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Sala de Recepção

¿Vista assim do alto


Mais parece um céu no chão
Sei lá, não sei
Em Mangueira a poesia
Feito um mar se alastrou¿

Da minha janela observo o sol por detrás dos barracos coloridos da favela.
Algumas pipas bailam ao vento, e o vai e vem das pessoas me lembra um
formigueiro. Nem parece que ontem à noite um tiro de fuzil riscou o céu e deu
início ao espocar incessante que varou a madrugada e algumas janelas vizinhas.
Na Mangueira é assim. Um misto de beleza e desespero.
Algumas crianças correm atrás de uma bola, como se quisessem agarrar o futuro.
Uns grisalhos senhores disputam em um tabuleiro, a dama, enquanto outros, nem
tão grisalhos, galanteiam as damas que passam carregadas de bolsas de legumes e
verduras de mais um dia de feira.
Olhando mais à esquerda, a névoa denuncia um ponto de drogas.
São jovens marionetes nas mãos dos traficantes. Prefiro mudar de visão.
Na outra extremidade, vêem-se mulheres lavando roupa e conversando.
¿Ensaboa, mulata, ensaboa...¿, no varal, lençóis branco-amarelados e uma
camisa do Flamengo.
Uma mulher estende a roupa ainda com o filho no colo, que chora em lamento com
a chupeta no chão de barro.
Volto meus olhos pra parte de baixo.
Parece que lá, as pessoas são mais felizes. Vivem sorrindo com o copo de cachaça
na mão.
Um português bigodudo limpa da mesa os farelos de pão. Alguém começa a cantar
e logo aparece um violão.
As pessoas vão chegando e parando. Pedindo um copo e bebendo. Abrindo espaço
e sambando.
Vejo um crioulo com o sorriso vazio fazendo batucada com a lata de lixo. Um prato
de angu passa flamejante ao lado dele. Parece festa.
As garrafas vão se multiplicando, na matemática do povo pobre. Cada copo
esvaziado equivale a uma desgraça esquecida.
Viva o povo sofrido, que se diverte!
Saio da minha janela, do meu prédio, dessa minha falsa alegria, e vou ser feliz no
Buraco Quente!
Mas não sou estrangeiro. Faço parte da comunidade e essa gente já faz parte de
mim. Pago uma rodada pros amigos e cantarolo juntinho:
¿Mangueira, teu cenário é uma beleza, que a natureza criou, ôô¿

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