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Petrópolis-Utópolis: velha urbanização ou nova urbanidade?

Rainer Randolph – IPPUR / UFRJ

A principal preocupação do presente ensaio está voltada às recentes transformações da


"forma urbana" nas e em torno das grandes cidades ocidentais, especialmente no caso do
Brasil. Em particular, uma pesquisa que recentemente iniciamos toma como exemplo
específico a cidade e a região de Rio de Janeiro e, aí localizado, o município de Petrópolis.

Estamos, no atual contexto, interessados nas modificações profundas dessa forma urbana
(sua mutação; RANDOLPH 2000) na medida em que partimos da hipótese de que estamos
assistindo, hoje em dia, o surgimento de uma nova cidade que, talvez, nem deveria ser
mais chamada de "cidade" no seu sentido tradicional; mas seria algo como uma “cidade-
região” ou "cidade-rede" onde o "urbano" estaria distribuído dispersamente, sobre um
território ou em uma rede. Onde o urbano não poderia ser mais encontrado em
determinados locais ou em lugares geograficamente limitados. Então, podemos chamar
essa “cidade” uma "utópolis" – uma cidade sem lugar.

É o objetivo do nosso trabalho arrolar alguns argumentos a favor do surgimento dessa nova
forma espacial da organização social nos países capitalistas ocidentais. Pois, acreditamos
poder identificar transformações recentes nas e das cidades que não são mais restritas a
mudanças intra-urbanas. Até há pouco tempo dominavam modificações intra-urbanas de
re-urbanização, revitalisation e gentrificação, construção de condomínios fechados com
seus próprios sistemas de vigilância dentro ou na franja das cidades e o aprofundamento de
outras formas de segregação social – inclusive o aumento de pobreza urbana (favelas).
Agora, na forma urbana interferem cada vez mais processos que ultrapassam as cidades e
provocam alterações profundas nas relações inter-urbanas como aqueles de deconcentração
(e re-concentração seletiva) de instalações de produção e de serviços - especialmente
aqueles relacionados às novas tecnologias de informação e comunicação (veja
especialmente PAWLEY 1997) -, de lugares de trabalho e residências da população
(contra-urbanização) sob distâncias mais longas, às vezes mencionados e investigados
como “urban sprawl”, e outros.

Alguns autores entendem essas mudanças como uma substituição do sistema urbano e da
hierarquia urbana tradicionais por novas articulações entre escalas territoriais e redes não-
1
Trabalho apresentado na IX Semana de Planejamento Urbano e Regional do IPPUR / UFRJ, setembro de
2003

1
hierárquicas cujos elementos (“locais” ou “nós”) continuam as cidades como as
conhecemos. Como apontamos antes, nós pensamos que essas formas de dispersão e
concentração de populações e empregos – aspectos que vamos privilegiar no nosso estudo
– são primeiras indicações de uma nova organização territorial do espaço social (para este
conceito, vide LEFEBVRE 1991) em sua totalidade. Este novo espaço não se apoiará
fundamental e predominantemente – como aconteceu no período anterior das cidades
industriais – nas cidades; mas em uma articulação mais complexa que poderia ser
imaginado, em primeira aproximação, como cidades-regiões ou cidades-redes que servirão
de suporte para uma sociedade urbana universal (LEFEBVRE 1969a).

Isto não significa que as cidades desaparecerão; mas - como esfera local - eles não jogarão
mais nenhum papel protagonístico - como os peritos de "planejamento estratégico"
parecem acreditar hoje. É nosso propósito, no presente trabalho, levantar algumas
conjecturas a respeito das possíveis características do urbano dentro dessa “nova cidade”
que chamamos de “utópolis” porque se encontrará em nenhum e em todos os lugares.

Nossa argumentação será apresentada em três passos:

(i) para situar nossa hipótese do advento da sociedade urbano na forma da utópolis ou, na
verdade, do surgimento de novas matrizes espacial e temporal nas formações sociais
contemporâneas (vide a discussão em POULANTZAS 1981, pp. 105 ss., a este respeito
referente à passagem do período pré-capitalista para o capitalista) apresentaremos,
incialmente uma síntese esquemática das principais abordagens que lidam com esta
problemática que elaboramos a partir de um extenso e bastante completo trabalho realizado
por Soja (SOJA 2000). Aí podemos identificar, numa primeira aproximação, alguns ainda
poucos elementos que distinguem a nossa perspectiva das outras abordagens que Soja
extraiu de uma ampla bibliografia;

(ii) para aprofundar, ao menos seletivamente, essa investigação selecionamos uma


determinada problemática que nos parece vínculada (um indício) ao advento da nova forma
espacial e temporal – e da Utópolis, então - como primeira aproximação: aquela que
discute um processo chamado de contra-urbanização (item 2.). Essa abordagem nos remete
à questão da urbanização e das suas diferentes formas - a “contra-urbanização” pode ser
uma dessas - que assume com o avanço da industrialização e, depois, terceirização. Como
veremos, a investigação demográfica da urbanização fica normalmente limitada à
concentração (ou dispersão) quantitativa da população (urbana) em um espaço
geograficamente limitado. Por outro lado, o urbanismo estuda e só dá ênfase à infra-

