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Os idosos e a sociedade
-Olha filho, tens aqui este cobertor para quando o teu filho também
te trouxer para aqui, não venhas a passar frio como eu. E, dito isto,
entregou o cobertor ao filho e começou a caminhar, afastando-se dele.
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Entrevista a um idoso
Cá está ele, à porta de casa. Veste todo de negro pela “sua infeliz”. Na
cabeça um boné preto, camisa preta e calças… pretas. Nos pés, grandes, as
pantufas, de cor castanha.
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- “Ó pás, ainda vais apanhar uma raposa por causa de mim” [chama-se
apanhar uma raposa quando se não transita de classe].
Ti João - Oh! pás, “bota” [escreve] aí que estou danado por estar aqui
assentado sem me poder mexer. É o que mais me custa. E eu que tinha umas
ricas pernas. Nada parava comigo. Agora esta danada [assinala ele a perna
direita com a da mão do mesmo lado] não me deixa andar. Esta dor na anca
mata-me
T. J. – Ah, não. Daqui só saio a quatro [só morto]. Se eu algum dia deixar de
ver as minhas ovelhinhas e a minha seara, vou logo bater com o costado nas
raízes dos cedros. Enquanto aquela alminha de Nosso Senhor tratar de mim,
p´ra aqui hei-de estar. Mas vou olhando ao que ela me faz [vai-lhe
retribuindo com algum dinheiro]. E o que ela colheitar, [colher da terra]
dela é. Os outros são soberbos, pois que se amanhem [façam que
entenderem por correcto] lá que eu cá me vou arranjando. Se eu um dia for
obrigado a ir p´ro asilo, não duro lá muito tempo.
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atrás de mim. Não havia coisa melhor aqui em … Era coisa linda… No
caminho, assim que a “chigava” a hora, comia as sardinhitas e a broa. Os
outros “buiam” pirolitos. Lembras-te dos pirolitos? (aceno-lhe com a cabeça
afirmativamente). Eu cá malhava-lhe sempre do tinto. Nunca eu paguei auga
para buer [água para beber]. Ai que tempo! Agora, antes de me dar esta
coisa [refere-se ao AVC] andava-me “pr´aí” a criar [estava a apreciar] com
as minhas ovelhinhas… Esta malvada [ a perna] deita-me a terra [atira-me ao
chão], porque ó mais ainda me sinto bem.
T.J.- É pás, se não estivesses aqui, poisavam-me nos braços, estas danadas.
Isto é que me vai dando alma. Tudo isto que eu arranjei com o mi suor.
Sempre a trabalhar. E comprei os meus bocadinhos [parcelas de terra].
Foram elas que me foram safando para governar a minha vidinha.
T.J.- Olha, graças a Deus Nosso Senhor ainda cá vem muita gente. Novos e
velhos. Às vezes até me dá vontade de chorar por ter tanta gentinha que
gosta de mim. Aqui há dias disse à minha filhinha para cortar aquele valado
[vedação natural feita de marmeleiros, silvas e ervas] para poder ver as
pessoas que passam na estrada. Assim alcanço mais longe.
E - Ó ti João, conte lá uma maldade que tenha feito quando era novo.
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- Traz a garrafa, que tu tens lá do que é bom. Tem que ser uma hora que a
“minha alminha de Nosso Senhor” vá regar o milho.
Não lhe respondi, mas dentro de mim ficou silenciosa a promessa que o hei-
de fazer. Mas vou levar também, talvez, umas fatias de presunto e queijo.
«Que tal Ti João?»
E pronto, lá foi ele. Foi limpar-se por dentro e lavar o corpo porque não
precisa de lavar a alma. O Ti João é um homem de alma sã, embora o corpo
já o esteja a trair. Ele é ainda um jovem na medida em que ainda é capaz de
gostar da vida, da comida, do vinho e de mais alguma coisa.
Comentários
Pois, ainda nos lembramos que durante muito tempo, eram as famílias
que se ocupavam dos seus familiares idosos, sem que para isso reclamassem
quaisquer apoios por parte das entendidas públicas. Apesar de a velhice ser
um processo fisiológico e não uma doença, essencialmente nos idosos mais
velhos, a necessidade de ajuda começa a ser uma constante.
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As pessoas casam cada vez mais tarde, separam-se mais vezes, têm
filhos mais tarde e optam por ter cada vez menos filhos. Na Europa, a
esperança média de vida situa-se actualmente nos 80 anos, para os homens,
e nos 87, para as mulheres.
O Envelhecimento em Portugal
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Mas nem sempre é verdadeira a ideia que se tem do que o idoso que
vive sozinho é uma pessoa infeliz. Idosos há que preferem ficar a viver
sozinhos quando ficam viúvos.
Muitos daqueles que optam pelos asilos, passam os dias a olhar pelas
janelas à espera de quem nunca chega: “a sua família”. Trabalharam uma vida
inteira, comeram o pão que o “diabo amassou”, construíram um lar e criaram
os filhos. Depois envelheceram. Os filhos casaram, tiveram outros filhos e
esqueceram-se dos pais. Colocaram-nos em lares, fechados a sete chaves,
para se libertarem do peso de uma velhice que um dia também hão-de
também carregar.
J. Rodrigues.