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Fernando Luiz Abrucio formado em Ciencias Sociais pela Universidade de Sao Paulo (USP), onde fez mestrado, que deu origem a este livro. E professor do PUC {SP} @ da FGV (SP) pesquisador do Cedec (Centro de Es tudos de Cultura Contemporénea) doutorando em ciéncia politica no Departamento de Ciéncia Politica de use. a oe Te - OS BAROBS-DA FEDERACAO a mm Sn DEPARTAMENTO DE CIENCIA POLITICA DA USP EDITORA HUCITEC FERNANDO LUIZ ABRUCIO Derarramento pe Créncia PoLirica Maria Herminia Tavares de Almeida Chefe do Departamento Fernando Papaterra Limongi Vic0o-chefe do Departamento OS BAROES . DA FEDERACAO os governadores ea redemocratizagao brasileira Cotecao Come: ‘ouscko Comewranio DEDALUS - Acervo - FE Come Ba A Coordenador ca Coleco 20500002477 Claudio Vouga Comissao Editorial Claudio Vouga Gabriel Cohn Lucio Kowarick Departamento de Ciéneia Politica Au Prof Luciano Gualberto 315, Universidade de Sio Paulo EDITORA HUCITEC ‘ao Paulo SP Cep 0508-900 é Tel Pax: (011) 211-2269 818-3754 818-3783, OFPARTANENTO OF CENCIA POMTICAUS? E-mail fflehflp@edu.usp.br Sao Fes Leae © Direitos autorais 1998, de Fernando Luiz Abrueio, Direitos de publicagao reservados pela Editora Hucitee Ltda., Rua Gil Hanes, 713 — 04601-042 Sao Paulo, Brasil. Telefones: (011)240.9818, 642-0421 e 643-0659. Vendas: (011) 1530-4532, Fae-simile: (011) 630-5938, E-mail: hucitec@mandie.com.br ISBN 85.271.0448.2 Hucitee Foi feito o Depésito Legal Editoragéo eletrinica: Ouripedes Gallene, Tera Dorea e Rafael Vitze! Corréa Ficka catalogrfica: Sandea Regina Vitzel Domingues A149 Abrucio, Fernando (Os bardes da federacio: 0s gavernadores a rede. Iocratizagio brasileira / Fernando Abrucio. ~ Sao Paulo Hucitee / Departamento de Ciencia Politi, USP, 1998, 53 p. : 21 em, SBN 85-271-0448-2 1, Politica » Brasil 2, Governadores - Brasil L Titulo, DD - 320.0981 21.80981, Indice para catilogo sistemtico 1. Politica: Brasil 320.0981 2, Governadores: Brasil Aguile cao Para Iza e Gabriel, razées de minha vida. SUMARIO Prefacio 9 Agradecimentos 13 Introdugao VW Capitulo 1 ‘AFORMAGAO DO FEDERALISMO BRASILEIRO a1 Origens do federalismo brasileiro al ‘As caracteristicas e o desenvolvimento do federalismo ‘na Primeira Republica: a “politica dos governadores” 35 ‘Aconstrugao do Estado Varguista-desenvolvimentista co federalismo 41 federalismo no periodo 45-64 48 Capitulo 2 [APASSAGEM DO MODELO UNIONISTA-AUTORITARIO PARA O FEDERALISMO ESTADUALISTA: A ORIGEM DO NOVO PODER DOS GOVERNADORE! 59 Origens do modelo unionista-autoritario 59 0 apogeu do modelo unionista-autoritario (1965-1974) 64 A crise do modelo unionista-autoritario (1974-1982) 82 ‘A formagao do federalismo estadualista (1982-1987) 91 Conclusao: 0 novo poder dos governadores 106 Capitulo 3 O ULTRAPRESIDENCIALISMO ESTADUAL BRASILEIRO 109 0 funcionamento do ultrapresidencialismo estadual 110 A origem do poder ultrapresidencial dos governadores Sistema eleitoral 134 Auséncia de contrapesos regionais, 136 Fragilidade institucional das Assembléias Legislativas 137 Baixa Visibilidade politica 138 Neutralizacdo dos érgaos fiscalizadores 140 0 ultrapresidencialismo no Estado de Sio Paulo 143 Historia do governo peemedebista em Sao Paulo ¢ as eleigdes de 1990 a3 Formacio do governo e poreosso decisério na gosto Fleury y 148 A neutralizagao do controle institucional do Executive estadual: o “tripé da impunidade” 158 Conclusio 163 Capitulo 4 O FEDERALISMO ESTADUALISTA E 0 VETO. FE , E DOS BA- ROES: A ATUACAO DOS GOVERNADORES NO PLANO POLITICO NACIONAL 169 As origens do poder dos governadores na politica nacional 170 O contexto do ederalismo estadualista 187 Os bardes ¢ os vetos ao ajuste fiscal 201 Conclusio 217 CONSIDERAGOES FINAIS 221 BIBLIOGRAFIA 239 PREFACIO Nao se pode entender plenamente a politica brasileira sem que se tenha em conta 0 profundo impacto do federalismo. Mas até ‘meados dos anos 90, a literatura sobre os aspectos politicos do federalismo no pertodo pos-1985 nao era particularmente inte ressante. Por essa razdo, fiquei intrigado quando, em 1995, Fer nando Luiz Abrucio deu-me sua tese de mestrado, feita na USP. Comecei a ler a tese no mesmo dia e néo pude parar. Era um excelente trabalho —nitidamente 0 mais notdvel trabalho sobre a politica do federalismo brasileiro no periodo pés-1985 e, com certeza, um dos melhores trabalkos jd escritos sobre federalismo na América Latina. Aprendi muito com ele; foi um daqueles tra- bathos tinicos, que me ajudaram a repensar algumas questoes importantes. Eu disse a Abrucio que deveria publicd-lo como livro, Felizmente, ele o fez; 0 resultado é este volume que esté em suas méos. Dentro do tema mais amplo do federalismo, 0 livro de Abrucio enfoca particularmente o papel dos governadores de estado no processo politico. Ele traz trés grandes contribuigées. Primeiro, analisa em detalhe a transigao gradual do que ele denomina “modelo unionista-autoritério”, sob 0 regime militar, para o “fe deralismo estadualista”, a época das eleigoes de 1982. Sob o re gime militar, entre 1964 e meados dos anos 70, 0 Governo cen- tral expandiu os seus poderes as expensas dos estados, ¢ 08 g0- nernadores estaduais contaram com uma parcela menor de re- cursos e com uma autonomia reduzida em relacdo & Unido, se comparadas ao que foram no pertodo anterior. Os mecanismos 10 | Preficio sspectficos de eentralisagdo e concentragao do poder séo anali- sados aqui num nivel de detalhamento maior do que em qual- ‘quer outro lugar. Abrucio mostra entiio quando e como o poder foi devolvido aos estados ¢ aos governadores, e com que conse. aiténcias. Esta transformacao no relacionamento entre os esta. dos e 0 Governo Federal foi possivel em decorréncia dos proces. sos de liberalizagao politica e de democratizagao. Os militares precisavam cada vez mais fiar-se em politicos civis ena conquis ta de votos em eleigaes competitivas e, para fazé-lo, devolveram poder aos estados. Mas esta devoludo, por sua vez, abriu novos espacos no sistema politico, os quais a oposigao aproveitou, im pulsionando mais & frente 0 processo de liberalizagao. Ao enfo- car as relagées entre os estados 0 Governo Federal, Abrucio enriqueceu 0 nosso conhecimento de uma crucial e até entao pouco estudada dindmica da transigdo para a democracia, Em segundo lugar, Abrucio demonstra convincentemente que no planoestadual, apis aeleigdo de 1982, os freios e contrapesos democréticos normais, que geralmente existe num sistema multipartiddrio, eram extremamente fracos. Os governadores exerceram o poder, tal qual o titulo do livro argutamente sugere, como “barees da Federagao”. Abrucio cunha o interessante ter- mo “ultrapresidencialismo estadual” para conceber esta ausén- cia de equilibrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Ji- dicidrio, Ble argumenta que hé um contraste significativo entre 4 esfera nacional, em que 0 Congresso e 0 Judicidrio de certa forma limitam os poderes presidenciais, e 0 nivel estadual, em que estes Poderes sao efetivamente controlados pelos governa- dores. Fernando Luiz entéo analisa o porqué dos gouernadores terem se mostrado capazes de exercer o poder desta forma des controled Agus tambn, sua contibugaa extremamente oi Em terceiro lugar, Abrucio mostra que os governadores de estado também adquiriram um grande poder de veto na politica nacional, acima de tudo em virtude da influéncia que exerciam sobre os deputados federais e por causa da fragilidade compa. rativa dos partidos nacionais brasileiros. Num grau incomum, 08 governadores de estado podem criar ou interromper carreiras politicas dos membros do Congresso Nacional. Esta situagdo é ‘inica. Na Argentina e nos Estados Unidos, os governadores de estado controlam recursos significativos, mas eles néo contam Preficio | 1 com nada semethante 4 influéncia sobre os membros do Con- igresso Nacional de que dispoem os gouernadores brasileiros. ‘Abrucio mostra que, entre 1985 e 1994, os governadores ust ram seu poder de veto para defender o status quo dos arranjos federais, especialmente sua generosa parcela de recursos fiscais, ‘sem se importar com os problemas gerados pela cada vez menor fatia de recursos do bolo fiseal com que contava o Governo Fe- deral. Os estados se engajaram num jogo individualista e néo cooperativo; a sua tinica estratégia comum era vetar mudancas de politicas que fossem desfavordveis aos seus interesses ime diatos e de curto prazo. Importantes politicas no Brasil demo erditico, como as batalhas referentes ao ajuste e reforma fiscal, & estabilizagdo econémica e a reforma do Estado, ndo podem ser entendidas sem que se analise o federalismo. Abrucio elucida este ponto claramente. ‘Ao longo do livro, Abrucio estabelece com competéncia as co- nexées entre a economia politica e as instituigdes politicas, tra- cando assim pontes entre duas importantes abordagens da cién- cia politica. Por exemplo, ele analisa os resultados das disputas tributaria e fiscal entre a Unido e 0s estados no periodo pés- 1988, mostrando como estas mudancas afetaram os governado- res de estado e as politicas nacionais (especialmente a estabili- zacdo e o ajuste). Este aspecto de seu trabalho enfoca as conse- qidéncias politicas das mudangas econémicas. Mas ele também analisa as consegiiéncias econémicas das mudancas politicas por exemplo, quando examina os arranjos fiscais da Consti- tuigéo de 1988 como um resultado das pressées dos governa dores e dos membros do Congresso voltados 4 politica local. ‘Abrucio nao foi o primeiro estudioso a chamar atencao para as formas pela quais 0 federalismo complicou a busca por politicas de estabilizagao bem sucedidas no Brasil, mas ele argumentou mais vigorosa e detalhadamente do que antes havia sido feito O federalismo recentemente ressurgiu com um tema de gran- de interesse nao s6 no Brasil, mas também entre os cientistas politicos comparativos. Estudiosos renomados como Arend Lijphart, Juan Linz, Alfred Stepan e George Tsebelis deram atengdo as formas pelas quais o federalismo molda a gestao do conflito e a elaboracao das politicas. O livro de Abrucio € uma contribuigdéo ndo apenas ao entendimento do federalismo no Brasil, mas também a esta literatura mais ampla sobre o fe- 12 |. Prefteio deralismo no mundo contemporaneo. Nas discussées interna- cionais sobre 0 federalismo, o trabalho de Abrucio é citado por que ele ilumina 0 quao importante é o federalismo na politica brasileira e 0 quao peculiar ¢0 federalismo brasileiro, mbora a sua maior contribuigdo seja para o periodo pos: 1985, este livro também proporciona uma andlise cuidadosa e util de pertodos anteriores da histéria brasileira. Essas miilti- Blas virtudes tornam-no uma grande contribuisdo ao enten- limento da politica brasileira contempordnea. Sua publicagdo firma Fernando Luiz Abrucio como um jovem eientista politico notdvel. Scott Mainwaring University of Notre Dame AGRADECIMENTOS O presente livro é uma versio modificada de dissertagao de mestrado apresentada ao Departamento de Ciéncia Politica da Universidade de Sao Paulo em janeiro de 1995. As modificagies realizadas derivam da incorporagao tanto do resultado de novas pesquisas como de criticas feitas ao trabalho inicial. Certamen- te ainda persistem lacunas. Mas, agora torno publico o trabalho para, quem sabe, os leitores apontarem novos rumos & discus so aqui empreendida. Gostaria de agradecer aos que contribuiram decisivamente realizagao deste livro, ‘Ao meu orientador Régis de Castro Andrade registro um pro- fando agradecimento. Seus ensinamentos ao longo de anos de trabalho conjunto no Cedec (Centro de Estudos de Cultura Con- temporanea) e na USP foram fundamentais em minha forma- a0 intelectual. Foi gragas ao seu convite para trabalhar no Ce- dce, ainda no meu tempo de graduagao, que lidei pela primeira vez com 0 desafio da pesquisa empfrica, ¢ logo no terreno da politica. Estudar a politica real, dos homens com seus interes- ses, era uma experiencia fascinante, e Régis me ensinou a en- tender a politica em sua dupla dimensao, a do realismo politico ea da normatividade, ou mais especificamente, a da normati- vidade democratica-republicana. Esta concepgao de ciéneia po- litica guiou o meu estudo sobre os bardes da Federagao. ‘Aos meus professores na Universidade de So Paulo, com os quais tive o privilégio de iniciar minha vida academica, agrade- ‘co pelo constante estimulo intelectual. Em particular, agradego 14 | Agradecimentos aos professores Eduardo Kugelmas, Cléudio Vouga, Brasilio Sallum Junior, Gildo Margal Brando, Boris Fausto, Lourdes Sola e Gabril Cohn, cujos cursos na pés-graduagdo me deram 9 instrumental teérico ¢ histérieo necessérios para a realizagao deste trabalho. Ainda agradeco ao professor Fernando Limongi € novamente a Brasilio Sallum Junior pela criticas feitas pos: teriormente, com as quais nem sempre concordei, mas que, de uma maneira ou de outra, ajudaram-me muito na claboragao final do livro. ‘Meus colegas pesquisadores do Cedec tiveram grande impor. tancia no desenvolvimento de minhas idéias. Gabriela Nunes Ferreira, Carlos Thadeu Oliveira, Eliana Pralon e especialmen te 0 “mestre” Valeriano Costa, sempre contribuiram com opi nides pertinentes e sugestoes para meus textos, A Claudio Gongalves Couto, colega de trabalho no Cedee, na PUC e seguramente meu melhor amigo, devo um agradecimen to mais do que especial. Sua companhia intelectual e afetiva sao prazeres incomensuraveis. Meu “primeiro leitor” é sempre ele, ajudando-me, como ele gosta de dizer, a refinar os argumentos Espero que no futuro, além das frutiferas discussdes académi. cas, possamos levar sempre meu filho Gabriel, que 6 seu afilha- do, para ver o “nosso” Corinthians jogar. Contou muito para a realizagao deste livro a oportunidade de trabalhar como jornalista da Gazeta Mercantil, gragas ao convi- tedo meu amigo Marcio Aith, companheiro de discussdes politi. cas mareadas pelo prazer de polemizar. Ena Gazeta tive a chance de conviver com o dia-a-dia da politica, conversando cotidiana- mente com varios politicos — em off ou no — e conhecendo as profundezas do sistema politico brasileiro, sobretudo as do nf vel estadual, verdadeiro nascedouro de nossa classe politica tra- dicional e feudo dos “governadores-barées”. Além de ter apren- dido muito com o feeling politico de Marcio Aith, a convivencia com Maria Cristina Fernandes, Cida Damasco, Paulo Totti, Celso Pinto, Célia de Gouvea Franco, Arménio Guedes e com tantos outros grandes jornalistas foi de suma importancia para o meu amadurecimento intelectual Aconvivencia co ram uma andlise criti © federalismo bra: extremamente valio: ‘adémicos estrangeiros que leram e fize- de meu trabalho, ajudando-me a sitnar leiro no contexto internacional, foi também Assim, pude compreender as especifici- Agrdecimentos | 15 dades de nossa experiéncia federativa e, sobretudo, o papel sui generis — e perverso — que os governadores brasileiros po suem comparado ao que ocorre nas mais importantes feders- goes do mundo, A Scott Mainwaring, Alfred Stepan, David Sa- mucls, Cris Garman e Wayne Selcher, registro um agradeci- jento mais do que especial _ pelo auxilio inestimavel na esquin, agradogo primero a Felipe de Holanda, pela “consultoria” na area de federalismo fans fornecendo-me toda a bibliografia disponivel sobre oa santo, Depois, aos assessores parlamentares do Congreso Na- cional, Luiz Alberto das Santos e Femando Santos, que tiveram a gentileza ea pacigneia de encontrar o giganteseo material I sislativo do Congresso Nacional uilizado neste iro, B, por fim, aos varios deputacos estaduais e federais que perderam parte preciosa de seu tempo para me ajudar no entendimento do fend meno do poder dos governadores. Em especial gostaria de agra decer a Nelson Jobim, Pedro Dallari, Aloisio Nunes Ferreira Filho, Luiz Azevedo e Getilio Hanashiro, 08 quais, em Semind- rios no Cedec ou em longas entrevistas, forneceram os subsidios neeessrios para a comprova Bas ee ampossivel adego ainda a todas as instituigbes que tornaram possivel «Aan ihe dng Pa as bolsas de pesquisa; ao Departamento de Ciencia Politica da USP. pelo suport inst onal e financeiro concedido para 2 blicagao deste livro; e ao Cedec, por me dar a oportunidade de participar de varias pesquisas que forneceram grande parte da base empirica deste trabalho, Refiro-me as pesquisas sobre lugar do Legislativo naesferaestadual financiada pela Funda gio Ford), sobre a estrutura politico-administrativa do Poder Exccutivo Federal (financiada pelo PNUD pela Enap), sobre os dilemas do processo de descentralizagao realizado no period posterior & Constituigao de 1988 (financiada pela Fundagao Tinker) e sobre os projetos de reforma do Estado que estio sen- do implementados pelos governos estaduais brasileiros no qua- driénio 1995-1998 (financiada pela Capes). ; Por fim, devo agradecer 20s que me deram 0 apoio afetive para percorrer esta jornada, Acs meus irmaos ¢ cunhados pelo auxilio e preocupagao com o andamento de meu trabalho, sobre tudo nas horas mais dificeis; & minha mulher e ao meu filho, que deram todo o carinho possivel ¢ compreenderam min! Agradecimentos INTRODUGAO © objetivo deste livro ¢ analisar um ator politico fundamental em nossa historia republicana mas que infelizmente quase ne nhuma atengao recebeu da ciencia politica brasileira: os gover nadores de estado. Mais especificamente, busca-se entender 0 papel dos governadores na redemocratizagao do Pais, uma vez que eles exerceram um papel estratégico tanto na passagem do regime autoritario a democracia como na conformagao do atual sistema politico. Atuaram neste periodo como verdadeiros “ba- roes da Federagao”, fendmeno que pretendo demonstrar ¢ expli- car suas eausas Este estudo justifica-se, em primeiro lugar, pela reduzida im- portancia dada ao federalismo como uma variivel-chave para explicar a légica do sistema politico brasileiro. Hé um grande ntimero de estudos juridicos e econdmicos sobre a Federacao, porém 0 angulo politico foi pouco explorado e quase sempre fo- calizando a Primeira Reptblica, periodo por exceléncia da poli- tica dos governadores'. Quanto ao restante da histéria republi- cana, a importncia que a ciéncia politica deu a tematica fede- rativa foi inversamente proporcional a sua erescente influéncia na definigao dos prineipais eventos politicos do século, na Revo- ' Dentre os trabalhos sobre a politica dos governadores na Primeira Republica, destacam-se os de Vitor Nunes Leal (1986), Joao Camilo de Oliveira Torres (1961), Renato Lessa (1988), Simon Schwartzman (1975) e Eduardo Kugelmas (1987), 18 | Introducso lugao de 30, nos momentos decisivos que antecederam ao golpe de 64 ¢ mais recentemente na redemoeratizagao do Pais. E bem verdade que ha excegoes a esta regra. Os varios tra- balhos de Aspasia Camargo, Maria do Carmo Campello de Sou- za, Simon Schwartzman, Wanderley Guilherme dos Santos, Olavo Brasil de Lima Jtinior, Brasilio Sallum Junior, e mais recentemente autores como Celina Souza, Marcus André de Mello e Jairo Nicolau, entre outros, vém mostrando que a te- matica federativa comega a ocupar o centro das preocupagies da ciéncia politica®, Mesmo assim, falta ainda a esses estudos analisar mais aprofundadamente a esfera politica estadual, ob jetivo fundamental deste livro’ A maioria dos estudos politicos sobre o federalismo privilegia ou 0s impactos do federalismo no plano nacional ou a questao do bom governo no ambito local. Sem desprezar a importdncia des- ses ngulos de andllise, o que se pretende ressaltar aqui é0 caré- ter da socializagao da classe politica brasileira: o politico-padrao tem sua carreira definida primordialmente pela dinamica poli- tica de seu estado (Abrucio & Samuels, 1997). Isto ocorre niio s6 » A referencia da obra destes autores encontra * Ressalte-se que alguns dos autores anteriormente eitados realiza- ram trabalhos eapeciicos sobre a efera estaduah, mas que contem basicamente dois problemas, No caso dos pioneiros c excelentes trabalhos de Olavo Brasil Junior (ver Bibiogealia), a politica est dual 6 entendida apenas ¢ Uo-somente pelos sous aspectos insti tucionais e formais — quantos sio os partidos relevantes na. AS sembléia 0 grau de competigio interparLidiria na cleig ote. Fal- ta explicar por que o sistema politico estadual é definido basi mente polo governador de estado e que instrumentos ele tem para cooptar a elasse politica, formando coalizdes poltiens que tornain 0 maioria dos casos, tranguilamente abtém a homologagao dos seus projetos. Em outrae palavras, estes trabalhos nto analisam a di tea weber polite: lta entre atarexpao per eos mecanisinos pelos quis este &exereido --allds, a propria palavra poder desaparecou do vocabulirio da ciéncia politica brasileira, ‘180 trabalho de Francis Hagopian (1996) centrado na experiencia 1, do funetonamento da plitca nas untads estaduais como umn todo. Ineroducio. | 19 em razao de o nivel estadual ser o distrito eleitoral que circuns creve a disputa pelos cargos de deputado estadual e federal, se nador e governador, mas também porque os patamares iniciais da carreira politica, que so os postos de vereador e prefeito, tém uma logica mareada pelo forte controle que os governos es. taduais — muito mais do que 0 Governo Federal — exercem sobre a grande maioria dos municipios. ‘Ademais, os lideres locais, se quiserem ter suas demandas atendidas pela Unido, precisardo mais dos governadores do que dos parlamentares federais, uma vez que os chefes dos Executi- vos estaduais tém um maior poder de pressao no momento da oxccugao orgamentéria, este sim o momento da “verdade orga mentéria”, ¢ nao o da elaboragao do Orgamento no Congreso Nacional. Se a dimensao estratégica da esfera estadual na politica bra- sileira foi pouco analis pior sorte teveo tema da importincia dos governa istema politico brasileiro, Apés vasculhar o material bibliogréfico escrito sobre o federa- lismo no Brasil, encontrei apenas um estudo que teve como foco cexclusivo os governadores — 0 seminal trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos (1971), muito embora tenha sido apenas um artigo de revista, portanto com pouco espago para andlise ¢ reflexaio sobre o assunto, Alacuna torna-se ainda mais grave dado o papel central de- sempenhado pelos governadores junto aos outros atores politi- cos desde a Primeira Republica até hoje. Nao por acaso, a ciipu- Ja governante instalada no Poder Central nos dois regimes au- toritdrios deste século — o Estado Novo e 0 regime militar buscou acabar com todo o poder politico concentrado nas gover- nadorias, seja nomeando interventores seja extinguindo as clei- ges diretas para os governos estaduais. Eram as formas encon- tradas para eliminar um dos maiores — senao 0 maior — con- trapesos ao poder do presidente dentro do sistema politico bra- sileiro. Mas 6 a negligéncia acerca do papel estratégico desempenha- do pelos governadores no processo de redemocratizagao que tor- na mais relevante o presente estudo. A transigéo do autoritaris mo a democracia foi estudada por varios angulos — mudangas no sistema partidario, fortalecimento da sociedade civil, atua- cao dos militares ete, —, sem que contudo se ressaltasse que 20 | Introducio trés dos principais episodios definidores daquele contexto tive- ram como eixos os governos estaduais e seus ocupantes: a elei- ao direta para governador em 1982, evento fundamental para a oposi¢ao, que adquiriu pela primeira vez postos executives com o peso das governadorias; a campanha das Diretas, importante movimento de massas coordenado em grande medida pelos go- vernadores de estado, que garantiram os recursos estatais ne- cessirios para dar suporte logistico as manifestagdes, al fornecerem protegao contra possiveis interferéncias repress do Governo Federal, por meio do controle das Policias Militares; € a eleigao indireta de Tancredo Neves, ele proprio um ex-go. vernador que se utilizou da influéncia do cargo e da alianga com outros governadores como meios importantes para conquistar a Presidéncia da Repiblica Esse papel estratégico ocupado pelos governadores na rede- moeratizagao ja foi notado por alguns autores (Sallum Junior, 1996 e Hagopian, 1996, por exemplo), mas nao houve nenhuma andilise que buscasse entender a natureza do poder dos governa- dores. Em linhas gerais, os governadores fortaleceram-se sobre- maneira neste periodo, ¢ pode-se compreender este poder ad- quirido na redemocratizagao os comparando aos bardes. Tal como © baronato, os chefes dos Executivos estaduais detiveram um poder sem contrapesos, anti-republicano e por diversas vezes avesso submissio a uma autoridade maior. Ademais, recor- rendo novamente a metafora inspiradora do trabalho, os gover. nadores tiveram grande poder de contrapeso ao “rei” (0 presi dente) e possuiram no ambito de seus “feudos” um dominio qua- se que incontrastavel sobre as instituigées e os grupos politicos. B esta natureza do poder dos governadores na redemocrati- zagao o ponto central da andilise’. Mesmo tendo os governadores * Para ovitar faturos mal-entendidos, cabe diferencia 0 cargo de overnador de seu eventual eeupante, Na redemocratizagao, fo 9 poler frei pla yovernadria que praporaenni a0 even politico no arabitoestaduale, em muitos casos, com grande fen fia na politica nacional No momento de auge do poderio dos gover Imerodugio | 21 atuado fortemente pela definigao do carater da redemocratiza- cao a partir das eleigdes de 1982, 0 momento privilegiado da pesquisa 6 0 quadriénio 1991-94, exatamente porque nesse pe- riodo se pode ver tanto a manifestagao do poderio dos governa- dores em sua forma mais acaba no embate com o presi- dente seja no controle do jogo politico estadual, como também a criacao das condigdes para a posterior crise dos governos esta- duais, em virtude do tipo de atuacao predatéria adotada pelos governadores no auge do seu poderio. Desse modo, a analise procura entender a historicidade do fenmeno: seu auge, sua crise e a permanéncia de algumas de s no momento atual. A compreensdio da atuagao dos governadores no perfodo p6s autoritério tem como pano de fundo uma questao mais geral: que Federacao estamos construindo desde o inicio da redemo- cratizagao e qual queremos para o futuro? Da montagem de um bem-sucedido arranjo federativo dependerdo a resolugao das gra- ves disparidades regionais, em termos de desenvolvimento eco- ndmico e social; a manutengao da soberania nas dreas de fron- teira nas Regides Norte e Centro-Oeste, pois o dominio do Esta- do est ameagado pelo narcotrafico; a propria integragao regio- nal com 0 Cone Sul, uma vez que precisarao ser compatibiliza- das as demandas dos estados limitrofes com as do restante do Pais; e, por fim, a conformagao de um novo sistema politico, por- que a socializagao da classe politica brasileira ocorre basicamente nos nivcis subnacionais ¢ o comportamento tipico somente se alterara caso haja uma modificagao profunda da estrutura poli- tico-institucional vigente nas esferas estadual e municipal. Afi nal, os “andes do Orgamento” nao tiveram sua alfabetizagao po. litica no Congresso Nacional, ja que Brasilia é apenas o tiltimo estagio de um longo aprendizado (Abrucio e Teixeira, 1996). Essencialmente, quatro causas explicam 0 fendmeno do for- talecimento dos governadores ao longo do processo de redemo- cratizagao: 0 modo de transigao politica ocorrido no Pais, a alte- transformaram em grandes lideres regionais. Pode-se dizer que a ‘cupagio da governadoria foi na redemocratizagio. -e ainda é—a mais importante condigio mas no suficiente para um politico tor- nar-se posteriormente um “cacique regional” 22 | Introducto ragio da estrutura federativa, 0 desmantelamento do Estado Nacional-Desenvolvimentista ¢ a formagio de uma sistema ul- trapresidencialista de poder nos estados. A primeira hipstese do trabalho é que parcela do poderio dos governadores derivou do modo de transigio realizado no Pais, 0 qual foi marcado pela logica de atuagao regional dos atores ¢ por partidos frageis e pouco nacionalizados. A crise do regime autoritario abriu portas para que novos atores ascendessem no cenério politico, entre os quais os mais importantes foram os governadores ¢ os lideres politicos regionais. Tal fato se explice primeiro pela redemocratizagao ter comegado, de fato, por uma eleigéo estadual (1982) e nao por uma disputa no plano nacio- nal, como foi tipico nas “novas democracias” que se constituiam a época (cf. Linz & Stepan, 1996). Mas esse tipo de transigac também ¢ explicada pelo fracasso do regime militar em acabar com uma das principais caracteristicas do sistema politico bra: sileiro: os governos estaduais constituem-se nos prineipais su. portes da carreira da classe politica. Sobretudo com a vitoria das oposigdes em 1982, o sistema politico se reconstruia “de bai- xo para cima”. Este poder dos governadores tornou-se ainda maior porque a elite politica foi incapaz de nacionalizar 0 com- portamento congressual, que derivou, em grande medida, das lealdades estaduais, aumento do poder dos governadores nao foi marcado ape- nas pela crise do regime militar. Outra crise, talvez de propor- ges maiores, foi igualmente fundamental: a crise do Estado Nacional-Desenvolvimentista e da alianga que o sustentava. O esgotamento do antigo padrao de intervengao estatal somado a fatores externos levaram a crise financeira do Governo Federal, © que, na balanga federativa do poder, favoreceu a ascensao dos governadores. Por outro lado, durante a déeada de oitenta e no inicio da de noventa nao foi reconstruido 0 pacto de dominagao no plano nacional, sendo a politica feita por intermédio de tati- cas defensivas e de jogos de competigtio nao-cooperativa. No am- bito federativo, isto levou os atores ao puro comportamento pre- datério— como exemplificam bem as relagées financeiras (rola- gem das dividas estaduais e falta de controle dos Bancos esta duais) entre os estados e o Governo Federal. Num cenario como este, novamente a légica regional de atuagao foi favorecida, O fortalecimento dos governadores na redemocratizagio teve Inwrodugio | 23 como um dos impulsos fundamentais 0 enfraquecimento da Unido no pacto federativo, antes marcado por um modelo extre- mamente eentralizador, O fato 6 que o Governo Federal foi per- dendo legitimidade e recursos ao longo da década de oitenta, ao passo que 0s Executivos estaduais ganharam poder nos campos politico e econdmico, processo este iniciado pelas eleigdes de 1982 e coroado pela ordem legal criada pela Constituicao de 1988. 0 enfraquecimento da Unido ocorreu concomitantemente a fragi- lizagaio da Presidéncia da Reptiblica, niicleo do sistema politico brasileiro durante décadas, enquanto se fortaleciam os gover- nadores de estado. Estes fatores interligam-se criando nao s6 incentivos para fortalecer os governadores como também para constituir um re- lacionamento intergovernamental nao-cooperativo, seja entre 0s estados ¢ a Unido seja dos estados entre si. Formou-se assim, no periodo da redemocratizagao, um federalismo estadualista, no qual os estados se fortaleceram sem no entanto estabelece- rem coalizées hegemOnicas de poder no plano nacional para re- construir o Estado e o sistema politico. Ao contrario, os governa- dores ¢ os lideres regionais somente se uniram para defender as conquistas obtidas, estabelecendo coalizdes de veto as mudan- gas propostas pelo Governo Federal durante os mandatos de José Sarney e Fernando Collor de Mello, conseguindo resistir tam- ém por quase todo o periodo do governo de Itamar Franco, Se o federalismo estadualista explica em grande medida 0 poderio dos governadores no plano nacional, no ambito interno dos estados a forga dos chefes dos Executivos estaduais resultou da formagao de um sistema politico ultrapresidencialista. O ul trapresidencialismo estadual brasileiro constituido na redemo cratizagao tinha trés caracteristicas basicas:a) 0 Executivo con- trolava o proceso decisério em toda a sua extensio; b) os outros Poderes niio constituiam checks and balances sobre 0 Executi- vo; ¢) 0 governador era o verdadeiro centro das decisdes do go- verno, nao havendo a dispersao de poder que acontecia no nivel federal na relagao entre presidente e ministros* © As prossdes partiddrias © repivnaiss obrigsn o presidente a formar ‘uma grande coalizao para governar, gerando um ministério bastan- te heterogéneo, formando o que Sérgio Abranches denomina de pre 24 | Inrodesto A dinamica ultrapresidencialista estadual tornava os gover- nadores fortissimos perante a classe politica local, que normal: mente aderia e apoiava o governo estadual. Os chefes dos Exe cutivos estaduais governavam quase sem oposi¢ao, ¢ os atos desta dificilmente alteravam as decisdes governamentais. Além dis- 50, 0 ultrapresidencialismo garantia boa margem de manobra para que as governadorias controlassem as bases politicas dos Ifderes locais. Coneluindo, a politica nos estados brasileiros de fato girou em torno do governador. Das caracteristicas do poder dos governadores durante a redemocratizagao, 0 ultrapresiden- alismo ¢ a que mais persiste e por enquanto nao ha nenhuma o dentro do sistema politico que sinalize para a alteragao desta situagao, Na verdade, foi a combinagao entre o federalismo estadualis- taco ultrapresidencialismo estadual que propiciou o fortaleci- mento dos governadores na redemocratizacao. Isso porque, por exemplo, o aumento de recursos financeiros ou o nao-pagamen. to de dividas com a Unio forneceram melhores condigées para que os Executivos estaduais distribuissem verbas e/ou cons- truissem obras para cooptar o grande contingente de gov tas existentes nos estados; por outro lado, o rigido controle que 0s governadores buscaram exercer sobre as bases politicas lo- cais se refletiu por diversas vezes na agio dos deputados fede- rais, especificamente quando votavam projetos que poderiam alterar a estrutura federativa, extremamente favordvel aos in- teresses dos chefes dos Executivos estaduais, Atualmente, no entanto, est ocorrendo um fortalecimento da Unido no plano intergovernamental, colocando em xeque 0 federalismo estadualista. O ultrapresidencialismo estadual con- tinua a pleno vapor, porém. E por isso o “modelo do baronato” nao foi realmente destrufdo e pode, inclusive, recuperar-se mais, adiante caso Governo Federal entre numa nova crise e/ou as finangas estaduais sejam sancadas. Para compreender o proceso de fortalecimento dos governa- sidencialismo de coaliziio (Abranches, 1988). Essa grande coalizio tem como resultado um processo de autonomizagiw dos ministerios perante a Presidéncia, enfraquecendo 0 comando politico do pres dente. Tratarei mais detidamente deste assunto no Capitulo 4 Inrodugio | 25 dores durante a redemocratizagao, buscar-se-4 atingir trés ob- |etivos: explorar sistematicamente as hip6teses explicativas do federalismo estadualista e do ultrapresidencialismo estadual, deserever como os governadores fizeram para manter estas duas estruturas funcionando — particularmente no periodo 1991-94 — e analisar as razies da atual crise dos governos estaduais, a fim de entender o que de fato est mudando e o que continua favorecendo aos governadores. Para tanto, o trabalho divide-se em cinco capitulos. No primeiro, fago uma breve anilise do de- senvolvimento do federalismo brasileiro, procurando entender as origens ¢ a evolucao do poder dos governadores até o golpe de 1964; no segundo, analiso 0 fracasso do regime militar em des- truir a légica estadualista da classe politica brasileira e em con- trolar por completo o poder das governadorias e, no ponto mais importante deste capitulo, estudo a origem e as earacteristicas do processo de fortalecimento dos governadores na redemocra- tizagiio; no terceiro, descrevo 0 poderio dos governadores em quinze estados da Federagao no quadriénio 1991-1994 e investi- go as causas deste fendmeno; no quarto, examino a atuagao dos governadores no plano nacional apés a Constituigio de 1988, tanto no relacionamento com 0 presidente da Republica como na disputa ndo-cooperativa estabelecida entre os estados; e na conclusdo, analiso as causas que levaram as governadorias a uma gigantesca crise financeira e administrativa, bem como mostro 0 que 0s governadores mantiveram como fontes de po- der ainda nao atingidas pela recente mudanga no péndulo fe. derativo em favor do Executivo Federal. eee Antes de entrar na analise historica propriamente dita, é im- portante expor rapidamente a base conceitual que orienta esta analise sobre o federalismo brasileiro*. Busca-se, com esta bre- ve discussdo, mostrar o quo essencial é para uma Federagao © Nao pretendo aqui esgotar a diseussao téorica sobre 0 assunto pois Ji 0 fiz, em outras ocasides (Abrucio, 1995 e Abrucio, 1996). Além disso, neste livro concentro-ine nt discussav historiea sobre 0 po- der dos governadores no Brasil, o que nao me permite maiores de- bates conceituais sobre a questio federativa 26 | Inerodugto constituir mecanismos democraticos ¢ republicanos, 0s quais esto de modo geral ausentes da experiéncia federativa brasi- leira recente. A distribuigao territorial de poder constitui-se hoje num dos principais temas da ciéncia politica contemporanea e da teoria democratica (ef. Lijphart, 1989). O federalismo é uma das solu- des mais bem-sucedidas para equacionar democraticamente ¢ conflito entre os niveis de governo em paises onde a existén de diversidade regional e/ou étnica soma-se ao desejo de autogo: verno por parte das unidades subnacionais (King, 1982; Smith, 1985 & Gagnon, 1993). Mesmo nagies que nao adotam o fede- ralismo, mas que convivem com um mimero elevado de deman- das por autonomia local e de conflitos intergovernamentais, tém se utilizado de mecanismos federativos para resolver os seus problemas — o caso italiano é paradigmatico neste sentido (cf. Putnam, 1996). Mas o que garante o éxito dos arranjos federa tivos? Basicamente, a manutengao de trés condigées: a existén- cia de um contrato federativo garantido por um s6lido areabougo institucional, a convivencia entre os prinepios da autonomia e da interdependéncia e a republicanizacao da esfera publica, so- bretudo no plano subnacional. O estabelecimento de um contrato federativo 6 0 passo inicial para se constituir uma Federacao, como bem demonstra a expe- riéncia do federalismo americano, construfdo sob a base da Cons- tituigao’. Como bem define Daniel Elazar: “O termo ‘federal’ ¢ derivado do latim foedus, o qual (...] sig- nifica pacto, Em esséncia, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas conexées internas refletem um tipo especial de divisdo de poder entre os parceiros, baseada no reconhecimento miituo da integridade de cada um e no esforgo de favorecer uma unidade especial entre cles” (Ela- zar, 1987°5), Este contrato federativo deve ser referendado pelos partici pantes do pacto, que desejam manter parte dos seus antigos * Em seu classico livro sobre as democracias modernas, Lipjhart mostra que todas as feeragies lem una Consliluigao eserita, eae paz de garantir 0 contrato federativo (Lijphart, 1989:225). Sobre esse assunto, ver também Abrucio, 1996. Inerodugio. | 27 direitos e, ao mesmo tempo, estabelecer uma unio entre cles capaz de assegurar a paz interna e externa, bem como poten. cializar a consecugao dos interesses comuns. Ressalte-se que este contrato federativo somente se sustenta ao longo do tempo caso haja instituigdes fortes para protegé-lo. ‘Seguindo ainda o raciocinio de Elazar, o federalismo seria