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estrutura (urbano) e a aspectos morfológicos. Então nós temos que introduzir alguns
elementos qualitativos (item 3.) através da diferenciação entre "cidade" e "urbano" - já
mencionada acima. Na medida em que o fazemos, poderemos distinguir entre
"urbanização" e "urbanidade" o que nos permitirá desenvolver uma visão crítica a respeito
destes processos: a um primeiro e rápido olhar, "urbanização" e "contra-urbanização"
podem ser entendidas - em certas circunstâncias - não só como processos opostos, mas até
mesmo como semelhantes ou dois lados da mesma moeda;

(iii) finalmente, no item 4., como uma primeira referência empírica e razão para nossa
investigação, observaremos algumas destas modificações relativas ao caso brasileiro,
especialmente interessados na capital do estado de Rio de Janeiro e seu interior – em
especial, no município de Petrópolis; neste caso poderiamos demonstrar indícios de que os
“fenômenos urbanos”, crescentemente, ultrapassam as fronteiras políticas das cidades e o
limite territorial da aglomeração de populações e empregos. No presente trabalho podemos
apenas indicar, brevemente, algumas características destes processos de urbanização e e
contra-urbanização que põem em cheque as identidades das cidades como a conhecemos
(cidade industrial); ou até mesmo podem inviabilizar a a compreensão de sua
particularidade em contextos mais abrangentes de sistemas de cidades.

Em síntese, a intenção é discutir alguns processos relacionados ao possível advento de uma


sociedade urbana de uma maneira mais conceptual. O termo da utópolis nos serve como
uma metáfora na busca pelos sinais do novo espaço social desta sociedade; e a referência
ao município de Petrópolis como remetimento empírico possível; um suporte para a busca
prática e concreta dos indícios que apresenta, por causa de sua proximidade com o
município do Rio de Janeiro, potencialidades que podem permitir o advento de certos
aspectos da nova organização territorial. É claro que nós estamos atentos que a tarefa de
comprovar nossas hipóteses não pode ser cumprida ao longo do trabalho presente; mas nós
pretendemos dar alguns passos nesta direção.

1. Novos processos de urbanização e restruturação da metrópole moderna

Soja dedica uma boa parte do seu livro “Postmetropolis” (SOJA 2000) à investigação dos
principais programas de pesquisas e grupos de pesquisadores que se ocuparam com o
estudo das recentes transformações das metrópoles no mundo sob condições da
globalização, restruturação econômica, flexibilização, consolidação de redes mundiais etc.

3
Sistematização de Edward SOJA:

(páginas referem-se à obra de SOJA que nos serve como referencial para esta síntese; SOJA 2000)
(as fontes bibliográficas aqui citadas encontram-se também naquele livro – vide lá)

Denominação da Vertente Abordagem Principais Características Bibliografia, Autores, Palavras


Chaves
restruturação da economia geopolítica de urbanização Scott, Storper, Walker; Castells &
Metrópolis industrial pós- e a emergência de metrópole em moldes flexíveis Hall; Harrison, Piore & Sabel;
fordista perspectivas mais (p.154) Harvey, Massey
(Tecnópolis) influentes para (pp. 156-188)
explicar as causas
dos novos ênfase da explicação dada à globalização e localização Cox, Knox & Taylor; Sassen;
processos de de capital, trabalho e cultura e à formação de uma Castells, Scott (1998), King,
Cosmópolis urbanização nova hierarquia de cidades globais ou mundiais; Featherstone, Lash, Hirst &
espaços urbanos extremamente heterogêneos (p.154) Thompson, Held
(pp. 189-232)
observa a restruturação (também regional) da forma Garreau (“edge city”); Teaford,
abordagens urbana ao nível espacial, a decentralização e Fishman, Jackson, Kelly (“post-
focando os recentralização do espaço urbano que revira a suburbia”); Bloch (“metropolis
Exópolis resultados ou metrópole de dentro para fora e de fora para dentro, inverted”); Meltzer (“metroplex”);
consequências desafiando definições convencionais do urbano, Katz, Fulton (“new urbanism”);
urbanos da suburbano, extraurban, non-urbano e rural (p.154) Herington (“outer city”)
globalização e (pp. 233-263)
restruturação dirige sua atenção ao mosaico social restruturado e a Allen & Turner; UCLA Reserach
econômica pós- emergência de novas formas de metropolaridade, Group; Ong, Bonachich & Cheng;
Cidade fractal fordista desigualdade, marginalização étnica e racial no meio Min; Horton; Yu & Chang; Jencks
de uma riqueza extraordinária (p.155) (pp. 264-297)

