as outras, quando o foco é
exclusivamente a manutenção da função renal. Nesse segmento, ou seja,
na prevenção primária da disfunção renal, o alvo, ainda hoje, continua
sendo o controle dos níveis pressóricos 15 .
138
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

II – Diabetes em idosos cardiopatas. O desafio de


alcançar o alvo terapêutico
Esse tópico aborda as estratégias preventivas indicadas no segmento
de pacientes mais suscetíveis de desenvolver doença renal terminal,
sendo o que mais cresce, numericamente, no mundo. Em decorrência,
mais pressão exerce sobre as finanças da saúde pública; além disso,
representam um enome custo social para a comunidade 9 .
Como os pacientes idosos diabéticos são também usualmente
hipertensos, coronarianos e vasculopatas, apresentam em decorrência
dessas associações alta morbimortalidade. Por isso, tem sido o grupo de
pacientes “eleitos” para comprovar se determinada intervenção farma-
cológica promove preservação da função renal remanescente e, também
demonstra benefício na redução da morbimortalidade global (Tabela 2).
As recomendações obtidas desses estudos podem ser agrupadas e
denominadas estratégias de prevenção primária, em pacientes de alto
risco cardiovascular e renal15 . A maioria dos grandes estudos clínicos,
centralizados em pacientes hipertensos contemplou uma amostra grande
de pacientes com as características supracitadas. Dessa forma, nesse
grupo de pacientes, há maiores comprovações de efeitos favoráveis de
várias intervenções farmacológicas.

Tabela 2
História natural da nefropatia diabética
Inicial Hipertrofia Aumento do GFR 95% IDDM 30% NIDDM
glomerular (clearance de normotenso hipertenso
creatinina)
1 a 5 anos Espessamento Aumento 95% Excreção Microalbuminúria
da memb. do GFR alb. normal presente
basal glom.
5 a 15 anos + Expansão Aumenta 30% HAS, 70% com
mesangial albumina 30% a 80% alb. albumina
urinária + urina urinária e
HAS 75% com
HAS
Mais de 20 Esclerose Decréscimo 60% 100%
anos = nodular GFR envolvimento envolvimento
nefropatia renal renal
Disfunção Colabamento Clearance 40% com Cl 40% com Cl
renal glomerular < 15 ml/min < 15 ml/min < 15 ml/min
terminal

139
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

Os estudos UKPDS16 e DCCT10 demonstraram que os controles


pressórico e glicêmico, respectivamente, podem reduzir complicações
cardiovasculares e renais. Demonstrou-se que para pacientes hipertensos
diabéticos poder-se-ia reduzir a incidência de eventos, se fosse alcançado
o alvo pressórico de aproximadamente 130/80 mmHg, independente da
idade do paciente 7 . Também tem sido repetidamente demonstrado que
idosos diabéticos hipertensos e proteinúricos beneficiam-se dos inibidores
da ECA2,17. Mais recentemente, estudos empregando bloqueadores do
receptor de angiotensina – RENAAL e PRIME – mostraram que esses
fármacos também são nefroprotetores19 , nesse grupo de pacientes17 ,
mesmo na vigência apenas de microalbuminúria 18 .
No entanto, o maior desafio clínico continua sendo a politerapia
necessária para alcançar o alvo pressórico, empregando-se todas as
drogas disponíveis; mas, se possível clinicamente, não deixar de bloquear
o sistema renina angiotensina aldosterona (RAA). À semelhança do
recomendado para a preservação da função miocárdica no pós-infarto,
as doses nefroprotetoras dos inibidores da ECA ou dos bloqueadores dos
receptores de AII devem ser médias ou altas2 .
III – Estratégias recomendadas para pacientes idosos
com disfunção renal instalada
A presença de disfunção renal instalada é um potente marcador de
eventos cardiovasculares, caracterizando seu portador como de alto risco
para eventos cardiovasculares5,26.
Esse grupo de pacientes contempla aqueles cuja estratégia está
baseada na prevenção secundária, ou seja, os que já têm disfunção renal
instalada, para os quais o objetivo é postergar ao máximo a diálise. Há
duas séries de estratégias, dependendo da disfunção renal instalada: a
primeira, vista anteriormente, é bloquear o sistema renina-angiotensina-
aldosterona (SRAA) e a segunda, indicada na maioria dos casos, é reduzir
a proteinúria. Há estudos mostrando que se as perdas diárias de proteína
na urina excederem três gramas, o prognóstico é nitidamente diferente
do de perdas inferiores a 1 g/dia 20 (Tabela 3).
Já se demonstrou que a intervenção baseada no controle pressórico
estrito21 – alvo: 125 e 75 mmHg para as pressões sistólica e diastólica
respectivamente – associada ao bloqueio simples ou combinado do
SRAA22 , reduz tanto a macro como a microproteinúria, levando a um
140
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

Tabela 3
Prognóstico de diferentes níveis de proteinúria e efeito do ramipril
em pacientes com proteinúria (REIN)
Proteinúria 24 horas (g)
3,0 a 4,5 4,5 a 7,0 > 7,0
n = 87 n = 48 n = 31
Percentual dos pacientes evoluindo para
insuficiência renal dialítica
Ramipril 22 25 25
Placebo 40 48 70
Declínio na filtração renal por mês
(ml/min/mes por 1,73 m2 )
Ramipril 0,50 0,55 0,54
Placebo 0,70 1,00 1,50
Adaptado de Kidney International 2000;58(5):2093-101.

menor decréscimo do clearance de creatinina/mês e, portanto, o tempo


necessário para chegar à diálise será alongado. Essas observações foram
documentadas tanto em diabéticos como em não-diabéticos 23,24.
Uma questão prática é saber qual o limite mínimo de clearance de
creatinina, para o qual há real benefício do bloqueio do sistema RAA.
Não há resposta definitiva, mas o bom senso recomenda evitar
intervenções farmacológicas nesse sistema, quando o clearance de
creatinina estiver abaixo de 20 ml/min, uma vez que a adminstração de
IECA – mas provavelmente não de bloqueador de receptor de
angiotensina II – acompanha-se de redução aguda da filtração
glomerular17 , podendo agravar a síndrome urêmica, já em fase lenta de
instalação. Mesmo quando a disfunção renal é leve, há necessidade de
seguimento inicial dos níveis plasmáticos de potássio.
É importante ressaltar que quanto maior o tempo de controle efetivo
da pressão arterial e da proteinúria, melhor o prognóstico, em termos de
preservação da função renal (Tabela 3). Outras intervenções também
são úteis, como a restrição proteica quando a disfunção renal for
moderada/severa (clearance aproximado de 20 ml/min a 25 ml/min) 25 .
IV – Estratégias para preservar agudamente
a função renal
O desenvolvimento dos meios diagnósticos e terapêuticos cardiovas-
culares tem ampliado o universo de pacientes submetidos a intervenções

141
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

e a exames contrastados. Além disso, cerca de 7% a 10% dos idosos


têm diabetes26 e um percentual grande apresenta graus variados de
disfunção renal. Como fator agravante, muitos pacientes são submetidos
à intervenção – cineangiocoronariografia – após disfunção aguda do
ventrículo esquerdo, o que potencializa a nefrotoxicidade dos meios de
contrates.
Essencialmente, todos os meios disponíveis são mais ou menos
nefrotóxicos, porém os meios não iônicos apresentam muito menor
toxicidade. Em várias séries comparativas identificou-se o paciente
diabético com disfunção renal ou o portador só de disfunção renal como
candidato a receber meios de contraste não-iônico, como instrumento
efetivo na prevenção de disfunção renal aguda.
Entre os procedimentos clássicos, a hidratação reconhecidamente é
a estratégia que melhor previne a instalação de insuficiência renal aguda,
com menor custo. Há indícios de que o uso de N-acetilcisteína, por via
oral, seria altamente promissor na prevenção da vasoconstrição renal
que se segue ao uso de contrastre iônico e hiperosmolar.
V – Disfunção renal instalada em pacientes idosos
vasculopatas
Pacientes idosos vasculopatas são considerados de risco para
apresentar doença isquêmica coronária. A presença de disfunção renal
é um potente marcador de pior prognóstico global e terapêutico26 . No
entanto, é preciso lembrar que cerca de 5% a 10% dos pacientes idosos
vasculopatas que são encaminhados para diálise de longo prazo
apresentam nefropatia isquêmica, causada por aterosclerose da aorta,
comprometendo o suprimento sangüíneo renal. Os índícios dessa situação
são: disfunção ventricular, hipertensão arterial severa e perda rápida de
função renal, entre outros marcadores clínicos e laboratoriais 28 .
Também deve ser lembrado que os gerontes podem apresentar
insuficiência renal aguda pela associação entre contraste, hipotensão,
uso de antiinflamatórios e infecção subjacente.
VI – Disfunção renal terminal e repercussões
cardiovasculares em idosos
Durante longo período de perda lenta e progressiva de função renal,
mecanismos adaptativos mantêm a homeostase praticamente intacta.

142
Disfunção Renal no Paciente Cardiogeriátrico

No entanto, com níveis em torno de 30ml a 35 ml de clearance de


creatinina, já ocorre hipervolemia na maioria dos casos e isso constitui
um grande fator para agravar eventual disfunção ventricular.
Também nessa faixa de filtração glomerular, a eritropoiese está
reduzida e observa-se queda de 1 a 3 pontos (g/dl) na concentração de
hemoglobina no sangue, agravando a disfunção ventricular e, even-
tualmente, precipitando crises anginosas.
No entanto, o maior marcador que altera precocemente a homeostase
global de idosos com disfunção renal é a hipertensão arterial, muitas
vezes o elo inicial da investigação médica, que termina por identificar –
às vezes tardiamente – a presença de disfunção renal, como está
exemplificado na tabela 2.

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144
Capítulo 11

Tratamento das
Arritmias Cardíacas
no Paciente Idoso
André d’Avila
Anísio Pedrosa
Leandro Zimerman

Introdução
Em linhas gerais, o tratamento das arritmias cardíacas no idoso segue
as recomendações sugeridas para adultos jovens. A grande diferença
reside em dois fatos. Em primeiro lugar, a prevalência de algumas formas
de arritmia, tal como a fibrilação atrial, está aumentada em pacientes
acima de 65 anos. Além disso, o uso de drogas antiarrítmicas apresenta
algumas peculiaridades, pois esses pacientes muito freqüentemente, já
utilizam outros fármacos, têm alterações de memória e apresentam
propensão para presença de alterações hepáticas e renais, podendo
requerer ajustes na dose comumente indicada de antiarrítmicos.
Esses fatos são relevantes, pois há um aumento progressivo da
população de idosos. Atualmente, os idosos representam cerca de 12%
da população dos Estados Unidos e Reino Unido; estima-se que essa
porcentagem dobre nos Estados Unidos até 2030. Os idosos, portanto,
representam um importante contingente de pacientes que procuram
atendimento cardiológico e suas características inerentes precisam ser
melhor conhecidas, principalmente porque os efeitos do envelhecimento
sobre o aparelho cardiovascular, muitas vezes interferem nos conceitos
de normalidade atribuídos à população jovem.
145
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

As modificações do sistema cardiovascular conseqüentes ao envelhe-


cimento possivelmente relacionadas ao aumento da prevalência de
arritmias no idoso são:
• Modificações na vasculatura arterial sistêmica, na sensibilidade dos
barorreceptores e nos níveis de norepinefrina.
• Fibrose do nó sinoatrial concomitante à diminuição do número de
células geradoras do estímulo elétrico. Estima-se que acima dos 75
anos, essa redução seja de até 90%.
• Degeneração e fibrose do esqueleto fibroso do coração e porção
superior do septo ventricular, bem como fibrose e calcificação dos
anéis valvares mitral e aórtico, e adjacências.
• Alterações microscópicas do nó atrioventricular e tronco comum
do feixe de His que provocam distúrbios da condução do estímulo
elétrico a esse nível.
• Substituição das fibras dos fascículos do ramo esquerdo e porções
distais do sistema de condução por tecido fibroso, a partir da sexta
década.
• Aumento da massa ventricular esquerda, mesmo na ausência de
hipertensão arterial sistêmica e obesidade; diminuição do número
de fibras miocárdicas, com hipertrofia das células remanescentes e
depósitos intersticiais de substância amilóide, lipofuscina, tecido
elástico, fibras colágenas e lipídios.
• Dilatação atrial, mesmo na ausência de doença cardíaca subjacente.
• Incapacidade de modulação autonômica adequada da freqüência
cardíaca.
• Diminuição da resposta dos beta-receptores, com conseqüências
sobre o cronotropismo, inotropismo e vasodilatação periférica.

Bradiarritmias
I – Doença do nó sinusal (DNS)
A incidência da DNS aumenta com a idade, em função das
modificações do nó sinoatrial, do tecido perinodal e do controle neu-
rogênico da FC, provocados pelo envelhecimento. Entretanto, em idosos
assintomáticos não portadores de doença cardíaca a bradicardia severa
é incomum.

146
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Os distúrbios funcionais do nó sinusal são as principais causas de


morbidade no idoso, sendo responsáveis por até 52% dos implantes de
marcapasso nessa população.
As mais freqüentes anormalidades eletrocardiográficas documentadas
nesses pacientes são:
a) bradicardia sinusal persistente;
b) pausas sinusais;
c) síndrome bradi-taquicárdica.
A evolução clínica da disfunção do nó sinusal no idoso, em geral, é
benigna. A expectativa de vida não se modifica quando comparada aos
não portadores do distúrbio, na mesma faixa etária.
A associação de sintomas comprovadamente relacionados à disfunção
do nó sinusal (doença do nó sinusal) tem importância clínica porque implica
em terapêutica específica. O implante de marca-passo melhora a
qualidade de vida dos portadores da doença do nó sinusal, sem, contudo,
modificar a longevidade de seus portadores.
II – Hipersensibilidade do seio carotídeo (HSC)
A hipersensibilidade do seio carotídeo (HSC), disfunção autonômica
que em geral se manifesta através de modificações funcionais do nó
sinusal, é causa freqüente de pré-síncope e síncope nos idosos.
As formas conhecidas de HSC são:
a) cardioinibitória: três segundos ou mais de assistolia;
b) vasodepressora: queda da PA de 50 mmHg ou mais;
c) forma mista: combinação de a e b.
A prevalência da HSC é controversa. Morley et al., em 1985,
documentaram a síndrome em cerca de 14% dos pacientes submetidos
à investigação de causas de síncopes recorrentes.
A distinção entre as formas de resposta da HSC é importante porque
tem implicações terapêuticas bastante diversas. Sabe-se que a forma
cardioinibitória responde satisfatoriamente ao implante de marca-passo
atrioventricular. Ao contrário, estudos clínicos com a fludrocortisona em
portadores da forma vasodepressora, tem demonstrado boa resposta
terapêutica.
III – Bloqueios átrio e intraventriculares
A prevalência do bloqueio atrioventricular aumenta com a idade,
embora o prognóstico e as repercussões clínicas não pareçam diferir
147
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

da população jovem. É alta a prevalência de bloqueio atrioventricular


(BAV) de 1o grau em idosos assintomáticos e sem cardiopatia
subjacente. O BAV de 2o grau Mobitz I não é incomum, porém tem
pouco significado clínico. Defeitos avançados da condução
atrioventricular têm baixa prevalência em idosos saudáveis e aumenta
significativamente (2,5 a 3 vezes) na presença de cardiopatia. A
incidência de distúrbio de condução intraventricular também aumenta
com a idade: cerca de 10% a 14% dos idosos são portadores de bloqueio
fascicular, permanente ou intermitente. A maioria, assintomática e sem
cardiopatia subjacente.
Na presença de cardiopatia, o bloqueio intraventricular, sobretudo o
bifascicular, representa índice preditivo de pior prognóstico

Taquiarritmias
I – Taquiarritmias supraventriculares
Extra-sístoles atriais isoladas, em pares e em salvas de até cinco
batimentos são comuns (10% a 30%); são de evolução benigna em idosos
não-portadores de doença cardíaca, ativos e assintomáticos. Não são
consideradas, portanto, de significado clínico.
As taquicardias atriais aumentam a prevalência com a idade,
principalmente aquelas provenientes do átrio direito, da região da crista
terminalis. Por sua vez, episódios de taquicardia relacionados à presença
de vias acessórias da condução atrioventricular (síndrome de WPW)
raramente ocorrem exclusivamente em idosos. Na verdade, cerca de
10% das vias de condução anterógrada tendem a desaparecer no decorrer
da vida. Ao contrário, a prevalência de taquicardia por reentrada nodal
tende a aumentar com a idade. O flutter atrial é outra arritmia cuja
prevalência aumenta com a idade, pois tende a associar-se a doença
cardíaca estrutural cuja incidência também está aumentada na população
idosa.
II – Taquiarritmias ventriculares
A incidência de arritmias ventriculares aumenta com a idade. Estudos
de monitorização eletrocardiográfica ambulatorial, demonstram que 80%
das pessoas acima dos 60 anos apresentam arritmias ventriculares. A
maioria dos autores considera que as arritmias ventriculares, mesmo de
alta complexidade, não interferem no prognóstico de seus portadores na
148
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

ausência de doença cardíaca estrutural. Ao contrário, a taquicardia


ventricular não sustentada, em pacientes com disfunção ventricular
esquerda, piora o prognóstico consideravelmente. Na presença de infarto,
a mortalidade aumenta com o incremento de sua freqüência e
complexidade. Siegel et al. descreveram maior incidência de arritmia
ventricular em pacientes hipertensos, com mais de 60 anos de idade e
hipertrofia ventricular ao ecocardiograma.
Arntz et al. demonstraram distribuição monofásica das taquicardias
ventriculares malignas em pacientes com mais de 65 anos, em contraste
com a distribuição bifásica (picos matutinos e noturnos) dos mais jovens.
Esse comportamento sugere a presença de diferentes fatores
desencadeantes nos dois grupos e a importante influência do sistema
nervoso autonômico, muito alterado no idoso.

