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6 a 9 de novembro de 2006
Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
Pretende-se, com este trabalho, analisar uma das dimensões do processo de
fragmentação do tecido sóciopolítico-espacial da cidade a partir da década de 1970:
deslocamento de grupos sociais de alta renda das metrópoles em direção às áreas peri-
metropolitanas, verificando-se que o padrão metropolitano de auto-segregação a partir
de condomínios exclusivos está sendo reproduzido nestas cidades de destino, em
grande parte, cidades médias, estudando especificamente o caso de Petrópolis,
localizado no estado do Rio de Janeiro. Este município vem apresentando o mesmo
padrão metropolitano de periferização da população de alta renda, notando-se um
grande crescimento do distrito de Itaipava, e uma ampliação da auto-segregação,
seguindo também o binômio condomínio fechado-shopping center. Estará ocorrendo
uma reprodução dos padrões e formas urbanas observadas em metrópoles nestas
cidades médias? O modelo de auto-segregação também se constitui como uma
característica destas cidades médias? E, Petrópolis, especificamente, como se
comporta frente a este turbilhão de mudanças?
Palavras-chave: periferia; auto-segregação; cidades médias.
RESUMEN
Él objetivo de este trabajo es analizar una de las dimensiones de la fragmentación del
tejido sóciopolítico-espacial de la ciudad que se intensifica en la década de 1970: el
desplazamiento de grupos sociales de alto poder aquisitivo de las metrópolis hasta las
áreas “peri-metropolitanas”, donde observaremos lsi hay una reprodución del modelo
metropolitano de auto-segregación con los “condomínios cerrados” em las ciudades de
destino. Discutiremos particularmente el caso de la ciudad de Petrópolis, en Rio de
Janeiro. Petropolis presenta el mismo modelo metropolitano de periferización de la
población más rica. Ocurre un grande crescimiento del distrito de Itaipava y uma
ampliación de la auto-segregación, com los condomínios cerrados e shopping centers.
Entonces, levantamos las seguintes questiones: Ocurre uma reprodución de los
modelos e formas urbanas de las metropolis en estas ciudades medias? El modelo de
segregación también es constituido como una característica de estas ciudades
medianas? E el caso de Petrópolis, como se presenta delante de esos cambios?
Palabras-clave: periferia; auto-segregación; ciudades medias.
Introdução
A cidade não apenas reflete a estrutura social de uma dada sociedade, mas também
contribui, ela mesma, para perpetuar as desigualdades na distribuição da renda gerada
(HARVEY,1973). Essas desigualdades se materializam no espaço urbano “em razão da localização
residencial e da distribuição desigual dos equipamentos, serviços urbanos, da renda monetária e do
bem-estar social.” (RIBEIRO & JUNIOR, 2003, p.6)
Pretende-se, com este trabalho, analisar uma das dimensões deste fenômeno: a origem e a
gênese do processo de deslocamento de grupos sociais de alta renda das metrópoles em direção às
áreas peri-metropolitanas, verificando se o padrão metropolitano de auto-segregação a partir de
condomínios exclusivos está sendo reproduzido nestas cidades de destino, em grande parte dos
casos, cidades médias, estudando especificamente o caso de Petrópolis, localizado no estado do Rio
de Janeiro. Estará ocorrendo uma reprodução dos padrões e formas urbanas observadas em
metrópoles nestas cidades médias? O modelo de auto-segregação também se constitui como uma
característica destas cidades médias? E, Petrópolis, especificamente, como se comporta frente a este
turbilhão de mudanças?
Durante muito tempo, associou-se, no Brasil, o termo periferia a áreas distantes dos grandes
centros ocupadas por grupos sociais menos abastados. No entanto, neste trabalho, o foco é na
periferização da população de alta renda, que vem se intensificando a partir da década de 70. Isto
contraria a idéia tradicional de uma periferia homogênea, marcada pela pobreza, em oposição a um
centro rico.