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Denominação da Vertente Abordagem Principais Características Bibliografia, Autores, Palavras
Chaves
descreve espaços fortificados com sistemas Davis, Flusty, Herbert, Domanick,
sofisticadas de vigilância e tecnologias que respondem Purchell, Caldeira, Blomley,
Arquipélago de carcerário a uma “ecologia do medo” na medida em que Foucault, Newman (“defensible
substituem cada vez mais “polis” por “polícia” (p.155) space”), Blakely & Snyder (“gated
perspectivas communities”); Mackenzie
voltadas para (“privatopia”)
questões da (pp. 298-322)
gerência da a postmetrópole compreendida como aglomeração de Baudrillard, Olalquiaga, Eco,
sobrevivência da simcities onde o imaginário urbano é restruturado Kunstler, Gottdiener, Calvino,
postmetropolis tanto em manifestações eletrônicas como materiais de Ellin, Chambers, Gibson, Boyer
Simcities um ciberespaço o que aumento aquilo que pode ser (“CyberCities”), Benedikt,
chamado de hiperrealidade da vida cotidiana; a vida Rheingold, Mitchell (“city of bits”),
urbana é crescentemente realizada como um jogo de Graham & Marvin, Featherstone &
computador o que confunde as fronteiras entre Burrows (“cyberspace
mundos reais e imaginados (p.155) /cyberbodies/cyberpunk”);
Haraway, Markley
(pp. 323-348)
(Fonte: SOJA, E. Postmetropolis. Critical studies of cities and regions. Oxford, Malden:
Nossa hipótese: Blackwell, 2000)

abordagem dialé- “urbanização generalizada” na perspectiva do advento Lefebvre: “a vida cotidiana no


Utópolis tica de tempo e da “sociedade urbana” como superação da sociedade mundo moderno”, “direito à
espaço; distinção industrial; novas matrizes espacial e temporal; urbano cidade”, “do rural ao urbano”,
cidade - urbano sem lugar (cidade), transcende a cidade (industrial) “revolução urbana”, “produção do
espaço”

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Encontra basicamente seis distintos abordagens conceituais e recortes analíticos que se
tornaram os focos de determinados clusters internacionais de pesquisas. No esquema nas
páginas anteriores caracterizamos brevemente estes clusters, e apresentamos uma síntese
provisória da nossa hipótese da “utópolis” que, como se vê, incorpora vários elementos das
vertentes apontados por Soja. Não é aqui o lugar para aprofundar uma comparação.

2. Urbanização, sub-urbanização e contra-urbanização

Para elaborar uma primeira aproximação que permita identificar sinais de uma forma
urbana nova – ou mesmo a cidade sem lugar ou utópolis -, nós queremos discutir, muito
brevemente, a noção de contra-urbanização, que está intrinsicamente relacionada a um
processo de urbanização prévio (para o atual e os próximos itens, vide também a discussão
em RANDOLPH 2003b).

Um hipotético processo de contra-urbanização foi discutido nos últimos trinta anos no


contexto do crescimento, diminuição e deslocamento para áreas mais distantes da
população das metrópoles (ou das cidades grandes). Houve um intenso debate a respeito da
direção das migrações: se a tradicional tendência à concentração populacional nas grandes
áreas urbanas tinha sido interrompida e substituída por um processo de dispersão da
população (por exemplo, BERRY 1976, GORDON 1979, FIELDING 1982, CHAMPION
1989).

"As discordâncias estiveram ligadas em parte à confusão como definir,


aproximadamente, o conceito de contra-urbanização, mas também relacionadas à
seu significado em números absolutos das pessoas afetados. Estudos em países
europeus durante o período entre os anos sessenta e os 1990s mostraram nenhum
padrão nítido, e há tendências para a urbanização como também a contra-
urbanização" (LINDGREN 2002, p. 3).

Em muitos países, como na Suécia, as pesquisas não revelaram nenhum padrão uniforme.
Parece que havia concentração e dispersão ao mesmo tempo.

Em primeiro lugar, seguindo Champion (apud LINDGREN 2002, p. 4), contra-urbanização


pode ser definida como uma “forma particular de dispersão da população”, e
deconcentration é um dos processos que está na sua base. Portanto, "contra" - urbanização
pressupõe um processo anterior de concentração da população (urbanização,
metropolisation e assim por diante). Sua explicação precisa ser achada em ambos os níveis,
no micro e no macro (veja uma avaliação de aproximações explicativas em KONTULY

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1998) e relacionada a um grande número de categorias (como fatores econômicos,
espaciais, ambientais, socio-econômicos e outros).

Também há modos diferentes de definir contra-urbanização (veja LINDGREN 2002, p. 4).


Para nossos propósitos, em segundo lugar, a diferenciação entre sub-urbanização e contra-
urbanização é particularmente interessante:

“Conforme Robert & Randolph (1983), Fielding (1982) e Champion (1989), é


importante para fazer uma clara distinção entre dispersão de população em termos
de sub-urbanização e de mudanças de longa distância. O deslocamento funcional
diário da população dentro da hinterlândia de áreas urbanas deveria ser
considerado mais precisamente como sub-urbanização, devido à difusão gradual
de assentamentos urbanos e às regulares interações socioeconômicas entre o
núcleo e a hinterlândia”.

