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Sociedade Urbana
Rainer Randolph –
Prof. Titular no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional,
IPPUR / UFRJ
RESUMO:
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de “urbanização” como de suas particularidades locais (veja particularmente o trabalho de
CALDEIRA, 2000).
No Brasil, inicialmente, esses condomínios foram implantados preponderantemente
em zonas urbanas ou no interior das grandes metrópoles, mantendo uma certa distância aos
seus centros metropolitanos tradicionais numa “primeira periferia” ainda relativamente
próxima, ou eventualmente em municípios vizinhos ao núcleo metropolitano; o caso de
“Alphaville” na Grande São Paulo é emblemático neste sentido e foi copiado em outras
metrópoles brasileiras. Uma primeira onda de difusão dessa forma de urbanização alcançou
todas as áreas metropolitanas maiores como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Salvador e outras mais.
As mencionadas investigações dos fenômenos da urbanização fechada associaram
sua proliferação, geralmente, ao desejo de uma parte de classes sociais mais abastadas a
usufruir uma melhor qualidade de vida longe dos engarrafamentos e da poluição e de obter
proteção contra o real ou suposto aumento da violência e insegurança nessas cidades.
Aponta-se como principal resultado desse processo um aprofundamento cada vez maior da
segregação sócio-espacial não apenas ao nível local (municipal), mas mesmo ao nível
regional na medida em que o processo envolveu toda a região metropolitana em torno do
município-núcleo. Inclusive, em municípios periféricos surgem esses condomínios não
apenas para os segmentos de alta renda da metrópole, mas também para a classe média
local que parece ver, nessa forma de urbanização atrás de muros, um incremento da
qualidade de sua vida e da sua segurança.
Não abordaremos, no presente trabalho, essas formas já mais “tradicionais” da
implantação de condomínios fechados ou “enclaves fortificados” (CALDEIRA, 2000, p.
211) no interior das metrópoles do país. O que nos interessa – e preocupa – é a difusão
dessa forma de moradia e urbanização para além das fronteiras das regiões metropolitanas.
Pois, os condomínios fechados estão presentes também quando, desde a década de 1980,
ocorre um maior espraiamento da distribuição populacional (MARTINE, 1994) que leva à
substituição do padrão espacial concentrador do crescimento da população urbana no
período inicial da urbanização brasileira (SANTOS, 1993).
Aparentemente há uma certa semelhança entre as formas de ocupação urbana e a
implementação de empreendimentos imobiliários – as da “urbanização fechada” – nos dois
lugares distintos que acabamos de mencionar: entre aquelas no núcleo da metrópole e as
outras em área peri-metropolitana onde o tecido urbano ainda apresenta traços rurais mais
fortes.
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É aqui que se colocam para nos as seguintes questões: Será que essa ocupação por
condomínios e loteamentos com acesso limitado e interditado fora da metrópole segue um
padrão semelhante e tem o mesmo significado daquele identificado no interior dela?
Representaria nada mais do que o surgimento de uma “metrópole expandida” como
sugerem alguns autores? E, neste sentido, algo como a realização de uma “utopia
burguesa” como apontado por alguns autores (FISHMAN, 1996)? Ou, ao contrário, essa
urbanização peri-metropolitana em áreas semi-rurais na base desses loteamentos e
condomínios sinaliza alguma “mutação de valores” (KRIPPENDORF, 1989, p. 148 ss.) e
representa, assim, um movimento de contestação e resistência de uma classe abastada que
está prestes a abandonar a metrópole? E, por isto, poderia ser compreendido como indício
de uma “revolução urbana” (RANDOLPH, 2005)?
Essa última pergunta soa um tanto absurdo por tudo que nosso senso comum nos
diz a respeito da atuação das classes médias e altas no Brasil. Mas, temos razões teóricas
de ao menos debater um possível “potencial revolucionário” dessas classes da mesma
maneira como Marx via o aprofundamento das contradições entre o desenvolvimento das
forças de produção e as relações de produção como um potencial da superação do
capitalismo. Neste sentido, nossa questão não é empírico-realista, mas conceitual-
hipotético: nosso trabalho pretende contrapor duas diferentes interpretações do significado
do deslocamento de uma parcela das classes médias e altas da metrópole do Rio de Janeiro
e apreciar, teoricamente, sob quais condições esse comportamento (ação) pode ser
considerado como “utópico” – no sentido conservador – ou “revolucionário” – no sentido
progressista (vide, neste contexto, também o interessante trabalho de DAVIDOVICH,
1991).
Como condição, para poder atribuir posteriormente esses possíveis e diferentes
significados a uma e mesma prática (social e espacial) dessas classes, será necessário
compreender, num primeiro passo, a constelação mais abrangente das transformações
sociais contemporâneas nas quais essas práticas são inseridas. Uma contextualização
histórica, social e metodológica mostrará a importância que o espaço social tem para
compreender a atuação de qualquer agente social. Portanto, na segunda parte do presente
ensaio, será introduzida uma teoria única do espaço que permitirá compreender a produção
social do espaço social (LEFEBVRE, 1991). A partir dessa concepção será possível
qualificar teoricamente, numa terceira parte, o espaço social das classes médias e altas da
metrópole do Rio de Janeiro – e inclusive aquela parcela que se manifesta enquanto
urbanização fechada – como espaço abstrato.