Tratamento farmacológico
De modo geral, o emprego das drogas antiarrítmicas no idoso segue
os mesmos critérios de indicação para pacientes mais jovens. As
principais variáveis consideradas são: presença de sintomas, função
cardíaca e risco de morte súbita. As diferenças na terapêutica do idoso
referem-se, sobretudo, à posologia, porque a farmacodinâmica e a
farmacocinética das drogas estão modificadas. As causas dessas
modificações são:
• alterações do sistema gastrintestinal;
• mudança na massa corporal;
• diminuição da quantidade de proteínas plasmáticas;
• diminuição do fluxo sangüíneo e alterações das funções do fígado e
rins.
Aos antiarrítmicos são atribuídos, atualmente, severos efeitos adversos
arritmogênicos (pró-arritmia), que ameaçam a vida desses pacientes.
Considerando-se que, nos idosos, tais efeitos parecem incidir em maior
escala, deve-se observar a seguintes regras:
1) Documentar através do eletrocardiograma a arritmia, da maneira
mais precisa e minuciosa possível.
2) Determinar a etiologia da arritmia e tentar identificar causas
reversíveis, tais como: isquemia miocárdica, distúrbios hidro-
eletrolíticos, metabólicos, infecções, anemia, embolia pulmonar,
hipertireoidismo e outros.
149
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

3) Registrar o eletrocardiograma com freqüência para acompanhar


a evolução da doença e da terapêutica.
4) Eliminar drogas capazes de induzir ou acentuar as arritmias
cardíacas, tais como: digital, simpaticomiméticos, antidepressivos
tricíclicos, anti-hipertensivos e outros.
5) Adequar a posologia de acordo com a resposta clínica e
eletrocardiográfica, considerando, se necessário, a dosagem
plasmática da droga.
Também é importante avaliar o efeito pró-arrítmico de outras drogas
freqüentemente utilizadas em pacientes idosos. Nesse particular, é
importante ressaltar o uso do cisaprida, droga utilizada há mais de 10
anos como agente pró-cinético, que facilita ou restaura a motilidade do
trato gastrintestinal, indicada para casos de refluxo gastroesofágico em
adultos e crianças, dispepsia funcional, gastroparesia diabética e com
possível ação no tratamento da síndrome do cólon irritável. Devido à sua
superioridade no tratamento dessas doenças quando comparada a outras
drogas, como metoclopramida e antagonistas de receptores histamínicos
H2, a cisaprida tornou-se medicamento de uso freqüente na prática clínica.
Os primeiros estudos não evidenciaram nenhuma ação sobre o tecido
cardíaco. Porém, no final da década de 80, surgiram relatos esporádicos
de episódios de arritmia nitidamente relacionados ao uso da cisaprida e,
em 1996, já haviam 34 relatos de ocorrência de torsades de pointes em
usuários da droga. Em 23 desses pacientes houve nítida correlação entre
o uso da cisaprida e o prolongamento do intervalo QT. Dentre esses
pacientes, houve 4 mortes e 16 casos de sobreviventes de parada cardíaca.
A análise desses casos permitiu concluir que a utilização de drogas
que inibem a ação da enzima hepática citocromo P450 3A4 eleva o nível
sérico da cisaprida. Em função de sua ação bloqueadora dos receptores
serotoninérgicos e dos canais de K+ da membrana celular cardíaca, a
cisaprida prolonga a duração do potencial de ação da fibra cardíaca,
comparável às drogas do grupo III de Vaughan-Williams, de forma dose-
dependente, podendo ainda elicitar a ocorrência de pós-despolarizações
precoces. Desse modo, deve ser evitada a utilização da cisaprida com
drogas que inibam a ação do citocromo P450, como cetoconazol,
fluconazol, itraconazol, miconazol, eritromicina, claritromicina ou
troleandomicina, ou drogas que aumentem o intervalo QT, como os anti-
arrítmicos do grupo III, antidepressivos trcíclicos e alguns anti-histamínicos.
150
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

A restrição ao uso deve ser extensivo a portadores de síndrome do QT


longo congênito, pacientes com antecedentes de arritmias, cardiopatias,
ou para portadores de insuficiência renal crônica.
Discutiremos, a seguir, aspectos peculiares dos medicamentos
antiarrítmicos mais comumente utilizados em nosso meio, e
particularidades que envolvem seu uso nos idosos.
Drogas de classe I – A quinidina é eficaz no tratamento de arrítmias
supraventriculares. Apresenta excelentes resultados na reversão da
fibrilação atrial a ritmo sinusal, sobretudo quando associada a digitálicos
em doses baixas, no idoso. Efeitos colaterais ocorrem em cerca de um
terço dos idosos, sendo os mais comuns: diarréias, náuseas, vômitos,
zumbidos, vertigens, distúrbios visuais, cefaléia e confusão mental. O
efeito mais grave é a síndrome do QT longo adquirido, capaz de provocar
arritmias fatais (torsades de pointes). Em idosos com função ventricular
comprometida, essa droga está contra-indicada, pois costuma provocar
modificações no débito cardíaco e na pressão arterial, além de aumentar
o risco de morte súbita.
Procainamida, a exemplo da quinidina, é eficaz tanto na terapêutica
das arritmias supra como ventriculares, com efeitos eletrofisiológicos
muito semelhantes. O efeito inotrópico negativo discreto resulta em boa
tolerabilidade, mesmo em presença de disfunção ventricular. Anorexia,
náuseas, diarréia, prurido, hipotensão e distúrbios da condução intraven-
tricular são os efeitos colaterais mais freqüentes. Sua administração é
preterida no idoso por causa da curta meia-vida em relação às outras
drogas.
Disopiramida tem efeitos antiarrítmicos semelhantes aos da quinidina
e procainamida. Entretanto, sua indicação é limitada em idosos, porque
tem ação inotrópica negativa acentuada e potente efeito anticolinérgico,
o que potencializa distúrbios urinários presentes em grande parte desses
pacientes.
Lidocaína deprime a automaticidade, sobretudo das fibras de His-
Purkinje, diminuindo o período refratário, assim como o das células
ventriculares. Tem pouca ação sobre as células atriais e, por sofrer
importante metabolização hepática, é efetiva apenas por via parenteral.
A meia-vida de eliminação, em adultos jovens, é de 1,3 hora e, em
idosos, 2,3 horas. A concentração terapêutica sérica varia de 1,5 a
5 mcg/ml. Hepatopatia, insuficiência cardíaca ou infarto do miocárdio
151
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

recente podem reduzir o clearence da droga e a meia-vida plasmática


pode atingir 4 ou 6 horas, e, por isso, recomenda-se a redução da posologia
em 30% a 50% nos idosos. Efeitos adversos, como tonturas, zumbidos,
diplopia, confusão mental, letargia, disartria, tremores e convulsões, são
mais freqüentes em idosos.
Propafenona provoca depressão da velocidade de condução em todos
os tecidos cardíacos, além de atividade betabloqueadora. Não existem
estudos conclusivos a respeito de seu comportamento no idoso. Nestes,
os efeitos adversos mais freqüentes são gastrintestinais, cefaléia e
tonturas. Os efeitos pró-arrítmicos, síndrome do QT longo, bloqueio
atrioventricular infra-His e bradicardia severa são os mais freqüentes.
Mexiletina tem propriedades eletrofisiológicas muito semelhantes às
da lidocaína, com mínimos efeitos hemodinâmicos. É efetiva no controle
de extra-sistolia ventricular, atua moderadamente na terapêutica da
taquicardia ventricular sustentada polimórfica e pouco na monomórfica.
Ao contrário da lidocaína, apresenta baixa metabolização hepática, sendo
que, 90% da dose oral administrada atinge a corrente circulatória. Tem
sido utilizada em maior escala nos idosos, porque não modifica ou até
melhora a condução atrioventricular, freqüentemente lentificada nesses
pacientes Os efeitos adversos mais freqüentes são neurológicos e
gastrintestinais, ocorrendo em 30% a 50% dos pacientes que fazem uso
crônico da droga.
Drogas de classe II – Os idosos têm sensibilidade diminuída a esses
agentes, porque apresentam receptores beta-adrenérgicos com baixa
responsividade, embora demonstrem níveis séricos da droga, cerca de
duas vezes maior que os jovens, para a mesma dose administrada 32 .
Drogas de classe III – Amiodarona tem alta eficácia terapêutica
nas arritmias atriais e ventriculares do idoso, embora se tenha pouco
conhecimento de suas características farmacocinéticas nesse grupo de
pacientes. Os efeitos adversos geralmente são dose e duração-depen-
dentes, sendo os mais freqüentes: prurido, eritema, fotossensibilidade;
microdepósitos de cristais na córnea; hipo ou hipertireoidismo; alterações
transitórias de enzimas hepáticas e reações extrapiramidais. Fibrose
pulmonar intersticial (pneumonite amiodarônica) representa o mais grave
efeito adverso da droga, incidindo em até 5% dos pacientes que fazem
uso crônico da droga. Não se tem conhecimento de que tais reações
indesejáveis ocorram em maior intensidade no idoso.
152
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

O sotalol é eficaz no tratamento das arritmias ventriculares e


supraventriculares. Além dos efeitos de classe III, tem ação beta-
bloqueadora e apesar da pequena experiência clínica, parece ter eficácia
antiarrítmica satisfatória nos idosos, sem apresentar os efeitos colaterais
provocados pelos betabloqueadores clássicos.
Drogas de classe IV – O principal representante dessa classe, com
propriedades antiarrítmicas é o verapamil. Estudos recentes demons-
traram que essa droga converte a ritmo sinusal, cerca de 80% das
taquicardias supraventriculares, 30% dos episódios de flutter atrial e
16% das fibrilações atriais. Assim, quando usado por via venosa, o
verapamil é um agente de primeira escolha para reverter episódios de
taquicardia paroxística supraventricular e lentificar a resposta ventricular
durante outras taquiarrítmias supraventriculares, como o flutter e a
fibrilação atrial. No idoso, o verapamil tem sido utilizado com sucesso
para o tratamento de arritmias ventriculares e de arritmias induzidas ao
exercício, apesar destas serem menos comuns nos idosos 31 . Efeitos
colaterais sérios são raros, mas hipotensão severa, bradicardia e assistolia
foram documentadas no idoso, sobretudo quando associada ao uso de
bloqueadores betadrenérgicas.
Os digitálicos têm como principal indicação no idoso a fibrilação atrial
com alta freqüência ventricular. A intoxicação digitálica é mais freqüente
nos pacientes acima de 65 anos e é facilitada por hipocalemia e
hipomagnesemia. Freqüentemente ocorre em níveis plasmáticos abaixo
do limite de toxicidade; suas manifestações mais comuns são, no idoso:
arritmias cardíacas, manifestações digestivas, neurológicas e disfunção
sexual.

Tratamento não-farmacológico
De janeiro de 2000 a março de 2002, 235 pacientes com mais de 65
anos realizaram procedimentos eletrofisiológicos no Instituto do Coração
do Hospital das Clínicas de São Paulo, para ablação ou diagnóstico de
algum distúrbio do ritmo cardíaco a saber: 78 pacientes para o
esclarecimento de sintomas, 35 foram submetidos à ablação por cateter,
de taquicardia ventricular sustentada, 33 por taquicardia por reentrada
nodal, 20 por flutter atrial, 17 por fibrilação atrial paroxística, 18 pacientes
realizaram ablação de via acessória, além de 17 pacientes com taquicardia
atrial e, outros 17 realizaram ablação do nó atrioventricular.
153
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Tanto o resultado inicial como a longo prazo, bem como as complicações,


não foram diferentes das observadas em adultos jovens. Por essa razão,
as indicações para ablação de taquiarritmias sustentadas em pacientes
idosos, segue as mesmas regras da população mais jovem. Na verdade, o
impacto sobre a qualidade de vida dos idosos é muito importante, porque
os pacientes podem ficar curados sem o uso e os efeitos colaterais das
drogas antiarrítmicas; a indicação no idoso, ao contrário da impressão geral,
a meu ver, deve ser feita o mais rápido possível. Da mesma forma, diversos
estudos que avaliaram o resultado do implante de desfibrilador em idosos,
mostraram as mesmas taxas de morbimortalidade durante a realização do
procedimento e de sobrevida nos primeiros anos, que a observada em
pacientes mais jovens. Nesse sentido, as diretrizes para ablação por cateter
formuladas durante o último Consenso do Departamento de Arritmia e
Eletrofisiologia Clínica (DAEC) da SBC, podem auxiliar o médico na tomada
de decisão, conforme exposto a seguir.

Diretrizes do DAEC para ablação por


cateter das arritmias cardíacas
A ablação por cateter utilizando energia de radiofreqüência revolu-
cionou o tratamento das arritmias cardíacas. As lesões produzidas
por essa forma de energia são bem delimitadas medindo de 4 e 6 mm,
o que permitiu modificações bem controladas do substrato
arritmogênico. Por essa razão, o número de procedimentos de ablação
vem aumentando progressivamente. Cerca de 15.000 procedimentos
são realizados por ano nos Estados Unidos. A ablação por cateter
melhora a qualidade de vida dos pacientes tratados, a um custo menor
do que o tratamento medicamentoso. O sucesso do procedimento,
bem como suas complicações, varia conforme a arritmia a ser tratada
e a experiência do laboratório de eletrofisiologia onde o procedimento
esta sendo realizado. Complicações são pouco freqüentes e as
ocorrências mais comuns são: bloqueio AV total, tamponamento
cardíaco por perfuração cardíaca durante a manipulação de cateteres
intracavitários e as relacionadas ao acesso vascular. Complicações
mais graves, como acidente vascular cerebral, lesão valvar grave,
oclusão coronária e morte relacionada ao procedimento, são mais
raras e podem ocorrer em 0,2% dos pacientes.

154
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Taquicardia sinusal inapropriada


Taquicardia sinusal inapropriada é uma entidade caracterizada por uma
freqüência cardíaca em repouso > 100 bpm e/ou resposta exagerada da
freqüência cardíaca (>100 bpm) a mínimos esforços. O eixo e a morfologia
da onda P são iguais aos do ritmo sinusal. A ablação por radiofreqüência tem
como objetivo a redução da freqüência cardíaca em torno de 30%, durante
infusão de isoproterenol e/ou atropina, sendo a ablação total do nó sinusal e
implante de marca-passo, raramente recomendada. Dezesseis por cento
dos pacientes necessitam de marca-passo por disfunção sinusal após a ablação,
e 32% dos pacientes apresentam sintomas recorrentes.
Recomendação B2 nível 2
Taquicardia sinusal inapropriada sintomática refratária a drogas.
Recomendação C
Taquicardia sinusal inapropriada assintomática.
Taquicardia atrial
As localizações mais comuns das taquicardias atriais são a crista
terminalis e o orifício das veias pulmonares. Embora a taquicardia atrial
afete menos de 10% dos pacientes com taquicardia supraventricular,
quando incessante, pode gerar taquicardiomiopatia. O sucesso da ablação
varia de 75% a 95% com recorrência de 5% a 20%.
Recomendação A nível 2
Taquicardia atrial sintomática de difícil controle farmacológico.
Taquicardia atrial com taquicardiomiopatia.
Recomendação B1 nível 2
Taquicardia atrial sintomática.
Taquicardia atrial incessante ou recorrente controlável com antiarrítmi-
cos, quando o paciente opta pelo tratamento não-farmacológico.
B2 N2
Taquicardia atrial incessante ou recorrente assintomática e sem
evidência de taquicardiomiopatia.
Recomendação C N4
Taquicardia atrial de causa transitória e reversível.