Diferentemente, processos de contra-urbanização parecem não só envolver um


deslocamento populacional sobre maiores distâncias, mas também dentro do sistema
urbano das maiores para cidades menores (do alto para o baixo na hierarquia urbana).
Neste sentido, contra-urbanização acontece a um nível intermediário entre movimentos de
migração locais e a redistribuição de população entre (macro) regiões. Em termos
territoriais, contra-urbanização pode ser entendida como a cisão entre localidades urbanas e
rurais. Esta migração não significa que a população perde suas ligações e laços com a
cidade núcleo (metrópole); pelo contrário, seu deslocamento representa uma intensificação
e interação contínua entre as localidades envolvidas e uma maior expansão das estruturas
sócio-espaciais que ainda incluem significados e padrões sócio-culturais iguais (ou
similares/familiares).

Alguns autores propuseram como a medida principal deste processo de contra-urbanização


o (quantitativo) saldo das migrações ou o aumento da população em certos lugares (na
hierarquia urbana para baixo). Outros tentam considerar elementos mais qualitativos que
vão além das estatísticas de migração líquidas. Eles contemplam e distinguem fatores
principalmente relacionados ao ator individual ("migrante") como segue:

(i) as características dos migrantes tanto enquanto imigrantes ou emigrantes poderiam


reestruturar, gradualmente, a população local (LINDGREN 2002, pág. 5);

(ii) a direção da migração onde devem ser discriminadas as pessoas que estão chegando de
regiões de um nível mais alto da hierarquia urbana aquelas pessoas de regiões mais baixos;

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(iii) os motivos da migração dizem respeito a estilos de vida "antimetropolitano",
"antiurbano" ou "pro-rural” (a favor do rural); como coloca Lindgren: "a categoria
'antimetropolitano' enfatiza a emigração de pessoas dentro dos mercados de trabalho da
área de influência das cidades principais... Por outro lado, empregando a interpretação de
'antiurbano', implica em movimentos de um mercado local de trabalho de nível mais alto
dentro da hierarquia urbana para um mercado local de trabalho de nível mais baixo que são
considerados como contra-urbanização..." (LINDGREN 2002, pág. 5); a última categoria
("pro-rural") pode ser entendida como uma procura por um estilo de vida mais tranqüilo
relacionado a percepções tradicionais do rural.

Se consideramos que a migração da população acontece, em parte, devido aos


deslocamentos territoriais do mercado de trabalho especialmente no setor de serviços das
economias atuais (desconcentração de empregos, mas também novas formas de trabalho
como tele-trabalho, etc.) - ou estes deslocamentos podem seguir o parcialmente autônomo
processo de migração -, podemos imaginar que a contra-urbanização mudará o sistema
urbano, se ela realmente existir de um modo significante.

Há um debate considerável se, nos países industrializados, esse processo de contra-


urbanização pode, ou não, ser verificado empirica e quantitativamente. Para nós,
entretanto, essa preocupação com problemas operacionais e de mensuramento ainda não se
coloca. Nos acreditamos que, antes disto, seria necessário desenvolver uma compreensão
mais profunda a respeito desse assunto: porque para entender o que “suburbanização" ou
"contra-urbanização” significam temos que compreender melhor o significado da própria
urbanização.

É um mero processo de concentração de população? Aglomeração das pessoas em uma


área geográficamente limitada? Um fenômeno quantitativo ou qualitativo; psicológico ou
social? Portanto, para alcançar um entendimento melhor das perguntas envolvidas, parece
necessário explicar este termo o que será tentado no próximo item.

3. Cidade, urbanização e a formação da sociedade industrial

À primeira vista, parece razoável pressupor, num nível empírico, uma articulação mais ou
menos óbvia entre os processos de urbanização, suburbanização e contra-urbanização. Em
termos lógicos, seria impossível pensar na existência de suburbanização ou contra-
urbanização sem um processo prévio de urbanização. Até mesmo introduzindo a variável

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tempo, urbanização e contra-urbanização como processos históricos e de alguma
seqüenciados assumirão diferentes formas em diferentes tempos e espaços.

Não obstante, em termos dialéticos, urbanização e contra-urbanização poderiam ser o


oposto ou o mesmo, distinguível ou não, dependendo do contexto e da perspectiva; em
outras palavras, durante a transição entre dois períodos históricos, o que parece ser
urbanização poderia ser contra-urbanização - e vice-versa. Nós voltaremos mais tarde a
essa idéia.

Nós percebemos, que nossa discussão - seja em nome da lógica ou na perspectiva dialética
- precisa ser inserida numa horizonte mais amplo das transformações históricas das
sociedades ocidentais. Em outras palavras, para superar uma mera descrição (empírica) dos
atuais processos de concentração e dispersão de populações nestas sociedades (e suas áreas
metropolitanas), precisamos de um conceito ou de uma hipótese a respeito destes processos
que consegue apontar suas formas de produção (social), suas condições e determinantes,
suas influências na vida de pessoas etc.

Há dois passos que nós consideramos necessários para esta discussão:

Primeiro, nós temos que fazer uma distinção entre a "cidade" e o "urbano" (veja para esta
perspectiva LEFEBVRE 1999) que nos conduzirá a estender a compreensão mais restrita
da "urbanização" para uma mais abrangente da propagação da "urbanidade." Segundo,
adotando estas definições, nós vamos analisar, brevemente, certos processos históricos
para obter algumas indicações sobre as "dialéticas" mencionadas entre sub-, contra- e a
urbanização “original”.