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Num quarto momento, serão interpretadas as formas de expansão da metrópole – e
especialmente aquelas que nos observamos no caso do Rio de Janeiro - como expressão do
esgotamento de uma apropriação do espaço urbano que chega aos limites de uma
contradição entre “espaço do consumo” e “consumo do espaço”, como colocado por
Lefebvre. Coloca-se a pergunta se a apropriação do espaço pelas classes médias e altas
cariocas em áreas peri-metropolitana pode ser um sinal para o surgimento de um novo
padrão espacial fora da metrópole. Como hipótese, essa possibilidade não pode ser de toda
excluída quando se segue a concepção do espaço social de Lefebvre. Ou seja, é válido
perguntar se assistimos, hoje, ao surgimento de alguma nova forma de urbanização que
talvez possa sinalizar o advento da “sociedade urbana” (LEFEBVRE, 1999) ou de uma
“sociedade do lazer” (KRIPPENDORF, 1989, p. 151 ss.)?
Ou, enquanto hipótese contrária, a mencionada ocupação de áreas peri-
metropolitanas apenas significa a extensão das formas de segregação sócio-espacial que já
se observa no bojo da própria região metropolitana? Portanto, na quinta parte do trabalho,
será discutida a atuação das classes médias e altas no contexto de um determinado quadro
de valores subjacente às suas práticas que sugerem essas práticas propiciarem apenas à
mera reprodução social da sociedade e do espaço contemporâneos.
É óbvio que esse exercício de reflexão se reportou, durante o processo de sua
elaboração (RANDOLPH, 2004a; RANDOLPH, 2005; RANDOLPH, LOPES, 2006;
RANDOLPH, LOPES, 2007; RANDOLPH, GOMES, 2007), a determinadas referências
empíricas que foram mencionadas antes, mas que não vão poder ser explicitadas aqui.
Seriam duas diferentes áreas dentro e fora da região metropolitana do Rio de Janeiro: por
um lado, os fenômenos dos condomínios fechados num bairro no Rio de Janeiro que pode
ser considerado como o “paradigma metropolitano” dessa forma de urbanização fechada: é
a Barra da Tijuca. Por outro lado, fora dessa região, em situação peri-metropolitana, os
bairros mais distantes do centro histórico do município de Petrópolis que estão sofrendo
nos últimos vinte anos as conseqüências da implantação deste tipo de empreendimento
imobiliário.
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Metropolitana do Rio de Janeiro como já mencionado anteriormente. Essa delimitação
ainda bastante genérica pode ser mais bem especificada por meio de uma hipótese básica
que permeia todo o trabalho: estamos querendo entender em que medida esses fenômenos
dos condomínios fechados apontam (ou não) para uma transição de uma forma de
sociedade (mais ou menos sob hegemonia da indústria e do capital) para uma outra que
ainda está em vias de nascer.
Essa transição ultrapassa o mero âmbito das grandes cidades e metrópoles e
envolve toda a sociedade (e território) na medida em que indica o declínio da sociedade
industrial e o advento de uma “sociedade urbana” como Lefebvre (1999) já chamava
atenção há 50 anos. Nas palavras de Krippendorf (1989) seria possível imaginar que a
transformação parte de uma sociedade do consumo e se dirige a uma sociedade do lazer
(interessante ver aqui a idéia da “cidade lúdica” em LEFEBVRE, 2001). É nossa convicção
que, em ambos os casos, a identificação dos primeiros indícios de uma “nova sociedade”
exigiria a delimitação de uma área específica (espaço-tempo determinado) onde, talvez,
pudessem ser encontrados primeiros sinais dessa transformação.
Expressa-se aí, obviamente, uma opção metodológica que parte da compreensão de
uma dialética entre o universal e o específico (LEFEBVRE, 1979). As mudanças
universais não existiriam sem sua manifestação no singular; e essas manifestações apenas
serão compreendidas como particulares em relação aos movimentos universais dos quais
fazem parte. Mais ainda, antes de arriscar qualquer observação sobre o futuro, precisamos
investigar os “campos dos possíveis” de certos grupos ou classes sociais enquanto
“objetivo em direção ao qual o agente supera sua situação objetiva” (SARTRE, 1967).
Portanto, diante da hipótese do advento de uma sociedade urbana ou de lazer é necessário
estudar em que direção as cidades estão sendo transformadas pelos agentes responsáveis
por sua produção. Após a identificação desses “campos de possíveis” dos principais
agentes – que se anunciam objetivamente no presente – poderiam ser, talvez, apreciadas as
possibilidades de ocorrerem transformações que possam dar origem à sociedade urbana.
