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I Parte
Mas nem sempre foi assim. A teologia como disciplina surgiu há muito tempo e inicialmente
estava circunscrita à erudição clássica antiga. A palavra “teologia” é termo de origem grega. O
tema da palavra, Theos, significa Deus, e Logia indica o sentido de estudo. Portanto,
poderíamos dizer de modo simples que, teologia é o estudo sobre Deus ou sobre as coisas
concernentes à divindade. Assim como o sentido da palavra teologia encontra sua raiz na
tradição cultural do mundo grego, existem outras relações entre a teologia e a cultura grega.
O filósofo grego Platão, em sua obra Política, foi o primeiro a usar a palavra teologia. Depois
disso, Aristóteles também usou esse termo em sua obra intitulada Metafísica. Nesta ocasião,
Aristóteles apresentou a idéia que o motor do mundo é Deus ("o que tudo move e não é
movido" – XII 6-10) e a disciplina teologia foi se caracterizando como estudo especulativo
sobre a divindade e, assim, fez par com a filosofia.
quotidiana das pessoas estava relacionada com seus mitos sagrados. Os atos de plantio e
colheita, a pesca, os casamentos, os nascimentos, a organização das comunidades e a
economia dos grupos estavam ligados à vontade dos deuses e das deusas. Se havia chuva ou
sol, se as batalhas seriam vencidas ou não, as decisões mais importantes eram tomadas de
acordo com a orientação divina. As histórias sagradas, os mitos, sustentavam as civilizações
antigas que por meio de liturgias com celebrações e rituais, procuravam dramatizar essas
histórias para mantê-las vivas e ao mesmo tempo, agradar seus deuses e deusas.
Mas aos poucos a explicação para a origem do cosmos e da humanidade baseada na vontade
soberana da divindade foi perdendo a força. À medida que compreendia mais sobre o mundo
e sobre si mesmo, a humanidade também perdia sua fé e, em contrapartida, adquiria mais
confiança em suas descobertas. Com o avanço da filosofia rumo à razão, a fé e a crença
cederam lugar ao discurso, em outras palavras, à retórica. A retórica era usada pelos filósofos,
amigos do saber, como recurso pedagógico para ensinar e muitas vezes convencer sua
audiência sobre determinado assunto. A filosofia é a disciplina que mais pergunta, que está
sempre curiosa e atenta. Enquanto os mitos eram envoltos pela áurea do nebuloso e as
religiões antigas mantinham segredos, a filosofia trouxe clareza e desvendou os mistérios.
A retórica teve origem na cultura grega e desde o princípio foi responsável pela formulação de
perguntas filosóficas acerca da vida, do dia a dia, da morte, dos possíveis sentidos para o ser
humano. Por meio da retórica é possível conhecer traços fundamentais e distintivos da
tradição desse povo. O termo retoriké é afim dos termos retor, orador, e retoreia, discurso
público caracterizado pela eloqüência. Por conseguinte, pode-se dizer que retórica é a “arte
oratória”, ou a disciplina que versa sobre a arte de falar bem. Com isso, é possível dizer que os
gregos migraram da “crença” para a “razão”, mas, como defendem alguns historiadores,
jamais afirmar que isso os marcava como superiores em relação aos outros povos. Atualmente,
quando se fala a respeito de tradições culturais é consenso recusar categorias valorativas para a
descrição das civilizações, isto é, cada povo tem suas manifestações culturais e religiosas, e em
todas há valor e especificidades que merecem respeito.
Mas de fato, apesar da conhecida separação entre mito / religião e filosofia / ciência, a
teologia foi quem fez primeiro as perguntas sobre existência humana e origem do mundo, e
essas perguntas emergiram do quotidiano das pessoas que acreditavam nas histórias sagradas e
formulavam suas religiões. Não contente com respostas religiosas, a filosofia segue adiante,
mas volta-se a encontrar com a teologia em outras oportunidades.
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No mundo cristão dos primeiros séculos, apesar da influência determinante da tradição judaica
e de outras culturas mediterrâneas, por volta do século III quando a igreja consolidou seu
status de instituição e grandes teólogos se destacaram por causa de seus pensamentos e
discussões, pode-se notar claramente a influência da cultura grega, especialmente da filosofa e
da retórica. A teologia dos primeiros cristãos foi grandemente influenciada pela filosofia grega
e isso pode ser percebido já entre os cristãos do I século e posteriormente na Idade Média.
Na Idade Média, os chamados Pais da Igreja deram origem ao período que ficou conhecido
como Patrística. Os Pais da Igreja elaboraram grandes tratados teológicos para a defesa da
regra e da fé cristã e, para isso, foram buscar inspiração e muitos fundamentos na filosofia
grega. Justino Mártir, Clemente Irineu e outros teólogos dessa época são exemplos disso, além,
é claro, de Agostinho que tanto é considerado grande teólogo como grande filósofo. Durante
todo o período da Idade Média, esses pensadores desenvolveram célebres tratados teológicos
que marcaram a experiência religiosa e consolidaram a base da fé cristã. Sua influência pode
ser atestada até os dias de hoje. Por isso, nas próximas linhas, apresentaremos a teologia dos
Pais da Igreja e sua estreita relação com a filosofia ganhará destaque em breve exposição.
Os chamados Pais Apostólicos são considerados os primeiros teólogos cristãos. Seus escritos,
do final do século I e início do II, nos dão idéia de como era a prática cristã inicialmente. Tais
tratados eram dirigidos aos neófitos, iniciantes na fé cristã, e nem sempre mostram a totalidade
da reflexão teológica da época. Mas, em geral, denunciam preocupações com os costumes, as
orientações, as dúvidas e os problemas mais freqüentes. Nestes escritos, diferentes da
literatura do Novo Testamento, podemos encontrar como temas importantes:
Pecado. É destacado como corrupção, maus desejos e cativeiro sobre o poder da morte.
Não se acentua muito a questão da culpa.
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Graça. É vista como dom que Deus concede aos seres humanos em Cristo.
Os Pais salientavam a crença em um único Deus e embora o dogma da trindade ainda não
estivesse bem desenvolvido aparecia em algumas liturgias. Eles enfatizavam a divindade de
Cristo e combatiam os outros grupos religiosos que negavam o valor salvífico da morte e
ressurreição de Cristo.
No Século II, aqueles que se ocupavam em defender o cristianismo das acusações e heresias
de sua época, eram chamados de apologistas. Eles dedicavam-se a desenvolver conceitos e
respostas cristãs utilizando termos filosóficos. Também procuravam defender cristãos de
acusações como impiedade, hábitos anormais e inimizade ao estado. Tinham a filosofia em
alta estima. Justino, um dos principais, via a filosofia como forma de proporcionar o
verdadeiro conhecimento de Deus.
O cristianismo era visto como filosofia por excelência, capaz de proporcionar verdadeiro
conhecimento de Deus. Os apologistas defendiam que era filosofia, pois se fundamentava na
revelação divina e não em especulações racionais. Desde o princípio se revelava certa
tendência de intelectualizar a fé. Por isso, algumas pessoas consideram que a principal
contribuição dos Pais foi tentar realizar a aproximação entre fé cristã e intelectualidade grega.
Cristianismo judaico era o termo usado para identificar grupos sectários que derivavam da
congregação de Jerusalém depois de sua transferência para a região ao leste do Jordão. Uma
das características deste cristianismo (chamado ebionita) é a “mistura” de elementos judaicos e
cristãos. Eles defendiam a validade da lei mosaica e o estabelecimento do reino messiânico em
Jerusalém. Também negavam a interpretação do apóstolo Paulo da Lei de Moisés e não
reconheciam a autoridade das epístolas escritas por esse apóstolo. Para eles, Jesus Cristo tinha
a mesma importância que os profetas. Eles negavam a pré-existência de Jesus Cristo e seu
nascimento virginal e não aceitavam a salvação por meio da cruz. Acreditavam que a salvação
seria possível apenas com a segunda vinda de Cristo, ocasião que se estabeleceria o seu reino
em Jerusalém. Estas idéias não exerceram grande influência no cristianismo, mas são
fundamentais para se entender o islamismo posteriormente.