Então, no primeiro passo, no intúito de introduzir uma distinção entre cidade e urbano, a
cidade é considerada como um fenômeno histórico de aglomeração de pessoas, edifícios,
ruas, praças, mercadorias, máquinas etc. que mudam em espaço e tempo; e é diferente em
diferentes períodos e territórios. O urbano é vinculado à cidade, mas é mais do que isto;
não é um objeto real no sentido daqueles que podemos pegar, ver ou mesmo cheirar. O
urbano é um projeto – e, por isto, um objeto possível ou virtual (veja LEFEBVRE 1999, p.
16) - que apareceu historicamente, num determinado período da história da humanidade,
como o conteúdo de uma forma - a cidade.

É a antiga polis grega que pode ser considerada como a origem do urbano - como é
conhecido hoje no ocidente; foi lá onde a natureza humana se manifestou enquanto zoón
politicón: "o zoón politicón Aristotélico depende da cidade para a realização de sua

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natureza; fora da cidade não se alcança o estatus de humanidade" (FORSTER 2000, pág.
11). Obviamente, essa “cidade” não pode ser interpretada como um mero ambiente físico
(base física), mas também como um lugar onde, de algum modo, “vive” ou “existe” algo
que permite aos “animais” ou aos bárbaros se tornarem seres humanos.
Como uma tentativa de indicar as características principais do “urbano”, podemos
imaginar, de uma forma bem simples, que a evolução para o “animal político” passa por
duas fases anteriores: inicia-se na família como uma “comunidade de sangue”, que é a base
da reprodução das espécies; a agregação de famílias engendram comunidades (geograficas)
em aldeias, que têm como função satisfazer as necessidades sociais vitais (reprodução da
vida em um sentido mais amplo).

A polis (“cidade”) não é caracterizada em sua “essência” (conteúdo urbano) nem


por um processo de reprodução das espécies, nem de reprodução da vida em si mesma, que
são ambos relegados à esfera privada; aqui, na polis, o homem se torna humano na medida
em que elabora, experimenta e aperfeiçoa, livre e abertamente, sua razão através de
pronunciamentos públicos, debates e decisões coletivas em conjunto com outros seres
humanos. O homem torna-se humano, pois exercita a razão; e a cidade é urbana – é apenas
isto - na medida em que oferece a forma física, material, ambiental e condições sociais que
possibilitem essa realização. A centralidade de certos lugares (por exemplo, o agorá grego)
parece ser uma das características mais importantes neste sentido (ver LEFEBVRE 1999).
E, são essas propriedades que queremos chamar de “urbanidade”; é a sua presença que
qualifica qualquer espaço social – como durante muito tempo as cidades – como espaço
urbano.

Para o ponto de vista radical da Grécia antiga, não existe humanidade ou ser
humano a não ser no espaço público dentro dos limites da polis (nem dentro da esfera
privada) – o urbano confunde-se com o humano. Na medida em que a modernidade
desenvolveu outras perspectivas a respeito da natureza do ser humano essa “confusão”
(identidade) perde sua validade. Mas, em relação ao projeto urbano antigo parece-nos que
este não perdeu a sua validade. Até hoje - como uma expressão ou promessa de um
humanismo novo depois da morte do antigo (“Deus está morto, o homem também”; ver
LEFEBVRE 1969a) – o conteúdo urbano (a urbanidade) de uma cidade ou de qualquer
espaço social pode ser considerado o mesmo como aquele da polis grega. Obviamente,
cidades ou sociedades nunca oferecerem o benefício da urbanidade a todas as pessoas; a
urbanidade sempre foi restrita, segmentada, limitada a poucos. Em nossa opinião, isto não

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invalida a concepção; apenas, demonstra como o urbano, até hoje, continua uma
possibilidade ou uma virtualidade; um projeto.

Esta argumentação levanta uma pergunta importante para nossa compreensão do


que é a urbanização. Devemos considerar somente as transformações das cidades que estão
relacionadas à concentração ou à dispersão de população, ao ambiente construído, ou em
outras palavras, aos aspectos empíricos (morfológicos) ou formais (tamanhos
populacionais), como o fizemos anteriormente no segundo item? Parece-nos uma
compreensão muito limitada e superficial, mas que, mesmo assim, é necessária para
entender toda a complexidade do fenômeno.

Tão importante quanto esses aspectos físico-corporais, parece imprescindível


compreender o outro “lado” da cidade (ou de qualquer espaço social): suas propriedades
“urbanas”, que vão além do físico. Então, num sentido mais amplo, urbanização deveria
significar a propagação da urbanidade, i.e. de certas propriedades do espaço social
(LEFEBVRE 1991), como facilidades próprias para o debate público e o acesso a espaços
públicos (praças etc.); acesso e possibilidade de participação em decisões públicas; livre e
irrestrita circulação de pessoas e idéias; comunicação aberta, encontros, festas, etc.