Essa tarefa de reconhecer a transição no espaço torna-se particularmente mais
difícil - e isto provavelmente por bastante tempo se pensarmos nas escalas temporais das
grandes transformações que ocorreram na história da humanidade – diante do “poder de
perpetuação” do próprio espaço como nos alerta Milton SANTOS:
O fato, porém, é que cada estrutura do todo reproduz o todo. Assim, em uma
fase de transição, as estruturas vindas do passado, ainda que parcialmente
renovadas, tenderão a continuar reproduzindo o todo tal com era na fase
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precedente. Todavia, se cada estrutura conhece o seu próprio ritmo de mudança,
a estrutura do espaço é a instância social de mais lenta metamorfose e
adaptação. Por isto, ela poderá continuar, por muito tempo, a reproduzir o todo
anterior, a situação que se deseja eliminar.(SANTOS, 2004, p. 75, 76, destaque
nosso)
Por essas razões, não é a própria metrópole do Rio de Janeiro que oferece melhores
condições como objeto para nossa reflexão, mas sua periferia metropolitana expandida
que tem características únicas em relação a periferias de muitas outras mega-cidades. Pois,
em boa parte ela parece surgir como área de residência fixa de uma ocupação anterior que
teve uma outra funcionalidade: a de ser lugar de lazer, de descanso e recreio de uma
parcela da população carioca de média a alta renda. É nossa hipótese (vide também
RANDOLPH 2004a) que suas “qualidades” que a capacitaram para um uso turístico local
podem dar origem a uma forma de urbanização que não seja meramente uma extensão
territorial da forma metropolitana tradicional (TASCHNER, BOGUS, 2000). E, com isto
apontar para o surgimento daquilo que acima foi chamada de “sociedade urbana”.
No atual trabalho não pretendemos aprofundar a discussão acerca dos múltiplos
processos que podem estar ligados à transição para a sociedade urbana e ocorrendo numa
área em torno da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Referimo-nos, no nosso debate,
a determinados segmentes das classes médias e médias-altas que se tornam protagonistas
nessa área peri-metropolitana (RANDOLPH 2005; RANDOLPH, GOMES 2007) não
apenas do próprio processo da expansão na medida em que constroem suas casas de
veraneio nas praias, nos lagos ou na serra; mas também são os responsáveis pela difusão de
condomínios fechados como uma determinada forma de ocupação do solo.
Particularmente observaremos as mudanças que estão ocorrendo em lugares tanto
“peri-metropolitanas” (fora da metrópole) como “peri-urbanas” (fora do tecido urbano) no
alto da Serra de Petrópolis. É nossa hipótese de que a ocupação de veraneio e segunda
residência, concentrada em determinados distritos do município de Petrópolis, não é
apenas um caso ilustrativo para nosso estudo, mas que representa elementos que a tornam
paradigmática para estudar aqueles campos dos possíveis das práticas sociais e espaciais
dessas classes sociais..
Portanto, essa delimitação espaço-temporal, não deve ser vista como restrição para
nossas reflexões na medida em que pode permitir uma comparação em diferentes níveis e a
respeito de diversos critérios entre as mesmas formas de ocupação em diferentes áreas:
entre, por um lado, aqueles empreendimentos que se encontram dentro do núcleo
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metropolitano com, por outro lado, aqueles construídos fora de sua (quase) imediata
influência (vide RANDOLPH, LOPES 2006; RANDOLPH, LOPES 2007). Não obstante,
no atual trabalho não vamos enredar nesse caminho.
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inicia a procura por uma “teoria unitária” baseada na proposição de que o “espaço (social)
é um produto (social)” (LEFEBVRE, 1991, p. 26). A importância dessa teoria – elaborada
particularmente no seu livro “Produção do Espaço” (LEFEBVRE 1991) – fica bem
explicitada pelas seguintes observações de Stuart Elden (2001). Esse autor constata que
Lefebvre não procura apenas corrigir uma característica dos tempos modernos expressa na
falta de equilíbrio entre tempo e espaço, mas quer enfatizar a historicidade da experiência
tanto temporal como espacial, opondo-se assim a Kant. Segundo Elden, Lefebvre defende
que
.. sem serem mais vazias recipientes Kantianas formais, nem mais categorias da
experiência, tempo e espaço podem ser experimentados enquanto tais, e sua
experiência foi relacionada diretamente às condições históricas dentro as quais
foram experimentadas. Para Lefebvre, obviamente, essas condições históricas
são diretamente ligadas ao modo de produção: conseqüentemente também a
produção do espaço. Lefebvre pretendia realizar dois movimentos principais no
seu trabalho.
Primeiro pôr o espaço para cima com e ao lado do tempo em considerações da
teoria social, e, ao fazer isto, corrigir a vacuidade dos recipientes Kantianos de
experiência. A espacialidade é tão importante quanto a temporalidade e a
história, mas não deve obscurecer considerações a respeito delas: “espaço e
tempo aparecem e se manifestam como diferentes, contudo não separáveis”.
(LEFEBVRE, 1991)
Secundariamente ele desejou usar esta nova compreensão crítica para examinar
o mundo (moderno) no qual ele estava escrevendo. Isto é realizado por uma
análise de como o espaço é produzido, e como é experimentado. O espaço é
produzido em dois modos, como uma formação social (modo de produção), e
como uma construção mental (concepção) (ELDEN, 2001, tradução nossa).
O que significa, então, o “espaço”? O próprio livro de Lefebvre, ao qual nos
referimos, apresenta, em seu primeiro capítulo, uma extensa discussão a este respeito, ao
recuperar os diferentes significados desde a antigüidade grega até concepções mais
contemporâneas. Constata que, até recentemente, dominou a visão cartesiana baseada
numa divisão entre “res cogitans” e “res extensa”. O espaço, “res extensa”, foi pensado em
termos geométricos de coordenadas, linhas e planos.