155
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Ablação da junção AV
O controle da resposta ventricular em taquiarritmias atriais refratárias
ao tratamento é de grande importância devido à presença de sintomas e
ao possível desenvolvimento de taquicardiomiopatia. Nos casos em que
não se consegue obter a cura da taquiarritmia atrial e o controle adequado
da freqüência cardíaca, a ablação da junção atrioventricular e implante
de marca-passo é uma alternativa eficaz. Pode haver retorno da condução
pela junção em 5%. Em até 3% dos pacientes ocorre morte súbita após
a ablação. Na ausência de miocardiopatia, a sobrevida de pacientes com
fibrilação atrial submetidos à ablação do nó AV é similar a da população
geral.
Recomendação A N2
Taquiarritmias atriais sintomáticas, com desenvolvimento de taquicar-
diomiopatia ou gerando terapias inapropriadas do CDI, em que os métodos
terapêuticos, farmacológicos ou não, foram incapazes ou não puderam
ser usados para restauração/manutenção do ritmo sinusal ou controle da
freqüência ventricular.
B2 N3
Permitir a otimização do intervalo AV em pacientes com estimulação
cardíaca artificial.
Recomendação C
Controle da freqüência ventricular com drogas bem toleradas pelo
paciente.

Fibrilação atrial
Considerando os riscos potenciais e ainda o curto tempo de acom-
panhamento dos resultados, a ablação da fibrilação atrial (FA) deve ser
reservada aos casos sintomáticos, que se apresentam refratários às drogas
antiarrítmicas. Os pacientes com maior chance de se beneficiar da ablação
são aqueles com coração estruturalmente normal, que apresentam arritmia
supraventricular freqüente ao Holter, sob forma de batimentos repetitivos
ou extra-sístoles isoladas freqüentes, alternando com paroxismos de FA
de curta duração.

156
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Até os resultados a longo prazo da ablação da FA serem melhor


conhecidos, a ablação por cateter da FA deve ser restrita a centros de
referência.
Recomendação B2 nível 3
FA paroxística, sintomática e de difícil controle farmacológico, em
pacientes com átrio esquerdo normal e na ausência de condições
metabólicas potencialmente correlacionadas à arritmia*.
Recomendação B2 nível 4
FA paroxística e freqüente, de difícil controle farmacológico, em
pacientes com cardiopatia estrutural.
Recomendação C nível 4
Primeiro episódio de fibrilação atrial.
Trombo intracardíaco ou contraste atrial espontâneo intenso ao
ecocardiograma.
Contra-indicação à anticoagulação sistêmica.
Cardiopatia com indicação cirúrgica durante a qual a fibrilação atrial
pode ser tratada concomitantemente.

Flutter atrial
O flutter atrial é um circuito macrorreentrante que pode ocorrer em
ambos os átrios. A forma mais comum é a que ocorre no átrio direito e
depende da condução em torno do anel da valva tricúspide. A criação de
uma linha de bloqueio entre o anel da tricúspide e a veia cava inferior
(istmo cavotricuspídeo) elevou o índice de sucesso da ablação para 95%,
com recorrência de 5%.
Recomendação A nível 2
Flutter atrial comum recorrente com sintomas claramente relacionados
à arritmia.
Recomendação B2 nível 4
Flutter atrial assintomático.

* Doença sistêmica debilitante ou potencialmente correlacionada à arritmia; tireotoxicose,


uremia, pericardite, intoxicação alcoólica aguda, doença pulmonar obstrutiva crônica,
tromboembolismo pulmonar.

157
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Pacientes assintomáticos com flutter e fibrilação atrial com freqüência


ventricular controlada.

Taquicardia por reentrada nodal


A taquicardia reentrante nodal (TRN) é a forma mais comum de
taquicardia paroxística supraventricular (regular). A TRN geralmente ocorre
em pacientes com coração normal, apresentando-se como palpitações
regulares paroxísticas, associada ou não a síncopes. A ablação por
radiofreqüência da via lenta é o tratamento curativo de eleição com sucesso
variando de 94% a 99%. As recidivas variam entre 3% e 7%. As
complicações mais freqüentes são o bloqueio AV total que, dependendo da
série, pode variar de 0,5% a 4%. Complicações, como lesões vasculares,
derrame pericárdio, tamponamento cardíaco e morte, ocorrem em menos de
0,1% dos pacientes.
Recomendação A nível de evidência 2
Pacientes sintomáticos com TRN recorrentes.
Recomendação B-1 nível de evidência 2
Dupla via nodal com eco nodal, registrado pelo EEF em paciente com
documentação eletrocardiográfica.
Taquicardia sustentada induzida no EEF durante ablação de outra
arritmia.
Recomendação B-2 nível de evidência 3
Dupla via nodal com eco nodal, registrado pelo EEF em paciente com
suspeita clínica, mas sem documentação eletrocardiográfica.
Recomendação C nível de evidência 4
Achado de dupla via nodal com ou sem eco no EEF sem suspeita
clínica de TRN.

Síndrome de Wolff-Parkinson-White e outras vias


acessórias da condução atrioventricular
Existem diferentes tipos de vias acessórias que são conexões
musculares anômalas entre o átrio e o ventrículo. Uma grande variedade
de taquiarritmias pode ocorrer nos pacientes com vias acessórias. Algu-

158
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

mas dessas taquicardias são bem toleradas, porém outras podem levar
à degeneração hemodinâmica, insuficiência cardíaca e morte súbita.
Na dependência das características eletrofisiológicas da via acessória,
a morte súbita pode ocorrer mesmo em pacientes assintomáticos. A
ablação por radiofreqüência é a terapia de eleição com sucesso de
89% a 97% na dependência da localização da via. A recorrência da
condução pela via acessória, após uma ablação, ocorre em apro-
ximadamente 5% a 12% dos casos, e esses pacientes podem ser
submetidos a nova intervenção, sem aumento do risco. Embora a
mortalidade do procedimento seja de apenas 0,1%, outras complicações
podem ocorrer e estão relacionadas a localizações específicas, tal como
sugerido a seguir:
1) Bloqueio AV total: (0,2% a 0,6%): geralmente ocorre nas vias
antero-septais e médio-septais, podendo raramente ocorrer em
vias póstero-septais.
2) Infarto agudo (0,06%) do miocárdio, por aplicação inadvertida
dentro da circunflexa ou por dissecção de uma artéria coronária.
3) Perfuração cardíaca e tamponamento (0,1%).
4) Acidente vascular encefálico, ou acidentes isquêmicos transi-
tórios (0,1%).
5) Lesão valvar mitral ou aórtica (0,15%).
6) Complicações arteriais e venosas (0,5%) no local da punção.
7) Complicações secundárias à exposição a RX.
Recomendação A nível de evidência 2
Paciente com pré-excitação ventricular que já tenha apresentado um
episódio de taquiarritmia.
Taquicardia sustentada mediada por via anômala induzida no EEF
durante ablação de outra arritmia.
Recomendação B1 nível de evidência 3
Assintomático com pré-excitação ventricular e profissões de risco
(piloto, motorista profissional de coletivos, etc.)
Assintomático com período refratário anterógrado da via acessória
< 270 ms e período refratário ventricular < 220 ms.
Recomendação B2 N4
Pré-excitação ventricular assintomática.
159
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Recomendação C N3
Pré-excitação ventricular assintomática de baixo risco quando a
localização da via acessória estiver associada com risco aumentado de
lesão no sistema de condução.

Taquicardia ventricular idiopática


A taquicardia ventricular idiopática ocorre preferencialmente na via de
saída do ventrículo direito e próximo ao fascículo póstero-inferior do ramo
esquerdo em pacientes com coração estruturalmente normal. Apesar de
morte súbita ser rara, esses pacientes são freqüentemente sintomáticos,
necessitando de terapia antiarrítmica. Com o advento e desenvolvimento
das técnicas de ablação de focos arrítmicos com cateter, esses pacientes
podem, em situações bem definidas, ser beneficiados com esse
procedimento. O índice de sucesso da ablação das taquiarritmias ventri-
culares idiopáticas é de cerca de 85%. A recorrência é de aproximadamente
15%. As complicações são incomuns e sua incidência e distribuição não
são superiores às relatadas em taquicardias supraventriculares.
Recomendação A N2
Pacientes sintomáticos, TVS de VD e de VE refratária ao tratamento
medicamentoso ou quando houver intolerância às drogas.
Recomendação B1 N4
Pacientes sintomáticos com TVNS refratárias ao tratamento medica-
mentoso, ou quando houver intolerância às drogas.
Recomendação B2 N3
EV da via de saída de VD, de difícil controle medicamentoso.
Pacientes sintomáticos que não desejem usar medicação.
Recomendação C N3
Pacientes assintomáticos com taquicardia monomórfica não susten-
tada ou extra-sístoles.

Taquicardia ventricular com


cardiopatia estrutural
A taquicardia ventricular (TV) ocorre na grande maioria dos casos
associada à cardiopatia orgânica, constituindo uma complicação grave
160
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

que pode levar a óbito. As TV podem se apresentar clinicamente sob as


formas sustentadas (duração > 30 segundos ou com manifestações
clínicas que exijam sua interrupção imediata) e não sustentadas. O sucesso
da ablação por cateter da TV depende em última instância das
características do substrato, da tolerabilidade da arritmia induzida e da
experiência do grupo responsável pela realização do procedimento. De
maneira geral, o sucesso da ablação oscila entre 40% a 80%. Do ponto
de vista da relação custo/benefício, o tratamento ablativo, pelo menos
quando realizado com cateteres irrigados, é superior a amiodarona.
Recomendação A nível de evidência 3
Taquicardia ventricular incessante.
Taquicardia ventricular recorrente requerendo terapêuticas freqüen-
tes do CDI.
Taquicardia ventricular tipo ramo-a-ramo.
Recomendação B-1 nível de evidência 2
Taquicardia ventricular sustentada recorrente bem tolerada sem
controle farmacológico.
Recomendação B-2 nível de evidência 2
Taquicardia ventricular sustentada mal tolerada sem controle
farmacológico.
Taquicardia ventricular não sustentada, sintomática, sem controle
farmacológico.
Taquicardia ventricular sustentada recorrente bem tolerada
Recomendação C
Taquicardia ventricular polimórfica secundária a distúrbios elétricos
primários tal como Sindrome do QT Longo, Síndrome de Brugada, etc
ou aquelas ocorrendo durante eventos deflagadores reversíveis, tais como
isquemia miocárdica aguda e distúrbios hidroeletrolíticos.
Taquicardia ventricular não sustentada assintomática.

Diretrizes do DAEC para o implante do


cardioversor-desfibrilador automático
O cardioversor e desfibrilador automático implantável (CDI) é a
terapêutica mais efetiva para evitar a morte súbita em pacientes com
161
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

taquiarritmias ventriculares. Várias séries clínicas e os ensaios pros-


pectivos randomizados concluídos (AVID, MADIT, MUSTT) mostraram
de modo convincente que em casos selecionados o CDI é superior às
drogas antiarrítmicas na redução da morte súbita cardíaca e melhora da
sobrevida. Os avanços tecnológicos simplificaram o implante do CDI
tornando-o parecido com o do marca-passo (MP) antibradicardia. Isso
justifica o aumento dos implantes de CDI em todo o mundo.
A utilização dos CDI, para manter uma relação custo/benefício
apropriada, requer diretriz adequada às condições de saúde e socioeco-
nômicas da população. Estas recomendações são transitórias, já que o
avanço tecnológico e a finalização de diversos ensaios prospectivos
randomizados em curso (SCD-HeFT, MADIT II, DEFINITE,
BEST+ICD, IRIS, DINAMIT) poderão expandi-las ou modificá-las.

Prevenção primária
A prevenção primária ou profilaxia da parada cardíaca com CDI deve
ser considerada nas seguintes condições:
Recomendação B1
TVNS com IM prévio, disfunção ventricular esquerda (FE ≤ 40%)
com TVS/FV indutível com estimulação ventricular programada.
(nível 2)
Recomendação B2
1) Cardiomiopatia hipertrófica assimétrica com uma ou mais das
seguintes características: síncope prévia, presença de TVNS
sintomática, história de morte súbita na família e espessura do
VE > que 30 mm (nível 3).
2) Síndrome de Brugada assintomática com história familiar de morte
súbita e alterações eletrocardiográficas espontâneas (nível 3).
3) Insuficiência cardíaca com classe funcional da NYHA II-III, de
origem isquêmica, com disfunção ventricular com FEVE ≤ 40%,
TVNS espontânea e indução de TVS/FV no EEF (nível 3).

Prevenção secundária
A prevenção secundária ou profilaxia da recorrência da parada
cardíaca com CDI pode ser considerada nas seguintes condições:
162
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Recomendação A
1) Parada cardíaca devido à taquicardia ou fibrilação ventricular de
causa não reversível, com FEVE ≤ 35% (nível 2).
2) Taquicardia ventricular sustentada espontânea, de causa não
reversível, com FEVE ≤ 35% (nível 2).
Recomendação B1
1) Parada cardíaca devido à taquicardia ou fibrilação ventricular de
causa não reversível, com FEVE > 35% (nível 2).
2) Taquicardia ventricular sustentada espontânea, de causa não
reversível, com FEVE > 35% se refratária a outras terapêuticas
(nível 2).
3) Síncope de origem indeterminada com indução de taquicardia
ventricular sustentada, hemodinamicamente instável ou fibrilação
ventricular, clinicamente relevante, quando o tratamento
medicamentoso não é efetivo, tolerado ou preferido (nível 2).
4) Síncope recorrente em portadores de síndrome do QT longo
congênito apesar do uso de betabloqueador (nível 3).
5) Síncope associada à síndrome de Brugada com alterações
eletrocardiográficas espontâneas ou induzidas (nível 4).
Recomendação B2
1) Síncope de origem indeterminada em pacientes com miocar-
diopatia dilatada idiopática, com FEVE ≤ 35% e estimulação
ventricular programada negativa (nível 3).
2) Sintomas graves atribuídos a taquiarritmias ventriculares susten-
tadas em pacientes esperando transplante cardíaco (nível 4).
Recomendação C
1) Pacientes com taquiarritmias ventriculares devidas a causas
transitórias (fase aguda de infarto do miocárdio) reversíveis
(distúrbio hidreletrolítico, drogas) ou curáveis (Wolff-Parkinson-
White, taquicardia ventricular em coração normal) (nível 2).
2) Taquicardia ventricular incessante (nível 4).
3) Expectativa de vida < 1 ano por outras condições clínicas (nível 4).
4) Doença psiquiátrica passível de agravamento pelo implante/
utilização do CDI (nível 4).
163
Tratamento das Arritmias Cardíacas no Paciente Idoso

Anexo I
Graus de recomendações e níveis de evidência adotados pela
Sociedade Brasileira de Cardiologia
Graus de recomendações Definição
A – Definitivamente recomendada Sempre aceitável e segura
Definitivamente útil
Eficácia e efetividade comprovadas
B – Aceitável Aceitável e segura, clinicamente útil,
mas não confirmado definitivamente
por estudo randomizado amplo ou
por meta-análise
B1 – Evidência muito boa Considerado tratamento de escolha
B2 – Evidência razoável Considerado tratamento opcional
ou alternativo
C – Inaceitável Clinicamente sem utilidade, pode
ser prejudicial
Níveis de evidência Definição
Nível 1 Estudos randomizados amplos
e revisões
Nível 2 Pelo menos um estudo randomizado
ou meta-análises
Nível 3 Estudos de pequenas séries
Nível 4 Recomendações de grupos de
especialistas em diretrizes ou
outras reuniões

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168
Capítulo 12

Fibrilação Atrial
em Idosos
Dalmo Antonio Ribeiro Moreira

Introdução
A fibrilação atrial (FA) é a taquiarritmia supraventricular mais comum
na clínica1,2 e sua incidência aumenta com a idade 2-4. Em um estudo de
Framingham, envolvendo 5.191 indivíduos de ambos os sexos (idade
entre 30 e 62 anos), com seguimento de 22 anos, a incidência global de
FA foi de 2%5 . A presença de cardiopatia estrutural aumenta a incidência
de FA, de três a cinco vezes5 ; a cardiopatia reumática aumenta oito vezes
a chance de aparecimento de FA no homem e 27 vezes na mulher4 . Na
população geral, a hipertrofia ventricular esquerda (HVE), alterações
inespecíficas da repolarização ventricular ao eletrocardiograma, diabetes
melito (DM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) são condições que
estão associadas a 70% dos casos de FA, em indivíduos que ainda não
desenvolveram cardiopatia 5 . As variáveis ecocardiográficas que mais se
associam a maior risco de FA são: sobrecarga atrial esquerda, redução da
fração de encurtamento e aumento da espessura da musculatura
ventricular6 .
A FA no idoso pode complicar a evolução clínica de outras doenças
associadas, como a insuficiência cardíaca (IC), além de aumentar a
necessidade de consumo de medicamentos, para seu controle. Essa
arritmia é causa de lesão cerebral silenciosa, particularmente da substância
branca, secundariamente a episódios de microembolia cerebral,
responsáveis pela instalação de quadros demenciais precocemente. A
instalação aguda da FA pode diminuir subitamente a perfusão sangüínea
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Fibrilação Atrial em Idosos

cerebral, podendo causar quadros sincopais e acidentes graves nessa


população. Por essas e outras razões, esse distúrbio do ritmo cardíaco
deve ser diagnosticado precocemente, deve-se restabelecer o ritmo sinusal
e realizar a prevenção de recorrências.