Hoje em dia, o termo cristianismo judaico é utilizado também em outro sentido, pois se
reconhece que os primeiros cristãos foram grandemente influenciados pelos judeus. Essa
influência constitui a base do cristianismo, de onde muitas práticas religiosas e conceitos
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A interpretação gnóstica acerca dos ensinos de Jesus e de Paulo não foi completamente aceita
pela igreja cristã dos inícios. Por causa dessas diferenças, os gnósticos foram considerados
hereges. A acusação afirmava que o gnosticismo era a tentativa de enquadrar o cristianismo
dentro da filosofia da época e que era caracterizado por especulações místicas e cosmológicas,
o dualismo entre matéria e espírito. É provável que o gnosticismo já existisse antes do
cristianismo, isto é, de origem oriental, e em Samaria assumiu características judaicas. Com
Simão, o mágico, teve maior visibilidade, mas apresentava-se de várias formas, era constituído
por inúmeras tendências.
Dualismo. De concepção dualista, isto é, os gnósticos acreditavam que havia matéria e espírito,
que o mundo se dividia em bem e mal. O deus supremo (longe do mundo) se contrapunha a
um deus inferior (criador deste mundo-material). Nesta concepção, Jesus Cristo foi
responsável pela libertação desse mundo mal, ele teve a função de restaurar a condição do
mundo material. Esta salvação dependia do conhecimento superior reservado apenas aos
espirituais (pneumáticos), os gnósticos. Cristo era considerado o salvador por ter trazido o
verdadeiro conhecimento ao mundo. Entretanto, esse não era o mesmo Cristo da Bíblia, afinal
ele não poderia ter assumido forma material e ser espiritual. Segundo os gnósticos, já que a
matéria é má, o filho de Deus não poderia assumir forma humana porque essencialmente a
carne é má (docetismo). Assim, defendiam que a salvação poderia ser obtida pela participação
nos mistérios (ceia e batismo) que possibilitavam o verdadeiro conhecimento. Em função
desse dualismo, a ética dos gnósticos era ascética, isto é, zelavam pela purificação espiritual e
de seus corpos, por isso, eles praticavam a continência sexual, a vida solitária e celibatária.
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Negação do Credo. Os gnósticos negavam os três artigos do Credo: a criação, a redenção pela
morte e ressurreição e o Espírito Santo.
b) Os Pais Antignósticos
O conflito com os gnósticos deixou marcas na trajetória da igreja cristã que ainda podem ser
identificadas nas pregações e comportamentos de muitos cristãos. Por mais que a pesquisa
teológica e a história mostrem que o século I não foi berço apenas de um cristianismo, mas
vários, as igrejas cristãs ainda exaltam o cristianismo primitivo como o ideal e estigmatizam os
grupos de cristãos que não se adequavam à teologia oficial, da igreja. De acordo com essa
perspectiva, observamos na igreja considerada ortodoxa (a verdadeira, em oposição aos
hereges), maior desenvolvimento da doutrina da criação, da encarnação, da morte e da
ressurreição de Jesus Cristo. Outra característica dessa igreja e de sua teologia é o moralismo
acentuado que visava fazer frente ao anti-nomismo gnóstico.
Irineu. Este antignóstico se ocupava de atacar Valentino por tentar diminuir a distância entre
cristianismo e religiões pagãs. Irineu é considerado o primeiro dogmático da igreja. Rejeitou a
filosofia (ao contrário dos apologistas) e se baseava apenas na Bíblia como norma de fé e de
vida. Ele não fazia distinção entre a tradição e a escritura, mas foi o primeiro a fazer sucessão
apostólica do Papa com o fim de identificar quem participava da verdadeira igreja. Ele se opôs
doutrinariamente aos gnósticos e enfatizava que o processo de salvação ocorria dentro da
história e não fora dela, como queriam os gnósticos. Na sua reflexão teológica, procurou
demonstrar que o mesmo Deus que criou o mundo também o salvou, em oposição à doutrina
gnóstica dos dois deuses. Para Irineu a salvação seria a restauração da criação de acordo com a
vontade divina que estava reservada. Assim, quando o homem fora criado, Deus não o fizera à
sua semelhança, mas por meio do processo de salvação esse humano poderia atingir a
semelhança de Cristo.
Quanto à redenção, Cristo restaurou a lei original. Para Irineu, vida e morte estavam
relacionadas na redenção. Quando o homem obedece aos mandamentos recebe a vida de
Deus, se desobedece recebe a morte. A salvação concederia a imortalidade. Jesus Cristo
representava o segundo Adão, no entanto, era o avesso de Adão porque era perfeito e
submisso à vontade de Deus Pai. Irineu falava da salvação por meio do termo recapitulatio, pois
se trata da repetição do ato criador de Deus.
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Hipólito. Bispo de Roma que desenvolveu uma coleção enciclopédica de heresias e procurou
combatê-las por meio do que considerava ser a doutrina verdadeira para a igreja cristã.
c) A Teologia de Alexandria
No mundo antigo, Alexandria ocupava lugar de destaque. Era uma espécie de centro urbano
ao norte do Egito e por isso, era o local onde importantes transações comerciais aconteciam
assim como se encontrava grande diversidade e riquezas culturais. A teologia que se produziu
em Alexandria foi a primeira tentativa sistemática da junção entre cristianismo e filosofia
grega. Os teólogos de Alexandria procuravam se manter fiéis à tradição da igreja e baseavam-
se na literatura bíblica, porém inseriam a revelação nos contextos que consideravam
apropriados.
Nesta ocasião surge o método alegórico de interpretação. Um dos protagonistas desse modelo
é Orígines, contemporâneo de Plotino. Ambos foram alunos do professor Amônio Sacas e,
por isso, obtiveram grande influência platônica. Foi com os teólogos de Alexandria que Deus
passou a ser visto como completamente transcendente, acima de tudo e de todos.
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Clemente. Defendia a pedagogia de Deus. Segundo ele, a alma caída necessitava de educação
para ascender ao divino. Isto deveria acontecer por meio da disciplina e do castigo,
admoestações e instruções e por causa disto, o mundo material existia. Esta educação teve seu
ponto mais importante no exemplo dado por Cristo, mas para Clemente a pedagogia do
homem teve outras fases. A lei judaica e a filosofia grega seriam fases preparatórias para a
vinda de Jesus Cristo e, com ele, teriam sido ultrapassadas. Para Clemente o conhecimento
ficava acima da fé.
Orígines. Apesar de ser considerado por alguns como herege, sua teologia teve grande
influência principalmente na reflexão teológica da região oriental. Ele acreditava existir um
sentido espiritual específico em cada texto da escritura Para Orígines, assim como o ser
humano era composto de corpo, de alma e de espírito, a escritura sagrada era literal, moralista
e espiritual. Além disto, achava que pequenos detalhes citados na escritura revelavam grandes
verdades universais. Orígines enfatizou a educação como meio divino de restaurar e
providenciar a divindade às criaturas racionais aprisionadas em seus corpos. Defendia o livre
arbítrio e concebia Deus como ser elevado e distante do material. A doutrina do
subordicionismo aparece em sua teologia, doutrina segundo a qual o homem havia caído do
mundo inteligível (mundo espiritual) e para se re-encontrar com Deus era necessário voltar
para este mundo. Cristo era fundamental neste processo. Por meio de Jesus Cristo é que se
revelava o mistério da fé, contudo, Orígenes negava a ressurreição do corpo.
Em função de tantas discussões e escolas de teologia que se formavam, no início do século III
foi necessária a convocação de um concílio que reuniu os clérigos e teólogos de expressão da
época. A essa altura, existiam várias questões pendentes. A igreja cristã crescia e era preciso
estabelecer os cânones da igreja em prol de sua unidade. Mas será que isso seria possível?
a) O concílio de Nicéia
Em 310, Ário foi bispo de Alexandria. O mestre de Ário foi seguidor de Paulo de Samósata.
Essa influência ocasionou a compreensão de que Jesus não poderia ser Deus na acepção
completa do termo, pois era criação de Deus. Assim, segundo o arianismo Jesus era alguém
que estava entre Deus e os seres humanos. Ele foi criado primeiro e por meio dele, Deus criou
o mundo.