O espaço geométrico é abstrato, da mesma forma como o tempo cronológico em
sua abstração do concreto. Elden relaciona essa perspectiva da crítica ao espaço
geométrico com Heidegger. Só se experimenta o espaço enquanto geométrico, por
exemplo, ao se usar um martelo (“prática espacial”) para pensar; quando, este então será
conceituado. Aí já encontramos um dos momentos chave para a compreensão do espaço
com base numa tríade; e, é exatamente essa tríade que constitui a base para a compreensão
da produção do espaço.
Mas, vejamos mais uma vez Elden e como apresenta o raciocínio de Lefebvre:
Nosso modo de reação em relação ao espaço não é geométrico, apenas nosso
modo de abstração o é. Há uma oposição estabelecida entre nossa concepção de
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espaço - abstrata, mental e geométrico - e nossa percepção de espaço - concreta,
material e físico. .. [A percepção] toma como seu ponto de partida inicial o
corpo que Lefebvre vê como o local de resistência dentro do discurso do poder
no espaço. Espaço abstrato, descorporalizado, é, como ele sugere, ainda um
outro aspecto de alienação.
Para progredir no entendimento do espaço, precisamos apreender o concreto e o
abstrato juntos. Como foi discutido em "Le materialisme dialectique", se apenas
um é considerado e tornado absoluto, uma verdade parcial torna-se um erro:
"Rejeitando uma parte do conteúdo, sanciona-se e agrava-se a dispersão dos
elementos da realidade." Da mesma maneira que Lefebvre descreveu o Estado
como uma "abstração realizada (percebida)", também o espaço é percebido (em
ambos os sensos da palavra) como abstração. Obviamente, aqui há um uso de
idealismo e materialismo conjuntamente. Espaço é um construto mental e
material. Isto nos proporciona um terceiro termo entre os pólos da concepção e
percepção, a noção da vivência. Lefebvre argumenta que espaço humano e o
tempo humano acontecem metade na natureza, e metade na abstração (ELDEN
2001; tradução nossa).
Pode-se levantar dúvidas em relação a algumas formulações de Elden: por exemplo,
o uso da oposição concreto – abstrato está, em boa parte, mais próximo à discussão do
“pensamento em movimento” de Lefebvre na “Lógica Formal / Lógica Dialética” (1979)
do que na “Produção do Espaço” (1991) onde trabalha com a diferenciação absoluto -
abstrato – diferencial, como antes mencionado; quando fala do espaço abstrato como
alienação refere-se ao contrário do espaço absoluto (e não do concreto).
Mesmo assim, essa breve passagem introduz, de uma forma simplificada, a tríade
de momentos, em última instância inseparáveis, às vezes contraditórios e conflitantes, que
representa o núcleo da “teoria única” do espaço que o autor procurava: o percebido, que
Lefebvre identifica depois com as práticas espaciais; o concebido que está ligado às
representações do espaço; e o vivido que está relacionado aos espaços de representação; em
suas próprias palavras descreve esses três momentos da seguinte forma:
(i) Prática espacial que abrange tanto a produção como a reprodução, como
também os locais particulares e conjuntos espaciais característicos de cada
formação social. (LEFEBVRE, 1991, p. 33) .. A prática espacial de uma
sociedade secreta o espaço da sociedade; o propõe e pressupõe, numa interação
dialética;... Do ponto de vista analítico, a prática espacial de uma sociedade é
revelada pela decifração de seu espaço. ... [Sob o neo-capitalismo, a prática
espacial].. incorpora uma associação íntima, dentro do espaço percebido, entre
realidade diária (..) e realidade urbana (..) (LEFEBVRE, 1991, p. 38; tradução
nossa).
(ii) Representações do espaço vinculadas às relações de produção e à ordem que
essas relações impõem, e consequentemente ao conhecimento, sinais, códigos, e
relações frontais (LEFEBVRE, 1991, p. 33) [São].. espaços conceptualizados, o
espaço de cientistas, planejadores, tecnocratas e engenheiros sociais... - todos
identificam o que é vivido e percebido com o que é concebido. ... Este é o
espaço dominante em qualquer sociedade (ou modo de produção). Concepções
do espaço tendem,.., para um sistema de sinais verbais (e então intelectualmente
trabalhados). (LEFEBVRE, 1991, p. 38 s.; tradução nossa)
(iii) Espaços de representação, incorporando simbolismos complexos, às vezes
codificados, às vezes não, relacionados ao lado clandestino ou subterrâneo da
vida social, como também à arte (..). (LEFEBVRE, 1991, p. 33) Espaço como
diretamente vivido através de suas imagens associadas e símbolos, e
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consequentemente o espaço de "habitantes" e "usuários", mas também de alguns
artistas e talvez daqueles.. , que descrevem e não aspiram fazer mais do que
descrever. Este é o espaço dominado .. que a imaginação busca mudar e
apropriar. Ele se sobrepõe ao espaço físico, na medida em que faz uso simbólico
de seu objeto. Assim, pode ser dito que espaços de representação .. tendem para
sistemas de símbolos não-verbais e sinais mais ou menos coerentes
(LEFEBVRE, 1991, p. 39 - tradução nossa).