Nas contemporâneas sociedades industriais (quantitativas, formais) a urbanização


como um processo de concentração da população (crescimento das cidades) parece
contraditório com a urbanização (qualitativa, concreta) como um processo de
desenvolvimento de facilidades para promover encontros casuais entre as pessoas, para
circular sem restrições, para debater em espaços públicos e assim por diante (propagação
da urbanidade). Então, adotando essa definição mais ampla, no segundo passo, devemos
fazer uma breve análise sobre esse processo histórico para obter algum suporte (um tanto
mais concreto) para a uma distinção entre sub-, contra- e urbanização “original”.

Para faze-lo, seguiremos, mais uma vez, a perspectiva de Lefebvre quando ele
aponta que, no último século e no mundo desenvolvido, a problemática urbana e o desen-
volvimento das cidades devem ser estudados partindo do processo de industrialização
(Lefebvre 1969b, p. 9). A urbanização é induzida pela industrialização; por isso, podemos
denominar tais sociedades como industrializadas. Mas, na medida em que avança no seu
raciocínio, coloca que são essas sociedades que dão origem a uma nova e diferentes, que
ele chama de “sociedade urbana”. Não vamos prosseguir com essa argumentação neste
momento (veja maiores detalhes em RANDOLPH 2003a). Para nossos propósitos, basta
apresentar algumas características da “sociedade industrial” e da sua forma urbana.

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Cidades existiam muito tempo antes do processo de industrialização como vimos
antes: desde as cidades antigas orientais e ocidentais (política) e, mas tarde as cidades
medievais (comerciais). Por isto,

“quando se inicia a industrialização e quando nasce o capitalismo competitivo


com uma burguesia industrial, a cidade já é uma poderosa realidade ...
{cidades} são os centros da vida política e social onde não só riqueza é
acumulada, mas conhecimento (connaissances), técnicas, e oeuvres (obras de
arte, monumentos). Essa cidade {Européia} {antes da industrialização} é por si
mesma ‘ouvre’ (obra), é valor de uso. Uma complexa, mas contraditória
realidade” (LEFEBVRE 1969b, p. 10)

O que muda com a industrialização? Anteriormente, no contexto medieval urbano,


havia enormes contrastes entre riqueza e pobreza; mas a luta entre facções, grupos e
classes fortaleceu o sentimento de pertencimento. Esse sentimento sempre ameaçou os
privilégios das classes hierarquicamente mais poderosas; estes, portanto, sempre gastaram
grandes fortunas em prédios, fundações, palácios, festividades, ostentações, etc. Lefebvre
atenta para o paradoxo gerado pelo fato de que sociedades muito opressivas foram muito
criativas e ricas na produção de oeuvres (“obras”, não “produtos”).

Com o advento da sociedade industrial, a produção de obras únicas (oeuvres que


permitiam identificação) foi substituída pela produção de mercadorias. Isso transforma as
relações sociais, especialmente a anterior ligação afetiva às cidades. Como Lefebvre
colocou em poucas palavras:

“a cidade e a realidade urbana estão relacionadas a valores de uso. Valor de troca e


a produção de mercadorias pela industrialização tendem a destruí-los através da
subordinação da cidade e realidade urbana, que são refúgios do valor de uso,
origens de uma predominância virtual e revalorização de uso ...

... O crescimento da troca, da economia monetária, da produção mercantil e do


‘mundo de mercadorias´, que serão o resultado de industrialização, implica uma
mudança radical" (Lefebvre 1969b, p. 12).

Apontando brevemente, estamos assistindo a um complexo e dialético processo


(envolvendo industrialização e urbanização) com o aprofundamento da chamada
“implosão-explosão” das cidades. Um dos aspectos desse fenômeno é que o próprio
fenômeno urbano se estende por uma grande extensão do território nos países altamente

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industrializados. Ao mesmo tempo em que concentrações urbanas se tornam gigantescas e
os velhos centros se deterioram e explodem as pessoas migram para periferias residenciais
ou produtivas distantes.

Em resumo, Lefebvre argumenta, a nosso ver, que a urbanização enquanto aumento da


concentração populacional ou até mesmo sua dispersão (que outros autores chamam de
suburbanização) significa atualmente, nos países industrializados, uma diminuição da
urbanidade, o enfraquecimento do projeto urbano. Em termos do nosso trabalho, as
características desse recente processo de “urbanização” mereceriam mais ser chamado de
“de-“ ou “contra-urbanização”.

Com isto surge uma outra pergunta: será que esse processo da "contra-urbanização"
poderia ser considerado uma “contra-tendência” contra os efeitos de de-urbanização dos
processos de urbanização nos países industrializados? E, neste caso, este processo seria o
processo real de urbanização – no sentido da propagação da urbanidade? Só nesses países
ou também em países como o Brasil?

Certamente, sem ser submetido às mesmas condições como aquelas que vingaram nos
países centrais industrializados, o processo de urbanização no Brasil aconteceu de um
modo bastante diferente. Na próxima parte apresentaremos algumas informações sobre este
assunto e discutiremos as tendências mencionadas (ou contrárias) à contra-urbanização.