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Tais afirmações desestabilizaram a igreja e diante da ameaça à unidade, Ário foi excomungado
em 320. Em 325, Constantino convocou um concílio em Nicéia. Lá havia três grupos
diferentes: Arianos puros, Arianos moderados e anti-arinanos. Basicamente foram feitas duas
críticas a Ário: 1) introdução de idéias politeístas e adoração da criatura ao invés da adoração
ao criador e 2) destruição da base da fé cristã com a negação da divindade de Cristo. Ao fim
do concílio foi adotada uma posição intermediária, segundo a qual Jesus era reconhecido
como filho de Deus, mediador da salvação e digno de adoração. Com isso, o credo foi
reformulado no final do século IV.
Atanásio é conhecido por ter sido um dos maiores opositores ao arianismo. Ele procurou
formular a doutrina trinitária a partir da Bíblia e negou o uso de sistemas filosóficos fechados
para entender e explicar a fé cristã. Atanásio negava a interpretação legalista da literatura
bíblica e afirmava que sua compreensão deveria ser buscada a partir do seu centro, Cristo. O
seu entendimento da trindade tinha como centro a salvação operada por Cristo. Assim como
Irineu, ele entendia a doutrina da salvação em íntima conexão com a criação. Para ele, o
principal sentido da salvação era que o pecado e a morte foram retirados do ser humano
graças à morte e ressurreição de Cristo. A manifestação de Jesus possuía duas funções: o
perdão de pecados e a afirmação de que o governo do mundo era exercido pelo lógos (a
palavra, o conhecimento).
Basicamente foram três os que seguiram a linha de pensamento de Atanásio: Basílio, o Grande
que foi o principal artífice na teologia proto-nicena, Gregório de Nissa que desenvolveu a
doutrina ortodoxa de modo mais especulativa e Gregório Nazianzo, que desenvolveu o
aspecto mais retórico da teologia de Atanásio. Foram eles que sistematizaram a idéia que três
pessoas distintas (Pai, Filho e Espírito) formavam uma unidade. Também foram responsáveis
pela distinção entre o termo ousía (essência, o que todos os seres humanos têm em comum) e
hipóstasis (o que cada ser humano tem de particular). Esta distinção desenvolvida no Oriente
influenciou Agostinho para o desenvolvimento da doutrina trinitária no Ocidente.
Posteriormente, o credo Atanasiano foi elaborado por algum seguidor de Agostinho, já nos
séculos IV ou V. Na forma de seu credo é possível se identificar certa unidade enquanto nos
outros credos aparecem divididos em três partes correspondentes às três pessoas.
c) O problema cristológico
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O teólogo Apolinário acreditava que o corpo de Cristo não foi formado por Maria. Cristo teria
trazido um corpo celestial até o ventre de Maria que, assim, serviu apenas como local de
passagem. Deste modo, Jesus Cristo possuía apenas a natureza divina, o lógos. Em
contrapartida, seus opositores afirmavam que Cristo não somente tinha corpo humano como
também alma, afinal corpo e alma formam a essência humana. Foi a escola de Antioquia que
combateu Apolinário e, para isto, enfatizou que a natureza humana de Cristo durante seu
ministério e obra passou por certo processo que o uniu cada vez mais à divindade. Este
processou foi concluído por ocasião da ressurreição.
A teologia deste período foi marcada por grandes discussões entre grupos que formavam as
escolas de pensamento teológico. Havia duas grandes escolas neste tempo: a de Antioquia
(que enfatizava o aspecto histórico do Cristo humano) e a de Alexandria (que enfatizava a
compreensão metafísica enraizada na filosofia grega).
Cirilo era o bispo de Alexandria e objetivava primazia teológica no Oriente. Foi ele quem
venceu Nestório, por ocasião do Concílio de Éfeso, quando Maria foi reconhecida como
origem de Deus. Cirilo defendia que havia duas naturezas em Cristo e cada uma delas possuía
suas próprias qualidades.
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Já em 451, Leão I convocou um concílio que foi realizado em Calcedônia com o fim de
decidir a questão cristológica. Finalmente, as doutrinas que consideravam haver “dois filhos”
foram excluídas, assim como as que afirmavam haver duas naturezas. Este concílio teve
bastante importância por ter sido responsável pela unificação entre as diferentes cristologias,
entretanto, não foi suficiente para sanar as controvérsias que circulavam sobre a vontade de
Cristo, se seria divina ou humana, se seria uma ou duas. Para alguns, a vontade de Cristo era a
do lógos, mas para outros havia duas vontades. A vontade divina que controlava a vontade
humana.
Com João de Damasco VIII o ciclo de controvérsias cristológicas foi fechado ainda que não
satisfatoriamente. Para isto, utilizou a filosofia aristotélica e a neoplatônica e afirmou a unidade
do corpo de Cristo. Ele salientava as diferenças entre as duas naturezas e afirmava que em
função da unidade que havia entre o divino e o humano em Cristo, ocorria também certa
penetração mútua. Assim, o lógos assumia a natureza humana e lhe comunicava seus
atributos, mas a divindade não foi tocada pelo sofrimento.
Os inícios da teologia cristã são caracterizados, portanto, por várias discussões. Os primeiros
teólogos defendiam pontos de vistas que variavam principalmente de acordo com suas
origens, em geral, Ocidentais ou Orientais. Mas, dentre “as teologias” surgidas neste
momento, destacamos a reflexão de Santo Agostinho.
d) Santo Agostinho
Agostinho foi batizado em Milão, na Páscoa de 387. Por sua decisão, retirou-se para a vida
monástica na África, entretanto, por ocasião de uma viagem de outono no mesmo ano, em
Óstia, recebeu a notícia do falecimento de sua mãe. Com isso, resolveu permanecer em Roma,
em sua cidade natal Tagaste. Conseguiu realizar seu objetivo de vida recolhida e de estudo por
apenas dois anos, logo foi chamado de presbítero na cidade de Hipona quando esteve lá
fazendo uma visita.
Agostinho foi responsável por sintetizar a cultura da Antigüidade e a herança das idéias sobre
o cristianismo originário. Ele conheceu profundamente o cristianismo por meio de Ambrósio,
possuidor de grande influência da filosofia oriental, e que tinha em alta estima a justificação
pela fé em Cristo. Após sua conversão ao cristianismo, ainda é possível identificar traços neo-
platônicos em sua vida e obra. Para ele, por meio dessas concepções platônicas era possível
enxergar o cristianismo, contudo, para compreender antes era necessário crer.
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Quanto à criação, fez a distinção entre usar e fruir (no sentido de deleitar) o mundo. Para ele, a
criação de Deus deveria ser usada e com deleite, isto é, como objeto de amor capaz de
conduzir ao objetivo final, o bem supremo. Esta distinção foi a base para o amplo sistema que
formalizou qual deveria ser a conduta humana em relação a Deus e ao mundo. O ser humano,
criação divina, deveria procurar a felicidade fora dela. Já que sua natureza é corrupta tende a
buscar a felicidade nas coisas mundanas, entretanto, somente após a conversão é possível se
encontrar a verdade. O ser humano por si só é incapaz de obter felicidade e realização. De
modo que precisa de uma força exterior, o Espírito Santo. Jesus Cristo realiza a graça de Deus
quando se torna humano, é ele quem faz a mediação entre a divindade e a humanidade.
Doutrina da Igreja em Agostinho. Agostinho defendia que a validade do sacramento não dependia
de quem oficiava a celebração. Ele fez distinção entre o sacramento em si e a eficácia do
sacramento, com isso, resolveu o problema do batismo realizado entre hereges e na igreja
ortodoxa. Segundo o teólogo, os sacramentos eram sinais externos de uma realidade espiritual
(influência do neoplatonismo). Neste sentido, para Agostinho, a igreja estava presente em
todo lugar onde a Palavra e os sacramentos fossem administrados de modo correto. De
acordo com a obra agostiniana Cidade de Deus e Cidade dos Homens, existem duas sociedades em
conflito, desde a fundação do mundo. A Cidade de Deus representa a comunhão dos santos, a
igreja interna e não a hierarquia. A Cidade dos Homens é composta por homens ímpios, não
necessariamente os governantes. Essa idéia de Agostinho cooperou para que oficialmente o
Estado se subordinasse ao poder exercido pela igreja, autoridade instituída por Deus na terra.
Doutrina do Pecado e da Graça. Pelágio foi o grande defensor do livre-arbítrio. Ele afirmava que
por meio do livre-arbítrio todo ser humano teria condições para escolher entre o bem e o mal.