Elden (2001) apresenta num esquema a unidade do espaço físico, mental e social da
seguinte maneira:
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particular, a passagem de um modo para um outro precisa encaminhar a produção de um
novo espaço. ... o exame de transições entre modos de produção vai revelar, realmente, que
um espaço fresco [fresh] está sendo gerado durante essas mudanças, ..” (LEFEBVRE,
1991, p. 46-47, tradução nossa)
Portanto, tomando como base essa conceituação podemos investigar (discutir) o
espaço que surge com capitalismo e industrialização (modo de produção capitalista) que,
talvez, já esteja condenado a dar lugar a um novo espaço de uma sociedade diferente – eis,
aliás, nosso problema formulado deste o princípio do atual texto.
Portanto, nossa preocupação refere-se à “história do espaço” que, como diz
Lefebvre (1991, p. 48), não pode ser limitada a um estudo dos momentos específicos que
foram constituídos através da formação, estabelecimento, declínio e dissolução de um
determinado código espacial (este código reúne sinais verbais – palavras e frases – e não
verbais – música, sons, construções arquitetônicas). Há aspectos globais a serem
considerados (modos de produção e outras generalidades). Além disto, pode-se esperar da
história do espaço periodizações do processo de produção que não correspondem àquelas
amplamente aceitas.
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espaço abstrato funciona como objeto: como um conjunto de coisas/sinais e seus
relacionamentos formais: vidro e pedra, concreto e aço, ângulos e curvas, cheio e vazio.
O espaço abstrato não é definido na base do percebido com o desaparecimento de
árvores ou retrocesso da natureza; os espaços grandes e vazios do Estado e dos militares,
ou os centros comerciais cheios de mercadorias. Ele relaciona-se negativamente com tudo
que está na sua base: as esferas históricas e religioso-políticas. Positivamente funciona
frente às suas próprias implicações: tecnologia, ciência aplicada e conhecimento
comprometido com o poder. Pergunta Lefebvre: “Isto significa que esse espaço pode ser
definido em termos de uma alienação reificadora, na suposição que o meio (ambiente,
´milieu´) da mercadoria tornou-se em si uma mercadoria?” (LEFEBVRE, 1991, p. 50)
Talvez, responde, mas a “negatividade” do espaço abstrato não pode ser negligenciada, e
sua abstração não pode ser reduzida a uma “coisa absoluta”. De qualquer forma, ele
dissolve e incorpora tais “sujeitos” anteriores como aldeias e cidades e tende para a
homogeneidade, a eliminação de diferenças e peculiaridades – a segregação social e
espacial nas grandes cidades de hoje apenas aparentemente depõe contra essa afirmação.
Uma outra características do espaço abstrato é a de que seu único ponto de
referência é a genitalidade apesar de negar o sensorial, o sensual e o sexual (LEFEBVRE,
1991, p. 49 s.). A reprodução das relações sociais é compreendida de uma forma simplista
como mera reprodução biológica. Para este espaço abstrato do neo-capitalismo a tríade das
práticas espaciais, representação do espaço e espaços de representação se apresenta da
seguinte forma:
- a prática espacial está sendo exercida sob predomínio da reprodução de relações
sociais;
Pergunta o autor: este espaço durará para sempre? E responde que provavelmente
não, porque ele mesmo comporta contradições específicas que podem virar sementes para
um novo tipo de espaço: o espaço diferencial, o espaço da sociedade urbana (de um novo
modo de produção).
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Assim, em relação ao espaço abstrato das sociedades contemporâneas (industriais),
Lefebvre identifica diferentes contradições que são intrínsecas a esse espaço (vide
RANDOLPH, 2004). Como uma entre várias contradições, chama a atenção para aquela
entre quantidade e qualidade (LEFEBVRE, 1991, p. 352, tradução nossa). “Espaço
abstrato é mensurável. Ele não é apenas quantificável com espaço geométrico, mas, como
espaço social, ele é sujeito a manipulações quantitativas: estatísticas, programação,
projeção – todas são operacionalmente efetivos aqui. A tendência dominante, portanto, é
em direção ao desaparecimento do qualitativo, à assimilação abaixo de um tal tratamento
brutal ou sedutor (seductive)”.
Mas, no final, diz ele, o qualitativo resiste com sucesso à absorção pelo
quantitativo, da mesma forma como o uso resiste à subordinação ao valor. Chega o
momento quando as pessoas em geral abandonam o espaço do consumo que coincide com
a histórica localização da acumulação do capital, com o espaço da produção e com o
espaço que é produzido. Este último, continua Lefebvre (1991, p. 352), é o espaço do
mercado, o espaço através do qual os fluxos seguem seus passos, o espaço controlado pelo
Estado. Por isto, é um espaço rigidamente quantificado.
Quando as pessoas saiam desse espaço elas se movem em direção ao consumo do
espaço (uma forma improdutiva do consumo). Este momento é o momento da partida: o
momento das férias das pessoas (LEFEBVRE ,1991, p. 353).
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Essas condições podem estar disponíveis, hipoteticamente, nas áreas peri-
metropolitanas das metrópoles que contam com um acesso relativamente fácil ao núcleo
metropolitano. Quando se fala de áreas com essas qualidades, pensa-se, normalmente, em
áreas de “vocação turística”. Pois, as qualidades para recreação e lazer; a presença de ar
puro, da beleza natural, água cristalina, aventura (trekking, rafting etc.), saúde e segurança
são exatamente os elementos chave para compreender o sentido ou significado do
abandono das classes abastadas da metrópole.