4. Urbanização Brasileira e Forma Urbana

Procurando pelas influências da industrialização no processo de urbanização, nós


observamos um contexto bastante diferente no Brasil. Nem a América Latina,
caracterizada por volumosas extensões de cidade e uma urbanização com pouca
industrialização, obteve sucesso em escapar completamente aquela "dialética" entre eles
(processos de industrialização e urbanização). Mais uma vez, podemos recorrer a Lefebvre
quando declara:

"Nestas regiões {como a América Latina} e países, estruturas agrárias velhas


estão dissolvendo ou arruinando uma multidão camponesa que vai para a cidade
achar trabalho e subsistência. Agora estes camponeses vêm de fazendas que estão
destinadas a desaparecer por causa dos preços mundiais doas mercadorias, ...
Estes fenômenos ainda são dependentes da industrialização" (LEFEBVRE 1969b,
p. 15)

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Portanto, vamos dar uma olhada no processo de urbanização do Brasil, que é bastante
diferente do europeu.

Durante muito tempo, após sua “descoberta”, o Brasil permaneceu um país agrário. Foi no
norte onde as primeiras cidades surgiram no século XVI; estas cidades manifestaram a
intenção da Coroa Portuguesa de controlar o país - neste caso, podem ser entendidas como
um tipo de cidades políticas, a que foi submetido o “sistema social da colônia”
(GOULART REIS 1968). Apenas depois do século XVIII a urbanização realmente
começou quando as cidades se tornaram a residência de grandes fazendeiros e donos de
moinho. Mas, de acordo com Milton Santos, "era necessário mais um século para que a
urbanização alcançou sua maturidade no século XIX, e ainda mais um século para adquirir
as características que nós vemos hoje" (SANTOS 1993, p. 19).

Conforme coloca este autor, a urbanização brasileira, depois de permanecer social e


territorialmente seletiva por um longo período, tornou-se praticamente difundida apenas no
último terço do século XX enquanto a macro-urbanização e a metropolização estavam
acontecendo (SANTOS 1993, p. 9). Pode ser notada uma redução relativa do domínio das
grandes cidades devido ao crescimento de cidades intermediárias e locais.

“O perfil urbano torna-se complexo, com uma tendência para a onipresença da


metrópole através de múltiplos fluxos de informação que são superpostos aos
fluxos de material que são o novo esboço de sistemas urbanos. Mas há, também,
em paralelo, uma certa “involução” metropolitana; o crescimento econômico das
grandes cidades diminui mais que a dinâmica das áreas agrícolas e suas
respectivas taxas de cidades regionais. O novo perfil industrial tem muito a ver
com esse resultado. Portanto, a grande cidade, mais que nunca, é um polo de
pobreza ...” (SANTOS 1993, pp. 9 s.)

Este processo aconteceu em um período muito curto. Se nós compararmos o processo


brasileiro de urbanização com o da Bélgica, nós podemos ver que taxas de urbanização
similares em ambos os países são relacionadas à anos e períodos totalmente diferentes -
veja a tabela seguinte (Fonte: SANTOS 1993, p. 29):

Anos
Taxas de urbanização No Brasil Na Bélgica
aproximadamente 30% 1945 1846
aproximadamente 50% 1965 1900
aproximadamente 60% 1975 1970

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O aumento da taxa de urbanização de 30 a 60% levou mais de cem anos na Bélgica, entre
os séculos XIX e XX; enquanto no Brasil não precisoumais que trinta anos no último
século. O aumento da população urbana entre 1960 e 1980 alcançou, em termos absolutos,
50 milhões de pessoas (o que representa a população brasileira inteira em 1950).

É óbvio que, ao lado destes aspectos quantitativos, há diferenças qualitativas entre os dois
processos. No caso brasileiro, o crescimento de população das grandes cidades é baseado
em seu "... poder e capacidade para atrair e manter as pessoas pobres, embora muitas vezes
em condições subumanas. .....; e o fato de que a população não tem nenhum acesso aos
empregos necessários, nem a bens e serviços essenciais, fomenta a expansão da crise
urbana" (SANTOS 1995, p. 10). Em outras palavras, é a própria cidade, como "espaço
social", que contribuiu para criar pobreza (concentração) no recente período; então, a
urbanização no Brasil é proximamente relacionada a pobreza, principalmente nas grandes
cidades (como o Rio de Janeiro, por exemplo).

Nós podemos imaginar o que significa, para planejadores urbanos, lidar com tal processo
explosivo considerando que os recursos disponíveis são sempre limitados nas
circunstâncias brasileiras. Então, não é nenhuma surpresa que essa "urbanização" teve um
significado enquanto aumento de urbanidade apenas para uma pequena minoria. Então,
será que - comparando as cidades brasileiras com aqueles de outros países
(industrializados) – não seria plausível, para entender a “verdadeira natureza” do processo
de crescimento e de concentração de populações nas cidades brasileiras, chamar esse
processo de "contra-urbanização" ao invés de urbanização?

Em 1991, a taxa de urbanização alcançou 77% da população, aumentando entre 1980 e


1990 mais 30 milhões de pessoas morando nas cidades. Considerando os anos 70 como
ponto de partida, o crescimento da população urbana (absoluto) era maior que o aumento
da população nacional. Estes dados indicam a magnitude dos problemas que os governos e
planejadores têm que enfrentar nas cidades brasileiras (ou não conseguem enfrentar e
resolver; veja, por exemplo, os estudos sobre "favelas" e outras práticas clandestinas e
ilegais de moradia por parte da população pobre).