Apresentação clínica
De acordo com a forma de apresentação, a FA pode manifestar-se
das seguintes maneiras: a) paroxística; b) persistente ou crônica;
c) permanente. A forma paroxística caracteriza-se por episódios
recorrentes, com duração variável (poucos minutos até 24 a 48 horas) e
pode evoluir, num período que varia de 2 a 15 anos, para a forma crônica7.
A forma persistente, a mais comum na clínica, é aquela na qual a
prevenção das recorrências, com fármacos antiarrítmicos, torna-se
necessária. A forma permanente é refratária a várias tentativas de
reversão e o objetivo do tratamento dessa condição é apenas o controle
da resposta ventricular, acompanhado ou não de anticoagulação.
Quanto à origem, podem ser definidas três categorias clínicas para a
FA: a) originada em corações normais; b) secundária a cardiopatias;
c) causada por distúrbios sistêmicos ou específicos (Tabela 1). A impor-

Tabela 1
Causas de fibrilação atrial
Originada em coração normal
Idiopática
Influências autonômicas (vagal e simpática)
Álcool
Anti-histamínicos
Simpaticomiméticos
Chá, cigarro, café
Hipóxia pós-anestesia geral
Processos infecciosos (pneumonia, septicemia)
Secundária à cardiopatia
Cardiopatia reumática
Hipertensão arterial
Insuficiência coronariana
Pós-operatório de cirurgia cardíaca
Miocardiopatias
Miocardites
Secundária a processos específicos
Hipertireoidismo

170
Fibrilação Atrial em Idosos

tância dessa classificação se baseia nas diferentes formas de abordagem


terapêutica, na freqüência de complicações e, conseqüentemente, no
prognóstico.
Vários são os mecanismos de origem da FA no idoso. Como
conseqüência do próprio envelhecimento, ocorre aumento da espessura
da musculatura ventricular, acompanhada de redução de sua complacência
e aumento da pressão diastólica final. Essas alterações podem ser
secundárias ao aumento do trabalho cardíaco, causado pela redução da
complacência da raiz da aorta, que por sua vez é secundária ao processo
aterosclerótico. Além disso, é comum o aparecimento de calcificação do
sistema de condução cardíaco e do aparelho subvalvar mitral. O aumento
da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, que repercute
retrogradamente no átrio esquerdo, associado ao aumento da pressão
intra-atrial, além da calcificação do sistema de condução, causa
lentificação da condução do impulso elétrico e alteração do período
refratário do tecido atrial. O surgimento de ectopias atriais nesse substrato
acarreta o desencadeamento de FA. Doenças associadas, tais como HAS
ou quadros de miocardiopatia idiopática, aumentam o risco de
aparecimento da arritmia.
O prolongamento do tempo de condução atrial e o aumento do volume
atrial podem ser facilmente demonstrados pelo aumento da duração das
ondas P ao eletrocardiograma.

Sinais e sintomas
Os idosos podem apresentar FA sem qualquer sintoma. Nessa
condição, a arritmia é descoberta em exame de rotina ou quando eles são
submetidos a avaliação para tratamento de outras doenças.
A IC é a forma de apresentação mais comum. A causa desse quadro
é a taquicardiomiopatia secundária a episódios freqüentes de taquicardia,
ao longo tempo de evolução da arritmia. Por outro lado, a freqüência
cardíaca rápida pode encurtar o tempo de diástole ventricular, dificultando
ainda mais o esvaziamento atrial e causando dispnéia aos esforços. Em
outras situações, a sintomatologia dependerá da associação dessa arritmia
com outras cardiopatias até então sem qualquer manifestação clínica,
como ocorre na estenose valvar mitral. A redução do débito cardíaco e
da pressão arterial, provocada pela freqüência elevada ou muito lenta,
associada a aterosclerose cerebral, estenose aórtica ou estenose mitral,
171
Fibrilação Atrial em Idosos

contribui para os quadros sincopais. Nos casos de taquicardias rápidas, a


hipotensão arterial, juntamente com o déficit funcional dos sistemas que
controlam a pressão arterial, pode culminar em síncope em pacientes
idosos.
A FA não relacionada a valvulopatia é a precursora mais importante
de acidente vascular cerebral (AVC) em idosos, aumentando seu risco
de 7% em idades entre 50 e 59 anos para 36% em idades entre 80 e 89
anos 8 . Em levantamento epidemiológico, a FA não valvar foi responsável
por até 45% dos casos de acidente vascular cerebral secundário a embolia
de origem cardíaca8 . A FA é, portanto, fator de alto risco, independente
de outras doenças associadas, para a ocorrência de AVC. Crises
convulsivas em pacientes com FA crônica, assintomáticos, sem qualquer
outra causa aparente, faz levantar a hipótese de infartos cerebrais pequenos
secundários a tromboembolismo silencioso9,10. De 35% a 37% dos
pacientes com FA crônica têm sinais tomográficos de infarto cerebral
devido a tromboembolismo silencioso2 .

Tratamento
O tratamento da FA deve ser realizado por causa da morbidade
associada e tem, basicamente, três objetivos: a) aliviar os sintomas;
b) prevenir tromboembolismo; c) prevenir IC. As formas de tratamento
preconizadas são: a) reversão ao ritmo sinusal com cardioversão química
ou elétrica; b) prevenção de recorrências; c) controle da resposta
ventricular associada ou não à anticoagulação crônica, caso não se consiga
o restabelecimento do ritmo sinusal. A conduta terapêutica deve ser
individualizada, atendendo às condições particulares de cada caso e a
forma de apresentação da arritmia. É importante ressaltar que a única
modalidade terapêutica definitivamente comprovada por estudos
controlados e estatisticamente adequados é a que se refere a anticoagu-
lação para prevenção de tromboembolismo.

Restabelecimento do ritmo sinusal


A decisão de se restabelecer o ritmo sinusal depende de diversos
fatores, entre os quais se destacam: a) índice de sucesso da reversão,
química ou elétrica; b) prevalência de complicações de ambos os
procedimentos; c) tolerância ao uso de antiarrítmicos para manutenção
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Fibrilação Atrial em Idosos

do ritmo sinusal; d) risco de efeito pró-arrítmico dos agentes antiarrítmi-


cos; e) presença de sinais e sintomas que alterem o ritmo de vida do
paciente; f) duração da arritmia; g) risco de recorrências.
Teoricamente, o restabelecimento do ritmo sinusal reduz o risco de
taquicardiomiopatia e tromboembolismo e dá ao paciente a sensação de
bem-estar. Não há evidência de que o risco de embolia periférica seja
reduzido com a normalização do ritmo cardíaco, pois a formação de
trombos pode ser secundária à cardiopatia subjacente. Entretanto, alguns
estudos que analisam a evolução clínica de pacientes portadores de
disfunção do nódulo sinusal que evoluíam com FA, depois de tratados
com marca-passo definitivo, demonstram redução acentuada do risco de
embolia periférica, concomitantemente à redução do risco de apare-
cimento da arritmia. Essa é uma evidência de que a prevenção da arritmia
pode reduzir o risco de complicações embólicas.
Qual a aplicabilidade prática da conduta de se reverter a FA e manter
o ritmo sinusal? Tanto a cardioversão química quanto a elétrica, associada
à anticoagulação, são procedimentos nem sempre aplicáveis à maioria
dos centros de tratamento de pacientes idosos. Não há uniformidade na
conduta quando se refere a pacientes com FA, nem mesmo quando se
considera a especialidade médica envolvida com o tratamento (clínico
geral, cardiologista ou geriatra)11 . Existe receio quanto ao risco de
hemorragias relacionadas à anticoagulação. Nesse último caso citam-se
as questões do uso incorreto do anticoagulante, do controle inadequado
da faixa terapêutica do medicamento (atividade de protrombina ou INR
não compatível), da falta de centros treinados no controle do uso de
anticoagulantes, etc. Provavelmente, o maior risco de o idoso vir a
complicar com a anestesia geral reduz o ímpeto dos clínicos em indicar
a cardioversão elétrica. Os efeitos colaterais dos medicamentos
antiarrítmicos e, muitas vezes, sua ineficácia em reverter a FA ou manter
o ritmo sinusal fazem com que o médico desista da cardioversão química
e opte apenas pelo controle da freqüência cardíaca. Com relação ao
paciente, o fato de estar assintomático ou não, de se conhecer o tempo
de duração da arritmia, além de se “achar” que as chances de reversão
ou manutenção do ritmo sinusal são baixas, levam o clínico a optar pelo
tratamento mais ou menos “agressivo”.
A grande dificuldade do tratamento da FA não é a reversão
propriamente, mas a manutenção do ritmo sinusal após a cardioversão.

173
Fibrilação Atrial em Idosos

Entretanto, só se definirá essa última condição, caso seja tentado o


restabelecimento do ritmo sinusal. Por essa razão, alguns autores
concordam que se deve tentar pelo menos uma vez a cardioversão da
FA naqueles em que tal conduta nunca foi tentada anteriormente 12 .

Controle da resposta ventricular


A redução da resposta ventricular obtida com medicamentos ou com
ablação da junção atrioventricular e implante de marca-passo definitivo,
melhora a performance ventricular e a capacidade física ao esforço13 ; o
risco de embolia periférica, contudo, permanece. A manutenção com
medicamentos para reduzir a freqüência ventricular apresenta grande
aplicabilidade prática, pois pode ser feita ambulatorialmente e seu sucesso
pode ser avaliado através da clínica, o que inclui anamnese, exame físico,
eletrocardiograma e Holter de 24 horas, além do teste ergométrico. A
grande dificuldade, entretanto, fica por conta do controle da anticoagulação
crônica.
O controle da resposta ventricular como forma de tratamento clínico
está indicado nas seguintes condições: a) quando a opção de reversão ao
ritmo sinusal for afastada; b) quando as chances de manutenção do ritmo
sinusal pós-cardioversão são pequenas (como por exemplo, nos casos de
FA de longa duração [> 24 meses]); c) em indivíduos bradicárdicos,
quando há o risco de ritmo sinusal muito lento, tornando o paciente mais
sintomático, situação em que a FA é o ritmo de escolha; d) quando houver
intolerância do paciente em tomar medicamentos para manutenção do
ritmo sinusal após a cardioversão.

Tratamento da fibrilação atrial paroxística


Na forma paroxística, existe sempre a possibilidade da reversão espon-
tânea. Em um estudo que envolveu pacientes de varias faixas etárias, a
reversão da FA ocorreu em até 48 horas em cerca de 70% dos casos, prin-
cipalmente em indivíduos não-cardiopatas14 . Por essa razão, indicam-se
apenas sedação, repouso e controle da resposta ventricular com
medicamentos que reduzem a freqüência cardíaca. Verapamil e
propafenona não devem ser administrados a pacientes com disfunção
ventricular ou sinais clínicos de IC, devido ao alto risco de agravamento
do distúrbio hemodinâmico. Há relatos da rapidez de ação, eficácia e
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Fibrilação Atrial em Idosos

segurança do diltiazem administrado por via venosa, sobre a redução da


resposta ventricula r, mesmo em pacientes com insuficiência cardíaca
manifesta 15,16. A amiodarona é outra opção nessa condição, podendo até
mesmo promover reversão da arritmia, embora esse último efeito não
seja estatisticamente diferente da ação do placebo17 . O digital administrado
por via venosa demora cerca de duas horas para exercer efeito pleno, o
que torna sua utilização pouco prática. Além disso, ele não é eficaz quando
o nível plasmático de catecolaminas está elevado18 .
É importante salientar que controle da resposta ventricular não
significa redução da freqüência cardíaca. Quedas significativas da
freqüência ventricular ou mesmo freqüências elevadas podem reduzir o
débito cardíaco, comprometendo o estado hemodinâmico do paciente.
Em casos de IC clinicamente manifesta, além do controle da resposta
ventricular, a compensação do distúrbio hemodinâmico com diuréticos,
inibidores da enzima de conversão da angiotensina e betabloqueadores
(carvedilol, por exemplo) é fundamental para o sucesso do tratamento.

Tratamento da fibrilação atrial persistente


Não há qualquer evidência atual que indique que os pacientes com
essa forma de FA devam ser submetidos à cardioversão química ou
elétrica. Por essa razão, não há uniformidade no que se refere ao
tratamento da FA persistente. Alguns estudos, entretanto, demonstraram
que a reversão e a manutenção do ritmo sinusal apresentam bons
resultados quando os pacientes são assintomáticos, a duração da arritmia
é menor que 1 ano e os pacientes não apresentam disfunção ventricular
ou cardiopatia clinicamente manifesta 19 . Esses achados, entretanto,
diminuiriam acentuadamente a aplicabilidade prática dessa conduta,
restringindo-a a uma minoria de pacientes com esse perfil.
Quando se opta pela cardioversão ao ritmo sinusal, sempre que
possível, deve-se identificar e remover a causa da FA (embolia pulmonar,
pericardite, hipertireoidismo, infecção pulmonar, desidratação e distúrbios
eletrolíticos são as mais comuns). Em alguns casos essa conduta é sufi-
ciente para a restauração do ritmo sinusal.
I – Cardioversão elétrica
É o método de escolha para a reversão da FA hemodinamicamente
instável. Deve ser realizada com o paciente internado e sob anestesia
175
Fibrilação Atrial em Idosos

geral; o ritmo cardíaco, a pressão arterial e a saturação de oxigênio


devem ser monitorizados. O índice de sucesso da reversão da FA ao
ritmo sinusal é de até 94% com esse método20 . A administração de
antiarrítmicos, previamente à cardioversão elétrica, não aumenta o
índice de sucesso do procedimento, podendo até mesmo aumentar o
limiar de desfibrilação elétrica, como é o caso quando se utiliza
amiodarona 21 .O uso de digital não contra-indica a cardioversão elétrica,
e não é necessária sua suspensão, previamente ao procedimento, a
não ser nos casos em que se suspeite de intoxicação digitálica. O risco
dessa complicação aumenta quando o digital é usado concomi-
tantemente à quinidina ou a amiodarona, ou quando ocorre hipopo-
tassemia em pacientes em uso de diuréticos.
Não há qualquer estudo que indique o protocolo mais eficaz para
cardioversão elétrica da FA, entretanto, de acordo com um estudo
multicêntrico e prospectivo sobre o tratamento da FA, realizado no Estado
de São Paulo, ficou claro que cargas iniciais de 200 joules revertem a
maioria dos casos de fibrilação atrial22 .
II – Cardioversão química
É um método simples, prático, menos oneroso e pode ser realizado
ambulatorialmente. Pode ser tentada com medicamentos antiarrítmicos,
preferencialmente dos grupos IC ou III. Devido aos riscos de efeitos
colaterais sérios, os fármacos do grupo IA têm sido cada vez menos
utilizados com esse objetivo, embora a quinidina continue sendo o agente
mais prescrito nos Estados Unidos para esse propósito. Apesar desse
fato, há estudos demonstrando que quinidina e verapamil associados
apresentam eficácia que varia de 50% a 60% na reversão química da FA
ao ritmo sinusal, com manutenção desses fármacos, por um período de
até 2 anos 23 . Em pacientes com FA de recente começo, propafenona na
dose de 600 mg restabelece o ritmo sinusal em até 87% do casos 24 .
Em nossa experiência, a reversão química da FA ambulatorialmente,
utilizando amiodarona ou quinidina, apresentou sucesso global de 61%
(80/132 pacientes com FA com duração > 15 dias)25 . O índice de sucesso
foi semelhante para os dois agentes (58% para amiodarona; 63% para
quinidina, p = NS). Esses resultados não foram influenciados por idade,
sexo, tempo de duração da arritmia, tamanho de átrio esquerdo ou estado
da função ventricular25 .
176
Fibrilação Atrial em Idosos

Ainda não está estabelecido de forma definitiva qual antiarrítmico


deve ser utilizado primeiramente para a reversão da FA. Provavelmente,
todos apresentem índices de sucesso equivalentes e a decisão pela escolha
deve ser baseada em critérios clínicos, na experiência de quem prescreve
o medicamento e no risco de efeitos colaterais 26 . Embora sem o respaldo
de estudos randomizados com número adequado de pacientes, alguns
autores recomendam a seguinte conduta: a) em indivíduos cardiopatas
ou com IC, a droga de escolha é a amiodarona; b) em indivíduos não-
cardiopatas, são recomendados sotalol, propafenona, disopiramida,
amiodarona e, finalmente, quinidina 27 .