Deste modo, o pecado consistia em atos isolados da vontade, portanto, não seriam defeitos da
natureza, mas da vontade humana. As crianças, portanto, estariam livres do pecado. Para ele a
graça de Deus auxiliava o ser humano na escolha mais rápida entre bem e mal.
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Quanto ao livre-arbítrio, Agostinho definiu em quatro estágios esse processo humano: antes
da queda, depois da queda, depois da conversão e na perfeição. Para ele, os pecados não são
apenas atos isolados, antes se trata da total corrupção (depravação) da natureza humana que
resultou em vontades deturpadas herdadas desde Adão. Por isso, as crianças não batizadas
estavam sujeitas à condenação. No processo de salvação o ser humano não tinha nenhum tipo
de participação. Essa obra só poderia se realizar por intermédio da graça de Deus revelada em
Cristo. Ele seria o único capaz de conceder perdão para os pecados e regenerar o humano
para a obediência aos mandamentos divinos.
Neste período, os germanos ascenderam ao domínio político e os líderes da igreja davam cada
vez menos atenção às questões teológicas. A seguir, alguns acontecimentos que merecem
destaque: 1) Boécio traduziu algumas obras de Aristóteles que foram utilizadas na Idade Média
(IM), 2) Dionísio, o Areopagita, expõe a cosmovisão e a religião neo-platônica, 3) Cassiodoro
apresenta-se como colecionador e enciclopedista e 4) Isidoro de Servilha reuniu o
conhecimento científico e teológico daquela época, foi ele que tornou acessível o saber
teológico às gerações seguintes.
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Como um dos rituais mais importantes da igreja e elemento que trazia populares até a igreja, a
ceia obteve lugar de destaque nas reflexões da época. A questão principal se relacionava ao seu
sentido, se a presença de Cristo neste ato deveria ser interpretada de modo real ou
simbolicamente. Enquanto por um lado se acreditava que após a consagração os elementos
(pão e vinho) se transformavam efetivamente em corpo e sangue de Jesus, por outro lado,
outros, de acordo com Agostinho, interpretavam a ceia apenas simbolicamente, isto é, como
memorial que tinha por intenção rememorar o sacrifício de Jesus.
Contudo, é certo que entre o clero e os populares na IM havia certa relação de opressão. A
igreja aos poucos foi se tornando o poder central e, com isso, se distanciou dos populares.
Para sustentar seu poder, valia-se da autoridade que dizia ser instituída por Deus e por meio da
teologia procurava explicitar a vontade divina a todos e todas. Talvez a grande contradição
deste período seja seu ensino que pregava o sofrimento, a humildade e a resignação aos
desígnios de Deus. Enquanto afirmava que a pobreza seria recompensada, o clero enriquecia a
base das taxas e dos dízimos que imputava as massas populares.
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Entre a igreja e o fiel crescia uma grande distância que se expressava nas diferenças entre a
religiosidade oficial (da igreja) e a religiosidade popular. Havia muitos religiosos que
estudavam e isto era privilégio restrito a poucos. Em contrapartida, a esmagadora maioria das
massas de populares era constituída por analfabetos que sequer tinham visto na vida um livro.
Nos monastérios, reclusos, os padres e os seminaristas discutiam questões teológicas e
filosóficas que há muito não faziam diferença para as pessoas em seus quotidianos.
Esse movimento e sua teologia surgiram por volta do século XI juntamente com as
universidades ocidentais. A característica principal dos escolásticos é o emprego da filosofia.
Eles usavam o método dialético que conduzia à divisão infinita dos problemas teológicos, isto
é, a discussão das questões teológicas nunca cessava. É importante notar que embora a
Escolástica tenha sido um só movimento, ela não representou única escola. Havia várias
tendências motivadas pela renovação da igreja e pela utilização da filosofia na educação da
época.
Vários nomes podem ser destacados: Anselmo, Pedro Abelardo, Hugo de S. Vitor, Pedro
Lombardo e outros, mas infelizmente não poderemos nos deter nos detalhes desse produtivo
período teológico. Vale dizer, entretanto, que a Escolástica teve dois períodos importantes
divididos em Alta e Baixa Escolástica. Já na sua faze final, os escolásticos admitiram as
influências filosóficas gregas em sua teologia e deram grande ênfase ao modelo aristotélico.
Contudo, nem todos os clérigos se satisfizeram com tal erudição teológica. Por isso, houve
discórdia principalmente entre dominicanos (dados à reflexão) e franciscanos (amantes da
prática piedosa). Neste período, outro grande teólogo se destaca, trata-se de Tomás de Aquino
que fica conhecido pelo seu universalismo.
Esse misticismo teve origem na teologia agostiniana e na piedade monacal. Os místicos não
eram contrários à escolástica, antes se relacionavam com ela e enfatizavam a experiência
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Eckhart aproximava-se muito do panteísmo (a palavra panteísmo tem origem no grego. Pan
significa “tudo” e Theós, “deus”, por isso, panteístas acreditavam que tudo era Deus. De
acordo com essa doutrina, Deus é o cabeça da totalidade e o mundo é o seu corpo), mas dá
especial destaque à encarnação. Segundo ele, o homem se salvaria quando morresse para o
mundo e se recolhesse para dentro de si a ponto de se unir completamente com o divino. Isto
poderia ocorrer em três etapas: 1) Purificação: arrependimento; 2) Iluminação: Imitação dos
sofrimentos de Cristo. Fazer o que é bom, contemplar os sofrimentos de Cristo; 3) União total
com Deus, negação do mundo e de si mesmo.
De acordo com os místicos, Deus era a única validade e a criação significava o nada. O ser
humano pertenceria ao nada e deveria objetivar a união com Deus. Alvo que só alcançaria
mediante a negação das coisas do mundo e dos desejos maus. Entretanto, não é a primeira vez
que tais idéias povoam o imaginário dos cristãos. Essas idéias sobre mundo mal e mundo
bom, materialidade e espiritualidade, negação e contemplação são motivos que pode-se
identificar em toda a história cristã desde a sua fundação no seio judaico. Por trás de tais
idéias, se movimentava a insatisfação que alguns religiosos mantinham com relação ao
envolvimento da igreja com o poder político e financeiro.
II Parte
2. A teologia protestante
“Só a Fé Salva”.
Martinho Lutero
“Deus criou vasos para a salvação e vasos para a danação eterna. Se a Mão de Deus estiver
sobre a tua cabeça tu será beneficiado aqui na terra com muita saúde e prosperidade. Por este
indício compreenderás que estás predestinado à salvação”.
João Calvino
A esse respeito, recentemente Carlo Guinsburg, famoso historiador italiano, escreveu a obra
intitulada O Queijo e os Vermes. Neste livro é contada a história de certo moleiro que sofreu
acusação de heresia pela igreja católica e viveu o processo inquisitório. É provável que
Menochio, como era chamado, tenha feito ao longo de sua vida apenas duas leituras, mas foi a
partir delas que elaborou a sua própria teologia acerca da criação do mundo. Essa história
indica que mesmo as pessoas mais simples desse período, por meio da leitura e do acesso à
informação, reformularam algumas de suas concepções sobre as condições de vida naquele
tempo. As mudanças de comportamento que estavam acontecendo, portanto, atingiram não
só âmbitos sociais e políticos, mas influenciaram também as artes e a religião que sempre se
manifestaram conjuntamente.
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Para alguns, a reforma trouxe novo enfoque para a teologia Contudo, a perspectiva dos
reformadores não se diferenciou dos católicos em relação às questões mais básicas do
cristianismo. Por exemplo, o reconhecimento da divindade de Jesus Cristo e de seu papel
como salvador da humanidade.
mesma de Deus. Para eles importava somente o Qualis: aquilo que Deus é quando se revela a
humanidade.
Neste período, a teologia passou a ser considerada revelação especial de Deus nas Escrituras
Sagradas. Os teólogos dessa época acreditavam que em função da natureza decaída do ser
humano (por causa do pecado original), havia separação entre Criador e criatura. Para que essa
separação fosse superada, Deus havia se revelado a todos e todas por meio das palavras
escritas na Bíblia e, assim, por causa de Sua graça e pela fé em Jesus, considerada dom de
Deus, a união entre humanidade e divindade poderia ser restaurada com o entendimento das
Sagradas Escrituras.