definido, portanto, pela formulaself-rule plus shared rule. A ple- na realizagao desta férmula somente é garantida mantendo-se (2) 0 maior grau possivel de autogoverno (princtpio da autono- mia) e (2) um relacionamento intergovernamental que pert a compatibilizacao entre os direitos de cada ente federativo e a soma dos interesses presentes na Federagiio principio da inter- dependéncia). Nao pode haver uma dissociagao entre estes dois prineipios, principio da autonomia sustenta-se na difusao de muitos centros de poder, ancorados na soberania popular e no controle miituo (Almeida, 1996:15). De modo que uma federagao demo- cratica tem de garantir a autonomia de todos os entes feder vos eno plano intergovernamental criar mecanismos institucio- nais de controle de uma esfera de poder sobre a(s) outra(s), es- tabelecendo, nos termos dos autores d’O Federalista, checks and balances, a fim de evitar a tirania de um nivel de governo sobre 0s demais (Madison, Hamilton & Jay, 1984:419). A autonomia e a competi¢ao entre os entes federativos por meio do controle mituo nao garantem por si s6s 0 sucesso do arranjo federativo. E igualmente necessario assegurar o princi- pio da interdependéncia, que por sua vez depende da adogao da negociagio permanente entre as instancias de governo eda busca da cooperagao como mecanismos de resolugao dos conflitos. Afi- nal, como argumenta Alain Gagnon, “o sucesso do sistema fe- derativo néo é medido em termos de eliminagao dos conflitos sociais mas por sua capacidade de regular e administrar estes ‘mesmos conflitos” (Gagnon, 1993:15 — grifo meu). Com efeito, analisando a légica dos prineipios da autonomia e da interdependéncia e novamente de acordo com Daniel Ela. zar, pode-se afirmar que “todo sistema federal, para ser bem sucedido, deve desenvolver um equilibrio adequado entre coo peracéio e competicdo, e entre o governo nacional e seus compo- nentes (Elazar, 1993:193 — grifo meu). Em sintese, o sucesso de uma Federagao dependers da constituigao de um jogo de com- 28 | Inerodugio petigdo-cooperativa entre os seus integrantes. Pelas caracteris- ticas apresentadas, o arranjo federativo exitoso 6 democratico por exceléncia, enfrentando os mesmos desafios e propondo so- luges semelhantes as preconizadas pelas modernas teorias da democracia. Além de democratic, o sistema federativo bem-sucedido seri aquele que tornar mais republicana a esfera publica. Aliss, 0 primeiro federalismo moderno, o americano, nasce intrinsecs. mente ligado a idéia de reptblica, forma de governo considera da ideal nos eélebres artigos de Madison, Hamilton e Jay, ese tos entre 1787 e 1788 e que constituiram o classicoO Federalis- ta‘, O governo republicano alicerga-se na soberania popular e deve estar vinculado ao controle do poder, seja por meio das checks and balances entre os Poderes, seja porque o republics nismo parte do pressuposto de que o poder pertence e advém da sociedade, de modo que nao h “donos do poder”, num sentido patrimonial, mas ha coisa publica, e todos os cidados devem ser incentivados a participar da politica e a preservar o sentido publico do Estado. O federalismo republicano, desse modo, baseia-se no governo do povo e ndo s6 para 0 povo, e para que isso aconteca deve haver o maior nimero possivel de espacos institucionais publi- cos para serem preenchidos pelos cidadaos, sobretudo nos ni- veis subnacionais de governo. Conclui-se entao, como ja havia feito Tocqueville em seu eélebre A Democracia na América, que 0s loci por exceléncia do aprendizado republicano sao 0 poder local e 0 nivel estadual B este o ponto fundamental que leva um arranjo federativo ao sucesso, uma vez que tanto a classe politica como os cidadaos tém seus processos de socializagao politica realizados nos nivei subnacionais de governo. Nos Estados Unidos, pais com mais de 80 mil governos — em razao dos diversos tipos de governo local que lé existem —, a populagao elege 504.404 autoridades, uma para cada 182 eleitores (Osborne & Gaebler, 1994-77). No ambi- * Alem da vinculagao entre federalismo e republica ser facilmente perceplivel em O Federalista, varius wéricos modernos do federalis modefendem essa posigao, tais como Daniel Blazar e Vient Ostrom Consultar Elazar (1987) ¢ Ostrom (1991) Ineradugto | 29 to estadual, o governador e os deputados estaduais nao sao os Xinicos cargos puiblicos com real poder que esto em disputa nas eleigdes. Nos estados americanos esto em jogo mais de 500 car- g0s eletivos, incluindo 43 procuradores-gerais*, 42 vices-gover- nadores" e trinta e seis secretarios de estado, além de varios cargos de diretor de agéncias piblicas (Beyle, 1991:118). A exis- téncia destes varios cargos ptiblicos republicaniza o poder por- que aumenta a participagao da sociedade dentro do Poder Pai- blico, a0 mesmo tempo em que também multiplica as formas institucionais de controle do Estado, ou seja, torna mais efeti- vos 08 checks and balances do sistema A republicanizagdo do poder no nivel subnacional nao é asse- gurada apenas com 0 aumento do ntimero de cargos piiblicos que podem ser preenchidos pela populagao. A relacao entre os Poderes também deve ser equiipotente, para que de fato a sobe- rania popular se prolongue no controle continuo do poder. An: lisando novamente o caso americano, no nivel estadual a rela- do entre os Poderes foi reequilibrada ao longo deste século, ja que originalmente os Legislativos estaduais dominavam clara- mente a politica estadual", ¢ 0 governador era uma figura fra- quissima, Esta falta de checks and balances dava maiores pos- sibilidades para a existéncia de praticas de corrupcao no Legis- lativo, especialmente nos estados do Sul, Em suma, se um Po- der for muito mais forte do que os demais ou controlé-los inte- gralmente, o governo nao segue o prinefpio republicano. Passando do referencial teérico a experiéncia brasileira, per- gundo Jeffrey Elliot & Sheikh Ali, na maior parte dos estados, 0 procurador-geral ¢ 0 segundo cargo mais importante na politica estadual, perdendo em poder apenas para o governador (Elliot & Ali, 1988:123). ‘Na maioria das vezes, os vices-governadores nao so eleitos juntos ‘com o governador. Isso faz com eles sejam politicamente indepen- dentes com relagao ao governador. Além disso, em alguns estados 08 viees-governadores possuem real poder em ertas dreas da ad- ministragao publica, auimentando a importéneia deles no jogo poli- tico estadual. ® Cf Rowman & Kearney, 1986:76, ® Sobre a corrupeao endémica que vigorava no sul dos EUA, ver clissico trabalho de V. O. Kley (1948). 30 | Inroducte cebe-se que as condigdes garantidoras do sucesso do arranjo fo- derativo estiveram praticamente ausentes de nossa hist6ria ¢ hoje as que existem sao, no minimo, insuficientes. A combina ‘go entre a autonomia dos governos subnacionais e a interde- pendéncia entre os niveis de governo nao tem sido aleangada. Ora vivemos em periodos marcados pela irresponsabilidade dos estados, ora vivemos fases de forte centralizagao — por muitas vezes autoritaria —, e em ambos os pactos federativos estabel cidos nao sto capazes de engendrar relagdes intergovernamen- tais cooperativas e baseadas no controle mtituo. Nossa Federa- go, em suma, é marcada por uma distribuigao desequilibrada de poder, cuja conseqiéncia mais deletéria encontra-se na per- versa relagao estabelecida entre os interesses regionais e o in teresse nacional. Caciques regionais e presidentes imperiais talvez sejam filhos do mesmo pai: o fragil contrato federativo brasileiro. Contudo, 0 pior aspecto da Federacao brasileira, e que em grande medida ¢ a origem de todos os outros males, nao esta no plano das relagdes intergovernamentais. Trata-se da ndo-repu- blicanizagdo do sistema politico estadual. Tal fenémeno nao s0- mente prejudica o bom funcionamento da Federagao, mas, s0- bretudo, constitui-se em um dos grandes problemas da demo- cracia brasileira. 6 o que veremos a seguir, analisando o poder dos governadores Capitulo AFORMACAO DO FEDERALISMO BRASILEIRO O objetivo deste capitulo 6 fazer um breve histérico da forma. ¢o do federalismo no Brasil, analisando desde sua origem, na Repablica Velha, até a experiéncia do periodo 45/64. De modo geral, trato dos dilemas fundantes da Federagio, especialmente do permanente conflito entre as forcas regionais e o Poder Cen- tral, Neste embate, o papel dos governadores foi fundamental na maior parte do perfodo, Mesmo a experiéneia do Estado Novo, quando as interventorias foram instauradas, representou mui- to mais a fraqueza do Governo Federal em lidar com as gover- nadorias em periodos competitivos. Origens do federalismo brasileiro Um dos dilemas constitutivos da formagao e desenvolvimen- to do Estado nacional no Brasil é 0 da centralizagao versus a descentralizacao do poder. A colonizagao portuguesa nao conse- guiu criar uma centralizacdo politico-administrativa eapaz de aglutinar e ordenar a agao dos grupos privados instalados nas diversas regides que compunham 0 territorio brasileiro. Além do mais, o inter-relacionamento entre estas regides era fragil- mente estabelecido (Carvalho, 1993:54). Com a independéncia € mais especificamente com 0 Segundo Reinado, a solugao impe- rial c unitaria foi a vencedora, permitindo a formagao de um Poder Central forte e evitando que o Brasil seguisse o caminho fragmentador da América hispanica. O legado do Império foi, neste sentido, a manutengao da unidade territorial, a busca da 32 | A formagia do federalamo brasilero constituigao de um sentimento de nacionalidade c, acima de tudo, a criagao de um duradouro consenso entre as elites a respeito da necessidade de uma efetiva autoridade central (Merquicr, 1992:397), Mas com a paulatina destrui¢ao dos alicerces do Im- pério — sobretudo da escravidao —, 0 conflito entre centraliza- 40 e descentralizacao do poder viria a tona na forma de reivin- dicagoes federativas. Somente com a Constituigao de 1891, definidora da nova or- dem republicana, foi adotada a estrutura federativa, rompen- do-se com a tradicao do unitarismo imperial. Embora o prin- cipal idealizador da implantacao da estrutura federativa, Rui Barbosa, tivesse em mente o modelo americano, as origens ¢ a forma assumida pelo federalismo brasileiro foram bem distin- tas. Ao contrario da experiéncia americana, em que havia uni dades territoriais auténomas antes do surgimento da Unio, ro Brasil, como notara Rui Barbosa, “|..] tivemos Unio antes de ter estados, tivemos o todo antes das partes”. E mais: o federa- lismo brasileiro nasceu, em grande medida, do descontentamento ante o centralismo imperial, ou seja, em prol da descentraliza- do, 0 que deu um sentido especial a palavra federalismo parao vocabulario politico brasileiro, que persiste até hoje. Joao Ca- milo de Oliveira Torres definiu bem esta situagao: “Afinal, federalismo entre nés quer dizer apego ao espirito de autonomia; nos Estados Unidos, associagao de estados para defesa comum” (Torres, 1961:153). De fato, das varias causas que contribuiram para 0 ocaso do império, uma das mais importantes foi o descontentamento das provincias com a centralizagdo monarquica, em termos politicos e financeiros. Porém, a luta pela autonomia provincial em ter- mos financeiros mobilizava de forma diferenciada as varias pro- vincias, pois elas tinham interesses ¢ situagbes econémicas bem diversas. Se de um lado interessava a todas eliminar a cen: tralizagio fiscal existente, por outro havia acusagdes muituas a de quem se beneficiava da estrutura tributadria do Im- * Apud Torres, 1961:20. Disse ainds Rui Barbosa: “Nao somos uma federagao de povos até ontem separados e reunidos de ontem para hoje. Pelo contririo, é da Uniae que partimos. Na Uniao nascemas” lapud Torres, 1961:22) ‘A formagio do federalsmo brasiico | 33 pério?. O problema das desigualdades ccondmieas regionais, ja no nascedouro da Republica, impossibilitou a uniao de todas provincias em torno de um projeto comum de reforma tribu- taria. A bandeira da autonomia financeira beneficiaré desigualmen- te as unidades da Federagao, pois 0 projeto de discriminaga das rendas vitorioso na Assembléia Constituinte traré ganhos basicamente aos estados exportadores — Sao Paulo, Minas Ge- rais, Rio de Janeiro, Bahia, Paré ¢ Amazonas. O conceito de autonomia financeira servira basicamente aos estados mais ri- — particularmente Sao Paulo —, deixando claro o carater originalmente hierarquico da Federacao brasileira ra na questao da autonomia politica que todas as pro- excegao, se uniram em prol do projeto federalista, porque sé neste aspecto poderia haver uma “equalizagao” dos beneficios a todas as unidades da federagao, Autonomia politica significava acabar com o controle que o Poder Central tinha s: bre as eleigies locais e, sobretudo, garantir a eletividade dos antigos presidentes de provincia, transformados em governa- dores de estado. Face a fraqueza do Estado nacional em controlar todo o ter- rit6rio brasileiro, a engenharia institucional do Império fez do presidente de provincia o elo entre o governo central e as bases politicas locais. Para manter 0 controle do sistema politico, a lite monarquica tornou a nomeagio do presidente de provincia atributo do Poder Central. Ao presidente de provincia cabia a fangao de garantir a maioria politica ao grupo que estivesse no poder, fosse do Partido Conservador, fosse do Partido Liberal (Oliveira Vianna, 1987:222-3). “Tanto 0 Norte como o Sul, por motivos distntos, tendiam a se in- sungir contra a eentralizagao ise [-]-As provincias do norte e hordeste apogavam-se a questo dos saldos provinciais(diferenca Ontre a rend arrecalada e 0 paso efetuado na provincia pelo go- terno central) acusando o governo imperial de explorar as provin thas do norte em benefici dasa prosperss provineias do centr-sul ou na defesa militar (easo do Rio Grande do Sul). Sho Paulo, por hia vex dewnvolvin o argumento em favor da rquona erscente fm favor das rogioes parasiarias e deeadentes do Nordeste” (Cos- ta one 34 | Aformagio do federalism bras 0 presidente de provincia tinha varios instrumentos para co- optar a classe politica local: primeiro, designava as autoridades municipais, sendo os postos policiais (delegados, subdelegados) os mais importantes; segundo, tinha um enorme poder de no- meagao para empregos piiblicos; terceiro, indicava os nomes para 0 Poder Central de quem poderia ocupar cargos na Guarda Na- cional e obter os titulos nobilidrquicos, tio cobigados pelos gran- des fazendeiros (Graham, 1997). Os grupos politicos locais desejavam a instituigao da eleigao para presidente de provincia nao s6 por causa do poder que aque- Je cargo possuia; havia também o problema da alta rotatividade da administragao provincial, pois [...] os presidentes [de provin- cias] mandados da Corte s6 ficavam o tempo preciso para ga- rantir 0 predominio da orientagao partidaria do ministério no poder” (Holanda, 1972:9)'. Essa situagdo gerava inseguranca aos membros da elite local, que, mal comparando, poderiam dormir estando na situagao e acordar na oposi A autonomia politica requerida pelas provincias significava, portanto, o controle seguro do processo de eleigao do presidente da provincia pela propria clite politica da regiao. O que se tra. duzia institucionalmente na luta pela conquista da eletividade dos futuros governadores de estado. Para Joao Camilo de Oli- veira Torres, “a Federacao era o nome, a figura ¢ o rétulo ideo- logico para esta aspiragao concreta ¢ objetiva: a eleigao dos pre- sidentes [de provincial” (Torres, 1961:153). Em suma, a federagao brasileira tem em sua origem dois pa- rametros basicos: uma hierarquia de importancia dos estados dentro da Federacao, que determinaré o predominio de Sao Paulo ¢ Minas Gerais no plano nacional; ¢ a garantia de que no ambito interno dos estados a elite local comandara por si s6 0 processo politico, determinando autonomamente as regras do jogo eleito- * Simon Schwartzman nota ainda que no era necessiirio ao presi- dente ser natural da provincia que governava ou estar de alguma forma com ela relacionado. Era comum se ter um mesmo politico ocupando a presidéncia de varias provincias em sua earreira (Schwartzman, 1988:106). Ademais, Francisco Iglésias fez um es tudo sobre a administragio provincial mineira e mostrou que num, intervalo de tempo do 65 anos houve 122 periades presidenciais, o que configurava uma media de pouco mais de seis meses para cada administragao provincial (Iglesias, 1958:47), ‘Aformagio do federaisma brasilelro | 38 ral, sem a ameaga das “derrubadas” impostas pelo governo im: perial. A partir deste momento historico, as maquinas politicas estaduais sersio pegas fundamentais no tabuleiro politico do pai E nesse tabuleiro, a obtengio do cargo de governador podia re mente consistir num verdadeiro xeque-mate nos adversarios, As caracteristicas e 0 desenvolvimento do federalismo na Primeira Republica: a “politica dos governadores” Apés o periodo turbulento dos governos militares, 0 modelo de Campos Sales, intitulado lapidarmente de “politica dos go- vernadores”, consolida o pacto federativo instituido formalmen- te pela Constituigéo de 1891. Em linhas bem gerais, os princi- aspectos da “politica dos governadores” sao resumidos a seguir: ‘@) Os governadores de estado eram os atores mais importan- tes do sistema politico, seja no Ambito nacional, seja no plano estadual;, ) Aconstituigdo do poder nacional, por meio das eleigdes pre- sidenciais, passava por um acordo entre os principais estados da Federagio, So Paulo e Minas Gerais, e mais especificamen- te pelos governadores desses estados. Os estados médios, como 0 Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro ¢ a Bahia, influenciavam 0 pleito nacional & medida que houvesse alguma dissenso en- tre os parceiros do pacto do “café com leite”. Em apenas uma eleigao, a de Hermes da Fonseca, o esquema nao funcionou ple- namente. Mas a definigdo do poder nacional passava ainda pelo con trole do Legislativo federal pelos governadores. Como os de- putados se clogiam em pleitos determinados pelos Executivos sstaduais, de forma legal ou no, as baneadas no Congreso tor- naram-se retratos do poder dos chefes politicos estaduais (Tor- res, op. eit.:162). ¢) Embora o presidente ocupasse no modelo Campos Sales 0 lugar de Poder Moderador, de fato ele nao tinha a forga neces- sdiria para exercer este papel, especialmente quando havia con- flitos com os grandes estados. Mesmo no periodo das “salvagies”, no governo de Hermes da Fonseca, as intervengées do Governo Federal nao atingiram os estados mais importantes da Federa- ho. 36 | Aformagio do federalism brasileiro Entretanto, havia uma importante fungao a ser exereida pelo presidente da Republica: garantir a supremacia das oligarquias estaduais no Congresso Nacional por intermédio da chamada verificagao dos poderes, que consistia no processo de diploma- do dos deputados. O presidente da Republica tinha poder neste proceso porque era o presidente da Camara da le terior, sempre ligado ao chefe do Executivo Federal, que defiria a composigao da Comissao incumbida de fazer a “degola”, isto é, a impugnagao de candidatos oposicionistas eleitos, Garantindo a supremacia das oligarquias estaduais na Ca- mara, 0 Executivo Federal obtinha uma relagio amena com 0 Legislativo, que atuava em conformidade com o presidente da Republica. Isto era uma grande conquista, jd que no periodo militar a ténica foi o conflito exacerbado entre o Executivo ¢ 0 Legislativo. Mas a origem desta forga do presidente perante 20 Congreso residia no acordo com os estados mais fortes na ba- langa federativa de poder. Como observa Renato Lessa, “|..1 0 presidente falava diretamente aos estados e 0 comportamento do legislativo sera fungao da extensdo do acordo entre aquelas partes” (Lessa, 1988:107). Orraio de acao do presidente e do Executivo Federal, contudo, nao era inexistente, O Governo Federal era mais forte diante dos pequenos estados, até porque estes participavam como ato- res menores nas aliangas interestaduais definidoras do poder nacional e dependiam muito dos recursos da Uniao para sobre- viver. Com 0 apoio desses estados, 0 presidente aumentava 0 seu cacife, mas nao a ponto de enfrentar os grandes estados, Mas os instrumentos de atuacao politica e econdmica da Unio foram crescendo ao longo da Primeira Reptiblica a medida que Sao Paulo, principal forca da Federagao, precisava da centrali- zacao de alguns mecanismos administrativos e financeiros rela- cionados aos interesses cafeeiros. Se inicialmente estes meca- nismos centralizados existiam apenas para satis resse paulistas, com o passar do tempo a Unio foi adquirindo o controle deles, o que a favorecia enquanto ator governamental Por isso, no fim da Reptiblica Velha, ficou cada vez mais patente a necessidade de Sao Paulo obter a Presidéncia da Repiiblica, a fim de melhor resguardar seus interesse ) Ainexistencia de partidos nacionais fortalecia ainda mais a situagdo dos governadores. Contrastando com a forte presen ‘A formacio do federalimo brasieiro | 37 ga dos partidos nacionais no Império, o poder na Primeira Re- piiblica estava nas mos dos partidos estaduais, sendo que, via de regra, em cada estado havia um sistema unipartidario. Mesmo nos movimentos de carater nacional que eclodiram contra o sistema oligérquico-estadualista, como a campanha ci- vilista ou o movimento tenentista, a organizagdo nao se deu por intermédio de partidos. Assim, a defesa de instituigdes parti rrias nfo era feita nem por aqueles que queriam derrubar o mo- delo politico da Primeira Republica. e) O pacto da “politica dos governadores” perpetuou no poder todas as oligarquias estaduais que ali estavam no governo Cam- pos Sales, o que significou, na feliz expresso de Renato Lessa, 0 ‘congelamento da competigao nos estados (Lessa, 1988:109). Em Minas Gerais e em Sio Paulo, os partidos republicanos locais dominaram a politica por todo o perfodo; no Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros ficaria no poder por 25 anos; no Norte Nordeste, grupos familiares tinicos comandavam estado intei- ros, tal como era o caso dos Acioly no Ceara. Segundo Rui Bar- osa, a politica nos estados era guiada pelo *|...] absolutismo de uma oligarquia tao opressiva em cada um de seus feudos quan- to.a dos mandarins e dos paxés” (apud Lessa, op. cit.:109). ‘f1 Bm suma, para se entender a “politica dos governadores”, 0 mais importante ¢ estudar o significado politico da transforma- do do presidente de provincia em governador de estado. Como relata Vitor Nunes Leal: “No lugar do todo poderoso presidente de provincia, viria instalar-se 0 todo poderoso governador de Estado, |...] A con- contragao do poder continuava a processar-se na drbita e tadual exatamente como no Império; mas, como a eleigao do governador de Estado nao dependia tao puramente de vonta- de do centro como outrora a nomeagao do presidente de pro: vincia, o chofe do governo federal s6 tinha duas alternativas: ou declarar as situagies estaduais, ou compor-se com elas num sistema de compromisso que, simultaneamente, consolidasse 0 governo federal e os estaduais E diz mais adiante Vitor Nunes “Se (na Repiiblica Velha) um conflito entre um governo cestadual co federal 86 poderia ser removido pelo acordo, pela intervengao ou pela revolucao, no Império, um simples decre- to poria no lugar o delegado mais capaz de trazer ao parla 38 | A formacio do federalsma brasieica mento os deputados proferidos polo gabinete do dia” (Lea mento ox deputado preferidos pelo gabinete do dia” (Leal Esta independeneia adquirida polo poder estadual, traduzi- da na eleigao do governador, foi a base original do federalismo brasileiro, Por tras deste poder da esfora estadual estava o con. trole sobre os votos, adquirido através de um compromisso com © poder local, ou melhor dizendo, com os chefes politicos locas 0 “coronéis”. Se no plano nacional vigorava 0 pacto da “politica dos governadores”, no nivel estadual imperava o compromisso entre o Poder publico estadual e os “coronéis”. Nos dois tipos de relacionamento o clo mais forte era o governador © controle politico que o governador exercia sobre o poder local acontecia por trés razées: primeiro porque o poder federal ainda muito fragil, pouco competia com os estados no processo de conquista de apoio dos chefes politicos locais. Segundo, a base legal da Republica Velha dava pouca autonomia politica e f nanceira aos municipios, o que redundava em dependéncia poli tica e econdmica do poder local para com o governador. Em terceiro lugar, para a maquina estadual obter 0 apoio dos chefes politicos locais e, conseqiientemente, 0 voto do grande contingente populacional rural, era necessario firma ocharra- jo compromisso coronelista. Bste compromisso tinha um duplo aspecto: do um lado, o poder oligarquico privado,decadertocee nomicamente, dependia do governo estadual, seja para obter recursos estatais para si ¢ para seus favorecidos, seja para rantir, por meios “legais” ou nao, a seguranca de seus aliados nas lutas de facedes; de outro, o governo estadual precisava que os coronéis arrebanhassem a populagio para votar nos candida- tos do governo para cargos estaduais e federais. Conforme a fer. mula consagrada de Vitor Nunes Leal, este era um sistema po- litico dominado “por uma relagao de compromisso entre o poder privado decadente e o poder ptiblico fortalecido” - * Leal, op. cit..252, Vitor Nunes Leal ainda descreve o “coronelisms” como um sistema de reciprocidade, em que “de um lado, os chefos municipais e os ‘coronéis’, que eonduzem magotes de el quem toca tropa de burros: de outro lado, nante no Estade, que dispoe do erdrio,d 4a forga polcial, que possui, em sume, core das pragns 0 ler das desgracas” (p. 43). ° sane aaa A formacio do federalamo brasieo | 39 Poder ptbblico fortalecido significava maquinas ptblicas es- taduais fortalecidas. O Poder Executivo estadual, e mais espe- cificamente o governador, determinava a l6gica do sistema, tan- to om relagao aos “coronéis”, como também sobre o Legislative e o Judiciario estaduais (Camargo, 1992:3). Tao forte era o poder do governador que, simbolicamente, em dez dos vinte estados da Federagao ele era chamado de presidente (Lewandowski, 1990:31). 0 governador tinha, basicamente, dois fortes instrumentos de persuasio politica: o aparato policial e os empregos publicos. Com relagao ao aparato policial, a Constituigao de 1891 deixou a cargo dos estados a organizacao do aparelho policial. Desde 0 Império a policia ja era usada para fins partidérios. Isto conti- nuou na Repiblica Velha, mas com duas diferengas: a partir daquele momento a policia ficou nas maos das situagbes esta- duais, nao obedecendo mais ao comando do Poder Central, eseu objetivo seria manter o unipartidarismo a todo custo, acirrando ocarater violento da disputa local. Dessa forma, nunca o ditado “aos amigos tudo, aos inimigos a lei” — leia-se: a policia —valew tanto como na Primeira Republica, sobretudo porque houve um “congelamento” da competicao politica, o que inviabilizou a exis- téncia de qualquer oposi¢do. ‘A importancia do poder policial era tanta que os principais estados da Federagao organizaram verdadeiros exércitos esta- duais, a fim de evitar qualquer tentativa de intervencao militar da Unido e assim mantendo a extrema autonomia adquirida na Constituigao de 1891. Como bem observou Afranio de Carvalho, “[._] tao ciosos se mostravam os grandes Estados na guarda de sua autonomia, dentro da cidadela constitucional, que So Pau- Jo teve na sua forga ptiblica uma missao militar francesa antes que a Unido recebesse a sua, A brigada militar do Rio Grand do Sul possufa notéria elasticidade com os “batalhdes provist ios” (Carvalho, 1978:6). © Executivo estadual contava ainda com a distribuigéo de emprego publico para arrebanhar eleitores. A falta de pers- pectivas de trabalho em varias regives do pais estimulava 0 uso deste instrumento. O beneficiario do emprego ficava com. prometido com seu protetor politico, tendo a incumbéncia de apoid-lo politicamente. Formava-se uma rede de lealdade sus- tentada pela intermediagao estatal. Comegava ai, ainda que 40 | A formacio do federalsmo braileico de forma embrionaria, a instalagio do moderno clientelismo. Deste breve balanco sobre o federalismo na Republica Velha conelui-se que no plano das relagdes federativas predominava a forga dos governadores dos estados mais ricos da nagio, enquanto no plano interno dos estados predominava a figura do governa dor e de “sua” maquina politica estadual. Este modelo teve trés consequéncias importantes, Uma é a forga com que nasce o car- go de governador de estado no Brasil. O poder do governador surgiu a partir de sua influéncia sobre a circunscri¢ao eleitoral estadual, de forma oligarquica e acima dos partidos. Este poder sofrerd mudangas ao longo do século, porém, continuaré aliccr- gado na influéncia do Executivo estadual sobre as bases politi- cas locais. surgimento da estrutura federativa no Brasil também nao conseguiu estabelecer uma relagao de interdependéncia entre a Unido e os estados. Havia um desequilibrio federativo acentua- do que contrapunha, de um lado, dois estados muito fortes Minas Gerais especialmente Sao Paulo — contra uma Uniio fragil frente a cles, e de outro, mais de uma dezena de unidades estaduais que mal podiam sobreviver pelas “proprias pernas” necessitando de auxilio do Tesouro federal — o que na pratic significava se filiar automaticamente ao bloco do “café com lei- te”, Sem real autonomia para todos os estados, torna-se dificil implementar um verdadeiro federalism. A tiltima conseqiténcia, resultado das outras, é que o federa- lismo no Brasil surgiu dissociado da Repiblica. O federalismo da Primeira Republica foi o reino das oligarquias, do patrimo- alismo e da auséncia do povo no cendrio politica. Ou seja, an- ti-republicano por exceléncia, 0 fim da Primeira Republica ocorreu dentro de um contexto de critica ao modelo oligarquico acompanhada de uma naciona- lizagao do discurso politico. O movimento tenentista foi emble matico neste sentido, juntamente com outros movimentos orga nizados pelas classe médias urbanas. discurso liberal pelo voto seereto ¢ pela moralizagao das eleigies ganhou forga no decor- rer da década de 20. Além disso, ja estava havendo um fortale- cimento do Governo Federal desde a Primeira Guerra, que teve como consequiéncias uma maior centralizagao das decisdes da politica eafeeira ¢ um melhor aparelhamento do Exército (Soa res, 1973:35-6). O marco do processo de fortalecimento do Go ‘A formacio do federalismo brasero | 41 verno Federal na Reptiblica Velha foi, contudo, a reforma cons- titucional de 1926, cuja principal medida foi o aumento do po- der de intervengao da Uniao nos estados, tornando mais equili- bradas as relagoes intergovernamentais. (Os fatores citados influenciaram os acontecimentos que leva ram a derrocada a Primeira Republica. £ importante salientar, porém, a importancia fundamental que teve a dissensao no pac redo “eafé com leite”, quando houve a alianga entre Minas Ge- rais-Rio Grande do Sul com outros estados, na dissolugao da Republica Velha. A insisténcia de Sao Paulo em apresentar can- didato proprio, a despcito de ser “a vez” de Minas, gerou uma rearticulagdo regional que desintegrou o antigo pacto hegem6- nico, Portanto, a Revolugio de 30, mesmo sendo um marco na centralizagao do Estado brasileiro, nao ficou imune as interfe- réncias regionais, que se adaptaram aos novos rumos tomados pela politica A construgéo do Estado Varguista-desenvolvimentista 0 federalismo 0 periodo de 30 a 45 foi mareado pelo continuo fortalecimen- to do Estado nacional. Delineou-se naquele momento um novo modelo de Estado, denominado aqui de Varguista-desenvolvi- mentista, Desenvolvimentista porque tornou o Estado o prinei- pal polo irradiador do desenvolvimento econémico no Brasil transformando as relagées entre o Estado e a sociedade, no que tange a regulacdo do mercado de trabalho (modelo corporativo), ena forma de ligagao entre o setor publico ¢ os grupos econdmi- cos privados. (0 padrao Varguista, por sua vez, foz do Executivo Federal, e pecificamente da Prosidéncia da Repiblica, 0 centro po stitucional do pais (Andrade, 1991 ¢ Draibe, 1985). Para rio 0 fortalecimento do Poder Executivo Fede- sobretudo, a mo- S tanto, foi nece ral em termos administrativos e financeiros dificagio do modo de relacionamento entre o Poder Central unidades estaduais, Um maior controle das tendéncias centri: fugas advindas das pressoes regiot implementagao do modelo. foi fundamental para a eo padrao Varguista se refor: 1r, grosso modo, que a forma 42 | Alormacio do federaismo brasileiro de intervengao econdmica do Estado desenvolvimentista— como também seus resultados — forneceu o suporte financeiro ao cen. tro politico Varguista, a0 passo que o modelo Varguista viabili zou os pactos politicos necessarios para a construgio do Estado desenvolvimentista. 0 Estado Varguista-desenvolvimentista nao se desenvolveu monoliticamente, sem intervengoes externas. Bra um modelo de Estado de acomodacao de interesses, de compromisso entre setores e classes sociais. Do lado desenvolvimentista, a formula do compromisso foi definida assim por Fiori: indutor do desen- volvimento ¢ protetor do atraso (Estado desenvolvimentista mas cartorial) (Fiori, 1984). Ja do lado Varguista, o compromisso con- sistia em acomodar os objetivos do Poder Central com os int resses das oligarquias regionais. Para os propésitos deste tra balho, cabe analisar agora como se desenvolveu o federalismo no momento historico de constituigao do Estado Varguista-de- senvolvimentista. A Revolugdo de 30 deu inicio a uma nova fase do federalismo brasileiro, com um perfil mais centralizador. Isto nao quer diz que as elites regionais tenham perdido seu poder de influéncia na cena politica e que o Estado nacional tenha se transformado em organismo totalmente avesso as pressées das oligarqui Tal hipstese, pelo menos no curto prazo, nao poderia finear ra zes na realidade, dado que os grupos politicos estaduais, espe- cialmente os dissidentes do antigo nticleo hegeménico, foram participes fundamentais na tomada do poder. O que Vargas fez, num primeiro momento, foi reacomodar as clites regionais num esquema de poder em que haver dos, particularmente os “tenentes” Desde a década de 20, os “tenentes”, aliados a outros setores urbanos, fizeram importantes mobilizagdes politicas a favor da moralizagao do processo eleitoral. Ademais, eles foram atores os tratégicos na Revolugao de 30, até porque ela tomou uma feigao militarista, e ganharam forea no novo governo. Acontece que os “tenentes”, logo iniciado o governo provisériv, mudaram a énfase de seu discurso da tematica dos direitos liberais para a defesa da centralizagio ¢ do intervencionismo estatal, que culminava numa visao nacionalista ¢ anti-politica do Estado. Em parte porque acre ditavam que um Estado mais eentralizado e meramente admi- nistrativo seria uma vacina contra os politicos “profissionais” das outros porsonagens envolvi- [Aformacio do federalsmo brasiire | 43 oligarquias; em parte porque acolheram como ideal a tendéncia mundial de maior interveneao estatal na economia, com os olhos voltados para os modelos corporativos-autoritarios adotados na Europa. Mas, acima de tudo, os “tenentes”, como as Forgas Arma- das posteriormente, tinham mudado de discurso pois se auto-in- titulavam como os tinicos agentes politicos nacionais capazes de implementar um novo modelo de Estado. (Os grupos oligarquicos e os “tenentes” lutavam para ass mir 0 comando do Governo Provisério. Mas no meio deste emba- te estava Gettilio Vargas, politico experiente ¢ conhecedor tanto da forma de agir dos tenentes como das oligarquias, j& que pro- vinha de uma delas. Manobrando politicamente com maestria, Vargas eriars as condigbes para a instalago de um novo modelo de Estado, mais centralizado e intervencionista, lastreado num sistema politico centrado no Exccutivo Federal e na Presidén cia da Republica. 0 caminho de Vargas, no entanto, foi tortuoso. 