Anticoagulação precedendo a
cardioversão da fibrilação atrial
Uma das complicações mais temidas em pacientes com FA é o
tromboembolismo periférico. Os pacientes de maior risco para o
surgimento de trombos intracavitários são aqueles com: a) história prévia
de AVC ou isquemia cerebral transitória; b) idade acima de 75 anos;
c) HAS; d) IC congestiva; e) DM.
Quando a FA tiver duração maior que 2 dias ou for de duração
desconhecida, está indicada a anticoagulação profilática antes da
cardioversão, química ou elétrica. O período de administração da
medicação é de no mínimo 15 dias com o INR entre 1,5 e 2,0 em
indivíduos acima de 75 anos, ou entre 2,0 e 3,0 naqueles abaixo dessa
faixa etária. Valores superiores aumentam o risco de hemorragia cerebral
em pacientes idosos. Somente após esses requisitos terem sido satisfeitos
é que se deve iniciar o processo de cardioversão. Indivíduos com história
prévia de AVC sem seqüelas ou apenas com seqüelas discretas podem
submeter-se à anticoagulação, visando a cardioversão da arritmia. Nesses
casos, deve-se aguardar a resolução do quadro isquêmico, com diminuição
do déficit motor, ou pelo menos duas semanas após o evento agudo,
quando o paciente apresentar-se estável.
O anticoagulante deve ser mantido por pelo menos 30 dias após a
cardioversão. Essa é a fase em que a recuperação da atividade mecânica
atrial está ocorrendo e, portanto, ainda existe risco de formação de trombo,
principalmente no apêndice atrial esquerdo.
Embora não esteja definitivamente estabelecido, os pacientes sem os
fatores de risco anteriormente mencionados e com FA de duração menor
177
Fibrilação Atrial em Idosos

que 2 dias podem submeter-se à cardioversão sem anticoagulação prévia.


Nos casos em que a FA tenha duração desconhecida, a conduta deve
ser a anticoagulação preventiva.
A utilização do ecocardiograma transesofágico, não autoriza a
cardioversão sem anticoagulação prévia, se nenhum trombo ou contraste
espontâneo, for encontrado. Sugere-se que se inicie a anticoagulação e,
assim que o INR entrar na faixa terapêutica, proceda-se a cardioversão.
A manutenção posteriormente deve ser feita pelo período de 30 dias. Na
verdade, a conduta de se utilizar o ecocardiograma transesofágico visa
apenas abreviar o tempo de anticoagulação antes da cardioversão.
Não se recomenda a cardioversão em pacientes que apresentem
contra-indicação à anticoagulação. Essa população inclui pacientes com
história prévia recente de úlcera péptica hemorrágica, AVC hemorrágico,
dificuldade em entender o processo de anticoagulação e que, portanto,
não têm condições de fazer uso correto da medicação, risco de trauma-
tismo craniano ou história de convulsões. Nesses casos, a administração
de ácido acetilsalicílico, parece ser a conduta mais razoável.

Prevenção de recorrências
A prevenção de recorrências não é necessária para pacientes em
que a causa da arritmia foi identificada e removida. Isso acontece em
casos de consumo excessivo de álcool ou relacionados a estresse físico
e emocional. A terapêutica antiarrítmica só está indicada em casos de
recorrências freqüentes, um sinal de que ainda estão presentes as
alterações eletrofisiológicas atriais que tendem a cronificar a arritmia.
Para pacientes em que uma causa não puder ser identificada, devem
ser administrados antiarrítmicos, visando a prevenção de recorrências,
após a cardioversão. O período de utilização dos fármacos depende da
freqüência prévia de episódios e da presença de fatores de risco para
recorrências, como, por exemplo, cardiopatias. Os pacientes com maior
risco são aqueles com HAS, estenose mitral e miocardiopatia dilatada
ou hipertrófica, que se acompanhem de grandes aumentos do átrio
esquerdo1 . Não há qualquer estudo que estabeleça a conduta, nos casos
de indivíduos que apresentem FA pela primeira vez e sejam
assintomáticos. Empiricamente, eles podem fazer uso de medicamentos
por um mês apenas, tempo no qual a incidência de recorrência é maior.
Em caso de novas recorrências, o uso da medicação deve ser prolongado,
178
Fibrilação Atrial em Idosos

pois já se apresenta um dado clínico que sugere tendência para outras


crises. Pacientes assintomáticos, mas que apresentem elevada freqüência
de extra-sístoles atriais ao Holter de 24 horas, devem ser tratados
cronicamente, pois essa arritmia pode ser gatilho para o surgimento de
novas crises.
Para assegurar o sucesso do tratamento medicamentoso na preven-
ção de recorrências, os antiarrítmicos devem ser administrados na dose
terapêutica máxima tolerada, devendo-se mudar o esquema somente
quando se comprovar o reaparecimento da arritmia em duas ou três
ocasiões. O sucesso terapêutico é determinado pela redução do número
de recorrências e não pelo reaparecimento de apenas um episódio.
Os antiarrítmicos mais empregados para prevenção de recorrências
são: sotalol, propafenona, disopiramida e amiodarona e, menos freqüen-
temente, quinidina, devido aos riscos de efeitos colaterais e pró-arrítmi-
cos. Quinidina, disopiramida e sotalol têm eficácia semelhante 28 , ao
passo que, a propafenona é ligeiramente superior à quinidina29 . A
amiodarona, entretanto, parece ser o agente antiarrítmico mais eficaz,
com índices de sucesso de 79% a longo prazo30 . A duracão da FA (< 1
ano) parece ser o principal fator que influencia o sucesso terapêutico
com este agente.
Devem ser evitados fármacos que deprimem a função ventricular em
pacientes com IC, porque podem aumentar o risco de recorrências ou a
chance de efeito pró-arrítmico. Nesse grupo, destacam-se: disopiramida,
propafenona, sotalol e verapamil. O risco de pró-arritmia aumenta em
pacientes com disfunção ventricular, isquemia miocárdica, arritmias
ventriculares complexas, na presença de desequilíbrio eletrolítico e
intervalo QT longo. Quinidina e disopiramida estão contra-indicadas em
homens com hipertrofia prostática.
A FA paroxística secundária à influência vagal deve ser tratada com
medicamentos do grupo I (disopiramida ou propafenona). Nesses
pacientes, devem ser evitados digital ou betabloqueadores, que tendem a
aumentar o risco de recorrências ou o tempo de duração das crises. Se a
FA for causada por hiperatividade simpática, pode-se tratar com sotalol,
amiodarona ou propafenona.
De maneira geral, a maioria dos medicamentos falha na prevenção
de recorrências em pacientes com FA crônica com duração maior que
1 ano, mas, seguramente, o índice de recorrências é maior quando nenhum
179
Fibrilação Atrial em Idosos

antiarrítmico é administrado. Por essa razão, a administração de fármacos


após a reversão ao ritmo sinusal deve ser uma conduta a ser seguida
nesses pacientes. A decisão de se repetir a cardioversão após uma
recorrência depende de cada caso. Nossa conduta tem sido a reversão,
se o intervalo entre a primeira e a segunda crise for de pelo menos seis
meses. Casos de períodos mais curtos devem ser avaliados indivi-
dualmente, pois a não-utilização correta de medicamentos ou a retenção
hídrica por dieta incorreta (abuso do consumo de sal, por exemplo) podem
ser fatores potencialmente arritmogênicos, não indicando necessariamente
refratariedade ao tratamento. Nessa situação, nova tentativa de car-
dioversão parece razoável.

Tratamento da fibrilação atrial permanente


Nos casos de FA permanente, ou seja, aquela refratária aos métodos
de cardioversão, os objetivos do tratamento devem ser: a) controle da
resposta ventricular; b) prevenção de tromboembolismo periférico;
c) prevenção de IC.
A redução da freqüência cardíaca pode ser obtida com fármacos que
bloqueiam parcialmente a condução pelo nódulo atrioventricular tais
como: digital, verapamil ou diltiazem, betabloqueadores e amiodarona.
Os agentes que deprimem a função ventricular, tais como verapamil,
diltiazem e betabloqueadores, devem ser evitados em pacientes com IC.
Quando, no entanto, forem utilizados, devem ser associados ao digital.
Se, mesmo com a medicação administrada, a freqüência cardíaca
permanecer elevada, devem ser pesquisadas outras causas, tais como:
IC, tireotoxicose, desidratação, hipotensão arterial, hipóxia ou estados
infecciosos. Descartadas essas possibilidades, se o controle da resposta
ventricular não tiver sido obtido pela otimização da medicação, deve-se
optar pelo tratamento não-farmacológico, que consiste na indução de
bloqueio atrioventricular, através de ablação com cateter e implante de
marca-passo definitivo. Vários estudos já demonstraram a eficácia dessa
conduta, principalmente pela redução da sintomatologia e pela melhora
da performance da função ventricular1,13.
Estudos recentes demonstraram que a evolução clínica de pacientes
com FA crônica com freqüência cardíaca controlada e anticoagulados,
em comparação com aqueles que foram submetidos à cardioversão ao
ritmo sinusal e fazem uso de medicação para a prevenção de recorrências,
180
Fibrilação Atrial em Idosos

não apresenta diferença significativa no que diz respeito à sintomatologia


e à qualidade de vida 31 . Informações relacionadas à sobrevida desses
dois subgrupos de pacientes, bem como à incidência de AVC hemorrágico,
entretanto, deverão estar disponíveis muito em breve, com a publicação
dos resultados do estudo AFFIRM32 .
I – Anticoagulação crônica
Está indicada para os pacientes com os fatores de risco já mencionados.
Naqueles sem fatores de risco e idade abaixo de 65 anos, a utilização de
ácido acetilsalicílico é uma opção que pode ser seguida. A conduta nessa
forma de apresentação clínica da FA, não difere daquela condição na
qual se preconizou a anticoagulação, visando a cardioversão.

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183
184
Capítulo 13

Anticoagulação Oral
no Paciente Idoso
Cecília Maria Barroso Quaglio

Introdução
O mundo vive hoje uma revolução demográfica. Nos Estados Unidos,
o número atual de idosos (> 65 anos) é de 30 milhões; estima-se que em
2020 alcance 50 milhões1 . Esse crescimento é também observado na
maioria dos países. Como conseqüência, 30% das pesquisas em saúde
são direcionadas a essa população. Isso se deve ao aumento inevitável
da freqüência de doenças cardiovasculares e pulmonares nessa faixa
etária. O paciente idoso apresenta risco elevado de complicações
tromboembólicas, que resultam em aumento significativo de morbidade
e mortalidade. Os anticoagulantes orais são a base do tratamento
preventivo do tromboembolismo; entretanto, vários estudos demonstraram
que o idoso apresenta maior risco de complicações hemorrágicas pelo
uso desses medicamentos. Desse modo, a decisão pela utilização ou não
de anticoagulantes orais deve ser individualizada; devem ser considerados
também fatores, como: condição socioeconômica, função cognitiva,
probabilidade de adesão ao tratamento e risco de sangramento, em
comparação com os possíveis benefícios da terapia antitrombótica.

Tromboembolismo
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais prevalente entre os idosos.
Estudos epidemiológicos demonstraram que 70% dos pacientes com FA
têm entre 65 e 85 anos de idade 2 (Figura 1).
185
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

Framingham – estudo de Framingham; CHS – Cardiovascular Health Study.

Figura 13 – Prevalência de FA em dois estudos epidemiológicos: Framingham Heart


Study e Cardiovascular Health Study.

A idade avançada constitui fator de risco independente para acidente


vascular cerebral (AVC) e embolia sistêmica, em pacientes com FA não
valvar2 . Uma meta-análise de seis grandes estudos randomizados avaliou o
papel dos anticoagulantes orais na prevenção de tromboembolismo e
demonstrou que, de acordo com o princípio da intenção de tratar, o
anticoagulante oral é considerado altamente eficaz em diminuir o risco de
ocorrência de todos os tipos de AVC (isquêmico ou hemorrágico), com redução
de 61% (95% IC 47% a 71%) quando comparado ao placebo 3 (Tabela 1).
Esses estudos demonstraram claramente os benefícios do uso de anti-
coagulantes orais na prevenção de fenômenos tromboembólicos em

Tabela 1
Índice anual de AVC, estratificado por idade e fatores de risco4
Características Índice Índice Redução Redução NNT
dos pacientes evento evento risco risco
anual anual relativo absoluto
placebo varfarina
Idade < 65 anos, sem FR 1,0% 1,0% 0 0 Infinito
Idade < 65 anos, 1 ou + FR 4,9% 1,7% 68% 3,2% 31
Idade 65-75 anos, sem FR 4,3% 1,1% 74% 3,2% 31
Idade 65-75 anos, 1 ou + FR 5,7% 1,7% 70% 4,0% 25
Idade > 75 anos, sem FR 3,5% 1,7% 51% 1,8% 56
Idade > 75 anos, 1 ou + FR 8,1% 1,2% 85% 6,9% 14
FR – fatores de risco (hipertensão arterial, diabetes, AVC ou AIT prévio); NNT – número necessário para tratar.

186
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

pacientes com idade superior a 65 anos, considerados de alto risco por


serem portadores de FA crônica de origem não valvar. Recentemente se
demonstrou que a manutenção do INR (Índice de Normalização
Internacional) entre 2 e 2,5, nessa população específica, reduz o risco de
complicações hemorrágicas. Em caso de intolerância ou contra-indicação
aos anticoagulantes orais, deve-se optar pelo ácido acetilsalicílico, na
dose de 325 mg/dia.

Complicações hemorrágicas
A complicação mais freqüente dos anticoagulantes orais é o
sangramento. A incidência de sangramento está diretamente relacionada
à intensidade da anticoagulação. Com a recomendação atual de se manter
índices mais baixos de anticoagulação, reduziu-se muito a incidência desse
evento, que tem elevado potencial de gravidade. Pacientes em uso de
anticoagulantes orais apresentam índices anuais médios de sangramento
maior (necessita hospitalização, transfusão ou resulta em morbidade
significativa, como, por exemplo, sangramento intra-articular ou cerebral),
entre 0,9% e 2,7%; o risco médio anual de sangramento fatal varia de
0,07 a 0,7% 5 .
Condições associadas a aumento do risco de sangramento5 :
• Idade > 65 anos.
• Idade > 75 anos e FA associada.
• Antecedente de sangramento gastrintestinal.
• Fatores de comorbidade:
hipertensão arterial;
doença cerebrovascular;
doença cardíaca grave;
insuficiência renal.
• Maior fragilidade vascular e endotelial.
Por sua vez, os fatores que aumentam o risco de sangramento em
idosos em uso de varfarina são6 :
• História de acidente vascular cerebral.
• História de sangramento gastrintestinal.
• Fatores de comorbidade:
insuficiência renal;
infarto do miocárdio recente;
anemia grave.
187
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

• Fibrilação atrial.
• Intensidade da anticoagulação.
• Duração da anticoagulação (o risco é mais elevado nos primeiros
90 dias de tratamento).
• Indicação da anticoagulação (o risco é maior em pacientes com
tromboembolismo venoso e/ou AVC isquêmico).
• Uso concomitante de alguns medicamentos.
• Idade avançada (?).
A idade avançada constituiria, portanto, fator de risco tanto para
fenômenos tromboembólicos quanto para episódios hemorrágicos.
Para se obter resultados favoráveis pela terapia anticoagulante, três
fatores devem ser analisados. Esses fatores estão intimamente interligados
e, na ausência de algum deles, a indicação do anticoagulante oral deve
ser repensada. São eles:
1) Conhecimento multidisciplinar sobre anticoagulação oral (meca-
nismo de ação, tipos de anticoagulantes, indicações do uso, faixa
terapêutica ideal, dieta, interações medicamentosas, manuseio
perioperatório, etc.).
2) Condições de monitorização efetiva do anticoagulante.
3) Adesão do paciente ao tratamento.

Mecanismo de ação dos anticoagulantes orais


Os anticoagulantes orais exercem sua ação através da inibição da
carboxilação dos fatores de coagulação II, VII, IX e X (dependentes da
vitamina K)7 . Essa inibição resulta na síntese de formas biologicamente
inativas dessas proteínas de coagulação. Por outro lado, eles também
inibem a carboxilação (vitamina K dependente) das proteínas C e S, que
são anticoagulantes naturais e, desse modo, apresentam efeito pró-
coagulante potencial8 .

Anticoagulantes orais
Os anticoagulantes orais ou antagonistas da vitamina K mais am-
plamente utilizados são os derivados cumarínicos. Os principais repre-
sentantes dessa classe são a varfarina e a femprocumona. Suas caracte-
rísticas estão apresentadas na tabela 2.

188
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

Tabela 2
Perfil dos principais anticoagulantes disponíveis no Brasil
Perfil do agente Varfarina Femprocumona
Nome comercial Marevan Marcoumar
Meia-vida de eliminação 20 a 60 horas 9 4 a 6 dias 11
Pico de resposta 72 a 96 horas 10 5 a 7 dias 12

Devido à meia-vida mais curta, a varfarina proporciona maior segu-


rança, sendo preferencialmente recomendada para utilização em idosos.