Outra figura de importância para a teologia da Reforma é a de João Calvino. Muito embora as
idéias desse teólogo sejam diferentes de Lutero em alguns pontos, o seu pensamento e
reflexão podem ser considerados expoente do século XVI. Calvino era francês e herdou o
interesse pela religião de seu pai que era católico. Mostrou vocação desde criança e por isso foi
colocado no Colégio dos Capeto e, posteriormente, admitido entre os filhos do Senhor de
Mommor. De 1523 até 1533 estudou teologia e direito. Foi provavelmente na Universidade de
Orleães e de Bourges que surgiu seu interesse pelo luteranismo e o desinteresse pelo
catolicismo.
Em 1533, estudante em Paris, Calvino se destaca pela escrita de discursos cujo conteúdo
apresenta-o crítico e herético do ponto de vista da igreja católica. Em 1536 publica em latim
Institutio Religionis Christianae e a mesma obra em francês, no ano de 1941. Passados alguns
anos, o pensamento teológico calvinista se institui de modo acentuado em Genebra, região
forte do protestantismo. Seu sistema é caracterizado por ser doutrina influente e amplamente
aceita. Basicamente sua teologia era teocêntrica, isto é, compreendia que Deus era o centro de
toda a reflexão e percepção das coisas relacionadas à religião e à sociedade. Todavia, opôs-se
ao grupo dos católicos, descordou dos luteranos e assinalou pontos considerados importantes,
como: a existência da Trindade, a encarnação do filho de Deus (Jesus Cristo), o nascimento
virginal de Jesus, a natureza humana e divina do filho de Deus (dupla natureza), a graça de
Deus, a predestinação e o pecado original.
Para Calvino, a Bíblia era a única e fundamental fonte de fé e regra de vida para os cristãos.
Mas o ensino das Sagradas Escrituras estava reservado somente aos pastores, aos mestres, aos
presbíteros (anciãos) e aos diáconos. Deste modo, ficava excluída a categoria episcopal e cada
comunidade (congregação local) seria independente e administrada por uma espécie de
20
Outros pontos do pensamento calvinista que geraram bastante discussão são: não aceitação da
confissão auricular feita somente com a figura do padre (para a remissão dos pecados), não
aceitação dos votos e do celibato, a negação das indulgências (à semelhança de Lutero) e da
existência do purgatório.
A autoridade das Escrituras. Deus se dirige e se revela à humanidade por meio das Escrituras
Sagradas. É por intermédio da leitura desses textos que as pessoas têm a oportunidade de
conhecer a Deus e a Sua mensagem verdadeira de salvação.
atuação de Lutero e Calvino, devemos dar destaque também a Ulrich Zuínglio, Menno Simos
e outros que apesar de muito criticados ainda hoje, foram grandes teólogos, tiveram coragem
para desfiar autoridades, são ainda mal interpretados, mas souberam viver bem suas vidas.
Não é tarefa fácil delimitar os objetivos da teologia. Mas, de antemão pode-se dizer que esses
objetivos são fixados por quem faz ou estuda a teologia. Em geral, essa disciplina requer
conhecimentos de outras áreas como antropologia, sociologia, história, psicologia e filosofia,
como exposto anteriormente. Ao contrário do que dizem alguns teólogos, a teologia não é
uma ciência autônoma, isto é, ela recorre ao instrumental de outras ciências humanas para
desenvolver sua reflexão.
Também é possível dizer que o teólogo e a teóloga cristã objetivam compreender a revelação
de Deus e, para isso, buscam interpretar o texto bíblico. Deste modo, a tarefa de quem faz
teologia é a de hermeneuta, isto é, intérprete da Palavra de Deus revelada nas Sagradas
Escrituras e na Sua criação. Ora, as coisas relacionadas ao sagrado não são tão facilmente
compreensíveis ao humano. Tradicionalmente, “o conceito tradicional de Sagrado aponta para
o intocável, isto é, o transcendente, inalcançável humanamente. Esse ser ideal cercado pela
áurea do mistério, do nebuloso, passou a ser acessível a outros grupos, que não só os
eclesiásticos, com o advento da Reforma (...)” que até então controlava a interpretação dos
textos bíblicos. “Com a eclosão das idéias reformistas, algumas das idéias lançadas no cenário
religioso são: Cada crente é um sacerdote (o Sacerdócio Universal)”. Assim, “cada indivíduo
pode se comunicar com Deus (...) A Bíblia é a mensagem de Deus para a humanidade, é a
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revelação da vontade divina para todos e todas, portanto, deve ser disponibilizada na língua de
cada tradição” (RODRIGUES, 2003, p.48-49).
A teologia, por intermédio do(a) hermeneuta, busca fazer o lógos (conhecimento) de Deus.
Porém, o intérprete é impedido ao defrontar-se com os limites estabelecidos pelo próprio
texto. A teologia tenta abstrair intelectualmente o Sagrado ou as coisas sagradas, mas só pode
alcançar noções a respeito do sagrado. Pois seu foco de estudo é nebuloso, é superiormente
infinito em relação à razão limitada do ser humano. Com isso, poderíamos dizer que a teologia
e a hermenêutica se confundem ou até mesmo que a teologia é pura hermenêutica.
Toda ciência estuda um objeto. De modo simples, pode-se dizer que o objeto de estudo da
sociologia é a interação social humana ou as relações sociais entre seres humanos. Então seria
natural compreender que no caso da teologia, o objeto de estudo é Deus ou a revelação de
Deus, simplesmente. Mas como dito antes, não é tão simples assim. Além de Deus superar os
limites racionais humanos e que, portanto, não pode ser apreendido totalmente, existem ainda
diferentes abordagens teológicas.
Na Idade Média, como vimos, na época conhecida como Escolástica e que foi protagonizada
pelos teólogos católicos, a tendência era fazer teologia de modo acadêmico. Neste período,
deu-se o surgimento das Universidades (primeiro em Paris, Oxford) e os mestres dessas
escolas eram absolutamente exigentes na formação de seus alunos. Historiadores como
Jacques Le Goff, afirmam que a Escolástica e as universidades devem ser compreendidas
23
como instituições interligadas. Neste caso, a teologia era de um rigor acadêmico estóico e só as
pessoas ligadas à igreja católica poderiam estudar teologia.
Mas, nem toda teologia tem formato acadêmico. Hoje em dia, a teologia circula também por
ambientes não acadêmicos e se expressa livremente entre religiosos leigos, isto é, que não
possuem cargos de sacerdócio, e entre pessoas comuns, muitas vezes não participantes de
igreja alguma. Essas abordagens teológicas podem ser chamadas: Teologia Pastoral e Teologia
Popular. No primeiro caso, a teologia pastoral visa o cuidado com o fiel da igreja, portanto, é
uma teologia de caráter prático, pois visa dar suporte espiritual àqueles(as) que se consideram
religiosos(as). No segundo caso, a teologia popular, ou que faz leitura popular, visa
proporcionar ao fiel, condições para compreender os textos sagrados e seus diversos
contextos para a vida quotidiana, sem que sejam necessários os aprofundamentos teóricos,
filosóficos e ou acadêmicos.
Durante muito tempo algumas pessoas quiseram estabelecer modelos formais para a teologia e
para isso atribuíram-lhe regras e metodologias. Como exemplo, pode-se citar o caso das
ciências da natureza ou ciências empíricas. Atualmente ainda se pode verificar a influência
dessas ciências na teologia e função do período iluminista. Em resumo, essa agregação da
teologia a outras disciplinas, sempre aconteceu e seguindo a história, já nos séculos XVIII e
XIX, a teologia sofreu o impacto de várias mudanças no cenário mundial que cooperaram
para alterações significativas também na sua compreensão de Deus e da humanidade. Neste
período, o lugar de excelência da teologia passou a ser a Alemanha, pois nessa região surgiram
muitas reflexões teológicas importantes, tanto entre católicos como entre protestantes.
Até então a teologia em voga enfocava entre outras coisas “a imanência de Deus e o ser
humano como agente moral e livre, a centralidade de Deus, a religião ética, fé racional e
experimental, o criticismo bíblico e a escatologia otimista e progressista”. É importante
observar que essa teologia, como qualquer reflexão desenvolvida dentro de determinado
24
O contraste que se impunha entre essa perspectiva teológica e as atrocidades provocadas pelas
guerras de então, provocadas pela disputa do poder, conduziram não só pensadores de
teologia como de outras áreas também ao negativismo. O colapso que essa crise gerou
permitiu que muitos pensadores(as) considerassem a realidade de modo pessimista e com isso,
cresceu o interesse pelo existencialismo. O clima de vazio e falta de sentido fez com que
diversas pessoas perguntassem: Como conciliar as descobertas tecnológicas com a tragédia da
maldade humana?