Os subúrbios, embora não tenham nascido junto com as cidades industriais, irão fazer parte
do processo de expansão urbana que se verifica a partir dos anos 1920 e 1930, sendo que cada
cidade e localidade irá apresentar suas especificidades neste processo de suburbanização. Nesta
época, os chamados suburbs americanos, receberam uma classe média que buscava uma forma de
se refugiar do ritmo de vida corrido e da “degradação” presente nas grandes cidades dos Estados
Unidos; o mesmo não foi observado no Brasil na mesma época época, onde os grupos de alto e
médio poder aquisitivo ocuparam o entorno imediato do centro, considerada a área mais nobre da
cidade, por oferecer amplo acesso à infra-estrutura e meios de transporte.
Desta forma,
O centro era, então, até a década de 1970, considerado essencial para a promoção do
crescimento econômico devido ao fato de apresentarem vantagens aglomerativas. Por apresentar
atrativos típicos de ambientes urbanos bem equipados de infra-estrutura de transporte e
comunicação, e de serviços públicos de qualidade, além de um comércio variado e abrangente.
Assim, a partir do centro ocorria uma expansão da área urbana, ampliando-se a escala, a
complexidade e a diversificação econômica.
Enquanto isso, a pobreza tomava o subúrbio, onde o preço das terras era mais acessível e a
presença do Estado era praticamente nula se comparada ao investimento nos grandes centros. A
população menos abastada que optou por permanecer no centro passou, então, a ocupar as áreas
menos valorizadas, como as encostas dos morros, levando à formação de diversas favelas.
No entanto, a partir da década de 70, segundo Matos (1995), ocorre uma reversão dos
padrões de concentração verificados anteriormente, contrariando a hipótese de um esvaziamento das
áreas não centrais no interior do país.
Durante diversas décadas, a migração predominante era das áreas rurais para as cidades e,
em seguida, para os subúrbios destas cidades. No entanto, a partir desta época, surgiram novos
padrões de migração, constatando-se, por exemplo, um crescimento populacional de pequenas e
médias cidades superior aos das metrópoles, assinalando um movimento de saída de população das
segundas em direção às primeiras.
Além disso, da migração para pequenas e médias cidades, outros fenômenos decorrentes
dos problemas gerados pela concentração urbana passam a ocorrer nas cidades brasileiras, como a
construção de condomínios fechados, reflexo, no espaço urbano, de uma estrutura cada vez mais
dualizada entre ricos e pobres. Assim, coloca-se a hipótese de uma possível
O uso do automóvel teve um papel primordial nesta desconcentração populacional, uma vez
que permitiu que um distanciamento maior entre os locais de residência e de trabalho, além de
garantir o acesso a uma multiplicidade de locais e atividades diferentes, e mesmo a possibilidade de
viajar de férias ou a trabalho para locais mais longíquos. Inicialmente restrito à elite (exceto nos
Estados Unidos), a massificação do automóvel, no Brasil, a partir dos anos 1950 e 1960, veio
acompanhada por um grande investimento estatal na construção de estradas, confirmando o caráter
rodoviarista da política de transporte.
Neste sentido, Brasileiro (org.) (1999) coloca que, em termos de políticas urbanas e de
transportes, o século XX em vias de findar foi marcado por três fenômenos inter-relacionados: a
hegemonia do rodoviarismo enquanto política dominante, sobretudo nas cidades dos países em
desenvolvimento; um processo de urbanização acelerado e desordenado com a chegada de milhões
de pessoas do interior para as periferias urbanas sem que estas estivessem dotadas de infra-
estruturas básicas; a emergência e consolidação do automóvel, mito e sonho de milhões de pessoas
que o vêem como símbolo de ascensão social e como modo de deslocamento sem concorrentes, em
função do conforto e comodidade que oferece e, acima de tudo, como veículo privado, expressão
máxima do individualismo capitalista, favorecendo a expansão para bairros periféricos. Enquanto
isso, as autoridades municipais se comprometiam com uma política de transporte voltada para o
veículo particular e para a concentração dos investimentos em grandes avenidas, garantindo a
difusão do uso do automóvel.