2 n (cto lincar de 30 a'37. Pois entao vejamos: embora 0 Go- verno Federal tenha vencido militarmente a Revolugio de 1932, foi este evento que abria caminho para a convoeagia da Consti- tuinte por meio das pressées de varias elites regionais, o que no tntender de Axpasia Camargo, teria diminuido os poderes de Vargas e dos tenentes, forgando-os a abandonar tanto o impeto reformista como o controle militar e direto das administragoes estaduais (Camargo, 1992:20). A Constituinte seria a oportuni- dade para a maior parte das oligarquias reygionais defender a manutengao da autonomia estadual ¢ a limitagio do poder da Unido, J4 os “tenentes”, articulados com as bancadas dos esta- dos do Norte, defendiam um reforgo do poder do Governo Fede. ral, aumentando sua iirea de intervencao. Em suma, na Consti- tuinte “o bindmio centralizagao versus federalismo representa- yaa pedra de toque em torno da qual todas as outras questoes conflufam” (Gomes, op. cit.:29). Vargas ¢ os defensores da centralizagao ainda contavam um importante reforgo: a baneada corporativa, novidade da Cons tituinte de 34, composta de patrdes, empregados do setor priva doe funcionarios publicos. Eles se alinharam com Vargas v com os “tenentes” para reforgar a Unido em troca da manutengao ¢ fextensio do modelo corporativo, Todavia, a resisténcia das gran- des bancadas estaduais forgou a negociagdo e se chegou a um 0 houve 44 | Atformacio do federalsmo brasileira modelo de autonomia federativa diferente do que desejava Var- gas, embora menos autonomista do que 0 proposto pela Cons tituigao de 1891. Mesmo a derrotn de Vargas fol parcel, pea foram aprovados os direitos sociais, a permanéncia da repre- sentagao profissional ¢ sua eleigao presidencial indireta, man. tendo-o no poder até pelo menos 1937 " No interregno de 34 a 37, Vargas usou toda a sua astticia politica: barganhou com grupos oligérquicos, anulow as oposi- {goes urbanas e os movimentos mais a esquerda por meio de leis de excegao e prisdes e obteve o apoio dos militares. Vargas ar- ‘mou, assim, as condigées para o golpe, finalmente dado em no- vembro de 1937. Somente a partir do Estado Novo, como era chamada a ditadura varguista, foi possivel consolidar a cons- trugio efetiva do Estado Varguista-desenvolvimentista. A va- riavel Varguista deste Estado redefiniu o padrao de relagics intergovernamentais, Em primeiro lugar, em termos constitu- cionais, foi abolido completamente o federalismo. Em nenhum outro momento do século XX a estrutura de governo se tornou tio unitaria como no Estado Novo. A Constitui¢ao, por exemplo, aboliu a expressao “Estados Unidos do Brasil”, e no seu prime: ro artigo simplesmente disse “o Brasil 6 eps 7 wandowski, 1990:31)° wma Republica le ‘Nao bastava acabar formalmente com o federalismo para for talecor o Poder Contral. A modernizagao da estrature evn iva edo quadro de pessoal da Unio também se fazia nece: ia, a fim de dar condigies para que o Executivo Federal ea Presidéncia formassem realmente o centro politico do sistema A criagao do Dasp e a multiplicagao de agéncias ptblicas desti- nadas a atuar na Area econémica foram os principais passos para fortaleeer a burocracia pbliafedral s estados se tornaram praticamente érgdos administrativos do Governo Central. Para tanto, dois meeanismos intituioneis se fizeram presentes: as interventorias e os “Daspinhos”. Apesar de as interventorias terem também existido no periodo inicial da Revolugao de 30, Vargas nao tinha naquele momento o seu 5 Bste ato constitu cos do gover praga publica, foi complomentado por outros atos simbili: como a queima das vinte handeiras estadwais em ‘A formagio do federaiema brasiiro | 45 controle completo, uma vez que houvera uma partilha com gru- pos to heterogéneos como os “tenentes” e oligarquias dissiden- tes do antigo pacto, ambos avidos para controlar integralmente 0 “seu” estado. Tanto isto 6 verdade que apés determinado tem- po de consolidagao de seu poder nas maquinas estaduais, 0s pri meiros interventores pediram insistentemente a reconstitucio- nalizagio do pais, prineipalmente os dos estados mais fortes, como Sio Paulo, Minas e Rio Grande do Sul ‘Tendo aprendido com a experiéncia inicial das intervento- rias, Vargas modifica toda a sua sistematica. Primeiro, tran: forma as interventorias em verdadeiras correias de transmis sao do Governo Federal para os estados. Elas se tornariam um sistoma e nao pecas isoladas entre si, O segundo ponto cra a escolha do interventor. De acordo com Maria do Carmo Cam- pello de Souza, a escolha funcionava da seguinte maneira: “O Executivo Federal nomeava para a chefia dos governos estaduais individuos que, embora nativos dos estados e mes: ‘mo identificados em suas perspectivas ideol6gicas aos grupos dominantes, cram ao mesmo tempo destituidos de maiores raizes partidarias; (enfim] individuos com escassa biografi politica ou que, se possufam alguma, a fizeram até certo pon- to fora das maquinas partidarias tradicionais nos estados. ‘Ademar de Barros em Sao Paulo, Benedito Valadares em Mi nas Gerais, Amaral Peixoto no Rio de Janeiro, Agamenon Magalhdes em Pernambuco, Pedro Ludovico em Goids, os Miller em Mato Grosso, Nereu Ramos em Santa Catarina Gées Monteiro em Alagoas so alguns exemplos” (Campello de Souza, op. cit.:14). Este sistema de escolha dos interventores tinha 0 mesmo ob- jetivo daquele do presidente da provincia: garantir ao Poder Cen- tral o controle total do processo politico nos estados. A “sobera- nia” do interventor advinha do Governo Federal e nao das bases politicas estaduais. Apesar de os interventores pertencerem as clites locais, nao era a elas que deviam responder; era ao pr sidente da Republica. Assim, se retirava das elites estaduais a sua grande conquista da Primeira Republica: o poder de eleger seu préprio governante. Havia outra peca importante na engrenagem do sistema de interventorias. O Estado Novo nao procurou se legitimar por meio de eleicdes, como o farsi depois o regime militar. Por isso, 46 | Aformacio do federaismo bras as bases eleitorais locais nao contavam no jogo politico. Dessa forma, as elites estaduais perdiam o seu maior trunfo de nego- ciagao com o Governo Federal, qual seja, o controle eleitoral so- bre o grande “distrito” estadual. Finalmente, 0 ultimo aspecto do sistema de interventorias era o esquema de rodizio dos inter- ventores, estabelecido para evitar perpetuagdes politicas pe- rigosas ao Governo Federal. Tentava-se destruir a caracte- ristica oligarquica das clites estaduais presente na Primeira Republica. A ameaga da rotatividade no poder estadual forcava 0s grupos politicos regionais a serem mais fiéis ao presidente, tornando-o mais poderoso nas relagdes entre o Poder Central ¢ (8 governos subnacionais': 0 outro instrumento de controle do Estado central sobre os estados eram os “Daspinhos". Comparando as interventorias com 0s “Daspinhos”, podemos dizer que enquanto as primeiras eram ‘a extensao politica da Unido nos estados, os “Daspinhos” faziam © papel de extensao administrativa do Poder Central, pois cram subordinados ao Dasp eau Ministerio da Justica. Alem disso, os aspinhos” funcionavam como uma espécie de corpo legislati- vo subordinado ao Governo Federal, que estabeleciam uma un formidade na legislagao dos estados, notadamente na area eco nOmica, supervisionavam os prefeitos e se constitufam ainda tmehecksand balance sobre o intervenor, aumentanlo cen trole do presidente sobre o sistema de interventorias. _Mas a intervencio politica do modelo Varguista nos estados nao deixou de ser feita sem uma certa acomodagao e/ou coopta sao dos grupos econdmicos locais. De um lado, nao mexeu com ¢ status quo das clites agrarias, alterando quase nada a estrutura socivecon6mica do campo. Diante do emergente setor empresa pace de. Pode-se dizer ainda que Vargas procurou cultivar uma a estabilidade no poder, an pram ‘A formacio da federsizmo brasieo | 47 rial, particularmente o paulista, o modelo corporativo da repre- sentagdo de interesses foi utilizado, canalizando as demandas empresarias para a arena burocratica. Mais especificamente no aso paulista, o Conselho Federal do Coméreio Exterior e 0 Con- selho Técnico de Economia e Finangas garantiram a cooptagao do empresariado pelo Estado Novo (ef. Diniz, 1978), ‘Aengrenagem das relagoes “federativas” do Estado Novo es- tava completa: a interventorias, os “Daspinhos” e 0 Ministerio da Justiga coordenavam a administracao estadual, sob 0 con- trole geral do presidente da Republica (Campello de Souza, op. cit.:19), e a representagio dos interesses ccondmicos seria feita pela via burocratico-corporativa. Em nome da modernizagao eco- nomico-administrativa, os estados ficaram com menos autono- mia do que as provineias do Império, Pensando no ideal de fede ralismo republicano, pode-se dizer que se na Primeira Reptibli- cao federalismo tinha se dissociado da republica, no Estado Novo 0 proprio federalismo tinha desaparecido. ‘A historiografia costuma apontar como principais razies para o fim do Estado Novo as pressoes americanas para a democrati- zacio do pais ¢ a influéncia decisiva das Forgas Armadas, as- sustadas com a aproximacao de Vargas com grupos mais & es- querda. Embora esta argumentagao esteja correta no cssencial, 6 importante ressaltar que a manifestacao inauguradora da r articulagdo da oposi¢ao contra a ditadura varguista foi o Ma- nifesto dos Mineiros (1943), texto produzido pela elite politica mineira, contando com a assinatura de varios politicos que fi- caram fora do poder durante o Estado Novo. Em 45, anoem que Vargas foi deposto, a declaragao oposicionista mais importante contra 0 governo tinha sido dada por José Américo de Almeida a0 jornal Correia da Manha. José Américo era representante de parcela importante da oligarquia nordestina preterida pelo Es- tado Novo, teria sido candidato a eleigao presidencial de 1937, a elei¢do que nao houve. A partir desses dois fatos de crucial importancia, percebe-se que a pressdo advinda das elites regio- nais teve papel importante na derrubada do Estado Novo. As oligarquias regionais, em sua maioria, poderiam estar forgosa- mente adormecidas, mas, entre os atores politicos civis daquele ‘momento, elas ainda eram quem melhor poderia organizar uma resisténcia contra o Governo Federal Em resumo, 0 process inicial destate building realizado pelo 48 | A formacio do federalsmo brasiero modelo Varguista-desenvolvimentista teve como um de seus pi- lares o controle politico do Governo Federal sobre as oligarquias regionais, realizado de forma autoritaria, por intermédio da ex- tingao da autonomia politica estadual. Usando como contrapon- to a experiéncia americana, percebemos que ld 0 processo de centralizagio efetuado pelo Executivo Federal, sob o comando de Franklin Roosevelt, respeitou o principio da autonomia fe- derativa. 0 Poder Exccutivo Federal americano ganhou sim mais poderes para intervir nacionalmente, mas sem retirar a autonomia politica dos estados. Vargas acreditava que bastava acabar com 0 proceso poli- tico-eleitoral nos estados para enfraquecer as oligarquias. O aspecto Varguista de construcao do Estado desenvolvimentista, em sua face intergovernamental, s6 previa o fortalecimento da Unido e da Presidéncia pa contrapor aos estados — e se preciso fosse, de forma autoritaria — e a acomodagao dos inte- esses estaduais pela via da burocracia federal. Reformas nas instituigdes politicas estaduais nao faziam parte do projeto var- guista. Acontece que com o retorno da democracia na Segunda Republica, a Federacao volta a cena, ¢ 03 estados novamente se tornam fortes porque a base de seu poder praticamente nao foi alterada, qual seja, o funcionamento do jogo politico estadual. E com isso a Federagao criara empecilhos para a consolidagao do ‘ado Varguista-desenvolvimentista no periodo 45-64. Sera principalmente a volta da politica dos governadore: contexto diferente do da Republica Velha s6-que num, © federalismo no periodo 45-64 0 periodo 45-64 pode ser considerado como o inicio da demo. cracia competitiva de massas no Brasil. Nao 86 as eleigdes se tornaram mais livres e mais competitivas como houve crescen- te incorporagao da populacao no universo eleitoral, mesmo com diversas oscilagées durante 0 perfodo’. O federalismo também * Em 1930, a populagao votante equi 5,6% di a , a a 5,6% da populagiio, que era o porcentual mais elevado da Primeira Repliblica. Jd em 1945 oeleitorade correspondou a 16,19% da popillagii, chegandoem 1962 25%. Com base nesses dados, Olavo Brasil de Lima Jr. afirma: “E o regime de 1945 que inaugura tendéneia sistemsitica para 0 eres A lormagio do federalsmo brasilewe | 49 voltou a ser preceito politico-constitucional, retornando as elei- des para os cargos cxecutivos e legislativos das unidades sub- nacionais, até mesmo para a esfera municipal. Aliés, a Cons- ligao de 1946 inovou ao aumentar a autonomia politica ¢ fi- nanceira dos municipios, tradicionalmente tolhida pelas Cartas constitucionais anteriores, 0 federalismo © a competigao politica democritica se desen- volyeram, no entanto, num pais marcado pelas mudangas cau- sadas ou induzidas pelo perfodo Varguista. O federalismo da Segunda Republica nao foi uma réplica do vigente na Primeira Republica. O legado de Vargas para o periodo 45-64 continha os seguintes aspectos: @) processo de constituigaio do Estado desenvolvimentista teve como arena deciséria a burocracia federal e nao o Congres. so Nacional. Criou-se uma estrutura estatal centralizada na qual os principais interesses econdmicos — dos empresarios ¢ dos trabalhadores — se faziam representar. Esse modelo teve duas consequéncias: a conquista de maior autonomia deciséria para a burocracia federal e a criagdo de obstaculos para a posterior institucionalizagao do sistema partidario (Campello de Souza, 1976) 6) A Unido e a Presidéncia da Reptblica se fortaleceram como nicleos de poder. No caso da Unido, além de ela ter-se reforgade administrativamente no periodo Vargas, a Constituicao de 1945 Ihe deu maiores poderes financeiros se comparados com 0 outro periodo de federalismo constitucional, a Primeira Republica. Ja a Presidéncia se tornou o centro nevrélgico da estrutura buro- cratica que dava suporte ao Estado desenvolvimentista, tendo grande importancia na coordenagao da arena deciséria gover- namental. Por fim, o estilo carismiitico-personalista de Gettlio eve grande influéncia na conformacao de um sentido itario para a eleigao presidencial, localizando-se nela to- aspiragées de mudar a ordem vigente, fossem elas de cardter populista-distributivista, fossem elas depositarias de um ‘io da politica (pratica udenista) dagao das Forgas Armadas como a mais, discurso pela moraliza ¢) Expansao ¢ consol cimento do eleitorado, em termos absolutos e como porcentagem dt populagio total” (Lima tnior, 1990:11-2). 50 | A formacio do federalime brasileiro importante e influente instituigdo nacional, ou melhor dizendo, a tinica instituigao politica verdadeiramente nacional. As For as Armadas ja tinham dado a retaguarda para Vargas em 1937 eno periodo 45-64 se consolidaram como o Poder Moderador do sistema politico (cf. Stepan, 1975), d) Do legado de Vargas faz parte também o estabelecimento da ideologia nacionalista como pélo norteador do debate politico por toda a Segunda Republica. Este legado teve um impacto fortissimo na pratica politica de varios grupos sociais de origem ideolégica diferenciada, fato perceptivel comparando institui- goes como o Iseb ¢ a ESG, que representavam grupos distintos, mas professavam a ideologia nacionalista, com nuangas ligadas a0 cixo direita-esquerda O legado Varguista trouxe uma importante consequténcia: 0 fortalecimento do eixo nacional do sistema politico. Isso nao quer dizer que a Segunda Republica foi um periodo em que estive- ram ausentes as tendéncias federativas, no sentido que essa palavra tem no léxico politico brasileiro, Pelo contrario, a aber- ‘tura politica pés-Estado Novo trouxe de volta a influéncia aber- ta do regionalismo na politica nacional. Uma nova politica dos governadores surgiu c as bancadas estaduais na Camara Fe- deral possufam poder o suficiente para barganhar por mais r cursos do Tesouro nacional para suas clientelas. que aconteceu foi que as relagies federativas se tornaram mais equilibradas, pois Unido e estados se tornaram mais equi- potentes. Os estados recuperaram sua autonomia ¢ a Uniac, mediante 0 arranjo Varguista, aumentou seu raio de agdo. A Unido aumentou muito o seu poder da Primeira para a Segun- da Republica e os dois grandes estadus do perfodo do “café com leite”, Minas e notadamente Sao Paulo, perderam, em termos relativos, forga Nao 56 as relagdes entre Uniao e estados ficaram mais equi- libradas; as relagoes entre as unidades da Federagao se torna- ram também menos desequilibradas comparadas ao quadro da Primeira Republica. Embora 0 crescimento econémico conti nuasse sendo concentrado no Sudeste, particularmente em S Paulo, alguns fatores aumentaram a multipolaridade do siste- ma, rompendo-se com a bipolaridade caracteristiea da Repsibli- ca Velha. primeiro deles foi o mecanismo da desproporcionalidade ‘A formacto do federalame brasiera | $1 de representagio entre os estados na Camara Federal. Inscrito na Constituigdo de 1946 no artigo 58, com redagao semelhante a0 artigo 23 da Constituigdo de 1934, esse mecanismo sobi representava os estados mais pobres ¢ sub-representava basi- camente Sao Paulo e Minas Gerais (Campello de Souza, 1976). E verdade que desde o Império a representagao dos estados na Camara nao cra perfeita e que a Regiao Sudeste foi constan- temente sub-representada (Nicolau, 1997). A diferenga é que a distorgio representativa na Segunda Republica ganhou contor: no proprio: 0 medo dos estados mais pobres de haver um retor- no da hegemonia paulista nos moldes da Primeira Republica. segundo fator que levou ao aumento da multipolaridade da Federagao foi a solidificagao do bloco regional nordestino. Embora desde o fim do Império ja houvesse o chamado bloco do Norte, congregando também os estados do Nordeste, foi a par- tir do fim da experiéncia da Primeira Republica que os estados do Nordeste, especificamente, comegaram a atuar menos indi- vidualmente para pedir benesses ao Poder Central. E mais: conseguiram, a partir da Constituigao de 34, transformar os antigos pleitos conjunturais em normas constitucionais, 0 que se repetiu na Carta constitucional da Segunda Republica, quan- dose determinou que trés por cento da renda tributaria federal iria para a defesa contra os efeitos da seca no Nordeste ¢ que um por cento dessa mesma renda fosse empregada, durante vinte anos, no desenvolvimento global do Sao Francisco (Cohn, 1976:59-60). A desproporcionalidade de representacao entre os estados, ressalte-se, nao foi de todo rim para Sao Paulo. Apesar de Sao Paulo ter votado majoritariamente — juntamente com Minas — contra o projeto aprovado, para boa parte da clite paulista a distorcao representativa evitaria o fortalecimento dos setores mente emergentes dos grandes centros urbanos ¢ indus ‘ados mais industrializados se repre: sentavam mais eficazmente nos varios nichos burocraticos ¢ ad ministrativos, ao largo dos partidos ¢ do Congreso Nacional (Campello de Souza, 1994:29). Barry Ames descreve bem esta situacao) m certo sentido, Sao Paulo fez uma harganha: outros estados poderiam ter a parte do ledo dos pequenos projetos fisiologicos, mas Sao Paulo controlaria integralmente a po 52 | A formacio do federalism brasileiro litiea macroecondmica do governo, vestimentos e de politieas cambiais ¢ fiseais favoravei paulistas nao estavam nem sobre nem sub-representados nas pastas ministeriais, mas as posicdes que eles dominavam eram as cruciais: Fazenda, Obras Publicas, ¢ 0 Banco do Bra- sil” (Ames, 1986:198) Mesmo tendo Sao Paulo obtido o controle das maiores fon- tes de recursos, os grupos do Norte e Nordeste permaneceram com 0 poder de veto no Congreso em questdes que alterassem 0 status quo das oligarquias dessas regides. Glaucio Soares mo tra, por exemplo, que de 1946 até 1962 mais de duzentos proj tos de reforma agréria foram bloqueados pelas elites politicas das regides menos desenvolvidas (Soares, 1973:14), Havia ainda outro aspecto do periodo 45-64 que tornava a Federagao mais multipolarizada. A vit6ria na eleigao presiden: cial comegou a depender de resultados eleitorais favordveis em varios estados, em razao do aumento da dispersao eleitoral den: tro de cada um deles. Assim, havia a necessidade de se ampliar ontimero de apoios estaduais as candidaturas presidenciais. Se levarmos em conta que a dispersdo eleitoral era ainda maior nos grandes estados, percebemos que candidatos de Minas e Sac Paulo, mesmo que aliados ao Rio Grande do Sul, nao poderiam reeditar a politica do café com leite, pois precisariam realmente do apoio de liderangas de diversos estados. 0 resultado disso € que aumentou 0 cacife cleitoral de varias unidades estaduais para a cleigao prosidencial quadro federativo da Segunda Republica toma, portanto, « seguinte forma: os estados voltaram a ter autonomia, a Federa: gao se tornou multipolar e o Estado nacional se fortaleceu em termos econémicos e politicos. Nesse quadro, as relagdes entre estados e Unido se estabeleceram mediante barganhas elien- telistas, realizadas tanto no Congresso como na burocracia fe- deral. Tais barganhas clientelistas passavam ao largo das prin- cipais decisies estrategicas do Estado Varguista-desenvolvimen- tista. Interessava as elites regionais apenas colher os frutos do desenvolvimento econdmico e nao participar responsavelmente da definigao dos rumos do Estado. Se o modelo Varguista tinha 1 possibilidade de resguardar as arenas decisdrias estratégicas para o Estado desenvolvimentista, por outro lado ele tinha que montar uma estrutura clientelista para atender a sede distri: A formagio do federahsmo brasieira | $3 butivista das clites regionais. O problema é que com o tempo a politica de clientela afctava negativamente as macropoliticas do Estado nacional. Esse modelo foi montado sobretudo por causa da fraqueza dos partidos como estruturas nacionais. Em parte isto ocorreu porque a burocracia central se constituiu como arena deciséria antes da criagdo dos partidos. Contudo, hé outra causa da fra- queza dos partidos em termos nacionais que é pouco tratada pela literatura: a natureza estadual dos mandatos parlamenta- es, Para a maioria dos politicos, a sobrevivéncia politica depen- dia dos recursos que trazia a sua regido. Barry Ames, em estudo sobre a elaboragao do Orgamento nacional neste periodo, mos- tra que atuagao da maior parte dos deputados se caracterizava pelo comportamento “emendista’, ou seja, procuravam fazer emendas para seus redutos eleitorais. Em suma, a performance dos deputados era estadual e nao nacional. ‘Muito mais do que os partidos, eram os Executivos estaduais que organizavam a empreitada eleitoral dos deputados. Surge entao 0 ator politico que faltava no quadro federativo esbogado anteriormente: 0 governador de estado. Os governadores eram ‘quase sempre os comandantes da vida politica estadual. Os de- putados dependiam dele por duas razées. Primeiro, porque, como mostrou Lavareda, a eleicdo presidencial nao ocorria no mesmo momento que a escolha dos deputados a Camara Federal, tor- nando a disputa pelo governo do estado a articuladora dos plei- tos proporcionais (Lavareda, 1991:118-20). Assim, para os de- putados interessava concorrer colado a um forte candidato ao governo do estado, aumentando suas possibilidades eleitorais. Depois, 0 candidato a governador eleito cobrava dos deputados um comportamento parlamentar que retribuisse a ajuda eleito- ral, na conquista de verbas para o estado ou na adogao de deter- minada conduta em votagies especificas no Congresso. Ai esta uma das origens da fidelidade dos deputados com 0 governador. Em segundo lugar, os governadores tinham o importante pa- pel de controlar as bases politicas dos deputados federais. Isto era feito de duas formas: cooptando os chefes politicos locais, sobretudo por meio da distribuigdo de cargos publicos, e contro. lando os deputados estad: ses locais. Com relagao aos deputados estaduais, era muito im- portante que cles tivessem o apoio do Executivo para vencer as ais, ontro importante elo com as ba- 54 | Alormacio do federsmo brasileiro eleigdes. Analisando as eleigdes proporcionais de 1962 em Mi- nas, Jiilio Barbosa comenta que “as cleigdes para a Assembléia Legislativa de Minas Gerais sio as que mais se prestam e mais respondem a influéneia direta e indireta do Executivo estadual” (Cintra, 1974:48). Comentando ainda sobre a cooptagao dos chefes locais pelo governador, é importante notar queo projeto varguista em nada mudou a estrutura da politica municipal. Pensando apenas e1 controlar as oligarquias estaduais ¢ em fortalecer o Estado na- cional, Gettilio Vargas nao percebeu que, nos marcos da politica eleitoral, a esfera municipal ¢ o scu controle pelo Executivo es: tadual eram pegas-chave do sistema, que teriam grande poder de influéneia na composigao do Congreso Nacional. Como bem percebeu Ladosky, “|...] 05 15 anos de getulismo pouco ou nada influiram na politica municipal [...). Por falta de visdo de nossa formacao social, nao teve Getuilio Vargas a capacidade de reno: vara estrutura politica da vida municipal. Se substituiu alguns chefes, fé-lo por outros, nao alterando a estrutura basica do el J. Dai, sua prescnga ou afastamento (de Getulio} nao ter na realidade influido sobre os homens das pequenas comunas, os quais, sem razdes para aderirem ou hostilizarem, simplesmen- te esperaram o passar da onda, para voltarem a situacao de antes de 30" (apud Soares, 1973:32). A realidade “coronelistica’, fortalecedora do Executivo esta dual frente aos chefes locais, permaneceu em boa parte do pais na Segunda Republica, dada a continuidade da estrutura agré- ria areaica em diversas regides. Os vetos aos projetos de refor ma agréria no Congreso tinham uma intrinseca ligagdo com 0 pacto entre Executivos estaduais e chefes locais, pois grande parcela dos deputados federais precisava desse pacto para con- quistar a reeleigdo ou otimizar sua carreira para cargos majo- Titdrios. Por detras dos vetos dos deputados, estava o veto do sistema politico estadual, cujo maior beneficiario era 0 gover- nador. Nos centros urbanos, que aumentavam seu poder de influén- cia dentro do sistema politico, os governadores exerciam s¢ poder basicamente por meio de politicas clientelistas, reforgan- doa fungao da maquina publica estadual de distribuidora re- cursos aos aliados. Contudo, a dispersio eleitoral, bem mais pre inte nos centros urbanos, dificultava o controle do eleitorado A formagio do federaismo brasileiro | $5 ¢, por conseguinte, dos deputados eleitos por essas areas. A so- lugao adotada, particularmente por alguns governadores de Sao Paulo eda Guanabara, foi a adogao de estratégias de politica de massa, tais como o janismo ¢ 0 lacerdismo, que mesmo tendo diferencas entre si, envolviam algum grau de mobilizagao po- pular no estilo populista. ‘No plano nacional, os governadores alinhavam-se com os par- lamentares federais para poder influir no preenchimento de portantes cargos do Executivo Federal, buscando especialmen- te ocontrole de determinados ministérios. Os chamados “Mis térios de gastos” ou de “clientola” cram basicamente ocupados pelo critério regional. Este foi o caso, por exemplo, do Ministério da Educagé de, cativo da Bahia, até o desmembramento desse ministério’ além de possuirem um poder para pleitearem ministé- rios, os estados fortes (SP, RGS e MG) detinham outro trunfo: a manutencao de poderosas milicias estaduais. Com isso, 03 go- vernadores detinham um aparato militar que implicitamente serviu como ameaga ou poder de resistencia ante o Poder Cen- tral A forga dos governadores no periodo 45-64 os tornava candi. datos naturais a Presidéncia da Republica. Dos quatro presi dentes cleitos na Segunda Republiea, dois haviam side gover- nadores (Juscelino Kubitschek e Janio Quadros), Outros, como Ademar de Barros ¢ Carlos Lacerda, foram eternos pleiteantes com grande poderio no cenario politico nacional. No final do periodo 45-64, quando turbuléncias ¢ crises se fizeram presen- tes, 08 governadores tiveram importante papel. O governador gaticho Leonel Brizola, com a formagao da “cadeia da legalida- de”, foi ator fundamental para que Joao Goulart tomasse posse. Ja os governadores de Sao Paulo, Minas Gerais e Guanabara, Ademar de Barros, Magalhdes Pinto e Carlos Lacerda, respecti vamente, tiveram papel crucial no golpe de 64. Em suma, pode-se dizer, seguindo a argumentagao de Aspa- * Abranches, 1988:25-6. Sérgio Abranches da outros exemplos de Ministerios preenchidos predominantemente por determinado es- tado, como eram os casos do Ministerio da Fazenda, tipicamente paulista, e 0 Ministério da Agricultura, ocupado basicamente por Pernaminico, 56 | Aformagie do federalsmo brasileira ' sia Camargo, que na Segunda Republica houve uma “sobre- vivéncia da politica dos governadores” (Camargo, 1992:7). En- tretanto, as duas grandes diferengas em relagio a Primeira Republica foram o fortalecimento do Estado nacional e a diver- sifieagao dos nticleos regionais influentes. Houve o aumento dos atores com poder de barganha no jogo federativo, sem que no entanto fossem criadas instituigdes nem estabelecidos compor- tamentos que levassem a um padrao mais cooperative de reso lugao dos conflitos, Do impasse federativo do periodo 45-64 saiu uma das mais importantes motivagées para a conformagio do modelo autoritrio implantado pelos militares. Analisando 0 periodo 45-64, conclui-se que, apesar de a politi- ca estadual ja nao ser igual A da Primeira Republica, em virtude especialmente da urbanizagao do Pais, 0 republicanismo esteve ausente da base do sistema politico. Isso porque as mudangas socioeconémicas do periodo nao foram acompanhadas de trans- formagées institucionais. Ainda continuava a vigorar nos estados uum forte “executivismo” em detrimento do Legislativo; nas rela- «goes entre estado e municipios, a politica de submissao dos pro- feitos ao governador; no terreno partidario, 0 controle dos “not- veis” — que no Brasil estavam ligados ao “familismo” — sobre a cestrutura partidaria e a preferéncia pelas estratégias individuais de agao sobre o fortalecimento da atuagao partidaria, Mas o mais importante é que estava se consolidando 0 uso éa Executivo estadual como centro de distribuicao de politicas clien- telistas e, a partir disso, como principal construtor das carrei- ras politicas de deputado estadual e federal. Essa pratica era realizada sem 0 menor controle dos partidos € da sociedade ci- vil, estabelecendo uma politica anti-republ O centro deste sistema politico estadual nao republi governador. Além da fragilidade dos partidos ¢ das institu 0es no nivel subnacional, contribufa para isso, conforme argu- menta Brasilio Sallum Jinior, “|... 0 sistema eleitoral propor- cional segmentado por estados, [que] transformava os gover- \dores em chefes partidarios, independentemente da ocupa- de qualquer posigdo formal de direcdo nos partidos. Eram cles que controlavam grande parte dos recursos politicos pas veis de distribuigio durante as campanhas eleitorais” (Sallum Suinior, 1994:4), No campo das relagies intergovernamentais, mareado pelo ‘A formacio do federalsmo brasilero | $7 problema da desigualdade regional, o Governo federal usou par- ticularmente o problema nordestino para se fortalecer: em tro- ca de apoio seguro da bancada nordestina para aprovar proje- tos, a Unido distribuia recursos da forma mais desordenada e individualizada possivel. Instalava-se, portanto, uma relacio de cooptagio entre o Poder Central e boa parte das oligarquias re- gionais. Simon Schwartzman mostra quais sao as consequién- cias deste tipo de relagao: “Ao cooptar, o centro se enfraquece, mas ao mesmo tempo tira a independéncia dos cooptados, que de constituintes se trans- formam em clientes. A consequéneia é a formagio de um siste- ‘ma politico pesado, irracional em suas decisées, que se torna presa de uma teia cada vez maior e mais complexa de compro- missos e acomodagies até 0 ponto de ruptura” (Schwartzman, 1988:158). O fato é que na esfera das relagées intergovernamentais, com © aumento de nticleos regionais de poder, houve o aumento dos pedidos por recursos ao Governo Federal, sem que isso signifi- casse um compromisso federativo lastreado em contrapartidas dos estados. Assim, esse tipo de relacio federativa comegou a atingir 08 alicerces do Estado desenvolvimentista. Por mais que 0 Estado desenvolvimentista fosse desde o inicio um grande con- dominio no qual se acomodavam os mais diversos interess ele chegou ao seu limite ao tentar compatibilizar os interesses do Poder Central com os dos governos subnacionais. Seria pre- ciso fazer algumas reformas que implicariam a mudanga das relagées federativas. O perfodo democratico nao conseguiu fa- zer estas reformas; 0s militares optaram pela saida autoritaria para concretizé-las. Capitulo 2 A PASSAGEM DO MODELO UNIONISTA-AUTORITARIO PARA O FEDERALISMO ESTADUALISTA: A ORIGEM DO NOVO PODER DOS GOVERNADORES Neste capitulo, descrevo e analiso a evolugaio do federalismo brasileiro do regime militar até a Constituigao de 1988. Em li- has gerais, esta evolugio significou a passagem de um modelo unionista e autoritério de relagdes intergovernamentais para outro estadualista ¢ cireunserito a um regime democratico. O federalismo estadualista surgiu da crise do modelo anterior, ten- do como fato propulsor a eleigao para os governos estaduais em 1982. A grande transformacao efetuada na balanga de poder federativo foi o fortalecimento dos estados e dos governadores, acompanhada do enfraquecimento da Uniao e da Presidéncia da Republica. Origens do modelo unionista-autori A instauracéio do regime militar em 1964 foi fruto de um pe- riodo de grande turbuléncia e mobilizagao popular. Estavam om questio as reformas propostas pelo governo Joao Goulart — as “reformas de base” — de cunho nacionalista e redistributivo, destinadas a alterar o padrao de distribuigao da propriedade ¢ da renda no pais, Em torno dessas reformas houve enorme radi- calizagio dos diversos grupos sociais, como também da classe politica, de direita ¢ de esquerda. O resultado foi um impasse social e institucional — este ultimo corporificado na paralisia decisfria instalada no Congreso Nacional (Cf. Santos, 1986) A resposta ao impasse foi um golpe de Estado, feito pelas Forgas Armadas, que sv vinham consolidando como Poder Mo- 60° | A passagem do modelo unionists 2utoriciro para 0 federalismo esti derador do sistema politico do periodo 45/64, Ressalte-se, entre- tanto, que o golpe contou com o apoio decisive da clite civil oposi- cionista ao governo de Jango, especialmente dos governadores Ademar de Barros (Sao Paulo), Carlos Lacerda (Guanabara) e Magalhaes Pinto (Minas Gerais). Todos esses governadores de- ram suporte militar ao golpe, através de suas milfeias estaduais, A legitimacao do governo militar passava, no curto prazo, pelo expurgo dos lideres politicos vinculados ao regime anterior, em nome da ordem ¢ contra a ameaga comunista, e pela resolugao da crise econémica, O grupo militar majoritario dentro da coal- 240 governista, os “sorbonistas”, do qual fazia parte o Presiden- te Castelo Branco, tinha como objetivo “arrumar a casa” e en- tregar 0 poder aos civis’. Para alcangar tais objetivos, no entanto, os governos milite: res teriam de concentrar cada vez mais poder no Executivo Fe- deral e na Presidéncia da Republica. A estabilizacdo econdmiea exigia, por exemplo, o fechamento de todas as “torneiras” de recursos para o clientelismo, tornando descontentes os politicas do PSD, partido majoritario na Camara Federal. A estabiliza- do exigia também a adogao de medidas ortodoxas, de carater antipopular, o que desagradava os lideres civis que apoiaram 0 golpe, particularmente os governadores, como foi o caso de Car- los Lacerda, eritico de primeira hora das decisées econdmicas implementadas pela dupla Campos-Bulhies, critica dos governadores dos estados mais importantes apoic- dores do golpe tinha um motivo bem preciso: eles eram candide- tos declarados a disputa presidencial que inicialmente estava marcada para 1965. Pouco a pouco, perceberam que havia a enor- me possibilidade de a eleigao nao ocorrer no prazo previsto® * “Quando depuseram o presidente Joao Goulart, em abril de 1964, ¢ assumiram o poder, nao existia um plano comum a grande maioria dos militares sobre os seus prineipais objetivos politicas [.... Os principais temas discutidos entre os militares logo depois dav t6ria eram, pois, vagos: a necessidade de controlar os “comunis tas”, conter a inflagio e executar as minimas reformas e politicas consideradas como um pré-requisito para o retorno do governo civil em alguma época do futuro” (Stepan, 1975:157). 0 recein de que nao haveria cleigies presidenciais em 1965 ji se fazia presente logo no primeiro mes da Revolugao pois naquele ‘A passagem do modelo unionista-auoritirio para o federalimo ertduaises | 61 Dito ¢ feito: em jutho de 1964 a Emenda Constitucional n.° 9 prorrogou 0 mandato do presidente até margo de 1967. A partir dai ficou cada vez mais dificil manter uma relagao sem atritos com a base civil, principalmente com a vinculada aos governa- dores dos trés principais estados do Sudeste. Castelo Branco tentou ainda costurar uma sustentacao poli- tica baseada na UDN, pois temia sobretudo os ataques oposicio- nistas do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, conhecido como “destruidor de presidentes” (Skidmore, 1989:92). Mas a linha dura militar continuava a defender a dilatagao do prazo de vigéncia da “politica negativa’, ou seja, do perfodo em que deveriam ser expurgados os politicos corruptos e “esquerdistas”” As pressoes da linha dura atingiram um governador que tinha dado apoio ao golpe: Mauro Borges, governador de Goids, da ala nacionalista-reformista do PSD. Os militares consideravam seu perfil “esquerdista” incompativel com os propésitos “anti-sub- versivos” da Revolugao e portanto cassaram seus direitos politi- cos em dezembro de 1964 (Stepan, op. cit.:160). Nesse contexto, ficava quase impossivel manter uma convi- cia entre o regime de excegdo com uma base politica civil liberal. Mas a gota d’agua que levou o regime de vez para 0 autoritarismo foram as eleigdes para governador em outubro de 1965. Estavam em jogo dez governos estaduais: Para, Maranhao, Rio Grande do Sul, Paraiba, Alagoas, Minas Gerais, Guanaba- ra, Parand, Santa Catarina, Mato Grosso e Goids. Destes, os estados da Guanabara e de Minas Gerais eram os que tinham 0s pleitos mais importantes, dada a sua naturcza estratégica. A oposi¢do venceu nos dois estados, com Negrao de Lima na Gua- nabara ¢ Israel Pinheiro em Minas Gerais’, Perdiam 0 Governo Federal e os governadores Carlos Lacerda e Magalhaes Pinto. momento Lacerda, como relatam Carlos Estevam Martins & Se- bastido Velasco, “|... ouvia de um procer da UDN a sugestiao de que deveria abdicar de sua eandidatura e, recusando-a, com toda razio atalhava: “Ora, se comegamos por abrir mao da candidaturada UDN, provavelmente a de Juscelino ado vai existir, entao nao havera candidato; entao nao havera eleigdes” (Martins & Velasco ¢ Cruz, 1988:27), ‘Ao todo a oposigao conquistou quatre dos dez eatadoa em dispute aalém de Minas ¢ da Guanabara, venceu em Santa Catarina e Mato Grosso (ol, Moreira Alves, 1989-88), 62 | A passagem do modelo uionisa-autarero para 0 federaismo estadualista Os dois governadores oposicionistas s6 assumiram com uma condigao: 0 Governo Federal teria 0 direito de indicar os secre- tarios de Seguranga dos dois estados. Tendo aprendido a ligao do golpe de 64, quando Carlos Lacerda e Magalhaes Pinto usa- ram suas milicias estaduais contra o presidente, o governo mi: litar precaveu-se. Como argumenta Maria Helena Moreira Al- ves, “as policias militares foram postas sob direto controle do Exército, pasando a ser comandadas por um general. Assim foi que as policias militares dos Estados passaram a ser controla: dos pelo governo federal, num aparato repressive cada vez m: centralizado” (Moreira Alves, 1989:89). Essa medida nao foi suficiente para abrandar os finimos da linha dura militar. Instituiu-se entio dois Atos Institucionais no dia 27 de outubro de 1965, apenas catorze dias depois das eleigies para governador, o AL-2, que entre outras coisas extin- guia os partidos existentes e tornava indiretas as eleigies para presidente e vice-presidente, e como complemento dessa medi da, em fevereiro de 1966, 0 AL-3, que tornava também indireta a eleigao para governador de estado. A partir desse momento, nao haveria mais um regime institucional hibrido, com elementos do sistema politico do pré-64 convivendo com as regras de exce- so do governo militar. Seria criado novo sistema politico, desti- nado a impedir toda forma de oposigao, a tornar as decisées do Poder Central incontrastaveis. Enfim, estabelecia-se um regi- me autoritario, sem data de entrega do poder aos civis. regime autoritario tinha como diretriz basica a maior cen- tralizacao possivel do poder politico e das decisées econdmicas ¢ administrativas na esfera do Governo Federal, e dentro deste * Apos a eleigao dos dois governadores oposicionistas em Minas Ge- raise Guanabara, 0 regime autoritsirio passou a controlar a trea de seguranga dos estados. Como mostra Brasilio Sallum Jiinior, algumas medidas foram tomadas neste sentido: primeiro, os co: mandos das policias militares comegaram a ser exercidos por ofici- ais do Exéreito; segundo, as policias militares foram subordinadas a um 6rgao federal, a Inspetoria-Geral das Policias Militares, vin- ceulada ao Estado-Maior do Exército; por fim, o exereicio das Secre- larias de Seguranga Pablica tornou-se privative dos oficiais do Exér- cito, Bm suma,“L_]as questies de seguranga dos estados fiearam submetidas as Forgas Armadas e i margem do controle dos gover adores” (ef, Sallum Jtinior, 19946). ‘A passagem do modelo unionista-autontirio para © federaismo estadualita | 63 nas maos do presidente da Republica, Dessa maneira, o regime militar seguiu 0 padrao Varguista de organizacao do poder, ca- racterizado pola hipertrofia do Poder Executivo Federal e pelo fortalecimento da Presidéneia da Republica como o centro poli- tico do sistema, acentuando mais seu carter autoritario®, Para construir tal modelo de organizacao do poder, era preci- so ter sob controle o sistema partidario, os sindieatos, a partici- pacio popular e a Federacao. Como se procurou mostrar até agora, foi dos estados, e mais especificamente de seus governa- dores, que surgiram os maiores focos de resisténcia ao comando do governo militar. A derrota do governo na cleigao para gover nador em 1965 em dois dos mais importantes estados da federa- 40 foi o fato propulsor para o endurecimento do regime. Para manter a unicidade de comando do Governo Federal, regra ba- sica de um regime autoritrio, era essencial, portanto, restrin- gir a autonomia federativa e fortalecer a Unido. Por isso, deno- mino o modelo de relagoes intergovernamentais do regime mili- tar de unionista-autori O regime militar teve assim no modelo federativo um de seus, alicerces principais. Nesta mesma linha de raciocinio, sustenta Brasilio Sallum Jr. “Dentre os mecanismos que cumpriram o papel de homo- geneizar a vontade politica da camada dirigente, a nova for- ma de Federagao, com estados ¢ municipios menos autno- mos em relagaio A Unido, desempenhou o papel mais relevan- te, Muito mais que o novo sistema partidario, apesar da aten- <¢ao muito maior que esse tem recebido da pesquisa académi- ca” (Sallum Jhinior, 1994:3). ‘O modelo unionista-autoritario de relagdes intergovernamen- tais montado pelo regime militar tinha trés pilares: o financei- ro, 0 administrativo e o politico. Do lado financeiro, 0 modelo visava centralizar ao maximo as receitas tributdrias nas maos 0 Varquista, Aspasia Camargo afirma que [J tivemos uma Era de Vargas com Vargas, uma Bra de Vargas sem Vargas e, finalmente, uma Bra de Vargas contra Vargas, na medida em que a hostilidade do regime de 1964 & sua heranca populiste nao or impodiu do reoditar ostrutura somelhante ao mo: delo autoritario que ele havia implantado, com ox mesmos objet vos nacionsil-desenvolvimentistas” (Camargo, 1992:8-9) Com relagao ao pa 64 | Apassagem do modelo unionsta-autoritirio para o federalism estaduaisea do Executivo Federal, dando-the controle quase que completo das transferéncias de recursos para os estados e municipios. O aspecto administrative, por sua vez, objetivava uniformizar a atuagio administrativa nos trés niveis de governo, guiados pelo planejamento central. E, por fim, do ponto de vista politico, 0 Goyerno Federal procurou controlar integralmente as cleigdes as governadorias, evitando que a oposi¢ao conquistasse as ma- quinas estaduais, Os militares sabiam que, mais do que os par- tidos, o grande contrapeso a agaio do Executivo Federal tem sido historicamente constituido pelos governadores. Esse modelo de relagdes federativas funcionou a contento até 1974, quando a Arena teve sua primeira grande derrota eleito- ral, numa disputa envolvendo as vagas nas Assembléias Legis- lativas, Camara Federal e Senado. A partir dai, o modelo unio- sta-autoritério entra em crise, que nao conseguiu ser detida e cujo desfecho foi o restabelecimento do poder dos estados no jogo federativo, ja em plena fase de redemocratizagao do pats. © apogeu do modelo unionista-autorit ario (1965-1974) Nesse periodo, a engrenagem federativa funcionou, em gran- de medida, conforme planejou o regime militar, embora houves- 8e, no que se refere ao aspecto politico, a necessidade de intro- duzir easuismos ao longo do trajeto. Mas mesmo com estes ca- suismos, 0 regime militar, até 1974, nunca chegara a perder 0 controle da “nau” da Federagio, O modelo unionista-autoritario tentou manter-se por meio da compatibilizagio — embora tensa —entre a ideologia teenocratica-centralizadora e até antipoliti ca presente na clite civil e militar do regime militar com a busea de legitimagao pela via cleitoral, baseada num esquema de pa tronagem estabelecido com os muniefpios do interior (ef. Medei ros, 1986). Mas, quanto mais o regime avancava no tempo, mais dificil se tornava a compatibilizacao da ideologia centralizadora ¢ anti-politica com os ditames da politica local brasileira, até ehegar a um ponto em que a manutengio desta estratégia ficou insustentavel. O declinio do modelo unionista-autoritario ¢ 0 inicio da redemocratizagao tem como um dos fatores explicati- vos mais importantes o fracasso de tal estratégia No aspecto financeiro, os militares fizeram duas macro-re- formas que atetaram dirctamente a dinamica federativa: a mus ‘A passagem do modelo unionista-auoriine para ofederaismo estadusista | 65 danga na sistemética orgamentiria v a alteragio do quadro tri- aa acabar com a extrema ios federais, tal eomo acon butario. A primeira mudanga vi pulverizagao dos recursos orgamen tecia no periodo pré-64, em razio da atuacdo “emendista” dos deputados em favor de suas regides. Esta praitiea dos deputados conflitava com 0 ideal de planejamento c racionaliz: tos piblicos propugnado pela teenoburacraeia do regime auto. ritério, Roberto Campos, um dos idealizadores das primeiras reformas financeiras feitas pelos militares, deserevia assim o nto do Congresso, em relagdo ao Orgamento no pe dos pas comportam riodo pré-64 “O Congreso havia se transformado cm ‘engenho da infla do’ ao multiplicar 0 orgamento de dispéndio, ¢ em “fator de distorgio’ de investimentos pela sua hipersensibilidade a pres ses regionais eapazes de destruir a cocréneia ¢ 0 equilibria de planos ¢ programas” (Campos, 1975:35-6). Para acabar com a influéncia regional no processo orgamen tério, tal como deserita acima por Roberto Campos, » governo militar pratic e retirou todos os poderes do Legislative em matéria or Por meio de certos dispositivas do texto constitueional de 1967 mantidos na Constituigao de 1969, 0 re gime autoritirio limitou “|... 