Neste estrato da história pode-se perceber que a teologia é reflexão que se pauta no tempo e
na cultura. Ela é dinâmica e viva. Portanto, é um tipo de saber que se desenvolve a partir das
perguntas que o(a) teólogo(a) faz. Deste modo, ela pretende o conhecimento de Deus ou em
relação às coisas de Deus à medida que aproxima a divindade do humano. Ela possui traços de
ciência porque é conhecimento produzido na inter-relação do sujeito (que pode ser crente ou
não) com o Sagrado. Mas a teologia não é um tipo de ciência reclusa às bibliotecas e aos
laboratórios. Ela brota juntamente com as novas perguntas que surgem no quotidiano. Por
25
isso, ela é formulada livremente e nos dois casos recebe influência de outras ciências, culturas,
contextos históricos etc.
c) Traços da teologia
Quando a teologia é caracterizada pelo modelo formal da pesquisa acadêmica pode apresentar
traços de: (1) criticidade, (2) sistematicidade, (3) dinamicidade. No entanto, a teologia é sui
generis porque sua base – a revelação – nas Escrituras ou na Criação é completamente diferente
dos objetos de estudo de outras ciências. Ela tem como princípios o saber transcendente
(princípio objetivo) e a fé (princípio subjetivo). Mas mesmo esses elementos são examinados
por alguns critérios.
Criticidade. Assim como toda ciência, a teologia é saber crítico, ou seja, saber que opera sobre si
mesmo, que é consciente de seus procedimentos e de suas limitações. Por isso, volta-se para si
mesma com olhar atento a fim de verificar possíveis lapsos e refazê-los na expectativa do
acerto. A criticidade é, portanto, movimento que se dá de dentro para fora. No caso do(a)
teólogo(a) cristão(ã), se busca compreender determinadas doutrinas à luz do exame de toda a
Escritura e, se possível, com olhar neutro, a fim de se detectar lapsos, acréscimos ou
deturpações do sentido original do texto bíblico.
Dinamicidade. Todas as ciências possuem como traço fundante a dinamicidade de onde provém
a idéia de progresso. Mas é importante notar que a dinâmica que está por trás da teologia não
despreza conhecimentos anteriores, antes sempre os coloca em debate para que sejam
reformulados. Esse desenvolvimento pode se dar em dois níveis: em extensão, quando
consegue explicar mais uma parte ou fragmento de seu objeto teórico, e em compreensão,
quando aprofunda um conhecimento ou compreende mais um segmento do mesmo objeto.
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Esses traços permitem que a teologia faça e re-faça continuamente seu discurso, sempre em
busca de abstrair um pouco mais a respeito da divindade e avançar um pouco mais no seu
conhecimento. Tais traços da teologia, ao mesmo tempo em que procuram delimitar o
universo de compreensões do sagrado acabam por ampliar idéias a respeito Dele.
d) Divisões na Teologia
Teologia Prática. O enfoque dessa teologia, como indica o nome, é a prática. Os métodos que
possam ser aplicados as necessidades pastorais das igrejas e que façam “ponte” entre os
ensinos bíblicos e o quotidiano dos fiéis são os mais indicados. Essa teologia visa concretizar
na vida dos fiéis, as bem-aventuranças bíblicas. Em geral, os instrumentais mais utilizados para
esse fim são as ciências pedagógicas e psicológicas.
27
Essas áreas da teologia ainda são condicionadas por outra classificação: a confessionalidade.
As confissões cristãs divergem em alguns pontos da teologia e concordam em outros. Em
geral, os conteúdos do Antigo Testamento e do Novo Testamento são os mesmos, com
diferenças entre as Bíblias católicas e protestantes que possuem cânones (lista de livros
bíblicos) diferentes. Assim, o olhar de cada grupo sobre o texto bíblico é feito de acordo com
seu ponto de vista. E é sobre isso que falaremos a seguir.
Na terceira parte deste livro, será apresentado breve panorama das teologias produzidas por
grupos minoritários. Esses grupos foram ocultados das páginas da história oficial, mas
conseguiram avançar em direção a claridade e, assim, deixaram de ser considerados
minoritários. Em parte, graças aos pressupostos dos reformadores, a teologia assumiu um
perfil mais popular. Embora tenha fugido brevemente dos sistemas filosóficos fechados, ela
não deixou de transitar por esses círculos e já nesta fase contemporânea parece ter assumido
novo “envolvimento” com os saberes filosóficos. Isto é o que veremos adiante.
28
III PARTE
Comumente a Teologia Contemporânea é datada a partir do século XX, mas para que suas
faces possam ser compreendidas adequadamente é necessário que se faça breve retorno ao
século XVIII e XIX.
No final do século XVIII, o antigo ideal exegético de reconstruir o sentido original do texto
ressurge com Schleiermacher. Este homem basicamente marca a passagem da hermenêutica
para o status de filosofia e, assim, essa disciplina passa para o rol das ciências humanas. Dentre
suas afirmações pode-se destacar que (a) entre o intérprete (sujeito) e o texto (objeto) não há
separação, (b) a linguagem humana determina o seu horizonte de compreensão e de
conhecimentos, (c) entre o todo (o mundo) e o particular (o texto) há uma relação de
circularidade, (d) sempre existe um ponto de referência a partir do qual se institui certa
compreensão. O desdobramento das afirmações de Schleiermacher tornou-se fundamental
para a compreensão da literatura bíblica e posteriormente culminou na Teologia Liberal.
a) Teologia Liberal
Como vimos, a teologia liberal se desenvolveu por volta do século XX, na Alemanha. Essa
teologia propõe a liberdade de expressão e o primado da razão em detrimento à autoridade
clerical e às doutrinas absolutas sobre Deus. A teologia liberal se opõe à sistematização do
dogma dado na forma de ortodoxias (século XVIII) e é marcada pelo otimismo em relação ao
progresso do ser humano, auxiliado pela tecnologia e pela razão lógica. Há muito preconceito
em torno da teologia liberal. Muitos afirmam sua maldição sem ao menos tentar compreender
seus pressupostos. Mas, afinal, quem foram seus protagonistas e quais os seus objetivos? O
que diziam os teólogos liberais e com o que estavam preocupados?
A metodologia empregada por essa escola é conhecida como História das Religiões Comparada.
Basicamente, é um método que compara diferentes tradições culturais em busca de elementos,
imagens, símbolos e expressões recorrentes (elementos estruturais convergentes). Os rituais
envolvendo água, por exemplo, aparecem em religiões de tradições diferentes. No entanto,
muitas vezes a água é usada como elemento de purificação, num sentido parecido com o
judaico-cristão. A História das Religiões Comparada considera os movimentos do judaísmo e
do cristianismo dentro do contexto mais amplo formado por diversas tradições do Mundo
Antigo, em especial, Mediterrâneo, e procura identificar mitos, símbolos e rituais estruturados
a partir de elementos comuns e que, no processo de desenvolvimento das tradições culturais
são re-elaborados ganhando significados diferentes.
Esta escola teológica foi protagonizada inicialmente por alguns pensadores muito criticados
por suas afirmações “bombásticas” no cenário da teologia conservadora. Dentre eles podemos
destacar Hermann Samuel Reimarus (1694 – 1768), precursor dos estudos sobre a vida de
Jesus em perspectiva histórica. Foi um dos responsáveis pela distinção entre a pregação de
Jesus e a fé de seus apóstolos. Sua abordagem considerava que os ensinos de Jesus devem ser
considerados à luz da herança judaica de seu tempo, e que o cristianismo foi uma “invenção”
apostólica.