Ainda segundo este autor, a segregação residencial tem três dimensões principais: (1) a
tendência de grupos sociais a se concentrar em algumas áreas da cidade; (2) a conformação de
áreas ou bairros socialmente homogêneos; e (3) a percepção subjetiva que os residentes têm da
segregação “objetiva”. Ou seja, a idéia que este termo traz é a de reunião em uma determinada
porção do espaço de “iguais”.
E a década de 1970, o Brasil e outros países da América Latina foram marcados por
mudanças sócio-espaciais nas cidades como a auto-segregação das camadas superiores, expansão
do mercado imobiliário da cidade e diversificação dos espaços periféricos, que recentemente têm
recebido grupos de alta renda. E, por outro lado, de acordo com Ribeiro & Junior (2003), nos antigos
espaços populares são criados “bolsões” de miséria, e o surgimento de novas favelas caracterizadas
por um alto grau de precariedade.
Souza (2000, p.197) aponta os fatores que contribuem para a formação e consolidação da
auto-segregação das camadas altas e médias da população: “1.
Uma paisagem urbana crescentemente marcada pela pobreza e pela informalidade, inclusive nas
áreas centrais e nos bairros residenciais privilegiados mais tradicionais; 2. a deterioração das
condições gerais de habitabilidade e qualidade ambiental nos bairros residenciais privilegiados
tradicionais, devido a congestionamentos, poluição do ar, etc.; 3. a busca por uma maior
‘exclusividade’ social; 4. eventualmente, a procura de novos espaços residenciais que apresentassem
amenidades naturais; 5. o aumento objetivo da criminalidade violenta e de problemas associados a
estratégias de sobrevivência ilegais (...) e também a ‘sensação de insegurança’ vinculada, com maior
ou menor dose de realismo, à criminalidade objetiva”.
Assim, estes grupos mais abastados procuram lugares cada vez mais distantes do centro
degradado. E, além disso, ao se sentirem ameaçadas, procuram, de alguma maneira, proteger-se
através do isolamento. A sensação de insegurança, aliada à imagem de um espaço público perigoso,
reforçada pela mídia, e relações citadinas desgastadas, justifica o escapismo das elites, que busca
um espaço privado envolto por uma segurança artificialmente criada, tradicionalmente representado
pelos condomínios exclusivos e shopping centers. Neste sentido, Ribeiro & Junior (2003, p.9) atenta
Os territórios ocupados pelos grupos menos abastados têm sido diretamente associados à
violência urbana. Este sentimento de insegurança e desconfiança em relação aos vizinhos tem
influenciado fortemente a organização sócio-espacial das cidades, influenciando os grupos de média
e alta renda a se auto-segregarem em condomínios fechados e/ou procurarem locais distantes dos
centros urbanos, onde estariam protegidos do “mundo exterior”.
Entre os moradores destes espaços observa-se a tentativa de criação de uma unidade para
os que ali vivem, estabelecendo uma comunidade (mesmo que artificialmente), uma identificação que
os distingue do “mundo exterior”. Preserva-se a idéia, reforçada pela mídia, de uma cidade suja,
perigosa. E, assim, mantém-se no interior do condomínio uma seletividade social, vendendo-se a
idéia de uma vida calma, saudável, segura.
Tomando como modelo as metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo, tem-se que nos anos
1970 e 1980, o centro da cidade foi sendo esvaziado de investimentos, surgindo a associação desta
parte da cidade a uma lugar degradado e perigoso. Os promotores imobiliários passaram a investir, a
partir daí, em centros comerciais menores, shopping centers e condomínios exclusivos direcionados à
classe média e que atendiam os requisitos mínimos de segurança. Assim, através dessas atitudes
escapistas das elites, ocorre a formação de enclaves territoriais, levando ao que Souza (2000)
denomina fragmentação do tecido sóciopolítico-espacial da metrópole.
A partir de 1970, no Brasil, o poder público passou a facilitar a parceria com grupos privados
para atender a demanda por moradia das classes média e alta. O Estado, a mídia e os
empreendedores imobiliários tiveram forte influência sobre este processo de fragmentação
sóciopolítico-espacial (SOUZA, 2000).