Ou seja, pergunta-se, será que a instalação de segmentos das classes médias e altas
nestes “espaços de lazeres” (KRIPPENDORF, 1989) reproduzem – ou não – as relações de
produção e contribuem “portanto para sua manutenção e para sua consolidação”
(LEFEBVRE, 1973, p. 96).
Num primeiro momento, pensando em compreender as práticas espaciais
relacionadas a essa forma de ocupação de áreas peri-metropolitanas, será preciso refletir
sobre o significado das relações destes espaços com a produção e reprodução social e sua
potencialidade de oferecer uma certa “qualidade” para aqueles que estão vivendo no (e
querendo “fugir” do) “espaço quantitativo” das grandes cidades e regiões metropolitanas
(RANDOLPH, 2005)
Em princípio quando se pensa mesmo na “indústria do turismo”, esses espaços de
lazer reproduzem as relações de produção e contribuem “portanto para sua manutenção e
para sua consolidação” (LEFEBVRE, 1973, p. 96),. Isto fica explícito quando o autor se
refere à ocupação da costa mediterrânea da França na década de 70 do século XX (e, quem
sabe, isto valeria também para as costas brasileiras nos século XXI): “Os espaços de lazer
constituem objeto de especulação gigantesca, mal controlada e freqüentemente auxiliada
pelo Estado (construtor de estradas e comunicações, aval direto ou indireto das operações
financeiras etc.). O espaço é vendido a alto preço aos citadinos expulsos da cidade pelo
tédio e pelo bulício. ... Os lazeres entram assim na divisão do trabalho social, não só
porque o lazer permite uma recuperação da força de trabalho, mas também ... uma vasta
comercialização dos espaços especializados, e que entra na planificação global”
(LEFEBVRE, 1973, p. 96).
Normalmente á nas férias o momento quando as pessoas demandam um espaço
qualitativo. Essas qualidades, como diz o autor, tem nomes que, obviamente, dependem do
lugar onde essas pessoas vivem; na Europa seriam sol, neve, mar (sun, snow, sea). Pouco
diferença faz se são naturais ou simulados. “O que está desejado é a materialidade e a
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naturalidade enquanto tais, redescobertas na sua (aparente ou real) imediaticidade”
(LEFEBVRE, 1991, p.353).
Nestes termos de Lefebvre, acreditamos que a referência empírica da nossa reflexão
– a ocupação da área peri-metropolitana do Rio de Janeiro por casas uni-familiares e
empreendimentos imobiliários de pequeno porte - pode ser compreendida como uma das
possíveis expressões de uma contradição entre o espaço abstrato (dominante) e um espaço
qualitativo cujo usufruto está, geralmente, relegado a um tempo específico das pessoas: às
ferias que antigamente eram contingentes, mas hoje se tornaram um momento necessário –
ao menos nos países industrializados.
Pois, são os já mencionados segmentos sociais médios e altos que, facilitado pelas
circunstâncias de sua vida (profissional, pessoal), que têm a possibilidade de vivenciar essa
contradição de uma forma mais próxima, imediata e simultânea, quando constroem suas
casas ou mesmo compram seus apartamentos “de campo” na Serra que podem ser
alcançados em uma hora ou uma hora e meia a partir do centro da metrópole – tempo que
também podem ficar no engarrafamento quando percorrem o caminho entre lugar de
moradia e lugar de trabalho dentro da cidade. O desejo, por exemplo, das pessoas de
escapar do domínio do espaço abstrato teria, então, um sentido de resistência e de
contestação das formas abstratas da vida e do espaço fetichizado (LEFEBVRE, 1991, p.
355). Provavelmente não se trata aqui da única expressão social de revolta contra esse
espaço abstrato que observamos hoje me dia – mas, de qualquer forma, poderia ser
compreendido assim. Portanto, não podemos negar totalmente a possibilidade de um certo
potencial deste grupo (classe média) em tornar-se protagonista de maiores mudanças
sociais na medida em que suas práticas espaciais, representações do espaço e espaços de
representação (valores, hábitos) se opõem à forma dominante da organização espacial da
sociedade; ainda mais se não só sentissem essa e outras contradições e oposições, mas
transformassem esse “sentimento” em projeto (RANDOLPH, 2004). Talvez aí cabe um
maior ceticismo quando se observa o comportamento histórico dessas classes.
Uma transformação neste sentido poderia transformar ao menos parcelas do espaço
abstrato da sociedade industrial em um “espaço diferencial” da sociedade urbana por meio
da “mobilização de diferenças num único movimento (incluindo diferenças de origem
natural, cada uma delas a ecologia tende a enfatizar isoladamente): diferenças de regime,
país, localização, grupo étnico, insumos naturais etc.” (LEFEBVRE, 1991, p. 64).
Esse “direito de ser diferente” só pode fazer sentido, continua Lefebvre, quando se
baseia numa luta própria de estabelecer diferenças que garante que as diferenças assim
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geradas se distinguem tanto de características naturais distintivas (espaço absoluto) como
daquelas diferenciações induzidas dentro do espaço abstrato existente. Novamente, a
questão se coloca com relação ao potencial do deslocamento dos segmentos sociais médios
e altos da metrópole de estabelecer essas novas diferenças – e não, como demonstra a
história, serem as principais forças conservadoras de reprodução social e espacial
(RANDOLPH, 2004b).