Monitorização
O exame laboratorial mais utilizado para mensuração dos efeitos do
anticoagulante oral é o tempo de protrombina (TP). Entretanto, o valor
desse teste pode variar muito devido à utilização de diferentes tipos de
tromboplastinas tissulares pelos diversos laboratórios, o que faz variar
consideravelmente a sensibilidade desse exame na avaliação da resposta
ao anticoagulante. Para solucionar esse problema, a Organização Mundial
de Saúde (OMS) desenvolveu uma tromboplastina de referência
internacional e recomenda que o TP deve ser expresso através do índice
de normalização internacional (INR). A conversão do TP para o INR é
feita através da seguinte fórmula 13 :
INR= (TP paciente )ISI
(TP médio normal)
ISI = medida da responsividade da tromboplastina utilizada na redução
dos fatores dependentes da vitamina K.
INR = tempo de protrombina que deveria ser obtido se a tromboplastina
da OMS, que por definição é igual a 1, fosse utilizada para avaliar o TP.
Desse modo, a monitorização do nível de anticoagulação deve, atual-
mente, ser expressa através do INR.

Controle ambulatorial
Fase inicial6 :
• Iniciar varfarina na dose de 5 mg/dia, durante 3 dias (não se deve
utilizar dose de ataque), e solicitar o INR no quarto dia; se necessário,
fracionar a dose para encontrar o INR adequado; após isso, o
controle deve ser semanal até a obtenção dos níveis adequados da
anticoagulação (faixa ideal).
189
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

Após estabilização6 :
• Controle mensal do INR (pacientes idosos).

Indicações
A eficácia clínica dos anticoagulantes orais está bem estabelecida e
se fundamenta em grandes estudos clínicos randomizados. As principais
indicações clínicas desses agentes são7,14:
• Prevenção primária e secundária do tromboembolismo venoso.
• Prevenção de embolia sistêmica em pacientes com FA, portadores
de próteses valvares biológicas ou metálicas ou com idade > 65 anos.
• Prevenção de infarto agudo do miocárdio em pacientes com doença
arterial periférica.
• Prevenção de AVC, reinfarto ou morte, em pacientes com infarto
agudo do miocárdio.
• Prevenção de infarto do miocárdio em pacientes do sexo masculino,
considerados de alto risco para eventos tromboembólicos.

Índice terapêutico
Os índices de INR recomendados para a manutenção do nível
terapêutico ótimo (ideal) da anticoagulação oral, em função das diversas
indicações desses agentes, estão apresentados na tabela 326,13,14.

Tabela 3
Índice do INR recomendável para as diversas condições clínicas
Indicações INR
Profilaxia da trombose venosa
Tratamento da trombose venosa
Tratamento do tromboembolismo pulmonar
Prevenção de embolia sistêmica
• Próteses valvares biológicas
• IAM (para prevenção de embolia sistêmica)* 2,0 e 3,0
• Doença valvar cardíaca
• Fibrilação atrial
• Próteses metálicas em posição aórtica
(de duplo disco e na ausência de fatores de risco)**
Próteses valvulares metálicas 2,5 a 3,5
* Pacientes com: disfunção grave de ventrículo esquerdo, insuficiência cardíaca congestiva, antecedente de
tromboembolismo prévio, trombo mural e fibrilação atrial.
** Fatores de risco: fibrilação atrial, disfunção grave de ventrículo esquerdo, tromboembolismo prévio e
indicadores de hipercoagulabilidade.

190
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

Interações medicamentosas
É elevado o risco de interações medicamentosas, quando se utilizam
anticoagulantes orais. Muitos medicamentos podem alterar o perfil
farmacodinâmico desses agentes, através da inibição de sua absorção
ou via interferência na síntese dos fatores de coagulação dependentes
da vitamina K (efeito sinérgico). As principais formas de interação
medicamentosa estão descritas na tabela 413,15.
Existem diversos relatos na literatura, sobre interação entre outros
fármacos e anticoagulantes orais; desse modo, é prudente que, ao se
iniciar qualquer medicamento novo, seja feito controle adequado do INR.

Dieta
A vitamina K contida nos alimentos pode alterar o efeito terapêutico
dos anticoagulantes orais. Desse modo, deve ser mantida dieta constante
e ingestão equilibrada de alimentos ricos nessa vitamina. Após a estabi-
lização da dose do anticoagulante oral, o ideal é que a ingestão diária de
vitamina K não ultrapasse níveis em torno de 250 µg16 .
A quantidade de vitamina K dos alimentos pode apresentar flutuações,
por influência de vários fatores, o que foi demonstrado por diversos estudos
clínicos. No Setor de Anticoagulação do Instituto Dante Pazzanese de Car-
diologia de São Paulo são adotadas as seguintes orientações (Tabela 5) 16,17,18.

Tabela 4
Interação entre anticoagulantes e medicamentos utilizados na prática clínica
Potencializam o efeito dos Efeito neutro Antagonizam o efeito dos
anticoagulantes anticoagulantes
Amiodarona Antiácidos Barbitúricos
Paracetamol Atenolol Carbamazepina
Metronidazol Famotidina Colestiramina
Trimetropim-sulfametoxazol Fluoxetina Rifampicina
Cimetidina Metoprolol Clordiazepóxido
Cefalosporinas Ranitidina
Eritromicina Naproxeno
Fluconazol
Eritromicina
Fenitoína
Vitamina E (altas doses)
Fármacos que potencializam o efeito anti-hemostático: aspirina, antiinflamatórios não-hormonais, ticlopidina
e carbenicilina.

191
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

Tabela 5
Influência do perfil dos alimentos no uso de anticoagulantes
Alimentos que raramente devem Fígado (de qualquer animal)
ser ingeridos
Alimentos que devem ser ingeridos com Couve, salsa, espinafre, acelga, agrião,
cuidado (diariamente, em pequena alface, brócolis, cebolinha, couve-flor,
quantidade) escarola, ervilha, grão-de-bico, lentilha,
repolho, soja, chás de folhas verdes
Alimentos que podem ser ingeridos Alimentos não listados acima
livremente
A ingestão ocasional de bebidas alcoólicas não parece interferir no controle da
anticoagulação oral.

Definição do risco anual de eventos


tromboembólicos
Para definição do manuseio de anticoagulantes orais, deve-se
classificar os pacientes em três grupos: alto, médio ou baixo risco anual
de tromboembolismo. Incidência > 6% ao ano é considerada elevada, o
que justifica tratamento mais agressivo. Incidência entre 2% e 6% é
considerada de médio risco e os pacientes podem beneficiar-se tanto do
uso de anticoagulantes orais como de antiagregantes plaquetários. Quando
essa incidência é < 2% ao ano, é considerada de baixo risco e os pacientes
podem ser dispensados do tratamento com anticoagulantes orais. Esses
dados estão apresentados na tabela 619 .

Tabela 6
Risco anual de eventos tromboembólicos de acordo com o perfil clínico
Alto risco Médio risco Baixo risco
Câmaras cardíacas EM com FA e/ou FA não-valvar FA isolada e idade
(trombo de fibrina)* TE prévio e/ou AE grande IAM de parede anterior, nos < 60 anos
FA crônica ou primeiros 3 meses Aneurisma
paroxística (valvar) crônico de VE
Terapia Trombos intracavitários
ACO (INR – 2,0 a 3,0) ACO (INR – 2,0 a 3,0) (Nenhuma)
Próteses cardíacas Mecânica Bioprótese, até o Bioprótese, após o 3 o mês
(trombo de fibrina Posição aórtica** 3 o mês de PO
e plaquetas)* Fator de risco** Bioprótese, com fator de risco
Terapia ACO (INR – 2,5 a 3,5) ACO (INR – 2,0 a 3,0) (Nenhuma)
TE venoso Fase aguda até o 3 o mês após 3 o mês,
(trombo de fibrina) Heparina após 3 o mês, com fator de risco sem fator de risco
Terapia ACO (INR – 2,0 a 3,0) (Nenhuma)
EM – estenose mitral; FA – fibrilação atrial; AE – átrio esquerdo – TE – tromboembolismo; ACO –
anticoagulante oral; IAM – infarto agudo do miocárdio; VE – ventrículo esquerdo; PO – pós-operatório;
*Principais componentes do trombo.
**Associar antiagregante plaquetário.

192
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

Manuseio perioperatório
Pacientes em uso de anticoagulantes orais, que necessitem submeter-se
a algum tipo de procedimento cirúrgico, devem seguir as orientações
contidas na tabela 720 .

Tabela 7
Manuseio da suspensão de anticoagulantes antecedendo
procedimentos intervencionistas
Tipo de procedimento Pré-operatório Pós-operatório
Procedimentos Paciente de Suspender ACO até Reiniciar ACO no mesmo
invasivos alto/médio INR < 2,0 dia ou no primeiro PO
Biópsia com baixo risco Administrar heparina* SCManter heparina até 24 a
risco de sangramento 48 horas ou INR = 2,0 a 3,5
Paciente de Reduzir ACO até INR Retornar dose ACO
baixo risco entre 1,7–1,9 no PO imediato
Pequenas cirurgias Manter ACO na faixa terapêutica
(ex.: extração dentária)
Grandes cirurgias Suspender ACO 3 a 5 Reiniciar ACO no 1o ou
dias antes do 2 a dia de PO*
procedimento Retornar com heparina 6 a
ou até INR < 1,5 12 horas após e manter
Biópsia com risco Administrar heparina até 24 a 48 horas ou INR =
aumentado de SC (não administrar 2,0 a 3,5
sangramento nas últimas 12 horas)
Cirurgia de emergência Plasma fresco IV Avaliar sangramento e
Vitamina K IV INR para:
Fatores de coagulação, heparina SC e
se necessário reinício de ACO
ACO = anticoagulante oral; PO = pós-operatório; IV = intravenoso; SC = subcutâneo.
* Dose de heparina SC não-fracionada: 10.000 UI de 12 em 12 horas; dose enoxaparina SC 40 mg/dia.

Manuseio de pacientes com valores


elevados de INR
Pacientes em uso de anticoagulantes orais, que cursem com elevação
significativa do INR, devem seguir as orientações contidas na tabela 86 .

Conclusão
Os estudos têm demonstrado que a orientação adequada do paciente
e a criação de clínicas de anticoagulação, multidisciplinares e
especializadas apresentam melhores resultados, em termos de controle
193
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

Tabela 8
Manuseio da elevação excessiva do INR pelo uso de anticoagulantes
Situação clínica Conduta
INR acima da faixa terapêutica, Suspender a dose e reavaliar: causas associadas
porém < 5, na ausência de (uso de medicamentos, modificação da dieta, etc):
sangramento ou em presença de reduzir a dose até cessar a causa; sem fatores
sangramento menor* associados: reduzir a dose
INR entre 5 e 9, na ausência de Suspender a dose por 1 ou 2 dias e reavaliar:
sangramento ou em presença de pacientes com baixo risco de sangramento e
sangramento menor* com causa associada: reduzir a dose até cessar
a causa e monitorar o INR com maior freqüência.
Na ausência de fatores associados, reduzir a dose
e monitorar o INR com maior freqüência –
pacientes com alto risco de sangramento,
administrar vitamina K (1,0 mg a 2,5 mg VO)
INR > 9, na ausência de Suspender ACO, monitorar o INR e
sangramento ou em presença de administrar vitamina K (3 mg a 5 mg VO)
sangramento menor*
INR > 9 e com sangramento Suspender ACO
maior** (ou INR > 20) Administrar vitamina K (10 mg, IV lentamente)
Se necessário (urgência), plasma fresco e
concentrado de complexos protrombínicos
Sangramento com risco de vida Suspender ACO
Administrar plasma fresco ou concentrado de
complexos protrombínicos e vitamina K (10 mg,
IV lentamente)
Retorno do ACO após altas doses de vitamina K: introduzir heparina até que o INR
atinja a faixa terapêutica.
* Sangramento menor = sangramento não-fatal; consiste primariamente de epistaxes e equimoses.
** Sangramento maior = necessita intervenções como hospitalização ou transfusão sangüínea; ou ainda
resulta em morbidade significativa, como, por exemplo, sangramento intra-articular ou cerebral.

do INR, o que contribui claramente para a redução da incidência de


complicações hemorrágicas em pacientes idosos 21 . O Instituto Dante
Pazzanese de Cardiologia de São Paulo possui um serviço de
anticoagulação em que atualmente controla 4.171 pacientes, 35% (1.455)
dos quais, com idade > 65 anos; desses, 152 com idade > 80 anos. Uma
avaliação recente desse último subgrupo, com seguimento médio de 34
meses, demonstrou ocorrência de baixos índices de tromboembolismo
(0,05 paciente/ano) e de complicações hemorrágicas (0,2 paciente/ano
com sangramento maior).
De modo geral, o uso de anticoagulantes orais em idosos deve seguir
algumas estratégias que visam reduzir o risco de sangramento22 :
194
Anticoagulação Oral no Paciente Idoso

• Não utilizar dose de ataque.


• Identificar e evitar interações medicamentosas.
• Aconselhar os pacientes sobre a importância de uma dieta consistente
e equilibrada em vitamina K.
• Identificar pacientes com fatores de comorbidade que possam
interferir no controle da anticoagulação oral.
• Avaliar no início do tratamento com anticoagulante, a probabilidade
de adesão ao tratamento e ao controle do INR.
• Inscrever (quando possível) o paciente em clínica especializada em
anticoagulação oral.
• Reavaliar periodicamente a relação risco/benefício do uso do
anticoagulante oral.
Em face do risco elevado, tanto de tromboembolismo como de san-
gramento, inerente ao idoso (sobretudo com idade > 75 anos), a decisão
sobre a indicação ou não de anticoagulantes orais nesse subgrupo
populacional deve basear-se na avaliação do risco estimado de
tromboembolismo e de complicações hemorrágicas, considerando-se
também, fatores outros como: situação socioeconômica, adesão ao
tratamento, qualidade da monitorização laboratorial do INR e,
possivelmente, existência de equipe multidisciplinar especializada no
controle da anticoagulação oral.

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22. Henderson MC, White RH. Anticoagulation in the elderly. Curr Opin Pulm Med,
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196
Capítulo 14

Farmacologia e
Terapêutica
Cardiovascular
no Idoso
Michel Batlouni

Idosos consomem proporcionalmente cerca de três vezes mais


medicamentos que indivíduos mais jovens 1 . Não apenas o tratamento
medicamentoso é comum em idosos, como o uso simultâneo de múltiplas
drogas é a regra, ao invés de exceção, predispondo à ocorrência de
interações medicamentosas. Como as doenças cardiovasculares
constituem a principal causa de morbidade e mortalidade na população
geriátrica2 , e como os distúrbios psicológicos são freqüentes, fármacos
cardiovasculares e psicoterápicos são os mais comumente prescritos nessa
população (55% e 11%, respectivamente)3,4 . Tais fármacos tendem a
apresentar índice tóxico-terapêutico relativamente baixo. Alterações
farmacológicas, larga flutuação dose-resposta, reações atípicas às drogas,
prescrições inadequadas e não-observância apropriada dos esquemas
terapêuticos podem contribuir para a maior toxicidade medicamentosa
no idoso5 . Ademais, em relação a diversas novas drogas, os conhecimentos
são incompletos na população geriátrica, devido à sua exclusão
virtualmente sistemática dos ensaios terapêuticos, ao menos até
recentemente, seja pela própria limitação da idade aos critérios de
inclusão, seja pela presença de doenças associadas6 . Por todas essas
197
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

razões, efeitos colaterais, reações adversas e interações medicamentosas


tendem a ser mais comuns e mais importantes no idoso5,7 . Apro-
ximadamente 19% das admissões hospitalares de pacientes geriátricos
são devidas a reações adversas a drogas8,9 .
Em qualquer idade, e particularmente no idoso, a terapêutica racional
deve basear-se em diagnóstico(s) preciso(s), para a seleção das drogas
mais apropriadas a cada caso. Entretanto, vários fatores podem
obscurecer o diagnóstico nos pacientes geriátricos, como dificuldade
de expressar os sintomas, distúrbios de percepção, manifestações atípi-
cas das doenças, e dificuldade em distinguir os sinais patológicos das
alterações associadas ao envelhecimento e em diferenciar os sintomas
de eventuais co-morbidades.
A utilização apropriada de medicamentos na população geriátrica
requer o conhecimento das alterações fisiológicas do envelhecimento e
dos efeitos das doenças concomitantes, que podem influenciar a
farmacocinética e a farmacodinâmica, a resposta terapêutica e tóxica às
drogas, de forma clinicamente importante 10,3,4,7,11-16. A falta de atenção
cuidadosa na seleção, posologia e monitorização das drogas nessa
população pode induzir ao benefício terapêutico incompleto e à alta
incidência de reações adversas. Isto é particularmente significativo para
as drogas cardiovasculares, muitas das quais têm índice tóxico-terapêutico
estreito. Como as idades cronológica e biológica freqüentemente não
são comparáveis, e como existem grandes variações entre os idosos nas
respostas farmacocinética e farmacodinâmica, é difícil estabelecer
generalizações.
Fatores sócio-econômicos e a não-observância adequada da prescrição
são causa importante da falha terapêutica em qualquer idade, e
particularmente nos idosos. Polifarmácia, esquemas terapêuticos com-
plicados, distúrbios visuais, auditivos ou mentais, falta de compreensão,
ausência de auxílio de familiares ou afins são alguns dos muitos fatores
que contribuem para a não-observância do tratamento.