Obviamente, há vários outros fatos que mereceriam nossa atenção. Isto é verdade,
especialmente, para aqueles relacionados ao sistema urbano, por exemplo. Em anos
recentes no Brasil, há uma diferenciação crescente entre diferentes tipos de cidades: “havia
um tempo onde a rede urbana poderia ser tratada como uma unidade, onde as cidades se

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relacionaram de acordo com uma hierarquia de tamanho e função. Esse tempo passou.
Hoje, cada cidade é diferente da outra, não importando seu tamanho, porque mesmo entre
as metrópoles há também diferenças” (SANTOS 1993, p. 53).

Também há grandes diferenças nas taxas de urbanização entre regiões diferentes: a mais
desenvolvida região do Brasil - onde se situam o Rio de Janeiro e São Paulo – teve, em 1980,
um índice de urbanização de 83%; por outro lado, em um das regiões mais pobres, o Nordeste
rural, esta taxa era só de 50% (a mais baixa nas cinco macro-regiões do Brasil). 40 anos antes,
em 1940, esses índices variavam apenas entre 22 e 39% (diferença de 17%).
Conseqüentemente, para investigar o processo de urbanização do Brasil torna-se necessário
fazer uma distinção entre diferentes regiões e tamanhos de cidade (como SANTOS fez em
1993 em seu estudo). Em nosso caso, o Rio de Janeiro pertence ao tipo da grande metrópole,
situada na região mais rica do país - o Sudeste.
Por outro lado, isto também não pareceria razoável devido à falta de qualquer prévia
implementação significante de um real "projeto urbano" no Brasil - como foi parcialmente
realizado nas cidades européias no passado. É possível que a recente "explosão" de antigas
capitais e tradicionais metrópoles no Brasil pode conter alguma evidência de um processo de
contra-urbanização que, conforme foi mencionado por Lefebvre, no futuro poderia conduzir a
uma "sociedade urbana." Ou, como já foi exposto anteriormente, que essa "contra-
urbanização" poderia ser a "verdadeira urbanização" (propagação de urbanidade) uma vez que
a urbanização (aumento de concentração de população) no contexto da industrialização quase
destruiu nossas cidades.

5. Petrópolis-Utópolis: em busca do significado das transformações recentes de um


município

Há pouco tempo, começamos um programa de pesquisa voltado para os assuntos que


acabamos de discutir. É nosso objetivo entender um caso especial de dispersão da população
na região serrana do Rio de Janneiro, na municipalidade de Petrópolis (quase 60 km do Rio de
Janeiro). Nós pretendemos adotar a perspectiva que esboçamos acima para procurar
identificar, mesmo empiricamente, a existência ou não de processos de sub-, contra- ou
urbanização originária. O objeto específico desta busca é a proliferação de condomínios
fechados nas colinas de um vale já ocupado a 20 /40 km do centro de Petrópolis e quase 80 a
100 km do centro do Rio de Janeiro que conta com excelente infra-estrutura viária (acesso ao
Rio de Janeiro).
Até agora, investigamos, por um lado, o processo de ocupação desta área desde os anos
quarenta do século XX através de projetos de licenciamento de loteamentos e condomínios
na Prefeitura Municipal. Por outro lado, nós juntamos alguns dados relativos ao mercado

16
imobiliário para ter uma primeira idéia do possível público-alvo visado pelos
empreendimentos.

Como um primeiro resultado parece claro que a ocupação crescente daquela área - e a
conseqüente dispersão da população naquela municipalidade - não tem suas principais razões
na cidade de Petrópolis – portanto, não se deve a uma lógica de suburbanização. Torna-se
plaúsível, então, a hipótese de queestamos assistindo um deslocamento temporária ou
permanente de um segmento da população do Rio de Janeiro (especialmente daquele com
maior poder aquisitivo) com seus próprios motivos e razões. A um nível empírico
(quantitativo) nós podemos esperar que este processo de urbanização ou contra-urbanização
(territorial e populacional) como dispersão criará novas formas de demandas políticas dos
habitantes novos que não cortaram completamente os laços com o Rio de Janeiro. Isso pode
acarretar um possível efeito de fragmentação para a cidade de Petrópolis na medida em que
poderiam surgir, futuramente, conflitos entre uma parte "velha" com certo interesse local uma
parte "nova" com necessidades mais cosmopolitas na medida em que vai se “integrando” (e
contribuindo) cada vez na sociedade urbana e seu padrão dominante de organização
territorial: a utópolis.
O que parece para nós completamente aberta é a pergunta se esta nova organização territorial
- envolvendo pelo menos três municipalidades - criará (e onde) e propagará a urbanidade. As
experiências metropolitanas com condomínios fechados não inspiram muita esperança a este
respeito. O que nós estamos procurando em nossa investigação na municipalidade de
Petrópolis é descobrir tais potencialidades de urbanidade que poderiam insinuar a apropriação
de benefícios de novas informações e tecnologias de comunicação.

17
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