0 Poder Legislative a tarefa de simplesmente autenticar o projeto de lei orgamentaria” (Serra 1990:85) Na realids medida 0 Governo Federal nao aca. bou com a influéncia regional, mas sim obteve 0 controle total do processo orgamentirio, transferindo a ago dos deputados para os ministérios, onde o poder de barganha dos parlamenta. res diminui. O Executivo Federal ganhou nao s6 maior liberda de orcamentaria, como também maior controle sobre os deputa dos e os chefes politicos locais, pegas fundamentais na estrutu ra eleitoral brasileira. Além disso, tal mudanga enfraquecia 0 esquema politico tradicional dos parlamentares, pois os chefes locais muitas vezes organizaram suas demandas de forma in- dependente dos deputados de suas regides. Os chamados “ancis burocraticos” (Cardoso, 1975) tinham como uma de suas fin, cies ser o focus das demandas paroquialistas, Mas a grande mudanga no aspecto financeire do federalisine foi efetuada pelo processo de reforma tributiiria, intezado com a Emenda Constituciona n° 18, de 1965, ¢ consolidada com a Lei 66 | Apassagem do modelo unionists aurorittio para o federalism estadita 5.172 de 25 de outubro de 1966, eriadora do Cédigo Tributirio Nacional. Com pequenas alteragoes, a Constituigao de 1967 con firmard as diretrizes gerais adatadas (Oliveira, 1980-50). O re sultado dessas reformas foi uma maior centralizagio das resei tas tributérias nas mos da Unido, além do aumento do cantro- ledo Governo Federal sobre as transferéncias intergovernamen- tais. Oente federativo mais prejudicado com a nova realidade tri- butaria foi o estado-membro. O objetivo do governo militar ara claro: o enfraquecimento financeiro — como também adminis trativo e politico — inviabilizaria o exercicio pelas unidades os- taduais da fungao de contrapeso ao Poder Central, o que histo camente foi norma no federalismo brasileiro "As perdas dos municipios foram menores e, além do mais, 0 Governo Federal procurou transferir recursos dirctamente para cles, de forma tutelada, seja pela via das transferéncias nezo- ciadas, seja a partir do Fundo de Participagio dos Estados Municipios (FPEM), buseando vincular parcela signficativa dos recursos transferidos a determinados gastos. Nesta estratégia do regime militar, a intensificagao das relagées financeiras en. tre a Unio o os municipios procurava trazer o poder local pera a esfera de influéncia do Governo Federal, retirando um cos maiores poderes do governo estadual, qual soja, o controle peli. tico-econdmico da esfora municipal 0 fortalecimento da Unio e 0 enfraquecimento dos estados na area tributéria podem ser confirmadas pelas didas adotadas — Na nova ordem fiseal, a Unido ficou com dez impostos eos estados ¢ os municipios com dois cada. O Governo Federal ad quiriu dois impostos que na estrutura anterior pertenciam as unidades subnacionais — o de exportagao, que ora important's. sim para os estados, 0 mposto sobre propiedad rural que era dos municipios, — Somente a Unido ora facultado criar impostox novos, ti rando dos estados e municipios a competéncia residual de de- cretar tributos existente na Constituigio de 1946 -guintes me- * Palas infor fran retiadasbasicamente dos Lextox le Ol veira (1980) ¢ Afonso (1989). Heo ‘A passagem do madelo unionsta-autonitino para © federalismo estadualisa | 67 — 0 Governo Federal fortaleceu a tributagao que era imune a distribuigao constitucional aos estados e muniefpios, como 6 1OF e de contribuigies sociais; — Foi transferido para 0 Senado 0 poder que as unidades estaduais desfrutavam de estabeleccr livremente as aliquotas de seus impostos (ICM e ITBD), tendo o presidente da Repablica poder de fazer propostas, significando na pratica que a deci sio iiltima era do chefe do Executivo Federal; Alegando interesse nacional, a Unio concedeu uma série de isenges de impostos estaduais para diversos setores econd: micos ‘Aconcentragio dos tributos nas maos da Uniao resultou num aumento de sua receita tributaria no PIB, que saltou de 6,85% em 1965, para 9,73% em 1974 (Oliveira, 1980:51). Para compen- sar a perda de receita das unidades subnacionais, foi eriado 0 Fundb de Participagaio dos Estados ¢ Municipios (FPEM), cujos recursos provinham de tributos da Unio, mais especificame de parcela do Imposto de Renda (20%) e do Imposto sobre pro- dutos industrializados (20%), sendo que metade de cada quota parte dos tributos cabia aos municipios (10% do [Re do IPD), ea outra metade cabia aos estados (10% do IR e do IPI). A maior parte das transferéncias, no entanto, obedecia a vinculag: tabelecidas pelo Poder Central. Os eritérios de rateio eram po- pulagao e rendaper capita, beneficiando as Regides mais pobres do pais, Os municipios também recebiam 20% do total arrecado do ICM, imposto estadual, que podiam ser gastos livremente. Esse ponto merece atengao, porque enquanto as transferéncias da Unido as unidades subnacionais eram feitas com vinculagdes impostas pelo Poder Central, os estados transferiam recursos sem nenhuma vinculacao. Dessa forma, estabelecia-se uma re- io de dependéncia dos municipios com a Uniao, ¢ nio com os estados ¢ seus governadores (Sallum Jtinior, 1994:8). O regime militar pretendia romper a antiga dependéncia dos municipios com 0 governo estadual, que era um dos principais pilares do poder dos governadores, No seu lugar, procurava-se estabelecer uma dependéncia do poder local com 0 Exccutivo Federal, Com 0 endurecimento do regime em 1968, novas medidas fo- receitas, aumentar 0 con- ram tomadas para centralizar mais o trole no repasse dos recursos ¢ estreitar mais a autonomia tri 68 | Apassagem do modelo unionsta-autortvio para o federalism extadualisa butaria no nivel estadual. Reduziu-se, através do Ato Comple- mentar n." 40, em 50% 0 quantum a ser repartido &s unidades subnacionais no FPEM’; introduziram-se mais vinculagies 2 exi- géncias de elaboragao de projetos por estados e municipios para liberagao de recursos federais; foram estabelecidas concessbes indiscriminadas de incentivos fiscais dos impostos estaduais ¢ municipais; aumentaram as transferéncias negociadas — ex- clusivamente definidas por critérios politicos — para as esfer inferiores de governo e houve uma diminuigao progressiva das aliguotas do ICM (ef, Afonso, 1994 e Oliveira, 1980:50-1) resultado destas mudai las na Ta- mos das na Ta. is podem ser visualiz Tabela I. Reertastributarins liquide tre eaferae de governo 1968/1915 (7) foe Estos? Mantis 1968 425, be inn wo ua 197 m5 Ba Rece - davai tributiiria dos estades, menos transfe : " Receitatributéria das munieipias, mais transferdncins da Unio # dos ead. Fonte: Adaptade de Olivers, 1998 16 Como se vé, entre 1965 ¢ 1975 a Uniao obteve acréseimo de cerea de 11% em sua receita, os municipios tiveram pequeno aumento (0,8%) ¢ os estados perderam aproximadamente 12% Porém, o Governo Federal criou algumas contrapartidas finan ceiras, exatamente porque precisava do apoio eleitoral das eli- tes politicas estaduais ligadas ao governo, Dada a necessidade de conseguir legitimagao eleitoral, mesmo que fosse para um © Ato Complementar n. 40 também eriou um Pundo Bspecia de auxilio ao Norte e Nordeste, com recursos provenientes do [Re do IPI — 2% do total arrceado dos dois impostos. A eriagio do Pando Especial visava aumentar o controle do Poder Central sobre esta regives, especialmente porque 40% dos recursos transferidas nao tinham enitérios prefixados de distribuigio, eabendy a Uniay re pasar livromenta ortes: recursos, O controle deasns duas regides hormalmente afeitas ao governisme, era fundamental para ajudar 6 governo afer uml mitioria segura no Congreso, ‘A passagem do modelo unionista-autoriirio para 0 ederalsmo estaduaista | 69 numero restrito de cargos eletivos, nao seria possivel para 0 re- ime militar deixar os estados “a pao e agua". Ademais, a dis- tribuigao de recursos as unidades estaduais foi pautada pela ia de conquistar aliados, dando tipos diferentes de con: srgao fe- estra trapartidas financeiras, dependendo do porte e da ins derativa do estado beneficiado. Os estados das Regiées Norte, Nordeste ¢ Centro-Oeste fo- ram os mais beneficiados pelas transferéncias negociadas e pela reparti¢ao dos recursos do PEM, cujos eritérios eram de cunho redistributivo, Lawrence Graham, analisando os anos de 1970.¢ 1975, mostra que a parcela das transferéncias federais consti- tucionais representava grande parte da receita dos estados da Regiao Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ocorrendo 0 contrério no Sul e Sudeste (Graham, 1990:89) Nas regides mais ricas foram usadas, de forma secundaria, as contrapartidas financeiras das transferéncias negociadas — em menor grau —e do endividamento externo, embora este til timo ainda tivesse, até 1975, controle rigido do Governo Federal (cf. Biasoto Junior, Passanezi Filho & Guardia, 192:58). A gran- de contrapartida financeira era a manutengao de um modelo econémico com investimentos extremamente concentrados nos conglomerados industriais do Sudeste, Com relagao ao investi- mento do setor puiblico, os dados de Fernando Rezende sao defi- nitivos: em termos agregados, a Regio Sudeste concentrava, em 1975, 70% dos investimentos publicos federais (Rezende, 1982:515). E que, até esse periodo, o modelo unionista-autoritario man- tinha o mesmo padrao de investimento regional estabelecido pelo Estado desenvolvimentista desde sua origem, sendo a Regio Sudeste a mais beneficiada, sobretudo Sao Paulo, Nas palavras de Brasilio Sallum Jr, “Até 1973 a politica econdmica tratou basicamente de esti- mular as atividades econdmicas ja estabelecidas, [e] 0 desen- volvimento industrial continuou concentrado em Sio Paulo (cerca de 50% do produto industrial), tanto quanto o era no fim da década de 50” (Sallum Junior, 1994:15). Esse padrao econimico ¢ financeiro do modelo unionista toritzirio sobrevivera pelo menos até 1974. Mas, em ra mudangas de ordem politica, ele entrara em crise. No Ambito administrative, o process decis6rie no regime 70 | Appassagem do modelo unionists-sutortria para o federalism extaduasea militar tinha como diretriz contral a harmonizagao ¢ a homoge. neizagio da aco politica, definidas por um centro politico in- contrastavel. Nesse sentido, a atuagio do Governo Federal nao se resumiu ao controle financeiro e politico das unidades subna. cionais; houve também atuagao sistematica para harmonizar e homogeneizar a estrutura e a pratica administrativas dos esta dos e municipios. Esse objetivo administrativo foi guiado por duas coneepgses gerais de como deveria funcionar o sistema: primeiro, o Executivo Federal, por meio do planejamento cen- tralizado, deveria estabelecer as regras comuns a toda a Fe- deragao, de modo que compatibilizasse a ago das unidades subnacionais com os interesses estratégicos do Poder Central. Segundo, a Unido agiria diretamente nos estados e muniefpios, por intermédio de drgaos da Administragio Direta ¢ Indireta, em nome da modernizagao administrativa do pais ¢ da coopera’ cao entre as esferas de governo, quando na verdade a finalidade dessa medida era obter maior controle das atividades adminis- trativas dos governos estaduais e municipais ‘Tres razies fizeram o aspecto administrativo ter crucial im- portancia dentro do modelo unionista-autoritario: o enfraque- cimento quase que completo da autonomia politica dos esta- dos, a centralizacao da maior parte dos recursos financeiros nas maos da Uniao e a vigencia de uma visio administrativi ta — antipolitica por natureza — da elite do governo militar, que concebia as formas de integragao entre as esferas de go- verno como essencialmente administrativas. De fato, a arti- culagao entre os trés niveis de governo no regime autoritario se processou predominantemente por canais administrativos © nao em arenas politicas, pelo menos até 1974 (Medeiros, 1986123), Um bom exemplo da concepgaio administrativa do modelo unionista-autoritario pode ser encontrado no balango prcli- minar dos resultados econdmicos de 1970, apresentado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento ao Presidente Médici Neste texto havia um item intitulado “Articulagao com os Es tados”, 0 qual proctamava dois objetivos a serem atingidos: “1) Estabelecimento de mecanismos praticos e sistemati- cos para permitir a compatibilizagao entre o programa nacio- nal do desenvolvimento e os planos dos estados, para a obser- vancia de prioridades nacionais e para a atuagao cor ‘A passagem do modelo unionistassuoritirio para 0 federalismmo estadvasts | 71 respeetivas dreas das diferentes esferas de Governo, em su: de competencia. 2} Fortalecimento da orientagdo da atuagio integrada en- tre a Uniao e estados, no campo fiscal e nos prineipais seto- res. Em cada uma das prineipais areas eomuns de atuagio— Educacdo, Satide, Sancamento, Agricultura, Transportes, Comunicagies, Energia Blétrica ete. — sera definida divisao de trabalho e estabelecido esquema de cooperagio financeira e técnica” (apud Santos, 1971:123). Esse modelo de relagao intergovernamental foi chamado pela tecnoburocracia militar de “federalismo cooperativo” ¢ teve nos arranjos administrativos sua base de sustentagio, A “coopera- cio” entre as esferas de governo significava na realidade a im- plementagao de um modelo piramidal de relacionamento fede- rativo, em que a Unido subordinava os estados ¢ os municipios a0 seu comando, Nao cxistiam dois centros de poder autonomos (estado ¢ Unido) negociando as questées intergovernamentais, tal como no modelo do federalismo republicano, mas apenas um centro de poder comandando toda a engrenagem federativa Dessa maneira, o principio reinante néo era 0 da cooperacao mas o da subordinag: { modelo unionista utortirio so uiizava de quatro meca nismos para implantar sua légica administrativa, O primeiro era a expansio dos drgdos da Administragao Direta do Governo Federal com atuagio nas esferas inferiores de governo, criando ou reforgando os escritérios regionais dos ministérios. O segun- do mecanismo era a proliferagao de agéncias da Administracao Indireta atuando nos estados e municipios. Desde a implanta- a0 do Decreto-Lei 200, as agencias descentralizadas federais expandiram-se extraordinariamente, tornando-se um forte ins- trumento de intervengo econdmica do Governo Federal (Sallum ‘anior, 19948). . (0 Deereto-Lei 200 teve fundamental importancia no desenvol- vimento da estrutura administrativa implementada pelo regi- ‘me militar. A partir dele, expandiu-se a Administragao Indircta em boa parte do estados brasileiros. A concepgio do Deereto-Lei 200 era baseada no modelo francés de Administragao Publica ca é a da deseoncentragdo ¢ da delegagio de poderes fungdes, prépria de um pais unitario (Medeiros, 1986:166-7). Esse modelo respondia idealmente as necessidades do Governo Pe- 72 |. Apasagem do modelo unionista-autortiria para © federalizma extaduast deral de aumentar sua atuagao nas esferas subnacionais, jaque mantinha a eoordenagio geral do processo nas maos da Unio, sem correr 0 risco de ser atingida por arroubos autonomistas dor estadose municipiog, wa PO Stroubos autonomist Existiam ainda dois outros mecanismos importantes do mo- delo unionista-autoritério no ambito administrative, Um deles era o incentivo que o Poder Central dava aos estados para re- produzir a estrutura administrativa federal em suas maqu.nas pablicas. Isso era feito por consultorias téenieas que visavam conveneer as unidades subnacionais da “superioridade técnica” do modelo administrative do Executivo Federal. Porém, camo mostra Anténio Carlos de Medeiros, o prineipal fator que inzen- tivou os estados a copiar estrutura administrativa da Unidcera a maior facilidade de obter recursos téenicos e especialmente financeiros se eles se organizassem de forma sins tragao Publica Federal (Medeiros, op. cit.:16 O ultimo mecanismo administrative do modelo unionista-au- toritario foi o convénio. Destinado a oferecer assistencia técnica o, sobretudo, a transferir recursos financeiros, o mecanism» do convenio cra um dos pilares do que a teenoburocracia militar chamava de “federalismo cooperative". Por meio do convénio, os estados ¢ municipios se comprometiam a seguir a risca as dire- trizes federais em determinada politica publica, Bntretante, de cooperativo o convénio nao tinha nada. Primeiro porque a i tiativa sempre eabia it Unido e as unidades subnacionais rest: va apenas accitar ou nd Adminis: subnacionais resta. : os termos do convénio —e significava perder recursos valiosos, em tempos de gras” para os municipios e, especialmente, para os estados. Sc- sundo, para que o convénio fosse verdadeiramente um meca nismo cooperativo, no sentido que o federalismo republicano dé a essa palavra, os participantes deveriam seguir a lgiea da par- ceria®. Todavia, como nota Antonio Carlos de Medeiros: * Dentro do mares tebrice do federalismo republicano, Daniel azar Aine assim a login da parcria“Parcorta implica disribugas reat de poder entre varios centros que deve negocar arranjo co, Sperativos ung com oulros de fornia a obter shjelivos camuns” (Eten 10812 yt mens A stung dle frat rep as esforas de governo. es . aes ‘A passagem do modelo unionsta-autoriiro para o federasmo extaduasta | 73 “As relagdes entre estados e municipios com o governo cen- tral eram andlogas a de um cliente com um banqueiro: 0 iti mo sempre est numa posigao de poder. Parceria nao é um conceito adequado para descrevé-las” (Medeiros, op. cit.:17). ‘A elite tecnoburocratica justificava 0 modelo unionista-au- toritario com o argumento de que o regime procurava “moder- izat” o sistema a partir das decisoes do governo central. Contudo, om virtude da manutengao de eleigdes para alguns cargos, a Jdgica administrativista teve de conviver com os ditames da po- Iitica, E foram as dificuldades no reino da politica que come- ‘am a ruir a ostrutura federativa montada pelo regime mi- litar ‘No campo mais propriamente politico, 0 cerceamento da au- tonomia estadual foi um dos prineipais objetives do modelo unio- nista-autoritario. Depois da vitoria oposicionista nas eleigies para os governos da Guanabara e de Minas Gerais em 1965, 0 regime militar adotou, através do AT-3 (fevereiro de 1966), a regra da eleigao indireta para governador de estado. O impor- tante 6 notar, no entanto, que o AL-3 a Constituigdo de 1967 definiam como indiretas apenas as eleigdes para governador em 1966 ¢ 1970, estabelecendo que as cleigdes para as governado- rias estaduais seriam dirctas em 1974, A promessa de liberali zagao do regime esteve sempre presente e isso pode ser pereebi- do pela manutengao de eleigdes para o Congreso Nacional (de- putados e senadores), para grande parte das prefeituras, para as Cmaras Municipais e para as Assembléias Legislativas. A ‘competicao politica foi mantida porque o regime pretendia ter algum tipo de legitimagao cleitoral para poder controlar, quan do chegasse a hora, a liberal do regime. B por isso que juan Linz classificou caso brasileiro como uma “situagao auto- ritéria mais do que um regime autoritario” (Linz, 1973). (Os militares sabiam que o cargo de governador era pega-cha- ve na articulagao de qualquer contestagao ao Poder Central ¢ portanto sua eletividade s6 poderia ser readquirida quando fos- se possivel liberalizar o regime de forma controlada. Por isso, legitimagao cleitoral nao passaria por um bom tempo pela dis- puta dos governos estaduais, ‘A primeira cleigio indireta para governador apés 0 AL-3 foi ‘em 1966, quando estava em jogo a disputa em doze estados. O regime militar tomou todas as precaugdes para nao ser derrota TA | A passagem do modelo unionsta-autoritirio para federallmo estadualita do, tal como ocorrera em 1965. Antes do pleito, uma medida de impacto foi tomada: 0 governador de Sao Paulo, Ademar de Bar- ros, foi eassado, em julho de 1966. O pretexto utilizado foi a acusagao de corrupgio no exereicio do cargo de governador, mas oreal motivo era outro: a manutengao de um politico com enor- cia sobre suas bases, exatamente no principal estado cuja maquina publica estadual era fortissima, se- ria um obstaculo para a implementagao do projeto dos militares de controlar todos os governos estaduais. Bste episédio mostrou que o regime iria controlar as eleigies de 1966 a todo custo. A participagao da oposigao (MDB) no pleito foi limitada por duas razdes, Primeiro por causa da sua incapacidade de se or- ganizar em todos os estados da forma que previa a nova leg lagao partidaria. Em segundo lugar, a Lei das Inclegibilidades autorizava o impedimento da candidatura de todo politico cujo perfil oss consiorad inenmpative om a bjtivos da Revo Onde o partido do governo nao conseguia obter maioria, esta era “criada” para a Arena. O caso do Estado do Rio Grande do Sul ¢ paradigmatico nesse sentido, sendo cassados doputados do MDB para yarantira vitoria do governador ligado ao regime militar. Mas no Rio Grande do Sul essa acao foi interpretada como muito extremada, evando a abstencao deputados arenis- as que tinham sido do antigo PSD, quase permitindo a eleigao docandidato do MDB et Fleischer, 198622) A proxima eleigio para governador, em 1970, ocorreu num clima muito pior para a oposigao, pois o regime tinha endure- ido suas posigdes. Apés 0 AI-5, em dezembro de 1968, e com a escolha do General Emilio Garrastazu Médici para presidente aestratégia de controlar as cleigdes para os governos estaduais se foros mais rigid sobre porque subi a poder rp, entze oe militares que ais defen a fia de “Timpoza” do O regime percebera que mesmo com a diminuigao das auto- * Cf Morir Aves, 1989101, Maria Helena Moria Aves mostra ainda que somente nou Estado da Guanabara doze car ' IMD Uveram negudoo diveito de concarrer veleicus woh tncnae gio de “serem subversivos” (p. 101). yang aense ‘A passagem do modelo vnionista-atoriiro para 0 federalism estadvalsea | 75 0s governos esta- nomias financeira, administrativa e politi duais permaneciam como poderosas maquinas de fazer politica Isso porque a légica da patronagem, sustentada em larga escala nas maquinas estaduais, ainda permanecia como 0 nexo estru- turador das carreiras politicas no Brasil, embora de forma mais branda comparada ao periodo pré-64. Em outras palavras, ape- sar de nao poder ignorar por completo os projetos elaborados no Poder Central pela capula militar, a sobrevivencia da classe po- litica dependia fortemente da vinculagao com as redes politicas estaduais (Abrucio & Samuels, 1997:145). Portanto, © controle das governadorias deveria ser 0 mais estrito possivel, dado o seu impacto na carreira da classe politi- ca tradicional. Para aleangar essa meta, os militares percebe- ram que nao bastava ter eleigdes indiretas; era preciso eleger zovernadores de confianga, os quais preferencialmente deve riam ter poucos lagos com a estrutura democratica do periodo anterior ¢ também teriam de obedecer mais ao comando provin- do do Exccutivo Federal do que a logica da politica estadual. Nesse contoxto, o Presidente Médici procurou acompanhar passo a passo a escolha de todos os candidatos a governador pela Arena, influenciando diretamente 0 processo. Todos os ean- didatos vencedores das eleigbes indiretas passaram pelo crivo do presidente, incluido o tinico vencedor do MDB, Chagas Frei- tas (Guanabara), Mas ¢ importante notar que Chagas Freitas tinha excelente relacionamento com os militares, chegando a dizer que se considerava um homem do MDB a servigo da Revo lugio de 1964 (Diniz, 1982:56). ‘Médici procurou mudar 0 perfil dos candidatos ese Thidos, dando proferéncia aqucles com perfil mais téenico do que politico, Os chamados governadores-téenicos, como os denom na Wanderley Guilherme dos Santos (Santos, 1971:123), aumen- taram sua representagdio na nova safra eleita em 1970. Segun- do dados de Wanderley Guilherme, houve um aumento de du zentos por conto no nimero de governadores técnicos, passando deum em 1966 para cinco em 1970 (Santos, op. cit.:125). Carlos Castello Branco, ressaltando 0 mesmo fendmeno, diverge no entanto quanto aos dados. Para cle, seriam doze os governado- res com perfil tenico ¢ dez com perfil politico eleitos no pleito de 1970 (Castello Branco, 1979:602). Se divergem com relagao fos critérios e & quantificagio do ntimero de governadores-téc- 76 | A passagem do modelo unionista-auronitrio para o federalism estadualsta nicos, os dois autores concordam entretanto que houve impor: tante mudanga nos padroes de acesso as overnadoriag® O discurso que legitimava esta mudanea no padi tha dos governadores era oda “limpeza" di ado a uma visio administrativista e antipolitica do jogo politico. Na pratica, porém, havia algo mais do que a “limpeza” do sist. ma politico, Primeiro havia a necessidade de subordinar, peli. tica © administrativamente, o governador ao presidente. Essa posigio 6 bem exposta por Wanderley Guilherme dos Santos: ‘Consta que a cuidadosa selegao dos novos governadores los de 1970] teve por propésito garantir o entrosamento progra ‘atico dos nfveis federal e estadual. Pela escolha daqueles can. didatos mais afinados com 0 programa de aio do governo fe. deral ficaria o presidente da Reptblica assegurado de que a coneentragao de esforgos — nos dois niveis de governo — se fara de acordo com as prioridades que fixou, Politicamente, extingue-se aquela area de conflito entre os governo central ¢ estaduais, criada pela diversidade de énfases administrativas Dos novos governadores se espera pois que desempenhem sem desvios acentuados a parte que lhes cabe de conformidade com © planejamento global do Executivo” Santos, op. eit:123). Annecessidade de compatibilizar as agae: diretrizs io de esco- tema politico, lie dos estados com as da Uniao nao significou, em nenhum momento, a al- e profunda do status quo das oligarquias regionais ou da l6gica de sobrevivencia das elites locais. Recorrendo novamente © B muito interessante comparagio feta por Carlos 6 4 comparagi feitapor Carlos Castello Brae cot processo de escola dos governadaresnogoverno Castelo Bron, co-ena gestan de Metir Bles adotaram una ineteecen one saram apoiar a candidaturas de militares da ativa para as gover a © primeito president da Revoluge [Castelo Broweslenearealon soligis pias, compondo em ada Estas ae hegee ee tm toruode politicos de transitorevoluconanio Tae enti dente IMedieil prefere o apolitico,o tecnico, certo de que a terete mas algo que possa envolver um diploma de engenheiro, de econo. mnistaou de administrador Com ateeGeea ete eco concr natrecaeoenlment poltica do posto yvere sor manana preference pr lee ms td smn Leenacrico” (Castello Bronce ‘A passagem do modelo unionstaautontinio para federalismo extadualia | 77 a Carlos Castello Branco, cito uma passagem um tanto longa, porém extremamente esclarecedora neste sentido: “Seria, portanto, impostura admitir que, com o método ado- tado para selecionar governadores, 0 governo da Republica pretendess yar com as oligarquias. Nem 0 General Mé- dici nem seu assessoramento alegam tal propésito. O que eles parecem pretender ¢ ter nos Estados homens de confianga do sistema revolucionario tal como ele existe na sua fase atu: pois alguns dos eliminados de hoje ja haviam sido benefici dos por critérios revoluciondrios de fases anteriores. |...]. De qualquer forma, nao esté havendo quebra de equilibrio de poder, em termos sociais ¢ econémicos nos diversos Estados. Haverd, no maximo, uma circulagdo de valores individuais, promovida pelas prevenges pessoais ou pelas alternativas dos fichérios do SNI.” E continua comentando sobre as eleigdes de 1970: “As oligarquias, onde existem, nao se abalam com as mu- dangas que o presidente esta fazendo. Os futuros governado- ros seréo rapidamente absorvidos pelo sistema local de po. der, pois nao 0 contradizem em nada. As oligarquias estao tranquilas e a ordem econémica ¢ social néo esta ameagada” (Castello Branco, op. cit.:502). Mas por que o regime militar nao alterou a légica oligérquica da politica brasileira? Em primeiro lugar, porque foram manti- das as eleigdes nas quais a base local definia os vencedores: de- putado federal, deputado estadual, vereador e para prefeito, elei- goes marcadas, de modo geral, pela patronagem e pelo estilo “coronelista” de fazer politica", Além do mais, os “governadores A importancia da base local para os politicos brasileiros do period «que em grande medida ainda vale para o momento atwal ~ 6 bem focalizada por Margaret Sarles: “Embora sejam legalmente cleitos pela circunserigio estadual, os politicos sio (realmente) elei- tos pelos municipios. Tipicamente, um deputado federal obtem 85% fou mais de seus votos de dois ou trés muniefpios adjacentes ¢ rece be pouquissimos votos no resto do estado. Os candidatos devem explicitamente se considerar como representantes de um ou dois municipios durante a campanha eleitoral. Para veneer as ele: los cortejam a elite politica local e trabalham suas campanhas e conjunte com o eleitorado que regularmente os elegem. Mesmo du rante 05 dias mais repressivos do regime militar, 08 politicos passagem do modelo unionistz-auortirio pars federalsmo estadvatsa bidnicos” nomeavam os prefeitos das capitais, os vinieus plei nos quais poderia haver uma disputa menos marcaa pela are tica politica oligarquica — Segundo argumenta Antonio Carlos de Medeiros, “[.1 s wits lce gatas ee no Congresso, necessiria para reivindicar legitimidade parcial cao inter-clites” (Medeiros, op. cit.:140), 0 Governo Federal utilizou-se da patronagem c foi até muito bem-sucedido nas eleigdes de 1970, para o Congresso Nacional enas de 1972, para prefeitos e vereadores. Para a Camara Fe. dora, «Arena elegew 220 deputados contra 80 do MDB, ja nas cleigdes municipais de 1972, 0 partido governista obteve 92% genharia eleitoral foi construda para dar suporte A estratégia dle patronagem nas eleigées com base local (Skidmore, 1989:227) Mas seria praticamente impossivel manter por muito tempo o esquema de patronagem na grande maioria dos municipios logica de atuagao nacional a classe politica, por meio do fortale- cimento da edipula partidiia nacional, nem constituir um me. canismo para reproduzir nas maquinas publieas estaduais as iretrizes de Brasilia, uma vez. que fracassara a estratégia di governadores-téenicos, Qual a razao desse fracasso? O sucesso de curto prazo da estratégia dos governadores-téc- nicos, na verdade, semeou o seu préprio fracasso. [sso porque os nallitares quiseram que as elites estaduais engolissem “goela abaixo” os governadores nomeados pela cdpula governista, os quais também procuravam escolher o secretariado pelo eritério ee ‘avaum seus clos com os lideres patiditon inate Ba ene cee tc gralmeste nto seafstavam da palin muneipaly eo vin. alos pssoais entre os politicos leas estaduaiee fakes de oon n al drea cram mantidos” (Sarles, 1982:51). . CE Skidore, op ct:220e Medio, op t60.Antnio Cats Medeiros contabiliza de forn a as elaold regime nas eleigdes municipais de 1972: a Arena «l eeu 349 prefeitos ¢ 29.331 vereadores enquanto o MDB s6 consegu eleger 436 prefeitos ¢ 5.936 vereadores (p.136). caae siduamente reno- [A passgem do modelo unioniste-aucritirio para o federatimo estaba | 79 aminhava nesse sentido, meramente téenico™. Quanto mais se mais aumentava o descontentamento das clites estaduais. Tal situagaio criava grande problema para o regime, uma vez que a manutengao de eleigdes cuja substrato era subnacional tornava os militares dependentes da classe politica local para organizar ‘a campanha dos “escolhidos” — governadores e cm alguns casos senadores, Alm do mais, era preciso recrutar eandidatos para os demais cargos, que eram, ressalte-se, estratégicos para o bom desempenho nas eleigées majoritérias, e novamente a eapula da Arena precisaria dos arenistas locais. Resultado: o crescente ia imposta dos “governadores descontentamento com a estratégii tGenicos” afastou diversos politicos da linha de frente das cam- panhas arquitetadas em Brasilia (Abrucio & Samuels, 1997:147). Dessa tensio nascia importante divistio na Arena, ignorada pela literatura sobre o periodo: de um lado estava a Arena [isto 60 grupo mais vinculado ao Poder Central e aos entao governa dores; de outro, a Arena II, constituida por boa parte da elite politica estadual que se sentia alijada do processo politico. Até o gover Médici a tensao foi mantida sob controle. O go Geisel tentou ainda interferir na escolha dos governador jando a elite local. O resultado foi eatastréfico para o regime, ‘evidenciando o fragasso da estratégia de controle da Federagao. ‘Se havia problemas em tentar interferir nas eleigbes basea- das nos municipios interioranos, a dificuldade maior estava no pleito ao Senado, no qual o voto dos grandes centros urbanos tinha mais peso. Isso porque as cleigdes em que os centros urba- nos tém importancia fundamental sao normalmente regidas por tematicas mais nacionais c, principalmente, pela légica situa- cio versus oposigao. Essas eleigbes, portanto, pode amargas derrotas para o regime, tal como ocorrera nas eleigdes de 1965 para governador na Guanabara ¢ em Minas Gerais, em que a disputa se transformara num plebiscito sobre as medidas econdmicas ortodoxas tomadas pelo governo. Por essa raziio, as 1s Um caso tipico foi o de Minas Gerais, onde o governador Rondon Pacheco — ele proprio um “téenico” — nomeou um secretariado cujas posigoes estravegicus foram ocupadas por téenicos desvin Culudos da elite politica tradicional, gerando grande tensao (Cf. ‘Abrucio & Samuels, 1997:146). 80 | Apassagem do modelo unionista-utoritiio para federslime esadvalsta eleigéies para prefeito nas capitais e para governador se torna ram indiretas, mas por erro estratégico permaneccram as elei- gdes ao Senado. A oposicdo, no entanto, nao conseguiu eapita near 0 apoio dos grandes centros urbanos nas eleigdes ao Sena- do em 1970, quando seriam renovados dois tercos daquela Casa legislativa. A Arena teve uma contundente vitéria nesta elei Go, conquistando quarenta cadeiras, enquanto o MDB obteve apenas seis, Ebem verdade que as eleigdes ao Senado em 1970 foram até- picas. Elas tinham sido realizadas sob um fortissimo elima re- pressivo. No inicio de novembro, més da eleigao, os militares langaram nas grandes cidades a “Operagdo Gaiola” que pren deu 5.000 “suspeitos” (Skidmore, op. cit.:228). Além disso, a m: quina governamental ligada a Arena foi usada para boneficiar seus candidatos de forma acintosa. Como observou Maria D’Alva Kinzo, “|... 