Alterações farmacocinéticas
relacionadas à idade
À medida que o paciente envelhece, alterações graduais na
farmacocinética e nos efeitos das drogas induzem à maior variação
198
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

interindividual das doses requeridas para um determinado efeito. As


alterações farmacocinéticas resultam de modificações da composição
corpórea e da função dos órgãos envolvidos na eliminação das drogas
(Tabela 1).
Entre as alterações farmacocinéticas mais significativas no idoso,
incluem-se:
1. Redução da água corpórea total, tanto em termos absolutos como
em porcentagem do peso corpóreo, de 10% a 15% entre os 20 e os
80 anos 17,18. A massa muscular e a massa celular média diminuem,
enquanto a proporção de gordura aumenta com a idade 17,18.
2. Redução da concentração da albumina plasmática de 15% a 20%,
em comparação a indivíduos com idade abaixo dos 40 anos. Além
da redução primária da albumina, a hipoalbuminemia nos idosos
pode resultar de causas secundárias, como hepatopatia crônica,
infecções, infarto do miocárdio, redução da síntese e/ou aumento
do catabolismo protéico e eliminação excessiva de proteínas. A
redução dos níveis plasmáticos de albumina e outras proteínas

Tabela 1
Alterações fisiológicas do envelhecimento que interferem na farmacocinética
Absorção
Redução da produção de ácido gástrico
Aumento do pH gástrico
Redução da motilidade gastrintestinal
Redução do fluxo sangüíneo
Redução da superfície de absorção
Distribuição
Diminuição da massa muscular total
Aumento da proporção de gordura corpórea
Diminuição da proporção de água
Diminuição da albumina plasmática
Aumento da α 1 -glicoproteína ácida
Alteração relativa da perfusão tissular
Metabolismo
Redução da massa hepática
Redução do fluxo sangüíneo hepático
Redução da capacidade metabólica hepática
Excreção
Diminuição do fluxo sangüíneo renal
Diminuição da taxa de filtração glomerular
Diminuição da função tubular renal

199
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

determina aumento da fração livre da droga, acima do previsto em


condições normais 19 e, conseqüentemente, efeitos farmacológicos
mais intensos para qualquer dose administrada, com maior
potencialidade de efeitos colaterais.
3. Metabolismo – Fármacos são eliminados do organismo por dois
mecanismos principais: metabolismo e excreção renal. Embora
algumas sejam excretadas quase completamente inalteradas, a
maioria sofre transformação metabólica mais ou menos acentuada
(biotransformação). O processo ocorre principalmente no fígado.
O envelhecimento pode comprometer a atividade metabólica
hepática em conseqüência da redução do fluxo sangüíneo, volume
e massa, e da atividade enzímica.
O fluxo sangüíneo hepático, o mais importante determinante do
clearance para muitas drogas, diminui com a idade (cerca de 40% dos
25 aos 70 anos)20 . Em conseqüência, drogas com elevado clearance
hepático e perfil de eliminação fluxo-dependente, como propranolol,
verapamil e lidocaína, têm depuração reduzida e permanecem por mais
tempo na circulação sem sofrer biotransformação, em idosos 21 .
A massa hepática e o número de células funcionantes diminuem a
partir da quinta ou sexta décadas da vida. Porém, como o fígado
tem grande reserva de massa celular e de função, é pouco provável
que essa alteração influencie o metabolismo de medicamentos de
forma clinicamente significativa. Ademais, a atividade dos sistemas
enzímicos responsáveis pelo metabolismo de drogas, especialmente
as enzimas microssomais induzíveis envolvidas em mecanismos de
oxidação e redução (enzimas citocromo P450), declina no idoso22 .
Os mecanismos de conjugação mantêm-se relativamente bem.
Contudo, dados conflitantes foram relatados e pode haver variações
consideráveis entre indivíduos da mesma faixa etária.
As alterações do fluxo sangüíneo e da atividade enzímica hepática,
isoladamente ou em associação, resultam habitualmente em aumento
da meia-vida plasmática e podem retardar a velocidade de
eliminação de drogas lipofílicas do organismo. Entre as drogas
cardiovasculares eliminadas predominantemente por metabolismo
hepático incluem-se: lidocaína, encainida, tocainida e quinidina;
propranolol, metoprolol, pindolol e labetalol; hidralazina, prazosina,
minoxidil, metildopa, clonidina e captopril; verapamil, diltiazem e
200
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

nifedipina; nitroglicerina e dinitrato de isossorbida; varfarina e outros


cumarínicos.
4. Excreção – Alterações da estrutura e da função renais ocorrem
com o envelhecimento, mesmo na ausência de nefropatia 23,24. Entre
a quarta e a oitava décadas, os rins perdem cerca de 20% a 25%
de sua massa, com maior comprometimento da córtex do que da
medula. O número de glomérulos e de células tubulares também
declina com a idade, com grandes variações individuais 4 . Alterações
glomerulares fibróticas e tubulares degenerativas, além de vas-
culares, podem ocorrer após os 70 anos 4 . O fluxo sangüíneo renal
declina progressivamente (cerca de 1% ao ano) após os 50 anos,
em parte devido à redução e à redistribuição do débito cardíaco23 .
A velocidade de filtração glomerular também reduz-se grada-
tivamente com a idade: de 100 ml a 120 ml/min aos 40 anos, para 60
ml a 70 ml/min aos 85 anos. Paralelamente, diminui a capacidade
excretora tubular.
Apesar da diminuição da velocidade de filtração glomerular no idoso,
a creatinina sérica pode permanecer normal porque sua produção diminui
devido à redução da massa muscular corpórea. Em conseqüência, valores
normais de creatinina sérica no idoso não indicam, necessariamente,
filtração glomerular normal. Avaliação do clearance da creatinina reflete
melhor a função renal nessa faixa etária.
Alterações da função renal relacionadas à idade representam
provavelmente o principal fator responsável pela elevação dos níveis
plasmáticos das drogas e por seu acúmulo no idoso, especialmente se
mais de 60% da dose é excretada pelos rins. Isoladamente, tais
alterações podem antecipar a necessidade de redução das doses em
30% ou mais na população geriátrica, sobretudo das drogas eliminadas
primariamente pelos rins. Entre as drogas cardiovasculares com
clearance renal elevado incluem-se digoxina, procainamida e seu
metabólito N-acetil-procainamida, disopiramida, atenolol, nadolol e
sotalol e a maioria dos inibidores da enzima conversora da angiotensina,
exceto fosinopril e benazepril.
Os conhecimentos sobre a farmacocinética, importantes tanto na
prescrição medicamentosa do idoso como também em qualquer faixa
etária, não prescindem da observação clínica cuidadosa (relação dose–
resposta) para o ajuste posológico em cada caso.
201
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

Alterações farmacodinâmicas
relacionadas à idade
A função cardiovascular global, na maioria dos indivíduos idosos sadios,
é adequada para satisfazer as necessidades corpóreas de pressão e fluxo
em repouso25-27. A freqüência cardíaca em repouso não se altera com a
idade, porém a pressão arterial sistólica aumenta moderadamente, dentro
dos limites normais para a faixa etária 25,26. Essa alteração de pressão
ocorre no final da sístole e é causada por aumento da rigidez arterial e da
impedância (pós-carga). A espessura parietal ventricular esquerda
aumenta discretamente com a idade, devido ao aumento do tamanho dos
miócitos26 . Essa hipertrofia modesta é processo adaptativo eficaz para
manter o volume cardíaco e a função de bomba normais 25,26. A velocidade
de enchimento ventricular esquerdo no início da diástole declina
acentuadamente (cerca de 50%) entre os 20 e 80 anos 26 . Entretanto, ocorre
aumento compensatório do enchimento diastólico tardio em idosos,
devido sobretudo à maior contribuição da contração atrial esquerda para
manter o enchimento ventricular. Em conseqüência, a função diastólica
global pode permanecer inalterada. Apesar do aumento da pressão arterial
sistólica com a idade, o volume sistólico final e a fração de ejeção do
ventrículo esquerdo, em repouso, não se alteram significativamente 25,27.
O desempenho normal do coração do idoso como bomba (débito
cardíaco) em presença de rigidez arterial aumentada é conseguido por
alguns mecanismos de adaptação: moderada hipertrofia ventricular
esquerda, sístole prolongada, aumento do átrio esquerdo e da contribuição
atrial ao enchimento ventricular25-27.
As alterações farmacodinâmicas cardiovasculares mais consisten-
temente estabelecidas no idoso relacionam-se ao sistema nervoso
autônomo27,28,29. Virtualmente todos os estudos mostraram níveis
plasmáticos basais mais elevados de noradrenalina e adrenalina
circulantes em idosos do que em adultos jovens 25,27,30. O aumento da
freqüência cardíaca pela administração em “bolo” de agonistas beta-
adrenérgicos, como isoproterenol, diminui com a idade 31,32. De outra parte,
a administração de dose igual de propranolol a adultos jovens e idosos,
embora resulte em níveis plasmáticos maiores nestes, provoca menor
redução da freqüência cardíaca durante exercício físico, no idoso33 . Tanto
a dilatação arterial como venosa declinam, também, com o envelhe-
202
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

cimento, em resposta à estimulação beta-adrenérgica do sistema


cardiovascular durante o exercício 32 . O declínio da dilatação arterial
durante o exercício, associado a alterações estruturais dos grandes vasos
relacionados à idade, pode contribuir para o aumento da impedância
vascular26 . Ademais, a diminuição da eficiência da modulação beta-
adrenérgica dos mecanismos de acoplamento excitação-contração pode
explicar, em parte, a redução da reserva miocárdica com a idade avan-
çada 25,26 .
Resultados conflitantes foram relatados sobre as causas da regulação
inferior do sistema beta-adrenérgico no idoso. Alguns estudos mostraram
redução da densidade dos beta-receptores do coração senescente 34,35,
enquanto outros não observaram esse fenômeno36,37. Tem sido admitida
como mais provável a alteração em nível pós-receptor.
Diferentemente das respostas dos receptores adrenérgicos beta-1,
as dos receptores beta-2 parecem pouco afetadas, pois a broncodilatação
e os efeitos metabólicos mediados por esses receptores não variam
significativamente com a idade 33,38. Os estudos sobre o sistema alfa-
adrenérgico no idoso forneceram alguns resultados controversos, porém
a resposta da vasculatura permanece inalterada 25 .
O número dos receptores colinérgicos muscarínicos diminui com a
idade 39,40. A atropina provoca menor aumento da freqüência cardíaca na
população geriátrica e a estimulação vagal bradicardia menos acentuada 41 ,
o que depõe a favor de resposta atenuada dos receptores colinérgicos
associada ao envelhecimento.
A função (sensibilidade) dos barorreceptores, que também envolve o
sistema nervoso simpático, encontra-se deprimida nos idosos,
aumentando a potencialidade de hipotensão ortostática. O retardo no início
da taquicardia e na vasoconstrição reflexa em resposta à redução mais
ou menos brusca da pressão arterial pode causar tontura, lipotímia, síncope
e quedas, e acentuar os efeitos da hipotensão ortostática induzida por
agentes anti-hipertensivos. De outra parte, a função barorreflexa
comprometida, observada na maioria dos idosos, pode permitir o uso de
vasodilatadores, como hidralazina, sem a necessidade de outras drogas
para atenuar a taquicardia reflexa.
A atividade do sistema renina-angiotensina encontra-se atenuada nos
idosos, observando-se níveis plasmáticos baixos de angiotensinogênio, renina
e angiotensina I. Em contraste, os níveis miocárdicos do RNA do
203
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

angiotensinogênio e da enzima de conversão da angiotensina encontram-se


regulados superiormente no ventrículo esquerdo42 .

Fármacos cardiovasculares
Embora a idade seja um dos mais importantes fatores a influenciar a
morbidade e a mortalidade, idosos têm sido habitualmente excluídos dos
grandes ensaios clínicos terapêuticos a longo prazo, relacionados à
sobrevida e à qualidade de vida, devido à dificuldade de selecionar
pacientes nessa faixa etária que preencham os critérios rígidos de inclusão.
Assim, o número de pacientes com idade acima de 70 anos nesses ensaios
é relativamente pequeno. Nos últimos anos, porém, idosos vêm sendo
incluídos em grandes ensaios a longo prazo, sobretudo relacionados ao
tratamento da hipertensão, do infarto agudo do miocárdio (fibrinolíticos e
antitrombóticos), da fibrilação atrial (anticoagulantes e antiplaquetários)
e da prevenção secundária da doença aterosclerótica coronária (estatinas).
Entretanto, a prescrição da terapêutica cardiovascular na população
geriátrica é, ainda, em grande parte, baseada em ensaios a curto prazo,
estudos observacionais ou análise de subgrupos de grandes ensaios.

Glicosídeos digitálicos
O coração senescente responde menos aos efeitos inotrópicos dos
glicosídeos digitálicos, sem redução concomitante dos efeitos tóxicos;
ao contrário, idosos são mais suscetíveis à intoxicação digitálica43 .
Como a digoxina é excretada primariamente pelos rins (cerca de 85%
na forma inalterada), o declínio da filtração glomerular no idoso pode
reduzir em até 40% o clearance da droga e aumentar proporcionalmente
a meia-vida plasmática44 . A redução do volume de distribuição, devido à
diminuição da massa muscular corpórea, associa-se à maior concentração
miocárdica para a mesma dose; a menor ligação protéica resulta em maior
proporção de droga livre. As alterações da função renal representam,
porém, o fator mais importante que influencia a farmacocinética da
digoxina no idoso45 .
A intoxicação digitálica é mais freqüente na população geriátrica. Os
seguintes fatores podem estar envolvidos: menor resposta inotrópica
positiva; maior sensibilidade do miocárdio à droga, provavelmente em
conseqüência da depleção miocárdica de potássio e magnésio; com-
204
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

prometimento da função renal (digoxina) ou hepática (digitoxina); e


hipopotassemia 46 .
A depleção de potássio resulta habitualmente da terapêutica diurética,
porém deve ter-se em mente que a ingestão de potássio por idosos
aparentemente sadios situa-se freqüentemente abaixo dos níveis
recomendados, devido à seleção de alimentos com baixo teor desse íon.
O magnésio também depleta-se durante a terapêutica diurética e a
experimentação animal tem demonstrado que arritmias induzidas por
digitálicos podem ser corrigidas pela administração de magnésio.
A monitorização dos níveis séricos da digoxina representa método
racional para manutenção dos limites terapêuticos e orientação da
posologia, porém não exclui a observação clínica de cada caso,
relacionada aos efeitos terapêuticos e tóxicos. Em verdade, os sinais
clínicos são tão ou mais importantes que os níveis séricos da droga para
avaliar a toxicidade. A dose diária de digoxina no idoso não deve
ultrapassar 0,25 mg e habitualmente situa-se ao redor de 0,125 mg. Em
presença de insuficiência renal, as doses devem ser ainda menores. A
beta-metildigoxina, na dose diária de 0,1 mg, é boa opção.

Diuréticos
Idosos utilizam comumente diuréticos na terapêutica da hipertensão
arterial e da insuficiência cardíaca e são mais propensos a desenvolver
reações adversas a esses medicamentos 13,15. Importante complicação da
terapêutica diurética em idosos é a depleção de volume, à qual são mais
vulneráveis pelos seguintes fatores: redução da água corpórea total e do
volume plasmático; declínio da capacidade de concentração nos túbulos,
à medida que a massa renal diminui; ingestão de líquidos muitas vezes
insuficiente; perdas adicionais, que podem ocorrer por febre, vômito ou
diarréia. A depleção volumétrica acentua a redução do débito cardíaco,
induzindo a manifestações como astenia, fadiga, apatia, alterações
psíquicas, hiperazotemia e hipotensão ortostática. Quando a contração
do volume plasmático é muito rápida, e sobretudo em pacientes que
permanecem a maior parte do tempo na cama ou na poltrona, a hipotensão
ortostática é mais acentuada e pode acarretar tontura, queda e até mesmo
síncope.
Diuréticos que depletam potássio (tiazídicos e de alça) podem provocar
hipopotassemia no idoso, devido ao fato de a ingestão dietética de potássio
205
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

tender a estar reduzida e a absorção gastrintestinal do íon poder estar


diminuída. A redução da massa muscular pode baixar adicionalmente as
reservas totais de potássio do organismo. Diuréticos poupadores de
potássio (espironolactona, triantereno e amilorida) podem provocar
hiperpotassemia, especialmente em idosos com insuficiência renal. O
uso prolongado de espironolactona, sobretudo em associação com
digitálicos, induz freqüentemente ao aparecimento de ginecomastia.
Idosos são mais predispostos também a apresentar hiponatremia,
favorecida pela redução da velocidade de filtração glomerular – uma
alteração da função renal inerente ao processo de envelhecimento.
A administração de diuréticos à população geriátrica deve iniciar-se
com doses pequenas, aumentadas gradativamente, monitorizando-se a
resposta terapêutica e as reações adversas, inclusive eletrolíticas e
metabólicas. A depleção de volume deve ser prevenida pela reposição
adequada de líquidos, e a de potássio pela suplementação dietética e
medicamentosa. A adição de diurético poupador de potássio é con-
veniente, na ausência de insuficiência renal. Tiazídicos e clortalidona
exercem efeitos menos intensos e mais prolongados e são, em geral,
melhor tolerados do que diuréticos de alça; devem ser preferidos no
tratamento a longo prazo da hipertensão arterial. Diuréticos de alça
(furosemida e bumetanida) são mais úteis em presença de insuficiência
cardíaca ou renal, por sua eficácia mesmo em presença de níveis baixos
de clearance da creatinina.

