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Resumo: O auge da produção cultural brasileira aconteceu nos anos 60 e 70, um período
marcado pela repressão e pela censura. As manifestações e movimentos culturais, em sua
maioria politicamente engajados, foram resultado da capacidade criativa do brasileiro
aliada as circunstâncias de duas décadas de muitas transformações políticas e sociais no
Brasil e no mundo. O teatro, a literatura, a arte, a música, o cinema e a imprensa foram o
lugar das discussões políticas e das inovações. O jornalismo assistiu ao surgimento da
Imprensa Alternativa, com modelos e técnicas criativas.
1
ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira.
2
2
DAMATTA, Roberto. Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa.
3
Ferreira Gullar citado em ARANTES, Antonio Augusto. O que é Cultura Popular.
4
GONÇALVES, Marcos Augusto e HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Cultura e participação nos anos
60.
3
5
Idem.
6
Ibidem.
7
NAPOLITANO, Marcos. Arte engajada e seus públicos (1955/1968).
4
diversas formas: Chico Buarque, por exemplo, por vezes adotou o pseudônimo Julinho de
Adelaide para assinar suas composições; os escritores utilizavam técnicas como a do
romance-reportagem8; o uso da figura de linguagem metáfora foi recorrente, como na
canção Dia de Graça, de Sérgio Ricardo, em que as estrofes: “No conto que eu conto pra
mentir/ De primeiro de abril” referiam-se ao golpe militar ocorrido em 1964; a música
Cálice, uma das mais famosas de Chico Buarque, utiliza um cacófato para criticar a própria
censura. Esses poucos exemplos comprovam que diante do fechamento, do cerceamento da
liberdade, o brasileiro viu-se obrigado a trabalhar criativamente para criticar e tentar
modificar a estrutura política vigente.
“(...) a cultura tornara-se um espaço para onde haviam
migrado as poucas formas de resistência, até pelas lacunas
deixadas pelos censores.”9
Não pretendo esvaziar o mérito da MPB como proposta inovadora e alternativa
de música para o período, pois sua relevância não é apenas histórica, já que influenciou e
ainda influencia várias gerações de artistas. No entanto, a relação que se estabeleceu entre
censura e liberdade de expressão ficou mais visível na música, por se tratar de um produto
cultural mais acessível e mais abrangente. De certa maneira, a censura influenciou,
decisivamente, o sucesso da MPB.
“Se a MPB sofria com o cerceamento do seu espaço de
realização social, a repressão que se abateu sobre seus
artistas ajudou a consolidá-la como espaço de resistência
cultural e política (...). Paradoxalmente, o fechamento
completo do espaço público para os atores da oposição civil,
consolidou os espaços galvanizados pela arte, como formas
alternativas de participação, nos quais a música era um
elemento de troca de mensagens e afirmação de valores,
onde a palavra, mesmo sob forte coerção, conseguia
circular.”10
8
HOHLFELDT, Antônio. A fermentação cultural da década brasileira de 60.
9
VILLARINO, Ramon Casas. A MPB em movimento: música, festivais e censura.
10
NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e
consumo cultural.
6
11
PEREIRA, Carlos Alberto M. Em busca do Brasil contemporâneo. Capítulo: Poesia Marginal –
Literatura e Cultura nos Anos 70.
12
Idem.
13
SMITH, Anne-Marie. Um Acordo Forçado – o consentimento da imprensa à censura no Brasil.
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imparcialidade. Apesar disso, os prejuízos não foram menores para estes veículos. A
censura, quando institucionalizada em 1968, proibia reportagens de serem publicadas, em
protesto, muitas vezes, o jornal publicava no mesmo espaço receitas de bolo. A publicidade
era o instrumento de chantagem dos governos militares, porque pretendia forçar o jornal a
aderir a autocensura, ou então as verbas publicitárias do governo seriam retiradas do
veículo. Nesse contexto, o jornal que não seguisse as “regras do jogo” deixaria de circular,
ou até mesmo teria seu fim decretado.