0 controle exercido pelo governo sobre o proceso eleitoral talvez tenha sidoo mais estrito jamais ocorrido no Bra- sil” (Kinzo, 1988;135). Mas ¢ importante lembrar que a contun. dente vit6ria da Arena foi acompanhada por um indice enorme de votos em branco — 22% para o Senado —, refletindo 0 des- contentamento da populagdo com o regime, notadamente nos centros urbanos, A proxima eleigao envolvendo a disputa pelo Senado (1974) teve perfil completamente diferente, favorecendo a oposigao, seja pelas mudaneas no panorama econdmico, soja pelo osgotamen- to da estratégia de interferir no proceso politico estadual. As analises da eiéncia politica brasileira apontam essa eleigao como decisiva para o processo de liberalizagio. Porém, poucos analis tas percebem a importancia da eleigéio de 1974 para a mudanca da estrutura federativa vigente no regime militar, como se dis- cutira na proxima segao. Antes de comegar a terceira segaio deste capitulo, problemat zo brevemente o argumento desenvolvido na segdo que pa: Basicamente, © que tentei mostrar foi que 0 objetivo do modelo unionista-autoritario era tornar o poder do Governo Federal in= contrastavel no jogo federativo. Para isso, o principal instru. mento utilizado foi o enfraquecimento da autonomia quase anulando-a, subordinando as unidades estaduais aa co mando do Poder Central. O enfraquecimento da autonomia es tadual tinha alvo preciso: retirar o poder dos governadores, gran. aucoritirio para federalsmo esaduaisa | BI A passngem do modelo unionist para of 1 de contrapeso ao Governo Federal a0 longo de nossa historia federativa, Da intervengao do Governo Federal na autonomia estadual podemos tirar duas conclusoes * Apesar de ter praticamente acabado com a autonomia politi- ca dos estados, 0 Governo Federal teve de algum modo de le em conta ax demands das elites econdmieas «politias rego- ,0 que comprova o peso desses grupos na politica brasileira, pois mesmo em periodos autoritaios, pelo menos desde a Pri, meira Repiiblica, o Poder Central nao consegue fazer importan- tes reformas sem o minimo de aquiescéncia das elites regionais, No regime militar, néo houve exclusio das elites de nenhu: ma Regiao no pacto federativo; 0 que houve foi uma distribuigao de “prémios” diferenciados, revelando certa hicrarquia federa- tiva, mas provando que para governar 0 pais nao basta ter apoio dos dois ou trés estados mais ricos ou dos estados normal- mente governistas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No auge do modelo unionista-autoritario, 0 Sudeste e especificamente Sio Paulo continuaram sendo 0 pélo mais desenvolvido da ect nomia brasileira. Isso nao impediu que o Norte receb aporte econémico grigantesco com a criagio da Zona Franea de Manaus, e que o Nordeste continuasse a ser extremamente pri- vilegiado pelas transferéncias da Unido, sejam as do FPEM, sejam as transferéncias negociadas. Mas é preciso acentuar que o desenvolvimento econdmico continuou a ser espacialmente concentrado na Regio Sudeste, mantendo a mesma prioridade que o Estado Varguista-desenvolvimentista possuia desde sua origem * O projeto de“modernizagao” da Fede I delo unionista-autoritario nao reformava o essencial, isto é, nao alterava a forma de fazer politica na esfera estadual. O esquema da patronagem tinha de permanecer se o regime quisesse obter a leyitimidade eleitoral. Os dois fatores que poderiam ter mudado esse estado de coisas, a criagdio de um partido verdadeiramente acional e a substituigso das antigas elites por novas vinculadas aos “governadores téenivos”, nao lograram exito, Pior: o Governo Federal deixou uma brecha para a volta do poder das maquinas ostaduais, Av mesmo tempo em que a Unis aumentava o controle das politicas piiblicas das unidades sub- nacionais pela via da Administragao Indireta, crescia o numero io proposte pelo mo 82 | A passagem 60 modelo unionsta-autorititi para o federalism extadualis de servidores puiblicos da Administragao Direta dos estados municipios". O importante 6 sublinhar que as Administragdes Diretas estaduais continuaram sendo o principal locus de pa- tronagem na esfera subnacional, Por isso, enquanto 0 Governo Federal tivesse o controle das governadorias 0 poder de patro- nagem das Administragdes Diretas estaduais seria usado a fa- vor do regime; no momento em que o regime perdesse 0 controle das governadorias, as maquinas estaduais tornariam mais difi- cil a manutengao do esquema de patronagem baseado na rel 40 Unido/muniefpios. E ai estariam armadas as condigoes para a volta do poder dos governadores. A crise do modelo unionista-autoritario (1974-1982) A posse do Presidente Ernesto Geisel trazia os “castelistas” de volta ao poder, e com eles a esperanca de liberalizagao do regime. A estratégia pensada para liberalizar o regime passava por dois atos interligados: 0 controle o posterior isolamento da linha dura das Forgas Armadas ¢ o estabelecimento de uma alian- ¢a com setores politicos regionais que ajudassem a estruturar, pouco a pouco, o caminho da liberalizagao. Os dois atos eram interligados na medida em que para retirar a influéncia da li- nha dura militar era preciso ter aliados civis fortes para legiti- mar a nova coalizio de poder. Esses aliados regionais scriam instalados nas governadorias estaduais, onde dariam suporte a0 projeto de Geisel Os novos governadores escolhidos por Geisel teriam, portan- to, de possuir perfil diferente dos governadores-téenicos da cra Médici, pois precisariam ter experiéncia suficiente para ajudar a conduzir o processo de liberalizacao. Aureliano Chaves em Mi- nas, Paulo Egidio Martins em Sao Paulo e Sinval Guazelli no Rio Grande do Sul preenchiam esse requisito, além de terem orientagao politica liberalizante (Sallum -tinior, 1996:15). Mes- mo com esta preocupagao de nao escolher eandidatos completa- mente desvinculados do sistema politico, Geisel cometeu o erro ‘+ Enquanto em 1950 a Unido tinha 50% dos funcionarios puiblicos do pais, em 1973 ela possuia apenas 35,45, estando o resto nos esta dos ¢ municipios, particularmente em suas Administragies Dire tas (cf. Medeiros, op. eit.:182). ‘A passagem do modelo unionista-autontirio para © federalsmo esadualista | 83 baisico da estratégia dos “governadores-técnicos": nav consultou a elite politica estadual e acabou escolhendo candidatos que ti- nham pertencido a UDN no pré-64 exatamente em trés estados om que o udenismo nunca fora a principal corrente pol Aescolha desses governadores visava controlar nao s6 0 pro- cesso de liberalizagao como as demandas por descentralizagio do poder. Em novembro haveria eleigdes para deputado esta- dual, deputado federal e senador, ¢ existia grande confianga na possibilidade de essas eleigdes abrirem o caminho para nova et pa do regime. Como relatam Carlos Estevam Martins & Sebas- tido Velasco e Cruz: “Certo da vitoria, Geisel investiu pesadamente nessas clei es, que deveriam desempenhar um papel crucial na efeti vagao de seu projeto: confirmado nas urnas 0 apoio popular a ‘obra da Revolugao’, o ano seguinte seria dedicado a tarefa de institucionalizagao do regime, as esperadas reformas” (Mar- tins & Velasco c Cruz, 1983:49). 0 resultado da eleigao de 1974, entretanto, foi uma surpresa para os estrategistas politicos do regime. Isso porque até quase as vésperas da eleigio era dada como certa uma vitéria folgada para a Arena, mesmo por membros do MDB (cf. Skidmore, 1988:34). Mas o resultado final representou um aumento dos votos e das cadeiras do MDB no Congreso, ocorrendo 0 contra- rio com a Arena, O MDB quase dobrou sua representa CAmara passando de 87 para 165, ao passo que a Arena caiu de 223 para 199. No Senado, o MDB aumentou de 7 para 20 sena- dores, e a Arena perdeu 13 cadeiras, caindo sua representagéo de 59 para 46 scnadores, Embora a Arena permanecesse ainda com a maioria nas duas Casas legislativas, 0 impacto simbolico da eleigao foi muito gran- de, especialmente porque o MDB venceu no total de votos para senador, que era o melhor indicador da opiniao nacional. Ade- mais, a votagao do MDB, em ntimero de votos obtidos, cra a maior desde 1966. ( eleitorado dos grandes centros urbanos votou plebiseitaria- mente contra o governo"*, Em alguns estados, embora ainda de © Cf Lamounier, 1988:114, Bolivar Lamounier aponta trés razdes patra que 0 voto dos centros urhanos fosse contrario ao regime mili 84 | A passager do modelo unionista-autortiria para o federabuma estadualata forma secundaria, 0 fortalecimento das organizagies partida. rias locais do MDB também teve importncia — a experiéneia paulista foi o exemplo mais acabado desse fendmeno. Se naque- Je momento as organizagbes partidarias locais emedebistas ti veram importancia secundaria, posteriormente elas aumenta iam seu poder de influéncia, tendo importancia crucial na el2i- ao de 1982 Além do carater plebiscitario, a derrota nas eleigbes ao Sena. do explica-se pela imposi¢ao, novamente, de candidatos de con- fianga do Governo Federal, & revelia das preferéncias da elite adual. A chamada Missao Portcla, antes do que uma negocia cao, foi uma tentativa de mostrar quem realmente mandava Em Sao Paulo, por exemplo, a Arena local (Arena IT) tinha como candidato a governador o ex-ministro Delfim Neto, que fora pre- terido em favor de Paulo Egidio. Apés engolir este candidato, os arenistas paulistas tiveram ainda de abandonar a pretensaode escolher 0 candidato ao Senado — os mais fortes dentro do par- tido eram Ademar de Barros ¢ Paulo Maluf —, sendo “nomea- do” Carvalho Pinto, nome sem nenhuma expresso no partido, descontentamento gerado por essa ultima escolha resultou no apoio de importantes lideres locais da Arena a candidatura de Orestes Quércia, do MDB (Martins, 1975). Para 0 Governo Federal, os resultados da eleigio de 1974 ti- veram trés eonsequéncias —O governo alteraria o timing das mudangas, tornando-as mais lentas, — 0 Poder Central, para manter o proceso de libe controlado, teria como melhor saida o estabelecimento de alian- ‘cas estratégicas com atores que dessem respaldo ao governo no Congreso e junto aos grupos econdmicos e servissem ainda como anteparo as criticas da oposicao. Os alvos preferenciais des: aliangas estratégicas continuariam a ser os governadores de s- lizagio Jar: inicio de um processo de reversiio nas expectativas eeondm- cas da popularao que haviam sido excessivamente estimuladas pelo aparato publicitario do “milagre econémico"; a ruptura di aparen cia monolitica e invulneravel do sistema, como fruto da propria da abertura politica; ¢ 0 éfeito do use livre da TV pela oposi¢ao, que soube eapitalizar a forga dos meios de comunica- cao de massa a seu favor (p. 114-5), promogae A passagem do madela unionista-avtoritivio para 0 federalism extadualita | BS tado, tal como inicialmente pensara Geisel. Os governadores, dado sua posigao estratégica diante da classe politica e dos gru- pos econémicos regionais, deveriam ser, no modelo Geisel-Gol- bery, fidis aliados do Governo Central; — 0 resultado das eleigdes de 1974, contudo, aumentou poder de barganha dos governadores arenistas, ¢ eles tentaram tirar 0 maior provcito disso, jogando sempre com a possibilida- de de fortalecimento das oposigdes nos estados. Os governado- res da safra de 1974, mesmo tendo sido eleitos indiretamente, eram bem mais fortes do que os indicados em 1970. Os governa- dores aumentaram seu poder de pressdo, mas nao para entrar em rota de coliso com o Governo Federal, Os governadores e as elites governistas estaduais, pelo menos até 1982, negociavam com a Unido fandamentalmente para obter maior soma de re- ‘cursos e nao para se restabelecer a autonomia politica estadual ‘ou se redemocratizar 0 pais Nesse novo quadro, o Presidente Ernesto Geisel e depois idente Joao Figueiredo tomaram algumas medidas econd- mico-financeiras e politicas a fim de obter apoio politico neces rio para controlar o proceso de libe a0 pelo ‘menos para apaziguar as criticas de setores descontentes com 0 regime. Em primeiro lugar, por meio do II PND, o governo Gei- sel efetuou uma desconcentracao espacial das atividades econd, micas do pais, antes extremamente concentradas em Sao Pau- lo, Assim, foi ampliada a participagao de outros grupos econd- micos regio1 acto do Estado Varguista-desenvolvimen: tista. Guilherme Leite da Silva & Basilia Aguirre apontam qual era a verdadeira intengao desta medida: “A opcao concreta do I PND por uma industrializagao me- nos concentrada, em termos regionais, vinha ao encontro de aspiragées regionais antigas e atendia perfeitamente aos re- clamos de alguns dos criticos dos processos de industrializa- ao pelos quais o Pais havia passado até entiio. Ela também possibilitava um apoio politico mais sélido de segmentos da sociedade, que nao possuiam compromissos com a indistria instalada entre Rio de Janciro e Sio Paulo” (Silva & Aguirre, 1992:88), 0 objetivo da desconcentracao econémica realizada pelo Il PND, portanto, era conseguir apoio sdlido de outros estados para © Governo Federal, E mais: como objetivo de médio para longo Ps 86 | A passagem do modelo unionists autoritiio para 6 federalimo estaduatisa prazo, o governo Geisel pretendia também tornar o federalismo mais multipolar em termos econdmicos, enfraquecendo os esta: dos mais rieos, particularmente Sao Paulo, Dessa forma, 0 po- der dos estados mais fortes — normalmente oposicionistas - seria contrabalangado pela associagao entre a Unido e os esta dos ascendentes economicamente, 0 que daria maior folego a coalizaio militar governante 0 Governo Federal adotou outras medidas financeiras para favorecer os estados mais pobres, esperando obter em troca 0 suporte politico. Uma delas foi o aumento das transferéncias negociadas, em especial para os estados do eixo Norte/Norde te/Centro-Oeste. Segundo José Roberto Afonso, as transferén- cias negociadas eresceram 208% no periodo 1976/82 (Afonso, 1989:22), revelando o quanto os governos Geisel ¢ Figueiredo gastaram para manter o apoio politico de segmentos regionais da Federagao brasileira. Outra medida que fortaleceu os esta- dos menos desenvolvidos foi o aumento gradativo do quantum retirado dos impostos federais para efeito de transferéncia pelo FPEM a partir de 1975, aumentando 1% ao ano até 1979. Como explicado anteriormente, os maiores beneficidrios dos recur- sos do FPEM eram os estados mais pobres. E, por fim, houve ainda outra mudanga no FPEM: 0 Decreto 83.556, de 7 de ju- nho de 1979, aboliu praticamente todas as vinculagées orga mentarias prevista no FPEM, dando um grau maior de liberda- des unidades subnacionais, novamente favorecendo mais aos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. ‘Mas os governos Geisel e Figueiredo efetuaram também me- didas financeiras que beneficiaram especificamente os estados mais ricos. Antes de descrevé-las, faz-se necessério explicar 0 porqué delas. Uma leitura do sentido politico dessas medidas revela que elas foram tomadas por duas razdes: primeiro por- que 0 Governo Federal precisava senao do apoio dos estados mais ricos pelo menos reduzir ¢ o apaziguar a critica deles ao regime. Apesar de ter ampliado o ntimero de participantes mais ofetivos no pacto de dominio do Estado Varguista-desenvolvi mentista, cra impossivel para o Poder Central alijar o eixo Rio- Sao Paulo do bloco de poder. Em segundo lugar, os governado- “A forga politica do lobby antiestatizagio, montado por empressirios ‘A passagem do modelo unionista-auoriiro para o federalsmo estadualsta | 87 res de Sao Paulo e Minas Gerais eram arenistas, e barganha- vam por mais recursos jogando com a ameaca do fortalecimento da oposigao nesses estados. As medidas financeiras tomadas pelo regime militar que fa voreceram os estados mais ricos foram de duas ordens: + Adogio de mudangas no ICM, favorecendo basicamente os, estados mais industrializados. As modificagies efetuadas fo- ram o aumento gradativo das aliquotas do ICM, estabeleci- mento da tributagao da importagao de bens capitais com 0 ICM © extenso da incidéncia do ICM aos combustiveis (ef, Olivei ra, 1980:53); '* A partir de 1975, foram flexibilizados os controles sobre 0 endividamento externo estadual e municipal, facilitando a to- mada de empréstimos estrangciros sobretudo para os estados mais ricos e para as capitais (ef. Biasoto Jtinior, Passanezi Filho & Guardia, 1992:58-61). Segundo Fernando Resende, até 1981 a divida externa dos estados era de 22,8 bilhdes de délares, sen do que 18,3 bilhdes foram contraidos pela Regido Sudeste ¢ 8,1 bilhdes somente por Sao Paulo (Resende, 1982:535). Em suma, embora a estratégia do regime militar desde Gei. sel tenha sido beneficiar economicamente os estados mais po- bres para obter apoio politico, os estados mais ricos também fo. ram favorecidos, 86 que com 0 objetivo de refrear as eriticas ao Governo Federal e fortalecer os governos arenistas desses estia- dos perante a oposi¢ao local No aspecto politico, o resultado da eleigao de 1974 levou a ctipula governante a reagir contra uma eventual perda do con- trole da liberalizagio. As agdes do regime caminharam tanto para aumentar 0 esquema de patronagem com os municipios, como também, no plano nacional, criando regras que favore- ciam os estados tradicionalmente governistas do Norte, Nordeste ¢ Centro-Oeste. Ademais, foram utilizados varios mecanismos eleitorais para enfraquecer a oposigao. Logo na primeira eleicao depois de 1974, o pleito municipal de 1976, o regime criou a Lei Falcdo, a qual determinaya que os paulistas na epoca do Governo Gieisel, mostrou ao regime que era hecessario, de alguma maneira, ineorporar os reclamos de Sao Paulo, 88 | A pasagem do modelo unionistaautontirio para o federalimo exadualita \ partidos deveriam apresentar apenas 0 nome, 0 numero e um breve curriculo dos candidatos, ¢, no caso da TV, sé poderiam aparecer as fotos dos politicos. A intengao era ébvia: nao deixar a oposicao aproveitar-se do potencial comunicativo da televisao, ja que em 74 este tinha sido um dos principais fatores para 0 sucesso do MDB, notadamente nos centros urbanos. Mas o prin- cipal mecanismo utilizado pela Arena para vencer as eleigix municipais foi mesmo 0 esquema da patronagem. Como relata Maria Helena Moreira Alves: “L.] toda a burocracia do Estado central e dos diferentes es tados foi colocada a disposigaio dos interesses eleitorais da Arena. Abriam-se estradas em municipios sob o controle des- te partido, e em alguns casos cortaram-se fundos de muni pios controlados pelo MDB. As finangas do Estado foram po tas a disposicao dos candidatos da Arena. Eles podiam carros oficiais, gasolinas, funciondrios publicos para traba Iho em suas campanhas, mimedgrafos, papel ete. Embora os candidatos ndo pudessem falar pela televisio ou pelo radio, nada impedia que governadores, ministros, ou préprio presi dente da Reptiblica fizessem-no em seu nome” (Moreira Al- ves, op. cit.:191) Mesmo com todo esse aparato jogando a favor da Arena, 0 MDB aumentou o nimero de municipios em suas maos de 436 para 614, Além disso, a oposigao conquistou o controle majori- tario de Camaras municipais em 59 das cem maiores cidades do pais. Ainda, das quinze cidades com mais de meio milhao de habitantes, o MDB venceu em 67% Para o grupo militar governante, os resultados das eleigies de 1976 evidenciavam a necessidade de se fazer algo para deter 9 avango do MDB nos centros urbanos ¢ também nas cidades médias, onde a oposi¢ao comegava a irradiar seu poder de in- grande problema para o governo nesse momento eram s 1978, em que estariam em jogo nao s6 as disputas proporcionais estaduais e federais, mas acima de tudo as vagas ao senado ¢, pela primeira vez desde 1965, as governadorias estaduais, Eleigao direta para governador seria um desastre politico para o regime, avaliava o governo. Dessas preocupagoes nasceu 9 Pacote de abril de 1977 0 Pacote de abril continha um conjunto de medidas basica- mente voltadas para refrear o avango oposicionista e assegurar |A passagem do modelo unionsasiutoriria para o fedealismo estadualsta | 89 a0 regime o controle do proceso de liberalizagao. Listo a do Pacote de abril” 4a) A eleigao indircta para governador foi mantida para a elei- ao de 1978, alterando-se, contudo, a composigao do Colégio Elei- toral estadual, que a partir daquele momento passaria a ter, além dos deputados estaduais, a representacao dos municipios. Essa medida visava garantir a maioria para a Arena nos Colé- gios Eleitorais estaduais, j4 que ela controlava a grande maio- ria dos governos municipais ¢ assim esvaziaria as maiorias do MDB nas Assembléias"; 6) Foi alterada a regra de calculo da representagao dos esta dos na Camara Federal, que desde a Constituigao de 1969 tinha como base o elcitorado de cada estado e a partir do Pacote de abril teria como base a populagao. O objetivo desta mudanga era aumentar ainda mais a tradicional sobre-representacao dos estados do Norte, Nordeste ¢ Centro-Oeste na Camara Federal Como os estados dessas regides sao normalmente mais depen- dentes financeiramente da Unido, 0 que os torna mais predis postos ao governismo, o Governo Federal ganharia mais aliados na Camara; ©) Aeleicao de um tergo dos senadores em 1978 seria feita de forma indireta, por intermédio do mesmo Colégio Eleitoral que elegeria o governador. Esses senadores seriam conhecidos como “senadores bidnicos”; @) Reduziu-se o quérum constitucional de dois tergos para maioria simples, evitando que o MDB impedissc a introdugao de emendas & Constituigao; e) A Lei Falcio seria mantida para a eleigao de 1978, O principal objetivo do Pacote de abril foi atingido, qual seja, evitar que o MDB conquistasse os principais governos estaduais, a maioria na Camara e/ou no Senado, Apesar de o MDB ter recebido 56,9% dos votos vilidos para o Senado, ele ficou com apenas nove cadeiras, ao passo que a Arena obteve 36, sendo 21 guir © Sobre o Pacate de Abr rier, 1985; ¢ Moreira Alv Com a nova eomposiqan dos Coldjiox Kluitorais oxtaduais, 0 dnsieo estado onde o MDB (eria maioria seria o Rio de Janeiro, gragas #0 controle da grande mainria dos municipias pelo ehaguismo, fer, entre outros, Fleischer, 1986; Lamou. 1989) 90 | Appassigem do modelo unionista-autortiia para federsizmo estacualia cadeiras por meio de eleigao indireta. Na Camara dos Deputa: dos, embora a Arena vencesse no eémputo geral de votos por pequena margem (50,4% contra 49,5%), sua representagao fo bem maior do que a do MDB (231 cadeiras contra 189 da oposi Ao), gragas a mudanga no cailculo da representagao dos estados efetuada pelo Pacote de abril, Por fim, nas Assembléias Legisla tivas, o MDB aumentou sua representacao, elegendo 353 depu tados estaduais contra 492 da Arena. Se nao fosse 0 Colégio E toral estadual ampliado pela representagiio municipal, o MDE venceria em estados importantes como Sao Paulo e no Rio Gran- de do Sul (Cf. Moreira Alves, op.cit.:199-200 e Fleischer, op cit.:28). Entretanto, importante mudanga tinha ocorrido nas eleigoes para governador do Estado de Sao Paulo, 0 mais importante da Federagio: um candidato arenista, Paulo Maluf, ganhara do can- didato preferido da ctipula do regime militar, Laudo Natel, nas prévias da Arena, tornando-se depois governador por eleigac indireta. Sua vitéria mostrava que o modelo unionista-autorité rio estava realmente ruindo. Um bom exemplo disso é que Ma- luf escolheu de fato o seu secretario de Seguranga Publica de estado, rompendo com uma tradigao do regime militar. 0 fato é que ndo foi neces: sungao de governos esta- duais por oposicionistas para que a relagdo entre governadores e presidente mudassc qualitativamente, ainda que nao se resta- belecesse boa parte da autonomia estadual perdida com o mo- delo unionista-autoritario. A passagem dos governadores are- nistas eleitos em 1974 para os eleitos em 1978 representou acrés cimo de poder aos chefes dos Executivos estaduais em termos de barganha com o Governo Federal A mudanga efetiva, no entanto, 56 ocorreria na proxima elei do, a de 1982, estando em jogo, pela primeira vez em dezesse. te anos, a disputa para governador de estado, o segundo carge em importancia na hierarquia do poder politico brasileiro. Es. sas eleigdes modificaram a estrutura de poder do pais dupla mente, passando da liberalizagao A democratizagao e do mode- lo unionista-autoritario ao federalismo estadualista, Rossur. giria assim o poder dos governadores no sistema politico brasi leiro. ‘A passagen do modelo unionista-atoriirie para @ federalsmo estadualsta | 91 A formagio do federalismo estadualista (1982-1987) Da revogagio do AI-5 as eleigoes de 1982, a abertura politi acelerou seu passo. Mesmo assim, o regime militar procurou controlar o crescimento da oposi¢ao, a fim de evitar que 0 proxi: mo presidente fosse um civil oposicionista. Algumas reformas politicas nesse sentido foram feitas, nem sempre coerentes en- tre si, refletindo as dissensdes no interior da coalizao governan: te. Listo a seguir as principais alteragdes institucionais produ- zidas antes das eleigdes de 1982. ‘@ Criagao de um sistema pluripartidario, arquitetado pelo General Golbery do Couto e Silva, o qual esperava alcancar dois abjetivos: de um lado, dividir a oposigao, 0 que de fato foi conse- guido, pois foram fundados inicialmente cinco partidos além do situacionista PDS; e de outro, com a criacao do PP (Partido Po- pular), partido formado por conservadores do antigo MDB e empresarios do Centro-Sul, surgiu um “partido alternativo de situagao”, nao identificado com 0 governismo e nem com antigas lites tradicionais. O regime poderia obter assim apoio de um partido associado a realidade do Brasil industrializado ¢ urba- nizado, lugar onde a Arena vinha sendo derrotada sistematica- mente (ef. Sallum Junior, 1994a:142). Isso nao significa, no en- tanto, que o regime perderia 0 apoio das bases locais tradicio nais; estas permaneceriam identificadas com 0 partido oficial do regime, 0 PDS. {A posigo de Golbery ¢ do grupo “castelista” (ou sorbonista, como usei anteriormente), a partir da instituigao do pluriparti- darismo, era utilizar todas as formas possiveis de acordo para garantir o controle do proceso politico. Ademais, Golbery, como grande conhecedor do federalismo brasileiro, sabia que nossa politica estadual é flexivel e nao se comporta monoliticamente frente aos ditames da politica nacional. David Fleischer mostra como essas posigdes do General Golbery do Couto e Silva seriam postas em pratica: “A estratégia golberiana para as proximas eleigies [1982] cra o PDS estabelecer aliangas eleitorais com o PP, PDT, ou PTB em certos estados, ¢ em outros aguardar a divisio do voto oposicionista que talvez.deixasse o PDS vencer com maio. ria simples. Reforgado por programas econdmicos e obras pUblicas ‘populistas’ em 1982, este plano esperava atenuar a 92 | Apassagem do modelo unionista-autortirio para o federalima extadualta maré oposicionista, deixando 0 governo numa posi vel, com diversas alternativas para negociagdes poli condugao da fase final da ‘abertura’ em 1983 e 1984” (Fleis cher, 1986:31). 4) Adiamento da elei¢do municipal que seria realizada em 1980, por meio da Emenda Constitucional n.° 14, para 1982, ano em que ocorreriam os pleitos de deputado estadual e federal, senador, ¢, sobretudo, de governador". Com essa medida, 0 re- gime queria juntar numa mesma eleicao os pleitos municipais, com as disputas estaduais (governador e deputado estadual) e federais (deputado federal e senador), esperando que o esque- ma de patronagem pela via municipal auxiliasse a Arena nas outras eleigdes — 0 que de certa maneira aconteceu em algu- mas regides do Pais, mas de forma insuficiente para evitar a grande ascensio peemedebista ¢) Mas a demissio do General Golbery do Couto e Silva do governo Figueiredo, em agosto de 1981, causada pela mudanga na correlacao de forcas dentro do regime, modificou o quadro estratégico eleitoral. A partir dai, os militares adotaram uma posi¢ao mais préxima da rigidez “revolucionaria” e abandona- ram a posigao mais moderada do grupo “castelista. O resulta- do disso foi o Pacote de novembro de 1981, que estabeleceu 0 voto vinculado para as eleigdes de 1982, isto 6, o eleitor seria obrigado a votar em um sé partido para todos os cargos em di puta. Além disso, foram proibidas as coligacdes partidarias. Es- sas duas medidas visavam dividir ainda mais 0 voto da oposi- ¢40. A conseqiiéncia mais imediata dessa medida foi a extingio » O restabelecimento das cleigdes para governador foi definido pela Emenda Constitucional n.* 15, de 19 de novembre de 1980. CE Sallum Junior, 1996. Brasilio Sallum Junior mostra como a apuragio apaziguadora do atentado no Rio Centro, armado pelo grupo da comunidade de seguranga, indicava que a posigao da fae- ¢¢ao militar dos “profissionais” lornava-se a hegeménica dentro do regime. Golbery ¢ os “castelistas” estavam perdendo forga ¢ sett projeto de aberiura se inviabilizava dentro da coulizao governante dominante. Brasilio Sallum Junior conelui: “Com a derrota dos ‘eastelistas’ nu episddio ido Rio Contra «st sada de Golbery de go verno Figueiredo, a rigidez.‘revolucionsria’ acabou se projetando no plano politico partidario” (p. 20) ‘A passagem do modelo unianistaautoriiro para 0 federalism estadualsta | 93 do PP, pois seus componentes acharam que com essas mudan- as 0 partido obteria um fracasso eleitoral. A maioria dos mem- bros do PP ingressou no PMDB. Para o regime militar a extingao do PP foi extremamente pre- judicial, porque houve uma radicalizagao do discurso opo versus ditadura, que beneficiou apenas ao PMDB na eleicao de 1982. A partir desse momento, o regime militar apostaria inte- gralmente na politica clientelista do PDS nos municipios inte rioranos, sobretudo os do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, para frear o avango oposicionista nas eleigdes de 1982. A uniao entre © Governo Federal e os estados mais atrasados também seria reforgada, como mostram as tltimas alteragdes institucionais realizadas antes do pleito de novembro de 1982. d) Das tiltimas mudangas efetuadas antes do pleito de 1982, contidas na Emenda Constitucional n,” 22, apenas uma o afeta- va diretamente. Era a instituigao de um nuimero minimo de seis © um maximo de sessenta deputados por estado, doa assimetria entre voto e representacao, 0 que favorecia bi mente os estados do Norte, Centro-Oeste ¢ Nordeste (Goes & Camargo, 1984:164), Novamente o regime militar apostava no fortalecimento dessas bancadas para obter apoio parlamentar mais seguro. ‘A outra medida foi a alteragao das regras de composicao do Colégio Eleitoral que elegeria o proximo presidente da Rept! ‘ca em 1985. No processo anterior de composigao do Colégio Eles toral presidencial, o nimero de delegados de cada estado era proporcional & sua populagao. Com a mudanea efetuada pela Emenda n.* 22, estabelecia-se um niimero fixo de seis delegados por estado, escolhidos pelo partido que tivesse maioria na As sembléia Legislativa. O objetivo buscado aqui era duplo: pri meiro, enfraquecer os estados do Sudeste, maior reduto oposicio- nista. Segundo, sinalizar especialmente aos estados do Norde te — Regio que tem 0 maior ntimero de estados no pais — qt o Governo Federal estava aumentando o poder deles, e eobraria posteriormente 0 apoio politico As ages do governo militar, todavia, nio se restringiram ap has & area institucional, Para veneer as eleigoes de 1982, a rel cao clientelista com os municipios foi ampliada, Um bom exem- plo foi o Programa de Ajuda sos Municipios (PAM), langado pelo Ministério do Interior -- que nao por acaso era oeupado por um 94 | A passagem do modelo unionitaautortiio para o federalismo estadualita candidato a Presidéncia, Mario Andreazza—, que distribuia re- cursos da ordem de Cr$5.000.000, quantia altissima & época, para 3 mil municipios (Medeiros, 1986:156) Apesar de todos os mecanismos usados pelo regime militar para barrar 0 crescimento oposicionista, os partides da oposigao conseguiram eleger 10 dos 22 governadores do pais, obtendo seus melhores resultados nos trés estados mais importantes da Fe- deracao: Sao Paulo, Rio de Janeiro ¢ Minas Gerais. © PDS, em- bora tenha eleito maior nimero de governadores, conquistou especialmente as governadorias dos estados do Nordeste, onde obteve 75% das suas vitérias. O partido governista venceu no Maranhio, Ceara, Rio Grande do Norte, Paraiba, Pernambuco, Piaui, Alagoas, Sergipe, Bahia, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; 0 PMDB venceu em Sao Paulo, Minas Ge- rais, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Parand, Goid Amazonas ¢ Acre; e 0 PDT, no Rio de Janeiro, Pela primeira vez. em quase vinte anos, a oposi¢ao detinha 0 controle de estruturas governamentais do porte das Adminis tragoes publieas estaduais. Os partidos oposicionistas (PMDB/ PDT) passaram a controlar trés quartos do PIB e aproximada- mente 75% do ICM recolhido por todos os estados do pais. Além disso, 0 PMDB e o PDT se tornaram governantes de 56,48% da populacao brasileira (Ferreira Filho, 1983:181-2) O modelo unionista-autoritério perdia seu principal pilar: 0 controle da autonomia politica estadual. Nao s6 os estados com governos oposicionistas mas também os vinculados ao PDS re- cuperaram sua autonomia plena sobre a maquina publica esta dual. Todos os governadores, sem excegao, nao tinham mais como fonte de poder a capula militar e/ou tecnoburoersitica instalada em Brasilia; era o povo, exclusivamente, a fonte da soberania do governador. A sobrevivéncia dos chefes dos Executivos estaduais dependeria basicamente de sua aprovagio pelo eleitorado e nao mais dos designios dos militares. Em suma, os governadores tornaram-se muito mais independentes perante 0 Poder Cen tral Estabeleceu-se, portanto, aquilo que Juan Linz chamou de diarquia (Linz, 1983). Ou seja, o sistema politico va pela cooxisténcia de duas fontes bem de duas estruturas de poder: * © Governo Federal tinha uma fonte autoritaria de poder, s, Parsi, ‘aracteriza distintas de poder, come tam. [A passagem do modelo unionista-sutoritrio para o federalsmo extaduaista | 98 cujo sustentaculo cram as Forgas Armadas,¢ tinha a estrutura purvertica federal em suas miios, que estendia seus tentéculos aetpor meio da Administragao Direta ¢ Indireta — por todo 0 pais, Ademais, comandava 0 maior partido na Camara e no Se- nado, o PDS; i oe povernadores eram legitimados pelo voto direto abtido no pleito de 1982, e tinham como “armas politieas” as méquinas publieas estaduais, as quais, como comentei anteriormente, cos: tumam influir deeisivamente na estratégia cleitoral da classe politica brasileira, sobretudo mediante a repartigao clientelista fos recursos publicos. Prova disso foi 0 acréscimo de 500.000 novos servidores & folha de pagamento do setor publico esta djual logo apés as cleigbes de 1982 (Graham, 1990:79). B por fim, os governadores contavam com os importantissimos apoios do nator partida de oposigao (PMDB) e da populagao dos princi- ais centros urbanos. Pa portanto, as governadores contrapunham, por um lado, sua legitimidade obtida nas eleigées diretas de 1982 a origem ark traria do poder do grupo governante instalado em Brasil por outro, as maquinas publicas estaduais e o apoio da popula~ tao dos grandes eentros urbanos ao poder de intervengao adm fistrativa ¢ financeira do Governo Federal, o qual ainda cont: Va com aliados na base politica tradicional vinculada ao PDS. O embate entre estas di : ruturas de poder teve como vencodores os governadores de estado, eujo papel foi fun- damental na transigao democratica eno estabelecimento de vé- ras regras importantes da nova ordem constitucionall ‘Cinco fatores explicam o aumento do poder dos governadores ao longo da tiltima década: a coincidéncia temporal entre as cri- Ses do Bstado Varguista-desenvolvimentista e a do regime mili taro continuo fortalecimento finaneciro das unidades subnacio- ais, rompendo com o antigo modelo unionista-autoritario; 0 papel dos governadores na transigao demoeratica; o lugar das tleigoes de povernador no sistema politico; ea crise do presiden- ialismo brasileiro durante a década de 80 e comego da de 90 1. Em termos estruturais, o desenvolvimento do poder dos wovernadores se dew num momento de crise tanto do Estado Varguista-desenvolyimentista como do regime militar. Essas duss crises 2e reforgaram mutuamente, resultando em uma eri- se do Extada nacional. Assim, os governadores, gradativamen- 96 | A passagem do modelo unionsta-autritrio para o federahsmo estadalsta te, ganharam poder com 0 desenrolar da crise do Estado na nal cio Em fins da década de setenta e comego da década de oitenta, ado Varguista desenvolvimentista teve seu alicerce descs- truturado gragas ao enfraquecimento das suas duas principais fungoes: a de nuclear o processo de desenvolvimento capitalista nacional e a de ser 0 agregador por exceléncia das demandas da sociedade, mediante o padrao corporativo de organizagao socie- tal, que Wanderley Guilherme dos Santos denominou de ordem regulada (Santos, 1979:75) ‘A primeira funcao do Estado a de nuclear o processo capitalista nacional, entrou em colapso quando houve convergéncia da erise fiscal do Governo Feder], causada pelo descontrole das contas do setor publico, com 0 es. gotamento da capacidade de endividamento externo, provocado pela crise financeira internacional corporificada na crise da di- vida em 1982 (Fiori, 1990:143). A segunda fungao, a da relagéo do Estado com a sociedade, que corresponde ao aspecto especifi- camente Varguista do Estado desenvolvimentista, pordeu forga pois a ordem regulada entrou em declinio com o processo de complexificagéio social vivido pelo Brasil desde meados da déca- da de 70, isto arguista-desenvolvimentista, Conjuntamente ao esgotamento do modelo Varguista-desen- volvimentista, ocorreu também o enfraquecimento do regime militar, que nao conseguia se impor mais como um centro pol- tico incontrastivel. O resultado dessa combinagao de erises fai que as instituigdes vinculadas ao Poder Central perderam fore perante os outros nticlcos de poder: o Executivo Federal e a Pre sidéncia da Repiblica perante o Congresso Nacional ¢ a Unio perante os estados. Ba partir desse contexto mais eral que houve o fortalecimento dos governadores e a formagao de um novo federalismo. 2. Ao longo da década de oitenta, as unidades subnacionais aumentaram sua participagio nas receitas nacionais, a0 pass) que a parcela da Unido diminuiu gradualmente. 