Portanto, a passagem da sociedade industrial para a sociedade urbana estará
vinculada à superação (tanto no pensamento – linguagem - como na prática) de oposições
e separações que serão transformadas, nesta passagem, em “diferenças imanentes”. E, essa
sociedade urbana com seu espaço diferencial caracterizar-se-ia por uma nova forma de
mobilidade que supera os diferentes aspectos entre festa e cotidiano, trabalho e consumo
etc..
A própria contradição entre quantidade (valor) e qualidade (uso) dentro do espaço
abstrato não está fundado numa oposição binária, mas numa interação entre três pontos
(LEFEBVRE, 1991, p. 354): é um movimento do espaço de consumo para o consumo do
espaço através do lazer. Ou em outras palavras, do cotidiano para o não-cotidiano através
da festa – seja fingida ou não, simulada ou “autentica”. Ou do trabalho ao não-trabalho
através do questionamento (meio imaginado, meio real) da fadiga. Na verdade, essa
contradição está articulada a uma oposição entre produção e consumo (LEFEBVRE, 1991,
p. 354) e uma contradição entre diferentes escalas e caráter ao mesmo tempo homogêneo e
fragmentado do espaço (LEFEBVRE, 1991, p. 355). O possível projeto para um novo
espaço chamado por Lefebvre de “diferencial” superaria essas contradições do espaço
abstrato onde as mediações acima mencionadas se tornariam imediatas (RANDOLPH,
2005).
Enfim, as classes ou segmentos médios e altos poderiam contribuir para essa
“revolução urbana” se suas práticas contribuíssem para a construção deste espaço
diferencial; como falamos inicialmente, não pode-se excluir totalmente essa possibilidade
de certos segmentos (“vanguarda”) dessas classes agirem neste sentido. Continua, é claro,
uma forte desconfiança que a maioria não segue exatamente esse caminho.
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regiões metropolitanas de resistir a ou mesmo contestar ou subverter as lógicas dominantes
de produção da espaço abstrato metropolitano. Essa “subversão” passaria, na nossa
compreensão do autor, pela construção de um novo código espacial, diferente daquele que
caracteriza o espaço abstrato.
É difícil de imaginar como esses segmentos ou classes sociais podem realmente
produzir um código espacial diferente - ou seja numa linguagem comum para prática e
teoria e também para moradores, arquitetos e cientistas – que consegue expressar essas
“diferenças” no espaço. Pois, o primeiro passo para construir um código assim, seria
recapturar a unidade de elementos dissociados, ao derrubar barreiras como aquelas entre
público e privado e identificar tanto oposições como confluências no espaço que
atualmente não podem ser discernidas.
Isto juntaria níveis e termos que estão separados por causa de práticas espaciais
existentes e suas subjacentes ideologias: a escala “micro” ou arquitetônica e a escala
“macro” correntemente tratada como província de urbanistas, políticos e planejadores. O
mesmo valeria para o reino do cotidiano e o do urbano; dentro e fora; trabalho e não-
trabalho (festa); o durável e o efêmero etc. (Lefebvre 1991, p. 64).
“O código incluiria então oposições significantes (por exemplo elementos
paradigmáticos) a serem achadas entre condições aparentemente discrepantes, e
ligações (elementos sintagmáticos) recobradas da aparentemente homogênea
massa de espaço politicamente controlado. Neste sentido, poderia ser dito que o
código contribui à reversão da tendência dominante e assim fazer um papel no
projeto global. Porém, é vital que o próprio código não seja tomado
equivocadamente como uma prática. Não deve ser permitida então que a procura
por um idioma, sob nenhuma circunstância, seja separada de prática ou das
mudanças forjadas através de práticas (por exemplo do processo mundial de
transformação).
Um código deste tipo deve ser correlato a um sistema de conhecimento. Reúne
um alfabeto, um léxico e uma gramática dentro de um quadro global; e se situa -
entretanto não de tal modo de excluí-lo - frente ao não-conhecimento
(ignorância e mal-entendido); em outros palavras, frente o vivido e percebido.
Tal conhecimento está consciente de seu próprio caráter aproximativo; é
imediatamente certo e não-certo. Anuncia sua própria relatividade a cada
passo,... Este conhecimento precisa achar um caminho no meio entre por um
lado o dogmatismo e a abdicação ao entendimento, por outro” (LEFEBVRE,
1991, p. 64-65).
O que mais provavelmente se encontrará – nos levantamos essa hipótese aqui na
base da vivência desses supostamente novos espaços e de alguma leitura de relatos dessas
experiências – é mesmo um movimento de mera fuga individual e de pequenos coletivos
(famílias, grupos de amigos etc.) – um escapismo – do incomodo das restrições de
liberdades do próprio corpo que o espaço abstrato impõe à vida na metrópole. A
“proximidade à natureza”, o espaço supostamente absoluto, vira, assim, justificativa para a
livre expressão e vivência de suas preferências e ideários sem estar submetido às restrições
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impostas pela vigilância social (e policial) da metrópole que caracteriza seu espaço
abstrato.