Os jornalistas, além de terem suas matérias vistoriadas diariamente, viviam sob
tensão, já que muitos também eram militantes políticos e poderiam ser vítimas de
perseguição pelos militares. Mas até aqueles que não atentavam diretamente contra o
regime ou se envolviam na militância corriam esse risco. Vladimir Herzog foi a vítima mais
emblemática. Morreu depois de ser preso e torturado na sede do Doi-Codi, enquanto os
militares divulgavam a versão de suicídio. Zuenir Ventura relata que esse jornalista não
utilizava sua profissão ideologicamente e morreu injustamente:
“Por isso a morte de Vlado me pareceu mais estúpida. Ele foi
morto pelo que não fazia. Vlado não era um político, um
militante, não usava a profissão para fazer contrabando
ideológico, uma tentação daqueles tempos em que, por não
se respirar, procurava-se em qualquer fresta o ar da
liberdade. Ao contrário – e essa era a mais admirável de suas
virtudes profissionais – Vlado não instrumentalizava o
jornalismo, não fazia dele um pretexto político; ele
acreditava na informação como força transformadora.”14
É justamente no auge da repressão política, que surge a Imprensa Alternativa ou
Imprensa Nanica. Foi a grande novidade jornalística do período da ditadura, que uniu o útil
das idéias da esquerda ao agradável desejo de se criar formas diferentes de fazer
jornalismo. O contexto político exerceu profunda importância no surgimento dessa
imprensa que o fim da ditadura também representou a decadência da maioria das
publicações.
14
VENTURA, Zuenir. Um mártir da abertura. Artigo publicado no suplemento especial do Jornal da
Associação Brasileira de Imprensa de novembro/dezembro de 2005.
8
15
BARROS, Patrícia Marcondes de. Stultíferas Navis: A Imprensa Alternativa como antídoto ao Regime
Militar.
16
Perseu Abramo citado em Imprensa Alternativa – apogeu, queda e novos caminhos.
17
Imprensa Alternativa – apogeu, queda e novos caminhos.
9
18
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da imprensa alternativa.
19
Idem.
10
20
Ibidem.
11
Bibliografia:
ABRAMO, Perseu. Imprensa Alternativa: alcances e limites. In: Tempo e Presença
nº 233, 1988. Disponível em: www.fpabramo.org.br/fpa/perseu/imprensa_alternativa.htm
ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura Popular. São Paulo: Brasiliense, 1981.
BARROS, Patrícia Marcondes de. Stultíferas Navis: A Imprensa Alternativa como
antídoto ao Regime Militar. In: Anais Eletrônicos da XXII Semana de História – “O
Golpe de 1964 e os dilemas do Brasil contemporâneo”.
DAMATTA, Roberto. Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa. Rio de
Janeiro: Rocco, 1986.
GONÇALVES, Marcos Augusto e HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Cultura e
participação nos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1994.
HOHLFELDT, Antônio. A fermentação cultural da década brasileira de 60. In: Revistas
FAMECOS, Estudos Culturais. Porto Alegre: PUCRS, 1999.
Imprensa Alternativa: apogeu, queda e novos caminhos. Cadernos da Comunicação.
Série Memória; vol. 13 – Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Secretaria
Especial de Comunicação Social, 2005.
JUNIOR, João Baptista de Abreu. As Manobras da Informação – Análise da cobertura
jornalística da luta armada no Brasil (1965-1979). Rio de Janeiro: Dissertação de
Mestrado da Escola de Comunicação da UFRJ, 1997.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da Imprensa
Alternativa. São Paulo: Scritta Editorial, 1991.
NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência
política e consumo cultural. In: www.puc.cl/iaspm/mexico/articulos/napolitano.pdf
____________________. A arte engajada e seus públicos (1955/1968). In: Estudos
Históricos, nº 28. Rio de Janeiro, 2001.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1998.
PEREIRA, Carlos Alberto M. Em busca do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro:
Notrya, 1993.
SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado – o consentimento da imprensa à censura no
Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
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