0 modelo uni: onista-autoritario foi sendo sepultado e em seu lugar formava se um federalismo descentralizador de: recursos, © fato propulsor desse nove federalismo foi a aprovacao da Emenda Passos Porto, em dezombro de 1983, aumentando a [A pastgem do modelo unionta-autoritrio para 0 federalzmo extacuatita | 97 cl espectives Fundos de Par: quota dos estados ¢ municipios nos respecti ticipagao. Significativamente, o Senador Passos Porto pertencia a0 PDS gaticho, estado onde o governador também era do parti- do ligado ao regime. Isso nos permite considerar a Emenda Pas- sos Porto nao uma vitéria dos governadores da oposigao, mas do conjunto dos governadores (Kugelmas, Sallum Junior & Graeff, 1989:96-7). A insatista constitufa num reclamo comum a todos os governadores. O go- vernador de Pernambuco, Roberto Magalhaes, que era integrante do partido do governo, dizia & época que * |.) nao se sentia, desgragadamente, um governador de estado, mas um mero ad- ministrador de provincia” (Gées & Camargo, 1984:75), Os reclamos dos governadores tiveram resultados, sobretudo porque o Poder Central, tanto na gestao de Figueiredo como na de Sarney, precisou constantemente negociar apoios com 0s li dores regionais no Congreso para aprovar determinados proje- tos, e estes pediam em troca 0 aumento da participagdo das uni- dades subnacionais no bolo tributario nacional”, Com efeito, as reccitas dos estados e munifpios aumentaram ano a ano. De ‘até 1986, a aliquota do FPM (Fundo de Participagio dos Municipio sallow de para 12,0 #PE (Fundo de Parti pagao dos Estados) pulou de 9% para 14% (Serra & Afonso, 1991-48). A Constituigao de 1988 consolidaria ainda mais 0 for- talecimento financeiro dos estados e municipios em detrimento do enfraquecimento da Unido. 3" Os yovernadores de stado foram os grandes condutores do processo de transigio politica. Em primeito lugar, pelo papel cexercido no movimento das Diretas-j4. O articulador inicial deste movimento foi o governador de Sao Paulo, Franco Montoro, que ao com a centralizacao financeira realmente se iw de ‘cao Cabot 98 | Apasiagem do modelo unionsta-autortiia para © federaisma estadualta apostou todas as suas fichas no primeiro grande comicio reeli- zado em Sao Paulo, quando foram liberadas as catracas do me tré, tornando o transporte puiblico gratuito para que a popula. cdo comparecesse & manifestagdo pelas Diretas-ja. Além disso, os articuladores nos principais estados (SP, MG, RJ) eram os governadores de estado. E ainda, nos estados onde 0 governa dor era oposicionista, usou-se a estrutura da Administracio Publica estadual para ajudar na organizacao das manifestagoes Aqui se podia ver claramente como 0 pais vivia numa diarquia, em que as estruturas administrativas e politicas dos estados se contrapunham ao Poder Central, mesmo quando ainda vigora. va um regime autoritério, Depois da derrota da Emenda Dante de Oliveira, em abrilde 1984, a oposi¢io — pelo menos a moderada — se articulou para lancar um candidato a eleigao presidencial indireta. Tancredo Neves, governador de Minas Gerais, seria 0 nome escolhido. E verdade que Tancredo Neves tornou-se candidato gragas & sua habilidade politica © ao seu perfil moderado, adequado a uma transigao pactuada como foi a brasileira. Contudo, a ocupa- cao do cargo de governador de estado ajudou a estruturar a can- didatura de Tancredo. A posigao de governador potencializou a candidatura de Tancredo Neves de duas maneiras. A primeira é que, dado o carater pactuado conservador da transigao brasileira, seria fundamental negociar com o Poder Central para a oposigdo chegar a Presidéncia da Republica. A posicao de governador de estado ocupada por Tancredo o torna- va apto a assumir 0 papel de negociador, pois como ele se relacio- nava com a Unido para tratar de interesses comuns, estabele cia-se um pacto de convivencia entre as esferas de governo, em razao da dependéneia muitua. Dessa forma, Taneredo Neves se firmava como interlocutor com 0 Governo Federal. Ja para um lider oposicionista isso nao acontecia, pois, av contrario, ele pre- cisava externar eritieas ao regime, por mais brandas que fos- sem. Essa diferencingao pode ser exemplificada comparando os dois principais aspirantes peemedebistas a Presidéncia, Tan- credo Neves ¢ Ulises Guimaraes: enquanto 0 primeiro tinha até canais institucionais para se relacion segundo tinha um fosso 0 se clite governante. arando do Poder Central e de sta Tancredo Neves também se firmaya como interlocutor dos [A pastagem do modelo unionistaautortiio para 0 federalsmo estdualsta | 99 | outros governadores, que 0 enxergavam como um igual entre cles, um membro da mesma classe. A negociagao com os outros governadores era fundamental porque eles teriam influéneia no Colégio Eleitoral de duas formas. Uma, através dos votos que os delegados das Assembléias Legislativas teriam direito, os qua na pratica, seriam integralmente determinados pelos governa- dores. A outra forma seria mediante o controle das bancadas estaduais no Congreso, que se estabelecia mais nitidamente gracas a fraqueza do Governo Federal em controlar as bases locais e seus representantes naquele momento historico. A pers- pectiva das eleigdes de 1986, ademais, fazia com que os deputa- dos jé pensassem na reeleigo, e para tanto precisariam do apoio do governador, fundamental como suporte eleitoral. Portanto, a influéncia dos governadores na eleigao presiden. cial indireta seria decisiva e as negociagdes com cles deveriam ser bem articuladas. Se o acordo com os governadores oposicio- nistas foi quase automatico, Tancredo teria de apostar na nego- ciagdo com os governadores pedessistas, atores fundamentais sleigao do Colégio Eleitoral, pois eles ocupavam a maior par 5 governadorias de estado — doze entre as vinte duas. O peso do voto dos governadores do PDS aumentou para a eleigio presidencial indireta de 1985 uma vez que todos os estados te- riam o mesmo ndmero de delegados estaduais das Assembléias Legislativas (seis) no Colégio Eleitoral, independentemente do critério populacional. Como os delegados eram eleitos na prati- ca pelos governadores, os chefes dos Executivos estaduais pe- dessistas controlavam 72 votos, e destes, os governadores nor- destinos do PDS (sete dos doze) controlavam 54 votos. ‘Alguns fatores ajudaram Taneredo Neves em sua tarefa de costurar acordos com os governadores do PDS. O primeiro foi a ja referida posigéo de Tancredo como igual entre os governado- res. E preciso lembrar, em primeiro lugar, que apesar de o can- didato pedessista Paulo Maluf ter sido governador de estado, ele nao se comportava como um membro da mesma classe dos outros governadores, até porque ele cra um outsider dentro das oligarquias regionais brasileiras®. Isso 0 tornava persona non importante lembrar que quase todos os governadores pedess apoisram o candidate Mario Andreazza na Convengao do PL 100. | A passagem do modelo unionistaautoritirio para @federalamo exaduatsta grata entre varios governadores e membros das clites regionais pedessistas. J4 Tancredo Neves, embora fosse do partido de opo sigdo, era um dos “iguais” entre as elites regionais brasileiras. ‘Tancredo conhecia muito bem todas as “manhas” da oligarquias brasileiras, e por isso soube negociar habilmente com elas. Na realidade, Paulo Maluf cometeu um erro fatal em sua cam- panha, desrespeitando uma lei de ferro das elites regionais bra- sileiras: invadiu territério alheio para fazer a campanha na Con- vengao partidaria do PDS e para Colégio Eleitoral. Sobretudo os governadores nao gostaram de ver Maluf[..] passando por cima deles, indo buscar votos diretamente com os do Partido; sentiram-se incomodados por vé-lo se compor, na maioria das vezes, com seus tradicionais adversarios politicos” (Dimenstein et alii, 1985:135)" A indisposicao da grande maioria dos governadores pedessis- tas com Maluf gerou um movimento articulado entre eles a fim de pressionar 0 Presidente Figueiredo para que os liberassem da necessidade de apoiar 0 candidato oficial do PDS. Isto acabou acontecendo no dia 13 de agosto de 1984, apés uma reuniao no Palacio do Planalto com todos os governadores do PDS. Na ver- dade, 0 ex-governador baiano, Anténio Carlos Magalhaes™, ja havia-se reunido com todos os governadores do partido — a ex- cegdo de Roberto Magalhaes, de Pernambuco, ¢ Luiz Gonzaga da Mota, do Cear —, no dia 11 de agosto, um sabado & noite, propondo a negociacao do apoio para Tancredo Neves. Dos dez governadores presentes, apenas Wilson Braga, da Par * Uma das di ' regionais provocadas por Paulo Maluf aconte: cou no Rio Grande do Norte, onde ele cooptou Lavoisier Maia, pri- 10 e antecessor do governador José Agripino Maia, passando por cima do priprio governador. Sobre esse episédio, o governador José Agripino Main comentou o seguinte: “Maluf, quando no consegue ‘0 apoio de um lider politico, pinga seus liderados e os atira uns contra os outros para depois remeté-los contra o lider em questo, esfacelando, assim, a lideranca tradicionalmente estabelecida” (Dimenstein e¢ alii, 1985:134), 2" O governador baiano naquele momento era Joao Durval, que hi sido eleito gragas a grande influéneia de Antonio Carlos Magalhaes 1a politica do estado, o que o fez, como forma de cumprir o pacto de Jealdade entre cles, dhedecer integralmente ao comando de su pa drinho politico, Fay DE DE EDUCAGAO-U DIOLIOTECA B27t2 [A passagem do modelo unlonista-autaritrio para 0 federalame estadunlsta | 101 Jilio Campos, de Mato Grosso, nao aceitaram a proposta e mar- charam com Maluf até o fim (Cf. Dimensteinet alii, 1985:132-2). O resultado dessa articulagdo dos governadores pedessistas foi a escolha de delegados estaduais favoraveis a Tancredo Ne- ves, além da articulagao para que a bancada do PDS no Con- gresso Nacional fizesse 0 mesmo. Assim, Paulo Maluf perdia grande parte do apoio de seu partido para a votagao do Colégio Eleitoral, inviabilizando sua vitoria na elei¢do indireta. Concluindo, podemos dizer que a negociagao da transigio nao foi feita 6 entre os moderados de ambos os lados, mas também foi articulada e selada por meio de um pacto entre governadores em ascensiona cena politica nacional e clites regionais que sem- pre tiveram influéneia no jogo politico federativo — Marco Ma- ciel, Anténio Carlos Magalhaes e Jorge Bornhausen eram exem. plos tipicos dessas elites. A transi¢ao passou muito mais pela dinamica da federacao do que por negociagdes partidarias defi- nidoras do contetido e da forma do governo que se instalaria, Nao por acaso o pacto entre a dissidéncia do PDS — a Frente Liberal — com a oposigao, iniciado efetivamente em uma reu- iio no Palacio dos Jaburus entre Aureliano Chaves e Tancredo Neves, foi apelidado de “Acordo Minciro” (Dimenstein et alii, 1985:86-7). 4. As eleigdes de 1982 tiveram o carater de eleigies fundado- ras, no sentido dado por Linz & Stepan’. Para estes autores, as primeiras eleigdes que se realizam apés anos de autoritarismo, e que envolvam distribuigdo real de poder, ajudam a determi- nar a I6gica da competigao dos futuros pleitos democraticos. No ‘caso estudado por eles, 0 espanhol, as primeiras eleigdes depois, do franquismo foram nacionais, o que tornou a dinamica de atua- cdo partidéria futura mais vinculada a articulagao nacional de interesses. No caso brasileiro, as primciras eleigbes que envol- veram real distribuigao de poder foram para os governos esta duais. Assim, no momento de reorganizagao politica do Brasil para pleitos verdadeiramente competitivos, a dinamica da poli- tica estadual, e mais especificamente a disputa pelas governa © Of, Linz & Stepan, 1992:61-2. A utilizagao dese conceito como referencial de analise sobre o ease brusileiro foi originlanente feito por Maria Herminia Tavares de Almeida (Tavares de Almeida, 1994:5), 102 | A passage do modelo unionists-autorisico para o federalism extaduaista dorias estaduais, deixaram marcas na construgao dos partidos © nas estratégias eleitorais dos deputados. O carater estadaal presente na agao dos politicos relacionou-se fortemente com 0 fato de as eleicdes fundadoras terem sido para governador enaio para presidente ou para uma Assembléia Nacional Constituin- te, O desenvolvimento institucional posterior acentuou ainda mais a importancia das disputas pelos governos estaduais, A dinamica eleitoral da redemocratizagao proporcionou a existin- cia de trés eleigdes para governador, todas elas “casadas” com pleitos proporcionais definidores de legislaturas com papéis im portantissimos: a de referendar a transigao pactuada (1982- 1986), eriar novo arcabougo constitucional para o Pais (1986- 1990) e constituir o Congreso Nacional do primeiro presidente diretamente eleito apés a derrocada do regime autoritario. Ni se mesmo periodo, no entanto, 86 houve uma disputa presiden- cial (1989), e “solteira”. pleito para governador se constituiu no mais importante elo eleitoral entre as disputas majoritéria e proporcional. Isso porque os grandes puxadores de votos dessas eleigdes foram os candidatos a governador. Os candidatos a deputado federal te- riam entao de se atrelar a uma candidatura a governador que Ihes proporcionasse possibilidade de vitoria, Formava-se assim um pacto de lealdade entre os candidatos a governador e 0s as- pirantes ao parlamento, O triunfo de uma alianga eleitoral sig: nificava que o pacto de lealdade formado na eleigao seria cobra do no exereieio da legislatura dos parlamentares, aumentando © poder de influéncia dos governadores no Congresso Nacional 5. Por fim, 0 aumento do poder dos governadores ocorreu concomitantemente ao enfraquecimento do presidente da Re- publica. Desenvolverei esta questo de forma mais detida no Capitulo 4. Por ora, basta dizer que a fragilidade politica dos presidentes que vivenciaram o periodo final da transigao e a re- democratizagao (Figueiredo, Sarney e Collor) foi acompanhada do fortalecimento dos outros centros de poder, como o Congres so e os estados. Os governadores, com grande poder tanto no Congrresso Nacional como nos estados, foram os atores politi¢os que mais se beneficiaram com o enfraquecimento do presiden- cialismo durante este periodo. Para o melhor entendimento do proceso de fortalecimento ‘A passagem do modelo unionista-autontino para © federalimo estadualsa | 103 dos governadores e da formagio do federalismo estadualista ao longo da década de oitenta, é preciso destacar dois pontos, Em primeiro lugar, a formagio do federalismo estadualista ao longo da década de oitenta tem de ser situada no contexto de duas importantes crises: a primeira é a ampla crise do Poder Central, que se enfraqueceu como condutor do desenvolvimento econé- mico, em virtude do esgotamento do modelo de financiamento do Estado desenvolvimentista; como centro politico do pais, em razao da crise do padrao Varguista de presidencialismo; e como ordenador das relagoes federativas, por causa da faléncia do modelo unionista autoritario. ‘A outra crise 6 a do antigo pacto politico de sustentagao do Estado Nacional, Na verdade, nao foi criado, no decorrer da dé- cada de oitenta, um novo pacto politico de sustentagao do Est do que viesse substituir a antiga alianca nacional-desenvolvi mentista. Assim, o Brasil passou neste periodo, como bem argu- menta Brasilio Sallum Jtinior, por uma crise de hegemonia, no sentido gramsciano da palavra (ef. Sallum Jtinior, 1994a). Ne- nhum grupo ou coalizaio consiguiu estabelecer um projeto nacio- nal ao pais, adaptado simultaneamente & nova realidade exter- nae interna Neste contexto de crise do Poder Central e de faléneia da an tiga alianga que sustentava o Estado Nacional, as elites regio- ais — politicas e econdmicas — agiram apenas para manter sua autonomia e conquistar uma fatia bem maior dos recursos tributarios nacionais. E aqui entra o segundo argumento que explica a formagao do federalismo estadualista. A dinamica ins titucional da redemocratizagao foi mareada por partidos frageis em termos nacionais ¢ pelo papel central ocupado pela elei aos governos estaduais, inclusive na definigao da composigao do Congress Nacional. Em tal contexto, o sistema politico obed cou mais a padres regionais do que nacionais, Isto deu maiores incentivos para que a classe politica brasileira atuasse de forma meramente estadualista, e nao em torno de um novo pacto poli tico nacional ‘A Constituigao de 1988 estabeleccu o contorno legs ralismo estadualista. Para tanto, contribuiu o tom dado cussio do federalismo no Congresso Constituinte. E espirito revanchista com relacao ao aspecto finaneeiro do antigo ada pela Veja/LPM modelo unionista-autoritario, Pesquisa reali 104 | A passagem do modelo unionistarautritinio para 0 federalism estaduaita logo no inicio dos trabalhos constituintes indicava que 95% dos deputados estavam dispostos a levar para suas respectivas ci- dades uma fatia maior do bolo tributario (apud Leme, 1992:83) Desta maneira, 0 discurso pela descentralizagao dos recursos tornou-se um dos principais motes do trabalho constituinte” ‘Além disso, as ja mencionadas crise do Poder Central e au- séncia de uma alianga politica nacional capaz de reconstruir um novo Estado, aliadas a fraqueza do governo Sarney, formavam ‘um quadro em que as demandas regionais e setoriais por recur- sos se tornavam mais fortes no embate politico. Uniram-se, por- tanto, prefeitos, deputados federais representantes de cer:os setores econdmicos e governadores na tentativa de abocanhar 0 seu quinhao de recursos dentro da ja minguada receita do Te- souro nacional Nesse movimento descentralizador, o episédio mais importan- te foi a vitoria tributria das unidades subnacionais sobre a Unio. Embora tenha havido enorme briga entre os estados para definir como deveria ser o sistema tributario, tendo de um lado os esta- dos do Sudeste — especialmente Sao Paulo — procurando forta. lecer a autonomia tributaria estadual, e de outro os estados do Norte, Nordeste ¢ Centro-Oeste concentrando suas reivindiea- goes no aumento das transferéneias da Unido, chegou-se a um denominador comum,o qual nao levou em conta a situagao finan- ceira do Governo Federal. Nas palavras de Heladio Leme: “Promoveu-se im uma acomodagao de interesses regio- nais, cuja condigao foi ter a Unido como perdedora” (Leme, 1992:150). Abatalha tributaria na Constituinte pode ser entendida ana- lisando-se os seguintes dados: entre 1980 e 1990 enquanto a importaneia relativa da Unido na receita total disponivel das " O melhor trabalho sobre a definigio da distribuigio dos recursos Lributarios na Constituinte 6, sem divida, 0 de Hekidio Leme, Ele sponta elaramente a tendéneia descentralizadora de reeursos da Constituinte presente desde a composigao das Comissdes encarre: kadas de decidir sobre o assunto, A Comissio de Tributes, Orya- mento © Finaneas, por exemplo, possuia 4 ex-yovernadores, 2 ox. viee-governadores, 9 ex-prefeitos ¢ um ex-viee, slém de 11 parla. mentares com atividades anteriores em Executivos estaduais ¢ municipais, como seeretsirios de governo (Leme, 1992:149) ‘A pastagem do modelo unionistaautoritiro part © federalimno estadualsta | 105 trés esferas de governo caiu 17%, no caso dos estados ¢ muni pios houve um aumento de 26% e 70%, respectivamente (Giam biagi, 1991:64). A nova repartieao dos recursos tributarios nacio nais definida pela Constituigao foi implantada gradativamente, chegando ao final deste proceso a seguinte distribuigdo, no fi- nal de 1992: a Unido ficou com disponibilidade efetiva de 54,9%, © 08 estados municipios ficaram com, respectivamente, 28,5% & 16,6%. Para efeito de comparagio, basta dizer que em 1988, ain da antes da mudanca constitucional, cabia ao Governo Federal 62% destes recursos, ao passo que os estados ficavam com 27% ¢ 0s municipios, com 11% (Barrera & Roarelli, 1995:135; Afonso & Affonso, 195) ‘Apesar de o8 municipios terem sido os que mais aumentaram a participagao no bolo tributario, eles ainda dependem — e mui to — dos recursos econémicos ¢ administrativos das outras esfe- ras de governo, sobretudo dos estados. Assim, sao os estados os grandes vencedores da batalha tributria da Constituinte. Além disso, essa vitoria tributaria dos estados sera ampliada pelo nao- payamento dos passives financeiros devidos a Unido, como tam- hém pela manutengao de relagdes predatérias com 0 Governo Federal, tal qual bem exemplifica o caso dos bancos estaduais. A Constituigio de 1988 aumentou os recursos das unidades acionais mas nao definiu claramente a distribuigéio das com. entre os entes federativos. O artigo 23 da Constitui- ao definiu uma série de competéncias comuns dos trés niveis de governo, deixando, no entanto, a regulamentagao sobre o que cada um dos niveis deveria fazer para legislagao complementar, até hoje nao confeccionada. Alm disso, a Carta constitucional estabeleceu trinta fungdes concorrentes sem delimitar qual de veria ser a hierarquia federativa entre os nfveis de governo (Ca- margo, 1992:40). Essa indefinigiio quanto as atribuigdes de cada esfera de go- verno prejudicou o proceso de distribuigao de encargos. B ine- gavel que os governos subnacionais assumiram mais responsa bilidades da Constituigao de 1988 para cd. Mas isto ocorreu de forma desordenada e segundo o ritmo que cada esfera governa- mental estabeleceu, sem uma verdadeira coordenacao do Go- verno Federal Ressiltado: em seu conjunto, os estados e munie- pins aumentaram os gastos sociais, mas sem a correspondente melhora da prestagdo dos servigos publicos. B bom frisar que a 106 | A passagem do modelo unionista-autoritiro para o federalism estadulita descentralizagao dos gastos sociais s astos sociais 86 pode ser efetiva caso sca acompanhada da reestruturagao das instituigoes e da admin's. tragao publica os came cent luais. Como veremos no préximo capitulo, no caso dos estados isto nao aconteceu; ao contrario, predomi- nou um modo nao-republicano de se fazer pol ow um m fazer politica, o que, sem duivida, afetou o resultado da desce cao das politicas pa duvide ado da descentralizagio das politicas pi- Na verdade, os municipios ass fi 08 municipios assumiram papel mais definido do gue o etal na dvisio das aribuedes governamentas, eto causa por des motivo: primeiro porque odscurs de deen ralizaio no Brasil teve uma feigto municipal, ist 6 i era descentralizar as politicas pablicas especificamente para os tuniepio, sla porgue o pode lel pssbiita uma mator par cipagao na claboragao e gestao das atividades rovernamentais sein porque a alocacto dos gastos publics seria feta de forma mais feente no nivel muntipal Em segundo lar, a cobranca a populagao sobre os prefeitos — sobretudo das eidades mé ¢ grandes — em geral é muito maior do que sobre os governado- res e portanto os municipios tiveram de assumir mais os encat a 3 encar- Em suma, os estados obtiveram mai < ‘am mais recursos menos res- ponsabilidades, © que eriou condigdes para ox governadores in- vestirem grande parcela de sous recursos na busea do controle dos deputados estaduais e federais, e dos chefos politicos locais, potencializando a forga dos governadores no sistema politico, Mas o federalismo estadualista, por si s6, nao expliea oforta- lecimento do poder dos governadores, Ha outro fator de erucial importancia na origem do poder dos governadores: a formagao de um sistema ultrapresidencialista de governo no nivel es dual, que proporcionou aos governadores um grande poder no processo de governo e praticamente eliminou qualquer fiscal zagdo institucional sobre seus atos. E a jungao do federalismo estadualista com o ultrapresideneialismo estadual que expliex poder obtidos pelos governadores na redemoeratizagao Conclusao:0 novo poder dos governadores eg experiéneia do regime militar conseguiu, por determinads cmpo, acabar com o tradicional poder que 0s governadores nham no sistema politico brasileiro, O Governo Federal aumen: ‘A passagem do modelo unionista-autaritirio para o federalism estaduasta | 107 tou sobremaneira seu poder, continuando assim 0 processo de fortalecimento do Poder Central iniciado em 1930. ‘0 modelo unionista-autoritario era regido por padroes anti- némicos aos do federalismo republicano: nao havia autonomia dos entes federativos ¢ as relagdes intergovernamentais obede- ciam ao principio da subordinagao e nao ao da competi¢ao-coo- perativa. A republicanizagao da politica estadual nao foi um ob- jetivo perseguido; ao contrério, mantinha-se um esquema de pa- tronagem entre 0 Governo Federal ¢ a elite politica local para garantir maiorias governistas no Congreso Nacional ¢ nas Assembléias Legislativas Contudo, a crise financeira do Governo Federal no inicio da década de oitenta, a conquista dos governos estaduais pela opo- sigao, o papel dos governadores na transigio e, por fim, as re- gras estabelecidas pela Constituigao de 1988 destruiram o anti- ‘go modelo de federalismo, Em scu lugar surgiu um federalismo estadualista, que tornou os governadores “bares da Federacao”, com forte influéncia no plano nacional, gragas ao controle exer- ido sobre as bancadas estaduais na Camara Federal. O fortale- cimento dos governadores se expandiu também em razao do en- fraquecimento do presidente da Repiblica no sistema politico brasileiro ‘A auséncia de uma coalizao politica nacional que pudesse re- construir um novo pacto de sustentagao do Estado alimentou ainda mais o poder dos governadores, que se aproveitaram da atomizagaio ¢ desagregacao dos atores politicos para exercer in- fludneia nos ramos da politica nacional Esse novo poder dos governadores, no entanto, nao pode ser comparado nem ao existente na Primeira Republica, nem ao vi- gente na Segunda Republica. Ao contrario da Segunda Republi cca, o poder dos governadores se expande na redemocratizagiio 20 ‘mesmo tempo em que ha enfraquecimento do Poder Central, po- tencializando a forga dos governadores no cenirio politico nacio~ nal, Entretanto, diferentemente da “politica dos governadores da Primeira Republica, nao ha nenhum grupo de estados que con- siga formar um nricleo hegeménico capaz de governar o pais, além da Unido ser atualmente muito mais forte do que na Republica Velha. Portanto, o federalismo estadualista proporcionou as condi- ‘em ao Governo Federal, Ges para os governadores se contrapor’ 108 | A passagem do modelo unionita-autontiro para ofederalismo esadualica mas nio para que eles governassem o pais. Por um lado, esse novo poder dos governadores representou avango com relagao a situagao federativa vigente no regime militar, pois as relagoes federativas e o préprio sistema politico foram democratizados, climinando o poder arbitrério que possuiam o Executivo Fede. ral e 0 presidente da Repblica. Mas por outro lado, a atuagio dos governadores no plano nacional contribuiu ainda mais para aumentar 0 grau de fragmentagdo do sistema politico, e, por consequinte, agravar o impasse governativo que marcou o pals por boa parte da redemocratizagao. Isso aconteceu porque, em- bora os governadores tivessem obtido grande poder no plano politico nacional, a atuagio eonjunta deles concentrou-se ape- nas no veto a qualquer mudanea na ordem federativa que imp i- casse a alteragio da distribuigdo de poder e recursos. O fato é que 08 governadores formaram coalizdes de veto especificas ¢ nao coalizdes de governo, sendo um dos fatores que prejudiea- ram a governabilidade no ambito federal ao longo da redem>- cratizagao. Se no plano nacional os governadores aumentaram seu po- der de veto com a redemoeratizagio, na esfora estadual eles se tornaram os grandes comandantes do processo politico, com um poder incontrastavel ante os outros Poderes ¢ os outros agentes Politicos. Foi com base em seu poder nos estados que os gover. nadores conseguiram atuar de forma decisiva no plano nacio- nal, exereendo em determinados assuntos forte influéneia sobre 5 deputados federais no Congresso Nacional Capitulo 3 © ULTRAPRESIDENCIALISMO ESTADUAL BRASILEIRO* Discuto neste capitulo o poder dos governadores no sistema po- Iitico estadual brasileiro no periodo de 1991 a 1994. Para tanto, estudo a forma como o chefe do Exeeutivo estadual governou, analisando sua relagio com os outros Poderes e com a classe politica. Denomino o sistema de governo que vigorou nos esta- dos de ultrapresidencialista, o qual tinha duas caracteristicas fundamentais: 0 Executivo detinha um forte dominio do proces- 50 de governo e controlava os érgaos que deveriam fiscalizs-lo. ‘Além disso, no Executivo, 0 poder era extremamente concentra- do nas maos do governador. Para descrever o ultrapresidencialismo estadual, faco andli- se mais geral do poder dos governadores em quinze estados da Federacao no quadriénio 1991-1994 ¢, para 0 mesmo periodo, realizo um estudo mais aprofundado do caso paulista. Essa es- colha é estratégica: todas as caracteristicas do ultrapresidencia- lismo levam a crer que ele 6 um sistema politico tipico de esta- dos mais atrasados, onde politicas de estilo “coronel peram; no entanto, no estado mais rico da Federagao, com uma sélida e ativa soviedade civil e berco dos principais partidos do pais, o ultrapresidencialismo vigorou fortemente Cabe ainda uma tiltima observagao, Este trabalho analisa 0 que ha de comum entre os diversos sistemas politicos estaduais, de modo que as diferengas entre eles, no mais das vezes, sio deixadas = ste capitulo é uma versio resumida e atualizada de relatério pro: duzido para 0 Cedee (Abrucio, 1994) 110 | © ultrapresidenciatsme extaual brasileiro de lado, Tal escolha justifica-se uma vez que ha muitos aspectas comuns presentes nos estado, configurando claramente um sis- tema ultrapresidencial, qual é sem sombra de dividas, car eristica mais importante da politica neste nivel de governo! © funcionamento do ultrapresidencialismo estadual A redemocratizagao teve como uma das mudangas mais portantes o fortalecimento do Poder Legislativo. A Constituigay de 1988 consolidou legalmente essa mudanga, tornando o Legis lativo locus das decisées terminativas do sistema politico ‘an drade, 1992), como também aumentou seu poder de fiscalizar 0 Executive Contudo, essas mudancas no Legislative pratieamen Je ficaram circunscritas ao ambito federal, pois embora o siste- ma presidencialist: de governo vigore nos trés niveis de governo da Federacao brasileira, observa-so que seu funcionamento eft. tivo 6 diferente no plano federal comparado a esfera estadual Pode-se Gites que no nivel federal os trés Poderes oo mais equipotentes — utilizand jui a expressio de la Congresso Nacional eo Supremo Tribunal Federal se fortalevide perante a Presidéncia da Republica*. Nos estados, ao contrario, "0 angulo excothid aqui abre porta, na verdade, para que outros ests pees eompar a irengan entre om eae yl stamento do ultrapresdencitiome extaduat Vics ets, ntadamentecs de Arena Figured Fears president ee valetnde pnd Cont 185 1o no que se refere a definigao do rumo e do rit mo da ager gue 0 Bxeeativo possui para interfer no proceso parlamentr Men asm arguments al una lid por du a8 9 primeta 6 qa despa da fore do Fxeeutiv Fedora he Eonreag Nilo expe ane se deldom nea ae Alem disso, pretende-se de tr te estudo grande diferen Ga entre of presidencialismes federal estadush, kina Wor ee 0 Pre que 0 governador tem sabre 0 Lgiaativ € os rsios fern frente sos outros Poderes no seu mbito dewmvene nt Pes (© ulrapresidencaizmo estadual brasileiro | 111 nao ha equipoténcia entre os Poderes, mas sim uma hipertrofia do Executivo, configurando um sistema ultrapresidencial 0 cargo de governador tornou-se diretamente eletive nova- mente om 1982, e portanto antes até do cargo de presidente, que 8600 foi em 1989, Todavia, a simples existéncia de eleigdes livres fe competitivas nao democratizaram 0 processo de governo no nivel estadual. Com base na analise de quinze estados brasilei- os no periodo 1991-94, constatou-se que no sistema politico es: tadual existia um presidencialismo pouco democratico e quase nada republicano. Descrevo a seguir as principais caracterisicas do sistema politico estadual durante a redemocratizagao. 0 ultrapresidencialismo estadual brasileiro tinha uma carac- teristica basica: 0 Poder Executivo, e mais especificamente © governador, era um centro politico incontrastavel no proceso de governo, por meio do controle dos outros Poderes e de toda a dinamica da politica estadual. 0 Poder Executive tornava-se hi pertrofiado, praticamente eliminando o prinefpio constitucional da separagao e independéncia entre os Poderes (Abrucio, 1994). Para obter essa forga, 0 governo estadual tinha deagir de duas maneiras, O governador deveria, em primeiro lugar, eliminar a possibilidade de o Legislativo ¢ de o Judiciirio controlarem ins titucionalmente o Executivo. Destrufa-se assim 0 principio dos checks and balances, pedra angular do sistema presidencialista. Para atingir tal objetivo, o governador teria de neutralizar a p) tica fiscalizadora da Assembléia Legislativa e sobretudo dos 6rgaos isealizadores — Tribunal de Contas e Ministério Publico—, tor- nando-os aliados do governador, nao fiscalizadores de seus atos. ‘Mas para implantar 0 ultrapresidencialismo com todo seu vi- gor, 0 governador precisava obter ampla e sélida maioria na sembléia Legislativa, tanto para climinar sua fungao dechecks and balances, como para controlar amplamente o proceso decis6rio. ‘Tratarei mais detidamente da neutralizagdo dos érgaos fis~ calizadores na proxima segao, quando discuto a origem do poder dos governadores. Por ora, basta constatar que a grande maio- ria dos Executivos estaduais obteve éxito na cstratégia de neu- tralizar a agao fiscalizadora dos TCEs e dos Ministérios Publi rantindo a facil aprovagio das contas dos go- vernadores, 0 arquivamento dos processos contra 0 governo es- tadual, ou pelo menos maior morosidade na apuragao de fatos que pudessem comprometer os prineipais membros do Executi- cos estaduais, 112 | O uttrapresidencasmo estadual brasteiro vo, Essa neutralizagiio dos érgaos fiscalizadores ocorrcu porque os yovernadores possuem prerrogativas na escolha tanto cos Conselheiros dos TCEs como também dos Procuradores-Gera dos Ministérios Publicos. O controle dos governadores sobre os TCEs ¢ os Ministérios Pablicos desvirtua, desse modo, a fungio destes drgtios, que deveriam constituir-se como checks and ba lances do Poder Executive. Os atos e 0 poder do governador, portanto, ficavam imunes a qualquer fiscalizagao institucional mais importante para o governo estadual trole rigido da Assembléia Legislativa. Primeiro para neutrali- zar seu poder de fisealizagao e controle dos atos do Poder piiblico estadual. No quadriénio 1991-94, isso foi conseguido por quase todos os governadores aqui estudados. Em sua grande maioria, as CPls apuradoras dos atos irregulares do Executivo tiveram resultado amplamente favoravel para o governo estadual, mes- mo quando as evidéncias demonstravam o contrario, como exem- plificam bem os casos da CPI da compra de deputados distritais em Brasilia ea CPI do Carandiru em Sao Paulo, Nao poderia deixar de citar também o caso da Assembléia Legislativa pa- raibana, que nio retirou a imunidade do governador Ronaldo Cunha Lima para que ele fosse processado em razao de sua ten- tativa de homicidio contra o antigo governador, Tarcisio Burity, cometida em publico, diante de dezenas de pessoas. Outra forma de conivéncia das Assembléias Legislatives diante das irregularidades do Executivo foi o engavetamento de pareceres do Tribunal de Contas que consideravam ilegal algum ato do governo estadual. Esse engavetamento era feito pelos deputados situacionistas, que dominavam as Comissies das Assembléias Legislativas. No caso paulista, por exemplo, 0 de- putado situacionista Joel Freire Costa (PMDB), na condigao de relator das processos mandados pelo TCE, engavetou 56 contra- tos da Administragao Publica estadual condenados pelo Tribu- nal de Contas (cf. O Estado de S. Paulo, 5/11/93). © controle do Legistativo visava também dar ao Executive estadual predominio quase que total do proceso decisério, Em quase todos os casos estudados, o papel do Assembléia Legisla- tiva na tomada de decisées acerea das politicas publicas esta duais tinha sido, em grande medida, apenas homologatério. Ve- jamos o caso do Orgamento, pega fundamental na dinamica da co Executivo/Legislativo no presidencialismo ‘a ter um con- © ultapresidencalsma extadval brasileira | 113 Com relagao ao Orgamento, as Assembléias Legislativas ti- veram papel meramente homologatério. Isso ndo quer dizer que cemendas dos deputados nao fossem aprovadas. A hipdtese é que as emendas aprovadas pelos parlamentares estaduais nao alteravam a logica dos gastos do Executivo". A negociagiio entre Executivo e o Legislativo se dava nas Secretarias estaduais, nas salas © gabinetes do governo estadual, estabelecendo um proceso intransparente para a opiniao publica. As Comissdes de Orcamento e Financas ¢ o plenario do Legislativo estadual 86 referendavam as decisdes tomadas no Executivo, restando pequenas oposigdes cstaduais denunciar a legimitidade do pro- 0, usando ao maximo as horas regimentais reservadas aos partidos oposicionistas, quando muito. ‘Obviamente, a formagao de uma maioria governista muito sélida nas Assembléias Legislativas foi uma arma fundamental para que os governos estaduais tivessem um forte proceso deci- sério, Era a natureza dessa maioria, no entanto, que determi nava o caréter hipertrofiado do Executivo estadual, ¢ por con- seguinte, 0 tipo de poder exercido pelo governador sobre os par- lamentares. Sao dois os fatores que determinavam a natureza dessa maioria: as “moedas” utilizadas para obter apoio parla- mentar ¢ 0 grau de participagao efetiva dos deputados na deter- minagao das prioridades de governo. Ante a fraqueza das organizacoes partidarias estaduais como agregadoras de interesses coletivos, resultante da atuagao me- ramente individualista dos deputados, a maioria situacionis era obtida quase sempre mediante distribuigao de recursos ou cargos do Executivo a eada parlamentar, sem que houvesse uma base programatica para selar o pacto governativo. Alem disso, as bancadas situacionistas, hegeménicas nas Assembléias Le- gislativas, abdicavam do poder de fisealizar e da responsabili- dade governativa, apenas homologando as decisdes dos gover- nos estaduais. Construia-se assim 0 chamado pacto homologatério* entre o Executivo ¢ a Assembléia Legislativa, com base no qual se for- * No estudo sobre o Estado de Sito Paulo, fornego clementos auficien- tes para comprovar esta hipétes © O coneeito de pacto homologatorio encontrs-se em Couto, 1991 114 | © ukrapresidencatsma estadua! brasiteia mava uma maioria situacionista que homologava as iniciativas legislativas do governo estadual. 