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E um dia hei de morrer eu tambm Totalmente.

No como andei morrendo at hoje, sozinho, por minha prpria conta como um Rilke mesquinho com sua rosa seca, um fantasma, um demente, Alexandria, o temporo sobrevivente. Do olho branco do sol vai surgindo um espinho que descobre os cactos todos do caminho, e a vida inteira eu fui assim: cacto insolente a situar-se onde o deserto empalidece. Hei de espernear a ltima gota do rude dom do cacto orgulhoso ante a decrepitude, e hei de morrer contando os graus; a minha prece h de ser geomtrica porque afinal no pude embalsamar a luz cadente, o sol que desce. In: A Imitao do Amanhecer Soneto III-96 Bruno Tolentino. ----------------------------------------------------------Existe a realidade e existe o sopro do real, a vertigem instauradora; existe aquele susto e, mais no fora, existe a grande aspirao do corpo. Porque existe no corpo uma incorprea Inquietao, a vocao do morto em ser mais que seu corpo. Porque o corpo nesta vida estraalha-se por fora mas salvo por dentro. Existe aquilo que os sentidos agarram na corrida e largam para trs, por no feri-lo demais, o corpo ponto de partida. Nobre demais para viver tranqilo. Pobre demais para conter a vida. Bruno Tolentino. ------------------------------------------Sinto-me salivado pelo verbo, rodeado de presenas e mensagens, de santurios falhados e de quedas, de obstculos, de limbos e de muros. Furo as noites e vejo-te, Solstcio, ou recolho-me ao mago das coisas, renovo um sacrifcio expiatrio, lavo as palavras como lavo as mos. Esta a zona sem mar e sem distncia, solido, semidouro, barro-vivo, barro em que reconstruo sangues e vozes. No quero interromper-me nem findar-me. Desejo respirar-me no Teu sopro,

aparecer-me em Ti, continuado. ------------------------------------------Eu vivia de lgrimas isento, num engano to doce e deleitoso que, em que outro amante fosse mais ditoso, no valiam mil glrias um tormento. Vendo-me possuir tal pensamento, de nenha riqueza era envejoso; vivia bem, de nada receoso, com doce amor e doce sentimento. Cobiosa, a Fortuna me tirou deste meu to contente e alegre estado, e passou-se este bem, que nunca fora; em troco do qual bem s me deixou lembranas, que me matam cada hora, trazendo-me memria o bem passado Cames ----------------------------------------------

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