Bloqueadores beta-adrenérgicos
As respostas cardiovasculares, tanto aos agonistas como aos anta-
gonistas beta-adrenérgicos, são atenuadas em idosos; paradoxalmente,
reações adversas aos betabloqueadores são mais freqüentes nessa faixa
etária 4,7,13,47-49. Em geral, para a mesma dose de betabloqueador
administrada, os níveis plasmáticos são mais elevados e a meia-vida de
eliminação prolongada, em idosos 50 . Em conseqüência, as doses desses
medicamentos na população geriátrica devem ser menores e menos
freqüentes do que na população geral.
Os efeitos colaterais gerais dos betabloqueadores – astenia, fadiga,
letargia, depressão, distúrbios do sono, broncoespasmo – e os relacionados
ao aparelho cardiovascular – bradicardia, bloqueio atrioventricular (BAV),
depressão miocárdica e distúrbios da circulação periférica – são mais
206
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

acentuados em idosos. Os betabloqueadores cardiosseletivos (metoprolol,


atenolol, acebutolol), por bloquearem em menor grau os receptores beta-
2, e os providos de atividade simpaticomimética intrínseca – ASI –
(pindolol e mepindolol) são menos propensos a causar broncoespasmo e
distúrbios da circulação periférica e mascaram menos a reação hipo-
glicêmica aos antidiabéticos. Os agentes hidrossolúveis (nadolol, atenolol
e pindolol) parecem apresentar menores efeitos colaterais relacionados
ao sistema nervoso central do que os lipossolúveis (propranolol e
metoprolol), que atravessam a barreira hematoliquórica.
Como regra, o tratamento betabloqueador no idoso deve ser iniciado
em doses pequenas, aumentadas gradativamente, de acordo com a resposta
terapêutica, os efeitos colaterais e as reações adversas. Alguns betablo-
queadores mais recentes, como o carvedilol, que são também alfablo-
queadores, possuem perfil hemodinâmico mais favorável51 . Esses agentes
não alteram o débito cardíaco e reduzem concomitantemente a resistência
periférica total, características que podem ser mais benéficas na
população geriátrica.

Antagonistas dos canais de cálcio


Os antagonistas dos canais de cálcio são amplamente empregados
no tratamento da insuficiência coronária em suas diversas modalidades
clínicas, da hipertensão arterial e das taquiarritmias supraventriculares
52,53
. Idosos requerem doses relativamente menores de antagonistas dos
canais de cálcio para alcançar os mesmos benefícios terapêuticos.
Como a hipertensão arterial no idoso associa-se a aumento da
resistência vascular periférica e renal e essa alteração hemodinâmica é
dependente, em última instância, do aumento da concentração de cálcio
na musculatura lisa arteriolar, os antagonistas dos canais de cálcio são
particularmente úteis nessa circunstância 53 . Paralelamente, esses
compostos aumentam o fluxo sangüíneo nos territórios coronário, cerebral
e renal, mais suscetível de comprometimento na população geriátrica.
Esses agentes não exercem efeitos deletérios na função pulmonar, no
metabolismo de glicose, lípides e ácido úrico, o que os torna mais atrativos
em pacientes com comorbidades associadas, freqüentes em idosos 53 .
Os efeitos colaterais dos antagonistas dos canais de cálcio em idosos
são similares aos observados em outras faixas etárias52,53, com algumas
características especiais. Astenia, fadiga muscular e edema periférico
207
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

(sobretudo com nifedipina) são mais freqüentes. Nifedipina provoca menor


aumento reflexo da freqüência cardíaca e maior tendência à hipotensão
ortostática em idosos do que em indivíduos mais jovens. Verapamil e
diltiazem, em doses elevadas, podem favorecer a ocorrência de
bradicardia, bloqueio atrioventricular e depressão miocárdica, sobretudo
em indivíduos predispostos. Obstipação é mais suscetível de ocorrer,
particularmente com verapamil.

Nitratos
Os nitratos têm sido largamente utilizados em pacientes idosos, na
terapêutica aguda e profilática da angina do peito, em todas as suas
formas clínicas, e da insuficiência cardíaca refratária ao tratamento
convencional. As doses empregadas não diferem importantemente das
habituais, porém deve ser lembrado que idosos são mais vulneráveis
aos episódios de tontura, fraqueza e hipotensão ortostática provocados
por esses medicamentos, especialmente após administração
sublingual54,55. É recomendável, pois, utilizar inicialmente doses menores,
aumentando-as gradativamente, conforme a resposta terapêutica e os
efeitos colaterais.

Inibidores da enzima conversora


da angiotensina
Embora os hipertensos idosos tenham níveis de renina plasmática
baixos, os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) são
eficazes nessa faixa etária 56,57, especialmente quando combinados com
diurético. São úteis também no tratamento da insuficiência cardíaca, em
adição a digitálicos e diuréticos e no pós infarto do miocárdio, sobretudo
associado à disfunção ventricular esquerda. Os inibidores da ECA não
provocam efeitos significativos no sistema nervoso central, fadiga,
alterações do sono ou da função sexual. Ademais, não exercem influências
adversas no metabolismo lipídico, melhoram a resistência à insulina 58 e
são renoprotetores, tanto no diabetes tipo I como no tipo II59 . Os inibidores
da ECA podem ser administrados a idosos com broncoespasmo, diabetes
melito, insuficiência cardíaca e/ou renal, gota, cardiopatia isquêmica,
dislipidemia e vasculopatia periférica. São bem tolerados e têm incidência
relativamente baixa de reações adversas60 . O efeito colateral mais fre-

208
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

qüente (até 20% dos casos) é tosse seca irritativa, provavelmente devida
ao acúmulo de bradicinina e prostaglandinas.
Em idosos, as doses de inibidores da ECA devem ser menores do que
em adultos jovens e o tratamento iniciado com doses baixas, aumentadas
gradativamente, especialmente se o paciente estiver em uso de diurético.
Os antagonistas dos receptores AT 1 da angiotensina II apresentam
as vantagens dos inibidores da ECA, sem as reações adversas classe-
específicas desses medicamentos, como tosse, angioedema e reações
cutâneas.

Agentes fibrinolíticos
Não obstante a idade seja importante fator de risco de mortalidade
em pacientes com infarto agudo do miocárdio, os primeiros ensaios com
trombolíticos excluíram os idosos devido ao risco de hemorragia.
Entretanto, ensaios posteriores mostraram redução do risco em idosos
tratados com diferentes trombolíticos61 . A análise do subgrupo de
pacientes com 70 anos ou mais no estudo ISIS-2revelou nítido benefício
da estreptoquinase versus placebo. A taxa de mortalidade nessa faixa
etária foi 15,8% e 23,8%, respectivamente (p < 0,001). Resultados
similares foram observados no Intervention Mortality Study com
APSAC e no Anglo-Scandinavian Study of Early Thrombolysis
(ASSET) com o ativador tissular do plasminogênio recombinante (rt-
PA)62 . No ensaio GUSTO, foram incluídos mais de 4.000 pacientes com
75 anos ou mais 63 . O rt-PA foi ligeiramente mais eficaz que a estre-
ptoquinase nesse grupo. A terapêutica fibrinolítica permanece subutilizada
em pacientes idosos devido à preocupação de que o risco de hemorragia
intracraniana suplante o benefício potencial do tratamento63 . Embora haja
pequeno aumento do risco de complicações hemorrágicas em idosos
submetidos à terapêutica trombolítica (ISIS-2, GUSTO), a mortalidade é
reduzida em cerca de 20%, indicando a utilidade desses agentes na
população geriátrica62-64.

Fármacos hipolipemiantes
O conceito de que, no idoso, o controle dos fatores de risco, em
particular as dislipidemias, não seria fundamental foi modificado nos
últimos anos. Sendo a doença aterosclerótica altamente prevalente após

209
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

os 60 anos de idade, em ambos os sexos, qualquer redução de risco tem


importante repercussão na morbidade e na mortalidade 65 . Embora o papel
do colesterol como fator de risco cardiovascular diminua com a idade,
permanece como importante preditor de doença arterial coronária. Estudos
clínicos recentes de prevenção primária e secundária sugerem que a
redução expressiva do LDL-colesterol em idosos diminui significa-
tivamente a morbidade e a mortalidade.
As recomendações para o tratamento farmacológico das dislipidemias
em idosos são as mesmas que as dos adultos em geral. Os inibidores da
hidroximetilglutaril coenzima A redutase (vastatinas) são as drogas de
primeira escolha na terapêutica da hipercolesterolemia, pela segurança
e pela eficácia já demonstradas. Os demais hipolipemiantes podem ser
usados, levando-se em consideração a maior possibilidade de efeitos
colaterais. Para a hipertrigliceridemia, o tratamento segue os mesmos
princípios que o do adulto jovem65 .
No Scandinavian Simvastatin Survival Study (S4) 66 , que incluiu 4.444
pacientes com cardiopatia isquêmica, o subgrupo constituído de pacientes
com 60 anos ou mais, tratado com sinvastatina, apresentou também redução
significativa de eventos coronários importantes, em comparação com
placebo (21% versus 28,3%; risco relativo 0,71; p < 0,0001).

Fármacos antiarrítmicos
O tratamento das arritmias cardíacas em idosos é semelhante, na
maioria dos aspectos, ao de pacientes mais jovens; as diferenças
relacionam-se sobretudo à posologia 4,13. Ao tratar uma arritmia no idoso,
os seguintes cuidados devem ser observados: 1) estabelecer diagnóstico
eletrocardiográfico preciso e repetir o exame com constância suficiente
para acompanhar a evolução da doença e da terapêutica; 2) determinar
a etiologia da arritmia e tentar estabelecer causas subjacentes ou secun-
dárias corrigíveis, como distúrbios eletrolíticos e do metabolismo ácido
básico, hipoxemia, infecções, anemia, embolia pulmonar, hipertireoidismo,
toxicidade medicamentosa; 3) eliminar fármacos de induzir ou acentuar
arritmias cardíacas, como, por exemplo, digitálicos, aminas simpa-
ticomiméticas e antidepressivos tricíclicos, além de fumo e álcool;
4) basear a titulação posológica na resposta clínica, nas alterações
eletrocardiográficas e na monitorização da concentração sangüínea da
droga. Esta última é útil para determinar a observância do tratamento,

210
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

verificar se uma dose subterapêutica é responsável pela ausência de


resposta ou se a droga não é eficaz nos limites terapêuticos, confirmar a
existência de toxicidade suspeitada pela clínica e alterar as doses em
presença de doença hepática ou renal e de interações farmacológicas. A
maioria dos ajustes posológicos que necessitam ser feitos no idoso pode
ser descrita em termos farmacocinéticos. Entretanto, a possibilidade de
alterações farmacodinâmicas relacionadas à sensibilidade dos receptores
tissulares deve ser considerada.

Princípios e recomendações para a


terapêutica farmacológica no idoso
A farmacoterapia segura e eficaz na população geriátrica é um desafio,
mesmo para os médicos familiarizados com a farmacologia clínica, devido
aos múltiplos fatores que afetam a terapêutica medicamentosa nessa faixa
etária. A observância de alguns princípios e recomendações é extre-
mamente útil para a elaboração de esquemas terapêuticos adequados à
população geriátrica, no sentido de obter a eficácia desejada, minimizar
reações adversas e evitar interações medicamentosas9,67-70.
1. As alterações fisiológicas, metabólicas e estruturais inerentes ao
processo de envelhecimento, bem como doenças associadas,
influenciam a farmacocinética e a farmacodinâmica, a resposta
terapêutica e as reações adversas às drogas, com importantes
implicações para o manuseio clínico. O conhecimento dessas
alterações é fundamental no tratamento cardiovascular do idoso.
2. Idosos podem apresentar manifestações atípicas às doenças e
reações terapêuticas e tóxicas atípicas às drogas.
3. É essencial a avaliação clínica global do paciente idoso, inclusive
das funções hepática e renal, responsáveis maiores pelo metabolismo
e pela excreção das drogas. Elaboração diagnóstica precisa é
imperativa para decidir sobre a real necessidade da medicação.
4. Há lugar tanto para a polifarmácia como para o nihilismo tera-
pêutico, no tratamento do idoso. Medidas não-farmacológicas,
aconselhamento afetivo, apoio sociofamiliar devem sempre ser
considerados.
5. Drogas com índice tóxico-terapêutico baixo devem ser evitadas,
quando possível. Preferir fármacos com o melhor índice custo–

211
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

efetividade, sobretudo quando há necessidade de medicação


múltipla. Drogas que provocam reações adversas significativas
devem ter a dosagem reduzida ou ser substituídas. Medicamentos
claramente ineficazes, ou que se tornem desnecessários, devem
ser suprimidos.
6. Ajustes posológicos devem ser feitos para a maioria dos medi-
camentos quando prescritos a idosos, particularmente nos trata-
mentos a longo prazo. Em geral, as doses no idoso são 30% a
50% menores do que no adulto jovem. A presença de hepatopatia,
nefropatia e/ou outras comorbidades pode implicar doses ainda
menores.
7. Como regra, iniciar com doses baixas, aumentadas gradati-
vamente, e aguardar maior período de tempo para observar a
resposta terapêutica desejada, antes de alterar o esquema
posológico. O dictum “comece baixo e vá devagar” é abordagem
prudente.
8. Embora para a maioria das drogas haja correlação linear entre a
dose administrada e a concentração plasmática, pode ser difícil e
por vezes perigoso generalizar. Em certas ocasiões, essa correlação
somente é observada acima de determinado nível. Em outras,
aumento acentuado da concentração plasmática pode ocorrer com
pequenos aumentos da dose administrada. A determinação da
concentração plasmática da droga auxilia na titulação posológica,
porém não prescinde da observação clínica cuidadosa do paciente.
A avaliação precisa dos efeitos terapêuticos e colaterais é o melhor
guia para o ajuste das doses.
9. O esquema terapêutico deve ser tão simplificado quanto possível,
em relação ao número de medicamentos e à freqüência das doses.
Comumente, a terapêutica múltipla não pode ser evitada.
Entretanto, cada droga adicionada aumenta a potencialidade de
efeitos adversos, de interações medicamentosas, de não-obser-
vância da prescrição, bem como o custo do tratamento. Por vezes,
porém, a administração de uma combinação de drogas pode ser
vantajosa para o sinergismo terapêutico e a redução das reações
adversas. Lembrar que bebidas alcoólicas, tabagismo, dieta e
outros medicamentos não prescritos podem contribuir para
interações medicamentosas.
212
Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular no Idoso

10. Utilizar todos os recursos que favoreçam a observância do


tratamento. Ineficácia terapêutica impõe verificação da
observância e/ou reavaliação diagnóstica, antes da introdução de
medicação alternativa. Idosos requerem supervisão médica
periódica, inclusive reavaliação do esquema terapêutico, sobretudo
quando se utilizam múltiplas drogas.
11. A possibilidade de que drogas sejam, na realidade, a causa das
queixas do paciente idoso deve ser sempre lembrada.
12. O objetivo do tratamento de algumas doenças crônicas no idoso
nem sempre é curar, porém estabilizar o processo mórbido, aliviar
os sintomas e manter a capacidade funcional e intelectual, bem
como a qualidade de vida, no mais alto nível possível.

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Manual de Cardiogeriatria
Esta primeira edição do Manual de Cardiogeriatria
1ª Edição
tem como objetivo principal discutir, de forma objetiva
e eminentemente prática, a partir da avaliação da
literatura mais atualizada sobre o tema e da grande
experiência dos autores médicos envolvidos, os
principais tópicos relacionados ao diagnóstico e
tratamento das doenças cardiovasculares em idosos.
Pretende-se também que ela sofra revisões periódicas

Manual de Cardiogeriatria
a cada dois anos, que visam incorporar o enorme
volume de informações científicas, que tem crescido
de forma exponencial nos últimos anos.
Creio que todos os autores convidados, aos quais
agradecemos a dedicação e vibração com que
abraçaram a idéia, esperam que ela possa contribuir
para a melhora cada vez mais significativa do aten-
dimento oferecido ao idoso cardiopata em nosso país.

Programa de Educação Médica Continuada LIBBS

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