0 pacto homologatério susten- tava-se por dois elementos interligados: pela cooptagao dos depu- tados através da distribuigao de recursos clientelistas e pela au- séncia de participagdo e responsabilizagdo dos parlamentares diante das politicas ptiblicas implementadas pelo Executivo, a T na pequenissima parte que interessa A base local de cada deputado. No pacto homologatério, portanto, o Executivo estadual ti- nha dois trunfos: 0 controle dos recursos puiblicos e a fragmen- tacdo da base de apoio parlamentar, visto que a bancada situa- cionista ndo se constituia a partir de uma organicidade progra- matica, mas em razio do intoresse individual dos politicos que a compunham Pelo exposto acima, depreende-se que a hipertrofia dos E cutivos estaduais nao se ancorava em uma simples maioria par- Jamentar; ancorava-se sim em uma maioria parlamentar incr- wanica que nao era capaz de se articular coletivamente para realmente influir nos rumos da politica estadual. O governo es- tadual, ao contrario, possuia forte organicidade que o tornava 0 inico Poder que poderia conduzir as macropoliticas. Dessa ma- neira, o Executivo controlava facilmente os parlamentares si- tuacionistas no Legislativo, que trocavam a consecugao de seus objetivos individuais pela nao-participagao na formulagao da Giretrizes governamentais. E mais: a maioria situacionista dis- punha-se ainda a permanccer em um siléncio homologatério di- ante dos atos do governo estadual. Assim sendo, os Executivas estaduais obtinham nao s6 a maioria na Assembléia, mas prati- camente acabavam com o prineipio de independéncia entre os Poderes, neutralizando qualquer reagao do Legislativo as suas politicas, No periodo de 1991 a 1994, estudei a relagdo Executivo/Legis. lativo em quinze estados, que sA0 0s seguintes: Amazonas, Pa Ceara, Pernambuco, Paraiba, Bahia, Goists, Espirito Santo, Mi nas Gerais, Rio de Janeiro, Sao Paulo, Parana, Santa Catarina, Rio Grande do Sul ¢ Distrito Federal. Apesar de nao ser uma unidade estadual, inclui o Distrito Federal porque ele funcion. cenquanto tal. principal critério para a escolha dos estados foi a impor- taincia politica-econdmica-demografica. A exec © ulerapresidenciaismo extadual braseleo | 115 do Estado da Paraiba, cujos dados foram utilizados a fim de ana- lisar se havia contraste entre as unidades estaduais mais po- bres as mais ricas no que tange & construgio de maiorias par- lamentares nas Assembléias Legislativas — o que, em linhas gerais, nao foi percebido, A composigio partiddria do universo estudado era bem he- terogénea, Dos quinze governadores analisados, a filiagao par- tidéria no momento cleitoral era a seguinte: seis eram do PMDB, trés do PPL, trés do PDT, um do PSDB, um do PRS e um do PTR’ Logo apés a eleicao, nenhum dos partidos e/ou coligagses que elegeram os governadores desses quinze estados tinha, por si, maioria na Assembléia Legislativa’, Isso mostra que no momento eleitoral ha grande competigao entre os partidos, tendo situa- des em que mais de trés partidos c/ou coligagies poderiam ven. cer o pleito de governador’ Em margo de 1994, 0 quadro havia mudado, mostrando 0 rater situacionista das Assembléias Legislativas, como pode ser visualizado pela Tabela 2. * O governador Hélio Garcia, de Minas Gerais, foi eleito pelo PRS, ‘mas depois ficou um bom tempo sem partido, para em 1994 entrar no PTB. J 0 governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, foi cleito pelo PTR, e depois comandou a fusio deste partido com 0 PST, formando PP, do qual foi um dos principais lideres, Folha de 8.Paulo, 29/10/1990, ¢ As eleigdes no Parans, em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Sa0 Paulo sao exemplos de lugares onde o pleito do 1990 teve pelo me nos trés partidos competindo com chances de vitéria na disputa pelo governo estadual. Recente coletinea organizada por Olavo Bra- sil de Lima Junior (1997) mostra, alis, uma progressiva implan tagio do multipartidarismo nos estados desde 1982. Disto conelui- se, corretamente, que no momento eleitoral tem havido uma dispu- ta verdadeiramente competitiva no nivel estadual, Tal andlise, no entanto, nao trata do comportamento parlamentar. Se o fizesse, mostraria que 6 mutipartidarismo, via de regra, tea sido pratica mente “engolido” pelo governismo tipico do sistema ultrapresi- deneial ¥ carte especial sobre as eleighes. gente nos estados, como mostrarei neste capitulo, 116 | © ultrapresidencitizme ertadul braieiro ‘Tubela 2, Posie dos deputades em regio ao Govesne Unidade Nimerode —Situngao—Openigta—_Inloprndontat da Federagio depute du Atvembléia Amazoans 2 iss) aae7@) Daan Pars a sors) nate Ceara 6 series) 10.21.78 Pernambuco 0 aun) "aout suo) Paraiba 36 26940 114088 Baia 6 sowsse) — 21135.5%) Goise a Sag298)TaT Am Distrito Federal Er Missa) LTA) Espirito Santo 2 2yre7s) "7088 Minas Gerais 7 sae.93) cat Risde Janeira 70 23028) 2908/68) 2719.6 Sto Paulo Be 56.667") 280838) 53 MULIs) “BASIN T1aose Sante Catarina 40 2255) wus) Rie Grande do Sal 56 HQ08) 201364") 24149.68 Fonte: Abruco, 1994.16 Em doze dos quinze estados estudados (ou seja, em 80% da amostra) o Executivo detinha a maioria absoluta na Assembléic; ademais, 0 apoio da bancada situacionista era extremam seguro. A “regra do situacionismo” prevalecia nas unidades e taduais caracterizadas por realidades sociocconémicas tao dis- tintas como as de Sao Paulo, Paraiba, Goids, Santa Catarina, Paran ou Bahia, mostrando que tal fendmeno nao era cireuns- crito as regides economicamente mais atrasadas do pais, O es- tado onde o Executivo tinha a maioria mais folgada no Legisla- tivo era Minas Gerais — a bancada situacionista detinha 88,3% dos votos —, segunda maior economia da federagio’. * Independentes sio deputados que nao faziam oposigao sistemiitiea ‘ao governo, apoiando o Executivo eventualmente, sem no entanto se definirem como bloco situacionista, Na maior parte dos casos (Ris de Janeiro, Parana e Rio Grande do Sul) os independentes eram 0: “figis da balanca” no Legislativo, aproveitando dessa situagio para negociar projetos de seu interesse. Além disso, a posigio de inde- pendéncia podia trazer dividendos eleitorais mais positives do que a pura oposieao, pois o deputado independente obtinha recursos para as suas bases sem ser reconhecido como situacionista, conci- liando as vantagens do oposicionismo (“nao sou do governo, portat to nada tenho a ver com seus erros”) com os aspectas positives de estar na situagdo ("fui eu quem conseguin esta obra do govern”), * Dos doze estados em que a bancada situacionista era majoritaria © ubrapresidenciatmo extadual brasieiro | 117 Havia trés excegdes “regra do situacionismo”: Pernambu- co, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Nestes estados existia forte tradigo oposicionista — em proporgées mais fortes do que na maioria dos outros estados —, gragas a uma acirrada competigao entre as elites locais. Cerca de quatro a cinco gru- pos politicos tinham a capacidade de ganhar o governo ou fa- zer ferrenha oposi¢ao, com grau de lealdade acima da média do sistema politico brasileiro. Em Pernambuco, existiam tré grupos fortes — PFL, PMDB e PSB (leia-se Miguel Arraes) — e um em ascensiio — o PT. No Rio Grande do Sul, havia qua- tro partidos bem estruturados e adversarios entre si: 0 PDT, o PMDB, 0 PT eo PPR (hoje PPB). Ja no Rio de Janeiro, o PDT, o PMDB, 0 PSDB, o PT eo PPR dividiam bem a preferéncia do cleitorado e das elites, resultando em uma competi¢ao politica bem pluralista. Ainda assim, as excegdes demonstram que mesmo nos luga- Tes em que a situagio nao possufa maioria absoluta, 0 Executi- vo tinha conseguido garantir algum acordo para obter apoios majoritarios a fim de aprovar os projetos de seu interesse. Num dos casos desviantes, 0 Rio de Janeiro, havia dois atenuantes ante a inexisténcia de maioria situacionista: a oposigao tinha menos deputados do que a situagao, ¢ os independentes, a maio- ria na casa, eram praticamente controlados pelo deputado José Nader (sem partido), o qual estabeleceu um pacto com o gover- nador Leonel Brizola, garantindo-Ihe os votos necessérios para a aprovagao dos projetos. O embate entre Executivo e Legislativo em Pernambuco tam- 'bém nao era tao desfavoravel ao governo, j4 que, apesar de nao ter maioria absoluta, a bancada situacionista possufa mais de- putados do que a oposigao e os independentes, detendo 49% dos votos. Dessa forma, a margem de negociagao do Executivo para obter maiorias — mesmo que pontuais — aumentava conside- ravelmente. Portanto, 0 tinico caso realmente desfavordvel ao Executivo na Assembléia Legistativa, em ape truiu sua maioria mediante o pacto homologatério: 0 Estado do Card, Neste, a maioria na As oxilativa foi formada a partir de um acordo programiitico e nao em torno da mera distri- buigdo de cargos, | 118 | © ukrapresidencaismo estadual braseiro era o do Rio Grande do Sul, onde 0 governo nao tinha maioria absoluta na Assombléia e também contava com menos deputa: dos do que a oposigao e os independentes. Para aleangar a maio: ria absoluta no Legislativo, 0 governador Alceu Collares preci saria obter o apoio de mais dezessete deputados, o que represen: tava um ntimero de votos maior do que a bancada situacionista possufa (onze votos, ou seja, apenas 20% da Assembléia)". ‘A explicagio do porqué em alguns estados nao houve a mon- tagem de maioria sélida na Assembléia Legislativa deve ser pro- curada no grau de competigao politica existente em cada estado, cujos indices sao dois: primeiro, se a governadoria foi conquist: da por um partido desvinculdo doestablishment, 0 que implica- ria maiores conflitos com as elites politicas tradicionais — como foi o caso do PDT em trés estados. Segundo, o grau de alternan- cia partidéria nos governos estaduais nas ultimas trés eleigdes. Nas eleigdes estaduais de 1982 a 1990, poucos partidos ga- nharam a competigéio para o cargo de governador: o PMDB, » PDS (depois PPR e hoje PPB) ¢ o PFL — que é uma “dissidéncia de circunstancia” do PDS — praticamente dominaram sozinhos as disputas pelos Executivos estaduais. Ocorreu também a vir t6ria de candidates que concorreram por “legendas de aluguel”, ‘mas que na verdade sempre foram ligados aos partidos tradicic- nais, tendo rompido com estes partidos por mera conveniéncia cleitoral — vide, por exemplo, o exemplo de Heélio Garcia (PRS) em Minas Gerais, No entanto, os tnicos que obtiveram éxito cleitoral e representaram alguma novidade ante os partidos tra dicionais foram os candidatos do PDT. Em 1990, o PDT venceu em trés estados: Espirito Santo, Rio de Janeiro ¢ Rio Grande do Sul. Em dois deles, Rio de Janeiroe Rio Grande do Sul, padres minimos de governabilidade foram mais dificeis de ser alcangados do que no resto das unidades estaduais. No Espirito Santo, porém, o Executivo obteve tran- © O governador Alceu Collares foi eleito por uma coligagtio composta pelo PDT, PSDB e PC do B; o PSDB nao tinha no periodo da coleta de dados (margo de 94) representagio na Assembléia Legislativa, enquanto 0 PC do B tinha somente um deputado estadual. Para uravar ainda mais a situagao do Executive estadual gatieho, 0 PC do B rompeu com 0 governo, ¢ a minguada bancada situacionista perdett mais um voto. © ulerapresidencatisme estadusl brasileiro | 119 tila maioria na Assembléia (76,7% dos votos), o que a princt invalidaria a vineulagao entre o éxito eleitoral dos partidos nao los aoestablishment e a dificuldade governativa. Observan- do atentamente o pleito para governador no Espirito Santo em 1990 vemos que af a situagao era bem diferente: o candidato do , Albuino Azeredo, foi apoiado pelo entao governador Max Mauro (sem partido), que havia brigado com 0 seu partido, o PMDB, ¢ especialmente com 0 senador Gerson Camata, o qual apoiou o candidato do PST, José Inacio Ferreira, ex-lider do go verno Collor no Senado. Sendo candidato do governador do es- tado, do qual foi secretrio do Plancjamento, Albuino Azeredo conseguiu 0 apoio de 43 dos 67 prefeitos capixabas (ef. Lamou- nier, 1991:49)", ou seja, de aproximadamente 65% dos prefeitos do estado. Portanto, Albuino nao tinha o carter oposicionista de Brizola ou Collare Se pertencer a um partidohistoricamente marcado como opo- sigdo a elite local — ou a importante parcela dela, pelo menos — 6 indicio de dificuldades futuras ao governador eleito, essa dificuldade ser ainda maior se houver uma pluralidade de eli- tes competindo pelo poder, o que pode ser medido pela alternan- cia de partidos no governo nas eleigdes de 1982 a 1990. Dos quinze estados estudados, em apenas quatro houve um partido vencedor para cada um dos pleitos a governador: em Pernambuco (PDS-PMDB-PFL), na Bahia (PDS-PMDB-PFL), no Rio Grande do Sul (PDS-PMDB-PDT) e no Ceara (PDS-PMDB- PSDB). Nota-se que na Bahia e em Pernambuco dois dos vence- dores diferentes eram o antigo PDS e 0 PFL. Nesses dois esta- dos, contudo, havia uma grande quantidade de ex-pedessistas no atual PFL, 0 que diminuia o efeito da alternancia partidéria E no Ceara, 0 governador do PSDB, Ciro Gomes, pertencia ao grupo do PMDB que tinha governado o estado. Dessa forma, 0 estado com maior grau de competicao era o Rio Grande do Sul, onde também, comparativamente, ocorreram os maiores proble- mas de governabilidade"* “Dos 43 prefeitos que apoiaram Albuino Azeredo, somente onze eram filiados ao PD? — aproximadamente 26% dos prefeilos que 0 api ram. CE. Lamounier, 199149, As cleighes de 1994 confirmaram que o Rio Grande do Sul é 0 esta 120 | © ultrapresidenciatismo estadual brasileiro Em suma, verifica-se que num tnico estado existia um grau de competicao politica eapaz de derrubar o situacionismo vigen- te na esfera estadual. Entretanto, isso nao significou que 0 Po- der Executivo do Rio Grande do Sul fosse fraco. Pois entao ve- jamos: embora 0 Executivo estadual gaticho tenha sido o que sofreu mais derrotas parlamentares entre os casos aqui estuda- dos, chegando a se instalar no Legislativo uma CPI incumbida de investigar suspeitas de atos de corrupgaio no governo esta- dual — a “CPI da propina” —, 0 governo de Alceu Collares per- deu pouquissimas votagies na Assembléia Legislativa, Fica a pergunta: como 0 Executivo gaticho conseguiu aprovar a quase-totalidade de seus projetos sem ter maioria situacionis- ta no Legislative? Adotando uma estratégia de conquistar caso caso o apoio parlamentar mediante pressdo sobre as bases dos deputados. Exemplo maior dessa foi oestabelecimento de convénios com as prefeituras a fim de construir infra-estrutura para a drea social, delegacias c estradas, obras essas que as pre- feituras sozinhas nao poderiam levar adiante. Por conseguinte, 08 prefeitos e lideres locais das regides pressionavam seus re- presentantes parlamentares para aprovar os projetos do Exe- cutivo que previssem essas obras ou 0 financiamento delas. Na verdade, existiam condigdes na esfera estadual que im- possibilitavam aos deputados fiear contra os anseios dos Iideres de suas bases ou nao se apresentar como co-autores das obras edificadas em suas regides pelo governo estadual. Tais condi- ‘goes eram, basicamente, duas: a fragilidade das agremiacoes partidarias, as quais no estabeleciam um contato permanente e programatico com os eleitores, resultando em baixo grau de identificagdo partidéria; e a forte dependéncia financeira dos redutos eleitorais dos deputados com relacao ao governo esta~ dual, o que tornava os eleitores destas regides mais propensos a votar nos parlamentares que trouxessem obras e/ou empregos para os municipio No periodo estudado prevaleceu a “regra do situacionismo”, pois para os deputados era dificflimo ser oposicao pura, estar do com maior competi¢ao politica no pais, uma vez que houve a possibilidade de vitéria de um partido diferente — 0 PT — dos ou- tros trés vencedores dos pleitos estaduais realizados desde 1982. © ulrapresidencialimo estdval brasileiro | 121 fora dos parametros ditados pelo Executivo, ser totalmente “an- tigovernista”. E aqui cabe a distingao fundamental entre o “si- tuacionismo” e 0 “governismo”: 0 fendmeno do “situacionismo” retine apenas os que participam formalmente da bancada do governo; jé o padrao “governista” de atuagao esta presente em quase todos os deputados, visto que eles ndo podem sobreviver politicamente sem usufruir dos recursos do Executivo. Refinando melhor a conceituagao: 0 “governismo” era um fe- nmeno maior que englobava o “situacionismo” e que tem neste uma de suas pegas prineipais — como bem ilustram doze dos quinze estados brasileiros estudados neste trabalho —; no en. tanto, o“governismo” mantinha-se mesmo que o governador nao possuisse maioria situacionista na Assembléia, porque as con- digdes estruturais tornavam os deputados, em sua maioria, de- pendentes dos recursos e da “protecao” dos Executivos esta- duais, ‘No ultrapresidencialismo estadual constatou-se a existéncia de dois padrdes de competigao politica nos estados: no momento eleitoral, vigorava uma disputa multipartiddria; no momento governativo, vigorava uma l6gica quase monolitica, em que pra- ticamente todos os politicos giravam em torno do governo esta- dual, e a favor do governador, alterando completamente o tradi- cional adagio politico: ha governo, sou a favor. 0 fendmeno do governismo era, portanto, uma das principais, fontes do ultrapresidencialismo estadual brasileiro. Exponho abaixo a fala de Fernando Silveira (PTB/SP), representante ti- pico da classe politica na esfera estadual, que sintetiza bem a logica do governismo: “O Executivo tem um poder muito grande de trans- formagdo, entéo nés sofremos muito com isso porque nés temos que estar alinhados ao poder |...]. 0 PTB foi oposicao ferrenha ao governo de Franco Montoro, mas isso nos afastou das grandes realizagdes, inclusive da aprovacao de projetos |...J. Entdo, Poder Executivo, de certa forma, ele impée uma norma em cima da gente, ¢ nés sofremos esta in- fluéncia |...” Em suma, 0 deputado estadual ¢, em grande medida, todo politico que tem seu locus especifico na esfera estadual, de opo- sig ou situagao, deve estar “L.,| alinhado ao poder” se quiser sobreviver politicamente. {ss0 porque 0 Executivo detém “lL... 122 | © ulrapresidenciaiime estadual brasiero um grande poder de transformagio”, de implementar projetos O grande controlador dos recursos estaduais, tao necessérios para a sobrevivéncia politica dos deputados, era 0 governador de estado. O chefe do executivo estadual — por razées que de- senvolverei adiante — tinha dominio consideravelmente gran- de da destinagao dos recursos clientelistas. Assim, numa estru- tura permeada pelo “governismo”, tornava-se fundamental para os deputados a manutengao de um pacto de lealdade com 0 go- vernador, para adquirir os recursos necessarios ao avango na carreira politica Mas quais sao os fatores que fortaleceram os governadores no mbito politico estadual? E 0 que veremos a seguir. A origem do poder ultrapresidencial dos governadores Nesta segao, trato exclusivamente das razées do poder dos governadores intrinsecas a politica estadual. Dou como pressu- posto que os governadores obtiveram condigao financeira me- Ihor a partir da Constituicao de 1988, o que potencializara o seu poderio. Ainda, o enfraquecimento politico e financeiro do Po- der Central facilitou a manutengao do controle da classe politi- ca estadual pelos governadores, visto que estes nao tinham ne- nhum “competidor” a altura para disputar a lealdade dos politi- cos estaduais, Os governadores comegaram a retomar seu poder politico, apés anos de controle das governadorias pelo Poder Central au- toritario, quando se iniciou a cri com o excelente resultado da op cdiode 1974. A par- tir dai, o Governo Federal precisou mais © mais do apoio dos governadores arenistas para controlar as bases politicas locais, redutos eleitorais dos deputados federais. Com isso, os governa. dores arenistas, em troca do empenho redobrado para eleger os candidatos proporcionais vinculados ao regime militar, foram ganhando autonomia ante o Governo Federal Mas foi sobretudo a partir das cleigSes de 1982, quando hou- ve eleigdes diretas para os governos estaduais, que os gover- nadores restauraram seu tradicional poder no sistema poli brasileiro, s6 que reconstrufdo em formas mais “modernas” de politica, tura acerea da transigao brasileira, quando estuda a © ukrapresidencaizmo extadual brasileiro | 123 elcigao de 1982 para governador, enfatiza o aspecto “mudan- cista” desse episédio, isto 6, 0 papel dos governadores na der: rubada do regime militar. Este angulo ¢ fundamental para en tender a transigao brasileira, tal como mostrei no capitulo anterior; porém, ele nao esgota a interpretagao do retorno de eleigoes dirctas para governador. As caracteristicas de conti- nuidade da elite tradicional e, notadamente, do modo tradicio- nal de se fazer politica no nivel estadual sao importantes fen menos do pés-82. E preciso recordar que o PMDB nao s6 ganhou a eleigao para governador como também para varias prefeituras. Pegando dois estados-chave, Sao Pauloe Minas Gerais, vemos 0 éxito do PMDB no pleito municipal: em Séo Paulo, o PMDB ganhou em 308 municipios, mais da metade do total; em Minas Gerais, um dos estados mais conservadores da Federagiio, o entao partido opo- sicionista elegeu 247 prefeitos'”. Em outros estados nos quais 0 PMDB teve bom resultado, aconteceu o mesmo fendmeno, A consequéncia desse fendmeno foi que o PMDB, em varios estados, incorporou a logica da cooptacao, tradicional na politi- ca estadual, estabelecendo uma conciliagao com as oligarquias locais que foram partiddrias do regime militar. Um bom exem- plo disso ¢ 0 caso mineiro. O governador Tancredo Neves e pi teriormente o governador Hélio Garcia — depois que Tancredo se desencompatibilizou do cargo para concorrer & Presidéncia da Republica — trouxeram para 0 governo estadual boa parte das antigas elites que dominaram o estado no periodo autorit- rio. Francis Hagopian relata qual foi a esséncia politica do go- yerno peemedebista em Minas “O governador optou por governar com, e nao contra, a oligarquia mineira. A transformagao do PMDB de partido ba- seado na representagao das classe populares em veiculo oli- sarquico, a revitalizagao da rede clientelista tradicional (...] confirmaram que a politica tradicional sobreviveu ao menos no estigio inicial dos governos civis no Brasil” (Hagopian, 1987:22-3), A partir do caso minciro, pereebemos a forga da politica de cooptagaio no nivel estadual brasileiro. Para entender o porqué 2f, Medeiros, 1986:409 « Havopiae. 198738, 124 | © ulrapresidencitismo estadal braleiro disso, é preciso compreender de que maneira se conforma o sis- tema politico no pais. Para tanto, recorro a uma observagaio muito sagaz. de Maria do Carmo Campello de Souza: “O sistema partidario brasileiro visivelmente se consolida a partir da montagem de méquinas partidarias alimentadas pela patronagem estatal, como ocorre em tantos outros paf- ses no curso de seu desenvolvimento politico. Diferentemen: te dos sistemas europeus ¢ americano, cujas maquinas parti: darias tinham como eixos preferenciais as Assembléias, aqui cle se consolida através das esferas executivas municipais ¢ estaduais’ (Campello de Souza, 1988:602-3). Explorando um pouco mais a argumentacao de Campello de Souza, pode-se dizer que as méquinas partidarias no Brasil se consolidam mesmo na sua relagdo com 0 Executivos estaduais, pois os prefeitos e todas as liderangas locais dependem muito do poder do governador. E 0 governo estadual — ou os “caciques regionais”, quase sempre vinculados a maquina estadual — que organiza a aco dos brokers locais e dos cabos eleitorais, ao con- trario do caso americano, em que as maquinas partidarias dos dois grandes partidos, num estreito relacionamento com os che- fes politicos do estado (a figura do boss), organizam a estrutura para a conquista e sedimentacao dos votos. Nos Estados Uni- dos, olocus de organizagao politica ¢ 0 Legislativo estadual, are- na mais apropriada para a atuacao partidaria; no Brasil, é no Executivo estadual que se concentra tanto a articulacao politica para definir a distribuicao dos recursos como 0 recebimento das demandas da sociedade. Talvez nem seja certo dizer “maquina partidéria” no contex- to estadual brasileiro. O que existe é uma verdadeira maquina de fazer politica alicergada no Executivo estadual. A organi do das agoes politicas é fragilmente baseada em partidos, sem- pre fracos e com tempo de vida curto. Geralmente, grande parte dos politicos muda de partido de acordo com as mudangas no Executivo estadual. Usando um exemplo paradigmatico da rea- lidade estadual no nosso federalismo, basta citar que no Rio de Janeiro, na tltima legislatura estadual, trinta trés deputados mudaram de partido — quase a metade de todos os parlamenta- res —, sendo que oito deles mudaram duas vezes ¢ um trocou trés vezes de legenda (Abrucio, 1994:17). Nesse contexto de fra- kilidade do sistoma partidirio, o governador de estado se torna (© ultrapresidencialismo estadual Brasco | 125 o barao organizador de seu feudo politico, e a partir dele se or- ganiza a politica de cooptagao na esfera estadual Relaciono abaixo os fatores que facilitaram ao Executivo es- tadual tornar-se uma maquina de fazer politica, e, por conse- guinte, que tornaram os governadores bardes do feudo estadual. 0) Poderes financeiros, administrativos e politicos Os governadores possuiam um leque de recursos financeiros, administrativos e politicos que Ihes dava instrumentos pode mos para cooptar a classe politica estadual. Em termos fi 1 de a Constituigéo de municipais, a grande nanceiros, é preciso lembrar que, ape: 1988 ter favorecido as finangas public maioria dos municipios nao tinha como se auto-sustentar. Se- gundo dados fornecidos, por Aspasia Camargo, entao presiden- te do Ipea, 50% dos municipios mais pobres viviam dos Fundos de Participagao, que representavam de 50% a 90% dos seus re- s. E dizia ainda Aspasia: “Bssa 6 uma situagio grave. Revela que eriamos munici- pios como unidades federativas, mas que boa parte deles nao tem condigées de ser um ente federativo, Sua base de arreca- dagao é muito baixa”. 0 governo estadual era o grande “credor” dos municipios bra- sileiros, e come tal, cobrava algo em troca, que era 0 apoio poli- tico ao governador e aos candidatos do governador aos cargos proporcionais. Um importante instrumento financeiro concentrado nas mios do governador eram os Bancos estaduais, e isso valia nto s6 para os estados ricos, mas para todas as unidades estaduais" Como bem observava Pérsio Arida, no auge do paderio dos go- vernadores: “A verdade é que o Banco estadual ¢ um instrumento da politica que alavanea 0 poder dos governadores independen- temente da situagao do Tesouro Estadual, Nada mais eloquen- Entrevista av Jornal do Brasil, 10/1093:13. "© Das vinte ¢ sete unidades que compunham a Federagao doo Distrito Federal apenas du = noeantins © Mate Grosso do Sul (ef Banco Central do Br 199:1:14), incluin nav possuiam Bancw wstadial il, 126 | 0 ulrapresidenciatsmo estadual brasieico te neste aspecto do que o pleito dos governantes dos Estados recém-constituidos que solicitaram a autorizagao para abrir bancos estaduais simultaneamente a constituigio de seus 40- vernos” (Banco Central do Brasil, 1992:203). Os bancos estaduais eram fontes privilegiadas de recursos para os governadores. Emprestavam dinheiro a correligionarios do governador, como também ajudavam a conquistar novos al dos para o governo estadual’’, Alm disso, 0 préprio governo tadual pedia empréstimos a essas instituigdes financeiras, em condigoes financeiras mais facilitadas, sem ter de pagar os juros cobrados pelos bancos privados. A verdadeira natureza do proces- so decisdrio de um baneo estadual é bem definida pelo depoimen- to de Gustavo Krause: “Enttdo, o que acontece na gestdo de um banco estadual? O que acontece, diferentemente de um banco privado, é que os negécios de um banco privado comegam e terminam na mesa do Gerente. E onde terminam os negécios de um banco esta- dual? Na audiéncia com o governador do Bstado. Essa é uma questo nodal” (Banco Central do Brasil, 1993:29). Durante a redemocratizagao, o Governo Federal nao conse- guiu controlar este uso perverso dos bancos estaduais pelos go- vernadores — c mostraremos no capitulo seguinte por que isto aconteceu, O maior escandalo envolvendo as instituigdes finan ceiras estaduais foi, sem diivida alguma, o do Banespa, utiliza do pelos governadores do periodo para fins nitidamente cleito- rais. Basta notar que 1/3 da divida do Estado de Sao Paulo junto ao Banespa tinha como origem empréstimos AROs (Antecipa ‘cao de Receita Orgamentéria) feitos pelo ex-governador Orestes Quércia com 0 propésito declarado de eleger su sucessor. Disse ® Segundo o inquérito do BC sobre o Banespa, 0 ex-governador paulista Luiz Antonio Fleury Filho fez empréstimes considerados absurdos segundo a hoa téenica banciria, exatamente para ajudar alguns aliados politicos. Para dar alguns exemplos, a empresa de foculs de mandioca Larreina, cujos donos eram ex-prefeitos de Sandovalina ruuito ligados ao governador, recebeu empréstimos gragas 4 pres: sto politica que modificou o relatério técnico contrario a esta oper: 10 bancaria; a empresa Paraquimica, também ligada a amigos do Fovernador, obteve um empréstimo eujo porte era totalmente in compativel com o seu capital social, pois recebeu uma linha de eré dito de US§ 2:5 milhdes para um eapital social de US$ 839,59!" e © ultrapresidenciaiamo extdeal brasleio | 127 inclusive a época que “quebrava o estado mas clegia seu suces sor” Com a intervengao do Banco Central foi possivel comprovar mais rigorosamente o que ocorrera no Banespa. O inquérito do Banco Central fez uma radiografia cujo trecho abaixo resume lapidarmente o tipo de relagdo estabelecida entre 0 governo es- tadual e o Banco “O Banespa se vé, ao longo dos anos, em situagdo sui gene- ris, deixando de ser o banco do Estado de Sao Paulo para ser obanco dos negécios do Estado de Sao Paulo, obrigado a su: portar a continua necessidade de financiamento do Governo Estadual c suas empresas (...) Ou seja, tem-se um Estado que, por motivos conjunturais, tipificados na queda de arrecada- ao estadual, ou por nao inspirar credibilidade aos agentes econdmicos (..), constantemente recorre ao meio mais sim- ples para suprir suas necessidades mais imediatas, qual seja, utilizar-se do banco que possi para o saque dos recursos que Ihe sao indispensaveis, sem que tal pratica resulte na déba- cle do banco que controla. “Trata-se, pois, de um auspicioso mecanismo de transfe- réncia de dilemas financeiros, sempre em mao tnica, do Es- tado para o Banco. A posigao do Estado poderia ser traduzida por ‘devo, nao nego, pago quando puder’, ao que complemen- tariamos como ‘como quiser, e da forma que melhor me aprou- ver” (Banco Central do Brasil, 1995:11.677). Além dos recursos obtidos com a nova Constituigao e daque- los provenientes dos bancos estaduais, 0s governos estaduais aumentavam 0 seu folego financeiro por meio dos ganhos obti- dos com a inflagao. A perversa equacdo de inflagao alta com mecanismos de indexagao era lucrativa para os estados toma- dos individualmente, exatamente porque os governos estaduais nao se responsabilizavam pela estabilizagao econdmica — por ragées que veremos no proximo capitulo. O regime inflaciondrio vigente no Brasil dava maior “flexibilidade” orgamentaria aos yovernadores, que ainda contavam com a eterna prorrogacdo do pagamento de suas dividas, Gazeta Mercantil, 3/9/1995, materia especial subre a erise do Bu 128° | © attrpresidencalisma estadual brasil A partir desta situagao financeira, os governadores puderam se utilizar da patronagem como importante fonte de poder. In- chago da maquina piiblica e politizacao no preenchimento dos cargos publicos constituiram-se em regras basicas de funciona- ‘mento da burocracia estadual. Observa-se isso, em primeiro lu gar, com o aumento dos gastos com o funcionalismo desde o ini- cio da redemocratizagao e mais acentuadamente com a pro- mulgacao da nova Constituico. Comparando a evolugdo das des- pesas de pessoal ativo na Unido com a dos estados pereebemos melhor a discrepancia existente. Como proporgao do PIB, a mé dia das despesas com pessoal ativo da Unido era de 3,4% no periodo 1970/1979, tendo caido para 2,9% na média dos anos 1980/1987, e voltado a crescer ligeiramente no periodo 1988/ 1994, mesmo com a queda constante do nuimero de funcionsrios publicos. Ja no caso dos estados, esta evolucdo foi bem diferen- te: acompanhando 0 agregado dos gastos médios do estados ¢ municipios — pois nao ha dados exclusivos dos governos esta- duais — constata-se que o crescimento foi continuo no periodo todo, subindo de 3,9% do PIB em 1970/1979 para 4,2% em 1980/ 1987 e saltando para mais de 6,5% na média dos anos 1988/ 1994 (Beltrao, Abrucio & Loureiro, 1997:9). Mas ha dados mais reveladores sobre o periodo recente que discriminam os gastos dos estados daqueles efetuados pelos mu nicipios. Analisando 0 comprometimento das receitas com 0 pa gamento de salarios ¢ encargos do pessoal ativo nos periodos 1990-1993 e 1994-1995, observa-se que na Unido houve uma pequena redugdo de 18,8% para 17,7% enquanto nos estados ‘ocorreu um crescimento de 46% para 50,2% (Beltrao, Abrucio & Loureiro, 1997:11). Pelos dados disponiveis, ndo é possivel saber com precis quanto este aumento de gasto teve a ver com um erescimento desmesurado do nimero de funcionarios publicos, embora ox aldrios levem logicamente a aceitar esta resposta como verdadeiras causas para a disparidade de gastos apon- tada anteriormente. Ha, entretanto, alguns dados esparsos que corroboram com a tese do inchaco e politizagao da maquina pa- blica estadual. Em agosto de 1993, no Forum Nacional de Seere- tarios Rstaduais de Administragao, chegou-se & conclusdo que 500 mil servidores ptiblicos estaduais nav eram estaveis ¢ por tanto poderiam ser dispensados. O secretiirio da Administragio 0 0 © brapresidencaisono estadual brsieira | 129 da Paraiba, Arthur da Cunha Lima, admitiu que dos 86 mil ser- vidores do estado, 26 mil “nao fazem falta” (O Estado de Sao Paulo, 23/08/93: A-1). Houve também um aumento do ntimero de funcionérios esta- veis e de seus beneficios a reboque da Constituigao Federal, fe- némeno possibilitado por varias Constituigdes estaduais. Diver- sos estados criaram regras no minimo absurdas para justificar a concessao de estabilidade a determinados nticleos de servido- res — quase sempre vinculados a grupos fundamentais na politi- ca de patronagem. Alguns exemplos podem tornar mais clara esta argumentagao": * No Acre, tornaram-se estaveis os servidores que contavam com cinco anos de exercicio na data da publicagao da Consti- tuigdo estadual, sem qualquer excegao, dando margem a es- tabilizagao dos funciondrios de estatais e ocupantes de car- 0s temporarios; ‘+ Na Bahia, Rio Grande do Norte, Maranhao e Ceara foram estabilizados os empregados das empresas puiblicas e socie~ dades de economia mista; + Em Santa Catarina ocorreu algo pior. A Constituicao esta dual tornou estavel os servidores admitidos em carater tran- sitério e nem mesmo exigiu que os cinco anos de exercicio para obtengao desse direito fossem continuados; * No Piaui a situagao foi ainda mais “dantesca”. Todos os ervidores admitidos até seis meses antes da promulgacao da Constituigao estadual, inclusive a titulo de prestagao de ser- vicos, ganharam estabilidade. Apesar de varios destes dispositivos terem sido derrubados no Supremo Tribunal Federal (STF), a briga juridica e 0 paga- mento destes servidores causaram prejufzos enormes aos con- tribuintes do erario estadual. Os verdadeiros ganhadores neste processo foram os governadores, que com estas regras de con- tratacao puderam otimizar seus esquemas eleitorais. E estes esquemas cleitorais nao pararam por ai, Citando mais dois exem- plos: no Pard, 0 governador Fader Barbalho contratou 47.000 servidores puiblicos tempordrios, tornando regra 0 que deveria ser excegao, Em Sao Paulo, estado mais desenvolvido da Fede- © Bxemplos retirados de Guerzoni Filho, 1996:55. 130° | © utrapresidenciaisme estadual brasileiro ragdo, as estatais incharam oseus quadros de pessoal com 14.000 empregos tempordrios, sem concurso publico, no periodo de 1991 a 1994 (Folha de S.Paulo, 14/3/94). Enquanto os governos estaduais puderam manipular os ga- nhos inflaciondrios e os recursos dos bancos estaduais, a patro nagem estabeleceu-se como uma norma da burocracia estadual Apés 0 Plano Real, os estados perderam boa parte de seus ins- trumentos de “fabricar receita” — como o ganho inflacionario ¢ (uso indiseriminado dos recursos dos bancos estaduais — een- traram numa grande crise financeira cujo principal indicsdor foram, como nao poderia deixar de ser pelo exposto anterior mente, os gastos com a folha de pagamento, os quais se torna- ram a maior “pedra no sapato” dos governadores da safra 1995- 1998, A politizagao da burocracia atingiu também de forma decisi- va os cargos do topo do organograma estatal, de importancia estratégica tanto para a publicizagaio dos atos da Administragao Publica como para gerenciar melhor a maquina estatal. Estes cargos eram — e continuam sendo—praticamente todos de con- fianga. O governador e seus principais assessores realizavam 0 provimento destes postos muito mais por critérios politico-elei- torais do que pela qualifieagao técnica. Ressalte-se que, em v4- rios paises do mundo, os critérios politicos sao fundamentais para preencher os cargos de alto escalao — fato mais presente no presidencialismo, mareado pela pratica do spoil system. Mas, mesmo nestes casos, a burocracia 6 montada de modo que ha carreiras no topo do organograma estatal incumbidas de garan- tir a continuidade das politicas publicas. Nos estados brasilei ros, nao havia praticamente nada neste sentido, o que impli va um gigantesco poder de nomeagao dos governadores. Em resumo, a politizagdo da Administragao Publica estadual aumentava sobremaneira o poder dos governadores, ao custo de diminuir a capacidade gerencial do Estado e de tornar o apara- to governamental pouco transparente & opiniao publica. Essa politizagao constituia-se também num instrumento fundamen- tal para aumentar o montante de recursos politicos do Executi- vo, tornando-o mais forte na negociagio com o Legislative e com 0s lideres politicos regionais. Assim, o controle das liderangas das pequenas localidades podia ser obtido pela distribuigio de cargos da burocracia estadual, particularmente aqueles que em © ultrapresidencaemo estadual brasileiro | 131 um status e poder peculiar neste tipo de municipio: delegado de policia, diretores regionais de grandes érgaos (como as estatais, estaduais), coordenadores regionais da areas de satide ¢ educa- gio, diretores de escola, além da remogao de professores ou da influéncia nas Santas Casas locais. A importancia deste ou daquele cargo variava de estado para estado, em virtude da enorme disparidade de situagdes sécio- econémicas existentes na Federacao. Nos estados mais rico: como So Pauloe Minas Gerais, a amplitude financeira e admi- nistrativa das estatais resultava num aumento da importancia estratégica dos postos destas empresas. Ja os cargos da area de educagao eram essenciais em todos os tipos de estado, mas par- ticularmente nos estados médios ¢ nos mais pobres, em razao até do grau de analfabetismo reinante nestes lugares. Outra posigao importante na burocracia estadual era aquela vincula- da a“ordem interna” do muni omo é o caso do cargo de sstadual modificar os ocu- s cargos representava uma das melhores formas de agraciar ou punir determinado politico. Porém, ao mesmo tempo que ganham prestigio politico, estes lideres locais tornavam-se “devedores” frente aos secretarios estaduais e ao governador, devendo “pagar” suas dividas politi- cas posteriormente, especialmente nos momentos eleitorais Desta maneira eram selados os pactos de lealdade entre o Exe- cutivo estadual e as liderangas locais Esta rede de lealdade vinculada a patronagem dependia igual- mente da montagem de uma estrutura clientelista junto aos prefeitos e lideres locais. Dada a precaricdade financeira da maioria destes municipios, o Executivo estadual os auxiliava através de diferentes formas de convénios, envolvendo a cons trugio de hospitais, escolas, estradas vicinais ete... A criagao de secretarias do interior (como no Espirito Santo), de integragao regional (como a subseeretaria existente em Sao Paulo), ou de assessorias especiais vinculadas ao gabinete do governador fo- ram formas administrativas usadas para estruturar a base po- litica do governo estadual com prefeitos, chefes ¢ brokers locais, principalmente nos pequenos e médios municipios. A assessoria especial do governo paraense, por exemplo, distribufa pessoas de confianga pelo interior do estado a fim de recolher pedidos ¢ demandas dos prefeitos e chefs locais; ademais, esta ass 122 | 0 ulrapresdencizme extadual bestiira especial tinha 0 objetivo claro de vigriar os “passos” dos correli- giondrios do Executivo estadual. Jao governode Aleeu Collares, no Rio Grande do Sul, priorizou ainda mais as agoes diretas junto aos municipios uma vez. que o governador nao tinha maio- ria na Assembléia Legislativa. Desta forma, agradando os prefei tos e os Iideres locais, Collares pressionava as bases dos deputa- dos estaduais para que estes apoiassem os projetos do Executivo. Nos municipios com porte de médio para grande, os Executi- vos estaduais tinham maiores dificuldades para cooptar aslide rangas politicas por causa de sua maior independéncia econ: mica. No entanto, a construcao de grandes obras, sobretuco as vidrias, podia render apoios, ainda que menos estaveis do que 08 obtidos com os municipios pequenos e médios, Os governadores ainda se utilizaram de outro instrumento para obter mais poder na esfera estadual: a eriacao de munici- pios, para aumentar o seu “curral eleitoral”. Embora o proceso de criagaio de muni (0 seja atribuigaio do Executivo es dual, o governador pode influir fortemente no processo, uma ver. que os municipios so eriados mediante plebiscito na regiao que quer se emancipar e posterior aprovagio na Assembléia Le. gislativa. Os governadores atuavam, portanto, incentivando e {as vezes financiando politicos e grupos “emancipacionistas” em reas onde possuiam interesse eleitoral, além de conseguir fa cilmente a aprovagio da criagao de municipios na Assembléia, 4 que as dominavam por completo. A multiplicagao dos municipios ocorreu de forma desenirea- da depois de 1988. Segundo dados do IBGE, em 1980 havia 3.990 municipios no Pais; em 1988, antes dos efeitos causados pela promulgagao da Constituigao, o ntimero de municipios chegava a 4189, dando um salto gigantesco a partir daf, somando 5437 no final de 1995 ¢ 5507 em 1997. Os dados da Tabela 3 mostram claramente que 0 deste fendmeno ocorreu entre 1988 © 1995. © ubrapresidencalame estadual brasieira | 133 ‘Tabela 3. A muliplieagto dos municipios brasileiro (1968-1995) 1988195 1995 Amaps 5 6 ‘Rio Grande do Nort 166 Are RoR Alagoa 102 Ronda rer’ Sersive 4 Rorsima 2 8 Paraiba 2a Amazonas © « Pemambuce 185 Para BT Baia 460 ‘Tocantins a8. Minas Gernis 353 DistritoFederal = 11 Espirito Santa 1 Geis ea Rio de Jancis 8 Mate Grosso 210 Sto Paulo oe Mato GideSul = 7277 Paans 396 Pinu uk ta Catarina 287 Marastiio 628 Rio Grande do Sut 465, Total 1988 =4089, Total (1995 = 5457, Fonte: Gazeta Mercantil 115,46, Ha varias explicagdes para este fendmeno, desde as m: nignas, que apontam fatores demograficos e econdmicos como responsaveis pela racionalidade desta ampliagao do nuimero de municipios (Bremaecker, 1993), aquelas que ressaltam uma briga irracional por recursos, j4 que cada municipio criado tem por direito um quantum do Fundo de Participagao dos Municipios (FPM). Com base nesta iiltima explicagao, pode se caracterizar a Federagiio brasileira por um modelo hobbesiano e predatério, no qual estados ¢ municfpios competem entre si sem criar me- canismos de cooperagio (Melo, 1996; Abrucio & Couto, 1996). Este trabalho compartilha da segunda visao aqui apresentada", mas ressalta que este modelo hobbesiano e predatério de multi- plicagao das municipalidades foi fortemente influenciado pel agio politica dos governadores. Constatou-se através de diversas entrevistas que os governa: dores atuaram sobretudo no sentido de criar municipios peque hos, pois estes eram mais faiceis de serem controlados e propor- jonavam 0 espago fisico para o estabelecimento dos redutos elei- torais dos deputados situacionistas. Dos 500 municfpios eriados entre 1980 ¢ 1990, 338 (67,6% do total) tinham entre 5 a 20 mil Desenvalverei mais o aspecto predatorio da Federagao brasileira no capitulo 4. 