Datam do fim desta década os primeiros condomínios exclusivos implantados pela empresa
Alphaville no município de Barueri, na Grande São Paulo, inaugurando um modelo de
suburbanização no Brasil comparada a dos suburbs norte-americanos, com enormes extensões de
casas sem muros e que atraíram investimentos e serviços como hospitais, escolas, universidade,
Nesses empreendimentos,
município está concentrada no distrito sede, seguido de Cascatinha, que tradicionalmente já era o 2º
distrito mais populoso, no entanto, o que vem chamando atenção atualmente é o enorme crescimento
dos demais distritos, especialmente Itaipava.
Além do turismo garantindo pelo vasto patrimônio histórico e cultural que a cidade abriga,
Petrópolis apresenta diversos fatores atrativos tais como a boa acessibilidade, garantida pela rodovia
BR-040, que liga o Rio de Janeiro (RJ) até Belo Horizonte (MG) e se constitui no principal acesso à
cidade. Também a duplicação da rodovia Washington Luiz e a inauguração das Linhas Vermelha e
Amarela nos anos 90 facilitou o acesso ao Aeroporto Internacional e uma rápida comunicação com a
zona oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Além do aspecto populacional, observamos que atividades que antes ocupavam o Centro
Histórico passam a se relocalizar. Ou seja, a partir de meados da década de 80, assiste-se a uma
multiplicação e diversificação de áreas de concentração de atividades comerciais e de serviços, como
os bairros de Araras e Nogueira, e os distritos de Pedro do Rio e, especialmente Itaipava. Estas
áreas, anteriormente consideradas periferias do Centro Histórico passam a apresentar atividades e
serviços tipicamente centrais, mas de forma especializada. Estas novas áreas oferecem também
diversas opções de lazer como hotéis-fazenda, uma gastronomia refinada (espacialmente no bairro
de Araras e no distrito de Itaipava), a “Feirinha de Itaipava”, shopping centers e diversos outros
serviços, que atendem aos segmentos de maior poder aquisitivo, em grande parte dos casos
moradores do município do Rio de Janeiro e que mantêm casas de veraneio no município de
Petrópolis, e que aos poucos passa a abandonar o comércio e os serviços do Centro Histórico.
As amenidades foram outro fator que contribuiu para a formação deste tipo de estrutura
urbana. Muitos moradores do Rio de Janeiro buscavam alguns elementos naturais que Petrópolis
proporcionava (clima ameno, montanhas, queda d’ água, entre outros), sem contar os próprios
moradores do Centro Histórico, cansados dos intermináveis congestionamentos, ou seja, do
surgimento dos primeiros indícios dos males urbanos das grandes cidades. As amenidades sociais
estão relacionadas com este processo através da disponibilização de certas atividades terciárias
localizadas em áreas não-centrais, como no caso do distrito de Itaipava, onde a presença de um Pólo
Gastronômico, de um shopping center, de boates e de um parque de exposições, atraem alguns
segmentos da população.
Considerações finais
A partir deste trabalho, procurou-se analisar de que forma as relações centro-periferia foram
se modificando ao longo do tempo, imprimindo um novo conteúdo à periferia. Se antes, esta era
sempre vista como homogênea, ocupada por grupos desprovidos de recursos, a partir dos anos
1970, esta passa a ser ocupada por grupos mais abastados, uma vez que passa a ser difundida a
imagem de um centro degradado e inseguro.
Foram analisadas, assim, as principais mudanças associadas ao escapismo das elites, sendo
os condomínios fechados e os shopping centers, os símbolos máximos deste processo de auto-
segregação. Ocorre, então, uma fragmentação do tecido sóciopolítico-espacial das cidades. E,
atualmente, cidades médias como Petrópolis vem apresentando o mesmo padrão metropolitano de
periferização da população de alta renda, notando-se um grande crescimento do distrito de Itaipava, e
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Petrópolis já foi inclusive denominada por alguns europeus de cidade jardim.