Com David Friedrich Strauss (1808 – 1874), o conceito de mito foi aplicado pela primeira vez
aos evangelhos. Ele interpretou a vida de Jesus como narrativa construída pelos discípulos,
negou sua divindade e o valor salvífico de paixão. Seguindo adiante, Adolf von Harnack
(1851-1930) é considerado último expoente do protestantismo liberal. Harnack, apesar de ser
grande historiador de seu tempo também foi considerado excelente teólogo. Considerou o
método histórico-crítico (séc. XIX) instrumento essencial para a interpretação da linguagem
bíblica. Harnack, apesar de ser grande historiador de seu tempo também foi considerado
excelente teólogo. Considerou o método histórico-crítico (séc. XIX) instrumento essencial
para a interpretação da linguagem bíblica. Segundo Harnack, não há possibilidade de
interpretação da Bíblia fora do método científico. Assim, considerou os dogmas frutos do
processo de helenização do cristianismo e os milagres, produtos da mística judaica.
Com isso, a teologia deu um salto: do extremo teocêntrico para o extremo antropocêntrico. A
perspectiva de interpretação dos textos bíblicos passou a ser científica e regida por
pressupostos acadêmicos. O texto bíblico perdeu seu caráter sacro e tornou-se efetivamente
objeto. A inicial temeridade e reverência, típicas dos teólogos piedosos, cedeu lugar à
30
dissecação do texto bíblico. O dogma foi exposto à crítica e, portanto, questionado quanto a
sua autoridade.
Mas é importante notar que nem todos teólogos classificados como liberais correspondem
efetivamente ao estereótipo de “destruidores” da fé cristã. Existiram outros nomes, dentre os
quais destacamos Rudolf Bultmann, que apesar de herdeiros da herança liberal alemã,
avançaram em suas reflexões teológicas e, deste modo, não deveriam ser enquadrados
vulgarmente no modelo liberal. Bultmann, assim como Karl Barth, são exemplos distintos,
mas eficazes para a demonstração de que a perspectiva liberal foi fundante para o avanço da
reflexão teológica. Resumidamente, Bultmann dialogou com categorias filosóficas (de
Heidegger) para responder às questões de seu tempo. Barth, também preocupado com os
problemas de seu quotidiano, recorreu à ortodoxia e re-tomou princípios hermenêuticos do
século XVI. Foram duas respostas, diferentes, ao mesmo problema. Todavia, em ambos os
casos, a preocupação central foi tornar a proclamação do Novo Testamento atual para a
audiência.
Portanto, a TL irrompeu num espaço geográfico e cultural não europeu e por meio de sua
reflexão teológica, buscou desmontar as bases da teologia feita pelos dominadores, seus
opressores. Podem-se destacar vários nomes que figuraram essa importante história. Dentre
eles estão: Gustavo Gutiérrez (peruano), Juan Luís Segundo (uruguaio), Jon Sobrino
(salvadorenho), Ronaldo Muñoz (chileno) e outros. Entre os brasileiros, Frei Betto, Leonardo
e Clodovis Boff (católicos), Rubem Alves, Milton Schwantes e Jaci Maraschin (protestantes).
Além destes, existem outros igualmente importantes.
Grosso modo, a TL eclodiu em meados dos anos 60, no século XX. Este período, em
particular, foi de extrema movimentação política, com destaque para o movimento socialista
que teve grande força a partir da revolução liderada por Fidel Castro e o governo de Salvador
Allende, no Chile. No Brasil, o panorama político foi conturbado com muitas movimentações
de partidos políticos, de sindicalistas, de estudantes e de artistas. No geral, se reivindica
condições de vida mais justas para a sociedade. Falava-se de igualdade de direitos e de
liberdade de expressão, de reformas na estrutura política, de reforma agrária e outros assuntos.
Entretanto, a realidade era controlada pelo governo ditatorial e militar. Houve várias
manifestações, pessoas foram exiladas, outras censuradas e quase todas as expressões
contrárias ao governo eram reprimidas com violência.
32
Neste momento, Gustavo Gutiérrez desenvolveu uma importante perspectiva teológica acerca
da posição que o ser humano ocupa em relação a Deus: a separação entre sagrado e profano
não existe. A história divina e humana é única e Deus age, ao longo de toda a história,
libertando-os dos diversos tipos de opressão. Gutiérrez deu caráter prático de libertação à
teologia por meio dos fundamentos da teoria crítica marxista. A TL criticou a igreja e refletiu a
respeito de seu papel social que legitimava, isto é, concordava com a opressão e a injustiça
social. A igreja compreendeu que em função de sua pregação sobre o reino de Deus futuro,
agia passivamente no presente e se omitia em relação à exclusão social, miséria e desigualdade.
A partir da leitura de Marx, que considerou a igreja um instrumento opressor do Estado,
alguns dos teólogos e dos sacerdotes re-pensaram suas idéias e posturas religiosas, e
reconheceram antigas alianças com os ricos (quando pregavam que a resignação à vontade de
Deus e o sofrimento na Terra era a garantia de vida eterna no paraíso).
Para teólogos da libertação como Jorge Pixley, “Em termos abstratos e gerais, o reino de Deus
significa na Bíblia uma sociedade de justiça, igualdade e abundância. Em termos concretos,
esse reino orienta projetos históricos diferentes sob diferentes circunstâncias. Em dois
momentos básicos, o reino significou libertação, luta contra os sistemas classistas que
exploravam sistematicamente os trabalhadores de Israel (...) aceitar Iahweh como rei de Israel
significava repudiar os reis que estavam explorando as aldeias produtivas e, juntamente com os
reis, rejeitar a superestrutura religiosa que lhes deu legitimidade (...) o reino de Deus mais uma
vez se transformou numa inspiração para revoltas e promessas de libertação (...)” (PIXLEY,
1986, p.117).
33
A TL levou a cabo a prática libertadora. Neste sentido, o ato de evangelizar passou a significar
libertação não só do pecado, mas também da vida alienada e resignada. A reflexão teológica
passou a ter compromisso com as coisas do espírito e do corpo, a ver o ser humano
integralmente. Assim, o pecado não era mais só o mal espiritual (a desobediência, a blasfêmia,
a heresia, a descrença etc), era também a injustiça materializada em decisões individualistas que
prejudicavam a vida humana.
Com a TL, a hermenêutica dos textos do Antigo e do Novo Testamento adquiriu novo rosto.
Temas como a salvação e o reino de Deus, que antes eram sempre “jogados” para o futuro,
foram re-visitados e a leitura ganhou novas cores. A TL falava do movimento de Deus a
libertar seu povo da escravidão do Egito, a restaurar sua dignidade e tradição, a derrotar os
opressores do povo escolhido e a providenciar o pão da vida para o presente. De acordo com
essa perspectiva, Jesus foi interpretado como o filho de Deus encarnado para o anúncio da
libertação. Foi considerado o profeta, o líder revolucionário que subverteu a ordem do
Império Romano e que andava entre os pobres, as mulheres, as crianças, as prostitutas e os
parias da sociedade. Dentre alguns títulos de livros importantes, destacamos: Jesus Cristo
Libertador, de Leonardo Boff (1972); Cristologia desde América Latina, de Jon Sobrino
(1976), El hombre de hoy ante Jesús de Nazaret, de Juan L. Segundo (1982).
Existem muitos outros livros e revistas especializadas em teologia que se tornaram meios
importantes de divulgação da abordagem teológica libertária. Na grande maioria, o tema
principal era a libertação dos pobres e a luta por sociedades mais justas e igualitárias. Mas essa
teologia não circulou apenas entre teólogos. A grande expressão da TL se deu entre os
populares e as lideranças leigas que se reuniam em Comunidades Eclesiais de Base (as CEBs)
para a celebração da fé, a organização de cursos profissionalizantes, as palestras de
conscientização e muitas outras atividades que objetivavam tornar cada mulher e homem,
conscientes de seus direitos e de seus potenciais.
b) A Teologia Feminista
Podemos dizer que o pano de fundo que instigou a reflexão feminista foi o olhar masculino na
edição histórica. Sabe-se que o estabelecimento da ordem social patriarcal se deu antes da
formação da civilização ocidental, e instituiu o homem como norma e a mulher como desvio:
“Gradualmente, ele institucionalizou os direitos dos homens para controlar e se apropriar dos
serviços sexuais e reprodutivos das mulheres, estabelecendo formas de dominação, tais como
a escravidão e instituindo um sistema funcional complexo de relacionamentos hierárquicos,
tecendo um verdadeiro sistema de idéias” (LERNER, 1993, p. 3).