O que prevalece é um individualismo (mesmo de grupos primários como a família e
seus agregados) que encontra seu “espaço de realização” longe das limitações e restrições
inevitáveis num espaço abstrato que é densamente povoado e intensamente aproveitado.
Como dizem WORTMAN e ARIZAGA (s.a.) a respeito das pessoas que vivem em
condomínios fechados: “Detrás de esta ´elección de vida´ en apariencia sencilla, casi
automática se despliega una teoría del placer: aquella que enunciara Epicuro - otro
pragmático - para enseñar a los hombres un camino a la felicidad.”
Através desse vínculo à doutrina do filósofo grego EPICURO, as autoras discutem
determinados valores que identificam na vida dos moradores desses condomínios.
Explicam as autoras:
La doctrina del filósofo griego Epicuro tiene un objeto exclusivamente práctico:
está destinada a procurar la vida feliz a una minoría, aislada del resto del mundo.
Epicuro consideraba el placer como la felicidad. Esta felicidad era
esencialmente una evasión o liberación del sufrimiento, un estado interior de
ignorancia del dolor y del temor.
Se trataba, pues, de vivir experimentando el menor dolor posible, a la vez que el
máximo placer. Todos deseamos el placer - sostiene Epicuro -; todo ser viviente
se esfuerza por huir del dolor. La presencia del dolor nos hace desgraciados.
Previamente a todo placer positivo, necesitamos liberarnos del dolor.
El estado de perfecta ausencia de inquietud, la ausencia de toda clase de temor
es considerado por Epicuro y sus seguidores como cumplimiento supremo de la
vida humana. El epicureísmo, lejos de cualquier ostentación de virtud, era un
sistema centrado sobre el propio individuo; una ética de la pura felicidad
subjetiva cuyo surgimiento se vincula con el quiebre del marco de la ciudad, que
constituía el punto de referencia para el griego. (WORTMAN, ARIZAGA s.a.)
Epicuro nunca insinuou que o interesse dos outros precisava ser preferido ou
valorizado independentemente do interesse do sujeito. Este não possui tendências
“naturais” para uma vida em comunidade e seu conceito de justiça não apresenta nem
obrigações morais, nem sociais. A justiça em Epicuro só requer que respeitemos os
“direitos” dos outros quando isto tem resultados vantajosos para todas as partes.
Los seguidores de Epicuro fueron conocidos como los "filósofos del jardín"
(SIC!) ya que vivían en jardines de los cuales, según la leyenda, colgaba una
inscripción con las palabras: "Forastero, aquí estarás bien. Aquí el placer es el
bien primero". Los refugios epicúreos se asemejaban al encierro monástico pero
sin su componente fundamental: la mística, la caridad o la preocupación por el
otro. Los adeptos buscaban a su lado el olvido de las preocupaciones de la vida
cotidiana, un retiro seguro para huir de las desdichas de la existencia, ante cuyos
límites se detenían los males del exterior. (WORTMAN, ARIZAGA s.a.)
Quando se relaciona esses preceitos do Epicuro à experiência da vida em
condomínios fechados, pode-se levantar a hipótese de que as pessoas que procuram por
esse estilo de vida estão orientados por valores profundamente egoístas que buscam apenas
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o benefício próprio, seu próprio prazer, ao mesmo tempo em que procuram fugir da dor
social. A forma fechada de urbanização justifica-se, assim, pelo temor da violência mesmo
no sentido mais amplo de um temor das demais pessoas, da dor e até da morte. Produz um
espaço que permite ignorar as desigualdades e a dor alheia. E, como concluem as autoras,
“como os desesperados seguidores do Epicuro, trata-se de buscar uma ´saída´ individual a
um mal-estar fundado no temor e encontrar um jardim longe dos olhares ásperos dos
outros” (WORTMAN, ARIZAGA s.a.).
Na base dessa interpretação das práticas sociais e espaciais, chegaríamos, então, à
conclusão que essas classes e segmentos médios e altos não só “reproduzem” o status quo,
mas ajudam a aprofundar as desigualdades sócio-espaciais que caracterizam hoje o espaço
metropolitano no nosso país.
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nenhum determinismo histórico que os “obriga” a agir de uma determinada maneira. Há,
certamente, valores, costumes e hábitos sociais destes segmentos que, talvez, tornem sua
ação em uma direção mais “provável” do que a oposta.
A concepção do espaço social como produto social de Lefebvre permite, ao nosso
ver, um debate acerca dessas duas alternativas que pode dar origem a investigações e
proposições que, com relação a realidades concretas, podem indicar onde, até onde e em
que sentido essas novas – ou velhas - formas de expansão metropolitana podem dar sua,
talvez modesta, contribuição para o surgimento de uma sociedade urbana – e um espaço
diferencial – com menos injustiças, desigualdades, pobreza, autoritarismo etc. Pode haver
experiências, também aqui, que não deveriam ser desperdiçadas (vide a respeito “do
desperdício da experiência” SANTOS, 2000) por causa de pré-conceitos referentes a
determinados grupos sociais.
É neste sentido que o exercício da nossa refletividade quer contribuir para que esses
segmentos médios e altos da sociedade brasileira sejam chamados a assumir suas
responsabilidades na transformação social em direção a uma sociedade mais livre, justa e
fraterna na medida em que possuem potencialidades para tal como procuramos argumentar
nesse pequeno ensaio.
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