35
Na Idade Contemporânea, machismo passou a ser identificado mais claramente por meio da
reflexão sobre as estruturas dos mitos com personagens femininos, escritos por homens. Em
“O segundo sexo”, escrito por Simone de Beauvoir, a autora demonstrou que tais narrativas
podem representar projeções da fantasia masculina a respeito das mulheres consideradas ideais
ou malditas. De qualquer modo, o olhar sobre a edição histórica mostrou que a mulher não
detinha de si mesma a concepção de identidade. A existência feminina foi sempre abordada a
partir do ponto de vista patriarcal que a concebia como incapaz e débil.
Após a fase inicial, o feminismo liberal obteve conquistas relevantes. Entretanto, a inserção e
os ganhos não foram plenamente satisfatórios. As mulheres empregadas, além de acumular
duas funções (a de operárias e a de donas de casa) ocupavam cargos de pouca expressividade
ou de remuneração inferior aos homens, às vezes, na mesma função. Tal situação gerou
36
As feministas perceberam que os papéis sociais e religiosos podem ser construções culturais
que tem por base, concepções machistas. Assim, em resumo, os homens seriam criados para
serem “machos provedores” e as mulheres, “fêmeas procriadoras”. As duas caracterizações,
entretanto, são nocivas às relações humanas e, por isso, opressoras, tanto para mulheres
quanto para homens.
A teologia feminista se propõe a resgatar a história dessas personagens que a história oficial
silenciou e, com isso, construir uma leitura bíblica mais justa a fim de que tanto mulheres
quanto homens sejam devidamente valorizados em seus papéis e funções. Dessa idéia de
equilíbrio que aos poucos foi superando a inicial competição surgiu o ecofeminismo, outro
estágio das discussões feministas.
Nas religiões patriarcais, o sistema de símbolos promove a imagem masculina de Deus. Isso
implica na concepção de que humanidade e natureza são realidades separadas e reforça a idéia
de que o ser humano é superior a natureza. Deste modo, a idéia de que Deus transcende o
mundo favorece o estabelecimento da hierarquia entre divindade e o mundo natural. Já que a
Bíblia identifica Deus como do gênero masculino (“Criou, pois, Deus o homem à sua
imagem”, Gn. 1: 27) se estabelece a relação de superioridade entre homem e natureza, homem
e mulher. O ecofeminismo busca desconstruir esse tipo de leitura da Bíblia que promove a
hierarquia, a desigualdade e a degradação do ser humano.
37
c) Teologias Pontuais
Atualmente a reflexão teológica cresce cada vez mais, assim como as ferramentas
metodológicas para desenvolvê-la. Seja nos círculos acadêmicos ou entre populares, nas
igrejas, nas comunidades ou nas casas, a teologia assume contornos de ciência, mas permanece
ao alcance de todos e de todas. Além disso, pode-se falar com tranqüilidade que a pesquisa
teológica em países latino-americanos é tão qualificada quanto no norte da América, Europa e
Alemanha. Ainda há falta de recursos e de incentivo, contudo, essas dificuldades não têm
constituído grandes empecilhos para que o interesse pela teologia, pela religião e pelo sagrado
se esvazie.
O século XX testemunhou grande oferta de teologias. Cada uma delas, como dito, buscava
cercar um aspecto pontual sobre o qual se julgava não ter havido muita ênfase e que, desta
forma, poderia ser mais bem explicitada. Dentre elas, conhecemos a teologia dialética, a
teologia existencial, a teologia hermenêutica, a teologia da cultura, a teologia da história, a
teologia da cultura, a teologia das religiões e muitas outras.
Teologia da Cruz. Foi Lutero quem contrapôs expressamente a teologia da cruz à teologia da
glória, essa última reconhecida como oficial pela classe dominante. Pode-se dizer que essa
abordagem teológica é herança do Apóstolo Paulo. Tecer uma definição para essa teologia é
tarefa complicada, mas podemos aceitar que a teologia da cruz enfatiza a centralidade do
38
evento Cruz de Cristo. “É na cruz de Cristo e do cristão que se mostra o sentido mais
profundo da ação de Deus junto ao mundo. A teologia da cruz é cristocêntrica. Para o cristão,
Cristo é tudo, ele é o eixo central da reflexão teológica”. Assim, a marca da teologia de Lutero
é a teologia da cruz.
Teologia da Esperança. O enfoque central desta teologia é mostrar que a prática da fé se inflama
graças à ressurreição de Jesus Cristo, isto é, a mensagem da ressurreição impele a todos e todas
à decisão de transformar a comunidade, a sociedade e o mundo. Por isso, a liberdade
conquistada graças ao sacrifício de Cristo e a mensagem do reino de Deus significam mais do
que liberdade e santidade interiores. “Expressam sempre e por igual o ‘Shalon’ dirigido a todo
homem e toda mulher em suas relações sociais” (Ganz Andere).
Pesquisas feitas nos Estados Unidos sobre a teologia revelam que existem duas raízes
históricas e filosóficas da teologia da prosperidade: O pentecostalismo (Barron, 1987; Horn,
1989) e várias seitas metafísicas do início do século XX, que floresceram na região de Boston
(McConnell, 1988). Dessas duas fontes, o pentecostalismo fornece a base ou o grupo onde
essa teologia encontrou a maior parte de seus adeptos, enquanto os pressupostos filosóficos
propriamente ditos foram fornecidos por pressupostos metafísicos.
Sua doutrina é radical com relação ao homem físico e espiritual. A teologia da prosperidade
afirma com constância que nem doenças nem problemas financeiros fazem parte da vontade
de Deus para seus filhos. Portanto, o cristão que passa por tias situações não tem fé suficiente
ou está em pecado. Outra característica dessa teologia e a chamada confissão positiva. Ela
garante a realização dos pedidos do fiel desde que sejam realizados com fé. Neste sentido, o
objeto de desejo do fiel deve ser reivindicado pelo cristão imperativamente. À luz das cenas
quotidianas que constituem a grande maioria das realidades das pessoas nas ruas, nas casas e
nas comunidades de que fazem parte, parece razoável que alguns religiosos exijam bênçãos de
Deus. As necessidades são muitas e as ofertas também.
Parece que a teologia da prosperidade apenas segue o modelo imediatista das sociedades de
consumo ocidentais. Assim, tão fácil quanto se comprar um Big-Mac deve ser o alcance de
39
uma vontade. Neste caso, Deus é o(a) atendente do balcão que gentilmente solicita ao cliente:
“Faça seu pedido”.
IV Parte
O surgimento da teologia cristã se deu em meio às questões dos cristãos primitivos, como
respostas aos problemas daquele tempo e com as informações que se tinha “à mão”. Havia
41
A teologia daquele tempo deve ter principiado nas soleiras das casas, nas agriculturas dos
camponeses, nas feiras-livres e nos comércios das pequenas aldeias onde pescadores, artesãos,
taberneiros, mulheres e crianças circulavam todos os dias. Nas suas conversas, homens e
mulheres deveriam trocar impressões sobre os ensinos de Jesus à luz das histórias que ouviram
de seus pais, judeus antigos, e das experiências religiosas dos gregos, dos romanos e de outros
estrangeiros que se encontravam para fazer negócios, nas idas ao Templo ou na hora de pagar
tributos.
Pequenos relatos de histórias antigas, citações de ensinos judaicos e associações com o que os
nazarenos viviam devem ter gerado muitas adesões e também recusas. Tais possibilidades nos
levam a entender que esses fazedores de experiências impulsionaram o nascimento da teologia
com suas idéias de esperança, de salvação, de reino de Deus e tantas outras sempre muito
controvertidas.
Tantas controvérsias que permearam toda a Antigüidade até o período medieval e, finalmente,
invadiram a época contemporânea, tiveram seus inícios lá na diversidade cristã do I século. E
foi a partir das experiências religiosas quotidianas desses homens e dessas mulheres que o
cristianismo foi se formando o movimento e, posteriormente, uma das religiões mais
importantes do mundo. Por causa desse brilho que ofusca e desvanece frente às situações que
se impõem dia a dia. É provável que Deus continue a significar um enigma e que toda
tentativa de se fazer o logos de Theos seja sempre frustrada, dada a limitação humana. Mas é
neste ponto que reside a beleza magistral da teologia: “no instante em que se crê ter terminado
o edifício, tudo pode, arbitrariamente, desvanecer-se no nada”.
A teologia, portanto, permanece sem definição porque seu objeto permanece inominável.
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