124 | © urapresdenciaisme estadual brasleico habitantes, ou seja, cram de pequeno porte (Barrera & Roarelli 1995:151). . ‘Com a criagao de novos municipios, 00 governadores podiam redesenhar 0 mapa eleitoral do estado, e a partir desse instru- mento barganhavam apoio dos possiveis candidatos a cargos pro- porcionais ou até criavam novos candidatos, mais afinados com © governo estadual de momento. ) Sistema eleitoral sistema eleitoral também contribuiu para o fortalecimento dos governadores no plano estadual. Podemos perceber a influén- cia dos chefes dos Executivos estaduais em dois elementos eons- titutivos do atual sistema eleitoral. Primeiro, 0 sistema proporcional de lista aberta incentiva os candidatos & Assembléia Legislativa a adotar estratégia eleito- ral individualista e nao partidaria — um efeito contrério teria a lista fechada, pois os candidatos a deputado fariam campanha para o partido e nao para si proprios. Entretanto, os deputados estaduais precisam de algum suporte logistico que substitua a estrutura partidéria para concorrer com possibilidade de vit6- ria. O suporte mais importante — nao 0 tinico™ — tem sido a maquina publica estadual. Com isso, os governadores auxilia: ram varios candidatos a deputado estadual, colocando-os sob sua tutela, E claro que em troca do auxilio o governador espera- va obter 0 apoio a seu candidato a sucessio. Segundo, os candidatos quase sempre fazem campanha e tém sua base eleitoral em uma area geografica circunscrita a alguns municipios. Todavia, ¢ importante ressaltar que os candidatos nao sdo eleitos por uma circunscrigao delimitada legalmente, um distrito formal, pois o sistema proporcional define toda a rea estadual como circunscri¢do eleitoral. Os candidatos cleitos, isto sim, pelos chamados “distritos informais” lados pelos deputados estaduais; ao contrario, cles preci a todo momento responder as demandas de suas bases, ¢ para © Outros suportes eleilorais importantes sdo os sindicatos, as asso, ciagdes empressriais & as igre}as. (© ulrapresidencalmo estadal brasileiro | 135 isso necessitavam da ajuda do governador que, mediante a dis- tribuigao de recursos do governo estadual aos chefes locais — que sao cabos eleitorais imprescindiveis a reeleigdo de qualquer pleiteante a cargo proporcional —, garantia o controle dos de- putados estaduais sobre os “distritos informais” Além disso, como os “distritos” nao tém circunscrigao formal- mente definida, os governadores, se estivessem descontentes com ‘um deputado situacionista de determinada regio, podiam tor- nar aquele “distrito” permeavel a invasao de outros lideres da regido ou entao mesmo criar um novo candidato para aquela rea. Observou-se na pesquisa que os governadores tornaram candidatos varios de seus secretdrios estaduais. Estes distribui am recursos para determinado “distrito” e depois, incentivados pelo governador, concorriam as eleigdes proporcionais obtendo votos da regido beneficiada — tal estratégia vem sendo utiliza- da a tempos por Antonio Carlos Magalhaes, toda vez que ele ocupa o governo da Bahia. Hi ainda outra forma de intervencao do governador nos “dis tritos informais”, como relataram deputados estaduais de varios dos estados aqui estudados. O governador podia modificar o ta- manho do “distrito informal”, na maioria das vezes aumentando suas dimensbes, fazendo com que lideres locais de éreas vizi nhas obtivessem votos naquele reduto eleitoral. Para isso, bas- tava construir obras ou aplicar verbas naquele “distrito infor- mal” em nome do lider politico da drea vizinha a ser beneficiado, Na verdade, mediante o uso da estrutura do governo estadual, 0 governador detinha grande poder de redesenhar 0 mapa eleito- ral do estado — tal qual eu j4 tinha mostrado na questao da criagao dos municipios —, e com base em tal fato negociava acor- dos ¢ apoios mais sélidos com os lideres politicos locais. Portanto, a eampanha individualizada, sem um suporte par- tidario, somada ao caréter informal dos distritos, resulta em maior vulnerabilidade das bases cleitorais dos deputados esta- duais. O governador de estado, no periodo estudado, foi o grande favorecido por esse estado de coisas, ja que ele possufa os instru- mentos — leia-se: recursos piiblicos estaduais —~ para controlar oprocesso de formagii, consolidagao e controle dos redutos el torais. 136 | oltrpresidencaismo estadul brasileiro )Auséncia de contrapesos regionais Ao contrario do ambito federal, onde ha instancias geogré- ficas (regionais ou estaduais) contrabalangadoras do poder do Exec' 1s nao existem estruturas politico- administrativas intermediarias que equilibrem e agreguem os diversos interesses locais extremamente fragmentados e pulve- rizados ao longo do espago estadual. A instancia politico-geo- grafica que poderia cumprir essa funcao seria a Regido Metropoli- tana. Porém, além de agregarem apenas pequena parcela dos municipios, elas ndo tém autonomia financeira nem politica p: se contrapor aos Executivos estaduais A inexisténcia de estrutura intermediaria entre o estado e os municipios incentiva o relacionamento direto entre Executivo ¢ chefes locais, diminuindo o poder dos parlamentares estaduais sobre as base locais. Defendo esse argumento porque este texto parte da hipstese de que a maioria dos parlamentares, qual- quer que seja a sua esfera federativa de representacao, elege-se individualmente (usando a estrutura partiddria quando neces- sario) sobretudo a partir de uma area espacial. O enfraqueci- mento dos deputados estaduais se da, portanto, porque eles nao tém 0 “monopélio” da representagao espacial nos estados, jé que no so 0s tinicos intermediarios da populagao local junto ao governo estadual, concorrendo com os prefeitos ¢ lideres locais — ao contrario dos vereadores, que tém, de certa forma, uma representagao mais “oligopolista” da populagao. Dada a distancia ea propria magnitude da base eleitoral dos deputados estaduais, 0 controle sobre os seus “distritos” depen- de de uma relagao de troca com os lideres da regiao: em trocado apoio dos chefes locais, os deputados aprovariam projetos na Assembléia de interesse de seu “distrito”, Essa situagao obriga os parlamentares estaduais a serem governistas e se ndo 0 fo- rem provavelmente perderdo os votos advindos de suas bases, necessarios a reelei 10 € a0 avanco na carreira politica. Além disso, se 0s deputados nao aprovarem projetos para sua os lideres loeais terdo outra Executivo Os governadores vem se aproveitando da grande fragmen- tagao politica existente nos estados para barganhar apoios dos deputados estaduais ¢ dos chefes locais, jogando uns contra os regives, formas de obter recursos com 0 © ultrapresidencisisme estadual braseiro | 137 outros se preciso for. Se obtiverem 0 apoio dos parlamentares, a atividade politica fica mais facil, pois os deputados estaduais organizam as demandas locais para 0 governo; porém, se os go- vernos estaduais nao obtiverem a sustentagao parlamentar ne- cessaria, podem pressionar as bases locais em busca de aliados ou até desbancar os deputados renitentes em seus distritos elei- torais, bancando obras e projetos nos quais os parlamentares serio alijados. O caso rio-grandense-do-sul, no qual 0 govern: dor se ancorou nas bases municipais para conseguir a aprov; gfo de seus projetos, mostra que ¢ possivel governar mesmo com uma posicao desfavoravel nas Assembléias Legislativas. ‘Um pequeno paréntese deve ser aberto aqui: a conclusio ti rada acima nao implica dizer que no quadriénio 1991-1994 nao foi preciso buscar apoio parlamentar para governar nos esta- dos; bases sélidas de sustentagao parlamentar facilitaram a di- namica governativa do Executivo estadual, poupando-Ihe gas- tos desnecessirios de energia politica, e € por isso que todos os governadores lutaram para ter maioria no Legislativo. Pode-se dizer que 0 “situacionismo” transforma o “governismo” num pa- drao de atuagao politica mais planejado e racional ao Executivo, organizando melhor as caoticas demandas fisiol6gicas advindas dos municipios e dos lideres politicos locais. Enfim, a inexisténcia de estruturas intermediérias entre os municipios e 0 governo estadual elimina a possibilidade de se contrabalangar a hipertrofia do Executivo. Bo Executivo esta- dual a tinica instituigio que tem forga, recursos e coeréncia in- terna para organizar, sozinho, a agenda da politica estadual Enquanto isso, se 0s deputados da Assembléia Legislativa nao tém recursos de poder para sequer controlar suas bases eleito rais, imagine entao para contrabalancar 0 poder do Executivo, 4) Fragilidade institucional das Assembiéias Legislativas ‘A fragilidade politica do deputado estadual, tal como descrita cima, encontra correspondéncia na debilidade institucional das ‘Assembléias Legislativas. Ao longo do periodo estudado, os Le- gislativos estaduais brasileiros praticamente nao tinham corpo tecnico especializado nas atividades parlamentares e poucos re- gimentos internos foram altcrados para se ajustar & nova or- dem constitucional, scndo que todo o processo legislative per- 138 | © ulrapresidencitiamo estadual brasetro manecia muito parecido com o vigente no regime militar, quan- doo Legislativo era um Poder extremamente secundario nopro- cesso politico. Assim, além de deputados estaduais fracos, 0 governador tinha pela frente um Legislativo fragil institucio- nalmente. a verdade, a fraqueza estrutural da Assembléia Legislativa originava-se da incapacidade dos deputados estaduais de rom- perem com a légica do sistema politico estadual, a qual era ba- seada na distribuicdo de recursos ptiblicos para os “distritos in- formais”. Portanto, a sobrevivéncia politica da maioria dos de- putados estaduais dependia do acesso aos recursos da maquina publica estadual. Por isso, 0 objetivo desses deputados na As: sembléia Legislativa era apenas obter um canal privilegiado de comunicagéo com 0 Executivo estadual, que Ihes possibilitas- sem conseguir 05 recursos necessdrios a reeleigdio ou mesmo para conquistar o posto de prefeito (na maior parte dos casos, mais almejado do que o posto de deputado estadual), ou entao para subir um degrau mais alto na earreira politica, chegando a C4- mara Federal, ou ainda para conseguir algum cargo no governo estadual, capaz, de poteneializar 0 avango na carreira politica. Para grande parte da classe politica brasileira, portanto, chegar a Assembléia Legislativa é um meio e nao um fim em si proprio. €) Baixa visbiidade politica 0 Poder Executivo estadual possui baixa visibilidade politica €, por conseguinte, a opinidio publica se demonstra pouco inte- ressada em fiscalizar os atos do governador"’. Uma evidéncia do pequeno interesse dos cidadaos pelas politica estadual encon tra-se em pesquisa realizada pelo Cedec/Data-Folha, em 1992, * 0 deputado estadual Pedro Dallari (PT-SP), comentando sobre @ relagio entre o Executive e o Legislative no Estado de Sao Paulo, disse que *L.1 0 problema nao é 36 que o Executive possui uma maioria eamagadora que homologa todo e qualquer projeto de vernador, (.] fazende com que a Assembleia apenas obedega a governo estadual, perdendo seu papel de Poder fiscalizador Lol 0 {naiur problema que nao ha uihh opiniao publi em nosso exiade due fisealize us abusos eometidos pelo yoverno estadual, vigiando 0 overndor". Seminario realizado no Cedec em 20/993, © ultrapresidencialmo extadval braevo | 139 a qual mostrou que apenas 8,5% dos entrevistados se interes- savam mais pela politica de seu estado do que pela das outras esferas federativas, enquanto 37,7% se interessavam mais pela politica nacional ¢ 16,6% pela politica municipal (apud Balba- chevsky, 1992:142), Ha quatro motivos que explicam a baixa visibilidade politica do governo estadual. Primeiro, os estados possuem um universo pequeno e indefinido de atribuigoes ley tais. Isso ocorre porque a Constituigao de 1988 repartiu as tare- fas desequilibradamente entre os entes federativos. Os estados ficaram com apenas uma competéncia privativa material: “cabe aos estados explorar diretamente, ou mediante concessao a ‘empresa estatal, com exclusividade de distribuigao, os servigos locais de gas canalizado” (Constituigao Federal, artigo 25.°, pa ragrafo 2."), Alem dessa pifia fungao, os estados atuam quase que exclusivamente na area de Seguranga Publica, embora essa seja uma competéncia compartilhada, na qual as capitais se fazem cada vez mais presentes. Todas as outras competéncias materiais dos estados sao de natureza compartilhada, sem uma delimitagao clara das responsabilidades que cabem & Unido, aos estados ou aos municipios, isto é, sem uma hierarquia federati- va bem definida, dificultando a responsabilizagao dos entes fe- derativos pela condugao das politicas publicas, Mas, além da ma definigdo de suas competéncias materiais, 0s estados também possuem pequena quantidade de competén- cias legislativas préprias. Como afirma 0 jurista Celso Bastos, “aos Estados, hoje nao ¢ dado legislar originariamente sobre quase nada’ (ef. Bastos, 1994). As competéneias legislativas es- taduais, em sua maioria, nao atingem com a mesma amplitude aos cidadaos como as congéneres federais e municipais 0 fazem. Por um lado, a esfera federal legisla sobre assuntos de ordem geral que afetam a quase todos — como direito civil, comercial ou trabalhista —, e a legislagio municipal, por sua vez, atua em problemas cotidianos e imediatos dos individuos — legislagao classificada na Constituigao como referida aos “assuntos de in- teresse local” (artigo 30. inciso I). A indefinigao das competén cias legislativas dos estados torna mais dificil para 0 cidadao saber quais sao as reais atribuigdes do governo estadual. Outro obstéculo a um maior controle das politicas es refere-se a forma de cobranca do principal tributo e: aduais adual, © 140 | ultrapresidenciatimo estadul brasiero ICMS. Enquanto os principais impostos cobrados pela Unido e pelos municipios sao diretos — imposto de renda e IPTU, res- pectivamente —, 0 ICMS é um tributo indireto, pouco “visivel” para a populagao. Portanto, uma alteracdo na aliquota do ICMS nao ¢ sentida pela populacdo da mesma forma do que um au- mento do IPTU, por exemplo. Desa maneira, os governos es- taduais sofrem menos fiscalizagao da opiniao publica com rela- 40 aos seus tributos, lembrando que se ha algo que a populagao nao gosta, e reclama ao fazé-lo, é de pagar impostos. A baixa visibilidade politica dos governos estaduais tem a ver também com a relagdo estabelecida pelos governadores e pelos principais “caciques regionais” com os meios de comunicacao. Observou-se, ao longo da pesquisa, que a maior parte da im- prensa regional brasileira, mesmo aquela nao vinculada direta- mente aos governadores, dependia das verbas publicitarias dos governos estaduais. Ademais, os governadores concentravam suas forgas na obtengao do apoio ou do controle das radios do interior do pais — em estados ricos ou pobres —, ja que esse tipo de meio de comunicagaio tem papel de formador de opiniao de importante parcela do eleitorado interiorano. Por fim, em razao do controle que os governadores exerciam sobre a maior parte dos prefeitos e dos deputados, o contencioso politico aparecia bem menos do que nas médias e grandes cida- des ou no ambito federal. Assim, o governador, por meio da coop- tacao, tornava menos visivel os conflitos politicos na esfera esta dual, no quadriénio 1991-1994. 1) Neutralizagdo dos érgaos fiscakzadores Os governadores conseguiram neutralizar os érgdos de fisca- lizagao institucional do Executivo, que sao o Tribunal de Contas do Estado (TCE) ¢ 0 Ministério Publico (MP), Os governadores tiveram grande influéncia no process de escolha dos Conselheiros dos TCEs e do Procurador-Geral do Ministério Publico. No caso dos Tribunais de Contas, os Conse- Iheiros sao escolhidos em parte pelo governador, em parte pela Assembléia, Contudo, como os Executivos estaduais dominavam amplamente as Assembléias Legislativas, na pratica os gover- nadores escolhiam todos os membros dos TCEs. Os governado- res escolheram quase sempre correligiondirios para analisar sas © ulrapresidencalismo estadual braiiro | 141 contas, transformando os Tribunais de Contas em lugar “onde 0 arquivam os amigos”, como jé os definia Gettilio Vargas (Aze- vedo & Reis, 1994:7).0 resultado desse processo de escolha foi que no Amazonas, em Sao Paulo, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, enfim, em varios estados o TCE era partidarizado, controlado pelo Executivo%. No caso de Sao Paulo chegou-se a0 extremo da partidarizagao do Tribunal de Contas, que foi dividido entre “quercistas” e “fleurysistas”, criando um feudo peemede- bista no érgo com o objetivo de dificultar uma futura apuracao das contas dos dois ex-governadores. ‘Aindicagao de Renato Martins Costa, amigo de Fleury, ao TCE paulista para o lugar de Antonio Carlos Mesquita, constitui-se ‘em uma grande prova dese argumento, pois » Conselheiro que deixou o Tribunal nao s6 tinha sido indicado pelo ex-governador Orestes Quércia, como o motivo de sua precoce aposentadoria foi a campanha presidencial de seu padrinho politico, na qual Anto- nio Carlos Mesquita tornow-se fiel escudeiro (0 Estado de 8. Pau- lo, 12/4/94:4-6)" O TCE, que deveria ser um 6rgao auxiliar do Legislative na fiscalizacao do Executivo, teve sua fungao de controle neutra- lizada na maioria dos estados brasileiros. E mais: em alguns estados o TCE transformou-se em importante instrumento de controle dos prefeitos que saiam da linha politica adotada pelo = Houve um grande lobby das bancadas dos gowernadores na Consti- tuinte para que a estelha do TCE continuasse politizada, pois 8 Inente seriam eccolhidos para estes eargos os coreligionéros mais fin ao govermador. A eriagao de Tribunais de Contas compostos por tfenicos poderia ser uma forma de quebrar logica da politica Cetadual 0 que nao intoressa a elite governante local, &vida por mmanter a estrateyia vitiiosa do “governismo”. Este fato nos oi hharrado pelo deputado estadual Pedro Dallars PTISP), que foi as essar parlamentar na Consttuinte, om seminario realizado no dia 20/9, no Cedec 2 No momento de sua sada do TCR, Antonio Carlos Mesquita fer a ferguinte declaragio aos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Fart" pss fn 0 banal a end ona eran See eer doncas para mi’ apn Azevedo & Reis 19040) Eooa doclaragao mostra o quanto estavam partidarizados te Tribunais de Contas Estadvais no periodo estudado 142 | ultrapresidenciazmo estadual brasileiro governador, Assim, se um prefeito nao compactuasse com 0 Exe- cutivo estadual, suas contas seriam consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas, podendo este prefeito tornar-se inele- givel se a Camara municipal votasse a favor do parecer do Tri- bunal. Os TCEs foram utilizados para abrigar correligionarios do governador ou de seus companheiros da coalizéo de governo, Em Alagoas, havia 4.200 funciondrios para oito Conselheiras. O ntimero de funcionarios do TCE alagoano era duas vezes maior que 0 do Tribunal de Contas da Unio, o qual, ressalte-se, deve- ria fiscalizar todo 0 Governo Federal (Jornal do Brasil, 11/4/ 94:4). J no Amazonas, a porcentagem de recursos do Orgamen- tode 1994 vinculado aos gastos do TCE era superior ao previsto para a Seeretaria de Agricultura! Com relagio ao Ministério Publico, 0 governador tem peder de nomear o Procurador-Geral — que é 0 cargo que comanda os processos contra a Administracao Publica —, mediante lista tri plice elaborada por integrantes de carreira, niio sendo legalmen- te necessdrio que seja eleito 0 mais votado. Nao 6 necessario também que 0 nome escolhido seja aprovado pelo Legislativo, a0 contrario do ambito federal, no qual a aprovagao do Procura- dor-Geral da Republica precisa ser referendada pela maioria absoluta dos senadores. Com isso, os fovernadores procuraram, em primeiro lugar, infiltrar-se na disputa interna do Ministerio Pablico, apoiando (ou “eriando”) um candidato ligado ao Gover- no estadual; depois, aprovavam o candidato vinculado politica- mente ao Executivo, obtendo um “aliado” dentro do Poder Judi- cidrio (Abrucio, 1994:36), Qual o motivo que transformou os érgaos de controle do Exe- cutivo estadual em érgaos de protegio do governador? Fontes da uma resposta bem satisfat6 “No caso do Ministério Publico e Tribunal de Contas, |... parece ter se tornado desdobramento natural da carreira con- trolador e controlado passarem de um lado para o outro como se fosse razodvel uma autoridade participar de um governo num dia ¢ no outro julgar se este mesmo governo agiu com corregiio. Esta na lei: sao os prefeitos, governadores e 0 p sidente da Republica que escolhem quem ira julgar as contas de suas administragdes. Nao por acaso escolhem amigos ou colaboradores” (Fontes, 1994), © vitrapresidenciaizme extadual basco | 143 Em suma, no periodo de 1991 a 1994, a situagéo dos TCEs do Ministério Publico modificou a frase-chave do modo oligér. quico de se fazer politica no Brasil: “Aos amigos 0 controle da Iei, aos inimigos a lei”. © ultrapresidencialismo no Estado de Sao Paulo Estudo aqui a dinamica governativa do Estado de Sao Paulo para analisar um caso empirico de ultrapresidencialismo™. Es- colho o Estado de Sao Paulo exatamente para mostrar 0 quanto grassa pelos estados brasileiros o fendmeno do ultrapresiden. cialismo, mesmo em estados economicamente mais desenvolvi- dos. Como tentarei provar, a questo do ultrapresidencialismo 6 mais um problema de modernizagao institucional do que de modernizagio das estruturas sociais. a) Histéria do governo peemedebista em Sdo Paulo e as eleigaes de 1990 os de 1982 trouxeram 0 PMDB, partido de oposicao ao regime militar, ao governo do Estado de Sao Paulo. Apés uma eleigao com forte contetido plebiscitario (oposigdo versus regime), Franco Montoro foi eleito governador. Ele tentou im- primir nova marca a pratica administrativa e estabelecer arti- culagdes com outros governadores para efetuar a transi¢ao de- mocratica. Acima de tudo, Montoro deu feigao nacional ao seu mandato, ajudando a organizar eventos pré-diretas na cidade de Sao Paulo. Contudo, a propria eleigdo de 1982 dava indicios que nao 86 dos centros urbanos vivia 0 PMDB. Ao contrario, a vitoria em varias prefeituras paulistas mostrava que o PMDB crescia no interior paulista. Esse crescimento politico do PMDB no inte- rior tinha um grande artifice: Orestes Quércia. Foi ele quem construiu a estrutura partidaria emedebista interiorana na dé Ascleig 1 Para a confegio dessa seg, tome por base meu trabulho empirico za Assembleia Lagislativa paulista desde de 1990, Além dio, 08 Irtigos de Ferreira Costa & Oliveira (1994), de Abrou (19 felutores de pesquisa de Holanda (1890), Psst (1990), Lage (1992) Oliveira (1892 como tambem 9 excelente livro de Anevedo & Ree (190%), foram enconeias para realiagio dente trabalho 144 | © ubrapresidencatisme estadual brasieiro cada de setenta. Para se ter idéia, nas eleigics municipais de 1972 0 MDB concorreu em apenas 170 dos 572 municipios pau- listas e elegeu 58 prefeitos contra 487 da Arena. Em dois anos 0 quadro mudara radicalmente, gragas ao trabalho de “formiga” de Orestes Quércia, passando o partido a contar com Diretérios partidarios organizados cm 390 municipios. Em 1974, Orestes Quércia obtinha vitéria estrondosa para o Senado, em boa me- dida por causa do crescimento do MDB no interior. J em 1976, o partido consolida o seu crescimento no interior do estado, con- quistando 101 prefeituras e dobrando o ntimero de vereadores eleitos de 808 para 1.666 (cf. Capistrano & Citadini, 1982). Quércia, como vice-governador de Montoro, aproveitou-se do cargo para consolidar sua forga no interior, através de visitas a varios municipios pequenos, prestigiando seus lideres com a “honra” da visita do vice-governador; obtendo recursos ostaduais para serem distribuidos a determinada regio; levando reivin- dicagdes locais ao governo estadual,, que proporcionava a Quér- cia uma imagem de “porta-vo2” dos interesses do interior; e par- ticipando ativamente de entidades de defesa dos interesses dos 8, como a Associacdo Paulista dos Municipios. Em: su: ma, Orestes Quércia se legitimou junto as bases interioranas paulistas Ademais, Franco Montoro descuidou-se dos diretérios muni- cipais do partido, logo conquistados por Orestes Quércia. As- sim, Quércia ganhou o direito de ser 0 candidato do partido, ¢ apostou todas as fichas no interior, onde o candidato peemede- bista conseguiu os votos que Ihe possibilitaram a vitéria eleito- ral. A estratégia de Quércia na elei¢ao de 1986 deu ao partido, tanto no pleito proporcional como no majoritario, grande mime ro de votos no interior de So Paulo, ocorrendo o fendmeno inti- tulado de “interiorizagao do PMDB” (Sadek, 1989), Em seu mandato, Orestes Quércia continuou dando éniase {as politicas em beneficio do interior, agindo no intuito de cons- truir uma estrutura politica capaz de tornar o PMDB imbativel fora dos limites da capital e Grande Sao Paulo, Utilizou ao mé- ximo a estrutura da maquina publica estadual para cooptar pran- de parte da classe politica do estado, Priorizou a construgao de obras no interior do estado, especialmente as obras visrins. Se guiu 0 preceito de Washington Luis, de que “governar truir estradas”, e investiu pesadamente na construgao de estra © ukeapresidencisismo extadual braseiro | 145 das vicinais, ligando sobretudo municipios em proceso acele- rado de desenvolvimento agricola ¢ agroindustrial. O investi- mento nesse tipo de municipio tinha objetivo claro: formar um “curral eleitoral” em cidades que passavam por um processo de crescimento econémico e demografico, garantindo, por um lado, um bom contingente de votos para as préximas eleigdes, e por outro, futuros financiadores de campanha, ja que havia nessas regides varios grupos econdmicos em ascensao. Nesse processo de interiorizagao do PMDB, 0 governador Quércia procurou também alijar dos principais centros de deci- sao do governo estadual o grupo hegemonico do PMDB na Grande 10 Paulo e capital, formado pelos que posteriormente dariam origem ao PSDB — Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas, Montoro, Serra, Getiilio Hanashiro ete... Esse grupo era um obs- taculo tanto as pretensdes hegeménicas de Quércia dentro do partido, como também a estratégia quercista de priorizar o in- terior do estado. Em 1988, este grupo abandonou o PMDB, fun- dando o PSDB. A partir dai, Quércia se tornou o lider inconte te do PMDB no Estado de Sao Paulo. Embora Montoro tenha sido 0 primeiro governador do ciclo peemedebista, Quércia foi o primeiro a usar do cargo para exer- cer poderes ultrapresidenciais. Para tanto, conseguiu controlar © Legislative estadual e os drgiios de fiscalizagao institucional, neutralizando os mecanismos de controle do Poder, isto é, os checks and balances caracteristicos do sistema presidencialis. ta, No momento de sua sucesso, em 1990, o governador Quér. cia escolheu a dedo seu candidato & sucessao: 0 ex-seeretario de Seguranca Publica Luiz Antonio Fleury Filho, um auxiliar que nao tinha historia politica, e portanto, em tese, seria fiel e obe- diente a Orestes Quércia durante o mandato. Para esta campa- nha, Orestes Quércia mobilizou toda a maquina administrativa no interior, além de ter priorizado na montagem da chapa pro- porcional candidatos ligados A malha institucional, notadamen- te ex-prefeitos do interior (ef. Abreu, 1994). Ademais, o PMDB Sobre o ultrapresidencialismo na gestio de Quércia, ver os rela- t6rios de pesquisa do Cedec de Abrucio (1990), Holanda (1990) ¢ Pait (1990) 146 | © ultrapresidenciaismo extadul brasileiro tinha estabelecido uma alianga com trés partidos cuja maior forga eleitoral estava no interior — PFL, PL e PSD —, mas apenas para o pleito majoritario, Em resumo, a estratégia quercista pri- vilegiava a campanha no interior, o uso da maquina politica eo langamento de candidatos proporcionais vinculados & malha ins- titucional. A votagao de Fleury e dos deputados peemedebistas prova- ram que o plano eleitoral de Quércia dera certo. Os resultados do pleito para governador confirmam a hipétese da interioriza- gao do PMDB (ver Tabela 4). ‘Tabels 4, Votagdo para governador (1990, prinito tumno) oe) —_atarior 108.117 PMD 380077 220 2a8713-Be96 aOR PP catia! 1636058 9.55 610058788 San zat Re 3768930 2200 208265 24.99 1.001.678 Comprrecimento 17430890 10000 882259 100.00 5.367.307 Os dados da eleigdo do primeiro turno de 1990 mostram cla- ramente a maior penetragiio do candidato peemedebista no el torado do interior do que no da capital. Essa tendéncia perma. neceu no segundo turno e foi, junto com os votos do eleitorado petista, um dos fatores determinantes na vitéria de Luiz Ant6. nio Fleury Filho (PMDB). Na eleicio proporcional, o fendmeno da interiorizagdo se re petiu. Dos votos para a Assembléia Legislativa conquistados pelo PMDB, 81% vieram do “resto” do estado (interior e Grande Sao Paulo), ao passo que apenas 19% vieram da capital (Abreu, 1994:25). Além disso, dos dezenove deputados estaduais eleitos pelo PMDB para a Assembléia Legislativa, onze tinham base no interior, sendo sete deles ex-prefeitos, como mostra a Tabela Além da interiorizagao do voto, havia outra caracteristica im- portante da bancada peemedebista eleita para a Assembléia Le- gislativa em 1990. Era a vinculagao de seus deputados com a maquina publica estadual ou com as administragoes municipai ou seja, a vinculagao com 0 aparato estatal. Podemos ver isso nos dados coletados por Alexandre Polegi de Abreu, que estabe loce a seguinte classficacao dos deputados estaduais paulistas do PMDB: © wlrapresidencilisma extadual brasileiro | 147 1. Oriundos de maquinas locais; 2. Oriundos de maquinas administrativas estaduais; 3. Oriundos de participagao publica em organismos institu- cionais da sociedade civil, tais como igrejas evangélicas, coope- rativas agricolas ete. Com base nessa classificagao, dividem-se assim os deputados estaduais do PMDB eleitos em 1990 (ver Tabela 6). “Tobela 8, Deputados estas do PMH eeitos pelo sterior Depntade Concentragi Exorefeito Uebe Rezeke Barrets\ ERG) Barretox Roberta Parini Bauru (ERC : Milton €. Boat Botueatu(ERGVBaurwiERG) SioManue Aelardo C Mavi (RG) Marie Maviro Bra Presidente Prudente RA, Edin Ar Stovoee do Rio Preto RA) ‘Santa Fé do Sul Vergiio Dalla Pria Sto Jove do Rio Preto (RA) Jaime Gimenes Matao Tenice Rewos Ovvalde ust Sentoe ERG) Santos Fonte: Abrew, 199829, “Tabsla 6, Deputados estuduis do PMDB, Grupo Deputado A’Camarinha Mauro Bragato Rose Thomes Rubens Farisn Joao Leva {Catton Apotinaria Reecary Correa Alison M. Alves Sol Freire ‘Arnaldo Sardis Osvaldo Justo Lave Nato Eun Araujo Vrgilo Dein Fonte: Abreu, 1995:91 0 que a Tabela 6 mostra com nitidez é 0 predominio de depu- tados estaduais oriundos do Poder Publico estadual e municipal 148 | © uttrapresidenciatima estadual beasleiro — doze dos dezenove, ou seja, 63%. Mas € preciso lembrar queo Poder municipal tem extrema dependéncia da maquina publica estadual — tal como mostrei anteriormente —, 0 que indica a forca eleitoral do Executivo estadual. O suporte dado pelo g9- verno estadual aos candidatos vitoriosos seré cobrado em ter- mos de apoio ao governador na Assembléia Legislativa. ‘Acstratégia eleitoral quereista baseada na utilizagao da for- cada maquina publica estadual ¢ na interiorizagao foi retoma- dana formagao da maioria parlamentar do governo Fleury. Ade- mais, 0 novo governador utilizou-se de todos os mecanismos do ultrapresidencialismo que deserevi anteriormente, governando tal qual um barao no dominio de seu feudo, b) Formacao do governo e proceso decisorio na gestdo Fleury Luiz Ant6nio Fleury Filho foi eleito governador de Sao Paulo em uma disputa no segundo turno ganhando do candidato Paulo Maluf por uma pequena margem de votos. Contribuiu, e muito, para a sua vitoria 0 apoio dos militantes petistas, que trouxe- ram votos sobretudo da grande Sao Paulo e da capital. Contudo, Fleury formou scu governo levando em conta no 0 peso dos grupos que o apoiaram no segundo turno, mas a possibilidade de montar uma maioria solida na Assembléia Legislativa, ‘Antes de tudo, cabe ressaltar que o governo Fleury nao tinha de antemao a maioria na Assembléia. Alids, 0 PMDB estava, desde 1986, num processo de diminuigao do numero de depu- tados ostaduais na Assembléia Legislativa. Ao mesmo tempo, no entanto, aumentava o numero de deputados situacionistas, A Tabela 7 mostra a evolugdo desta tendéncia desde 1982 Tbels 7.0 PMDR, 4 malorn gvernita na Assembléia Legilativa Deputadosdo PMD Depstados du stuagio 1082 2 46 1986 31° e 1980 19 a6 + OPMDB obteve o apoio de dois deptaor do PTB e de dois deputatos que sairam d> PE ‘Sergio Santon Maceo Aurébio SS atiba perder nove dpa dos ens 198A, ave deram origom 20 PSDB, DPMS Sieve» apoio man rimeiro momseao sponse dois depwtados do PF e,com ‘ingi do PSDB, eT tanibem enteon na banca governs feluandea PPL PL, UTD, PSD © PST © ulrapresidencialsmo estadual brasero | 149 ‘Ve-se que, embora 0 PMDB elejesse menos deputados a cada maioria situacionista cre sada governo. A expli se fenémeno constitui-se numa via de mao dupla: do lado dos governadores peemedebistas, havia a necessidade de conquistar o apoio de mais e mais deputados para manter a forca politica do Executivo no Legislativo estadual; do lado dos deputados, eles precisavam dos recursos publicos estaduais para controlar seus “distritos informais” ¢ posteriormente se reele- ger ou avangar na carreira politica, e portanto a cada vitéria do PMDB diminuia o nimero de deputados arredios quanto ao apoio a0 governo estadual. processo de obtencao de maioria na Assembléia Legislati va pelo governo Fleury tinha trés caracteristicas basicas. Pri meiro, a base parlamentar do governo Fleury foi formada me- diante o pacto homologatério, isto é, os deputados ofereceram apoio seguro ao governador, homologando todas os seus proje- tos na Assembléia, em troca de verbas ¢ cargos ptiblicos. ‘A distribuigao de cargos publicos foi uma das prineipais mo- edas na formagao do governo. Foram oferecidos aos deputados cargos em estatais, secretarias de estado, ¢ cargos estratégicos no segundo escalao da Administragao Direta. No inicio da ges- tao, Fleury buscou o apoio do PTB, do PFL do PST — que depois daria origem ao PSD. O PTB recebeu a Secretaria da Agricultura, além de ter formado a Diretoria da Ceagesp ¢ da Comgas; ja 0 PFL ganhou a Secretaria de Esportes e Turismo, indicou pessoas para os principais cargos da EMTU — menos para a Diretoria financeira —, obteve uma Diretoria do Metro ¢ indicou o presidente da Fepasa; por fim, o PST ganhou uma Diretoria do Metro. Posteriormente, com o decorrer do gover- noe a partir das varias mudangas partidérias que ocorreram na legislatura 1991-94, o loteamento dos cargos foi sendo rede- finido’ Um ex-deputado do PSDB, Getulio Hanashiro, desereve as- sim 0 objetivo da distribuigao de cargos no governo Fleury: “Como é que o governo consegue apoio parlamentar?... Aqui corre aquilo que chamo de ‘feudalizagao’[...] quer dizer voce % Em fevereiro de 1993, por exemplo, 0 PSD foi “presenteado” com a Presidéncia da Companhia Paulista de Obras ¢ S 150 | © utrapresidencitizmo extadvalbraiero tom a formagao de cartérios |...) pratieamente toda a Admi: nistragdo estadual foi dividida com os parlamentares que dao apoio ao governo.” Entretanto, a “feudalizagao” da Administragdo Publica esta. dual nao atingia o micleo central do governo estadual. O gover nador entregou aos deputados cargos que tinham importancia como distribuidores de recursos clientelistas, mas permaneceu com as secretarias e estatais mais estratégicas. Fleury tinha © controle direto das Secretarias da Fazenda, Planejamento, Educagdo e Satide, da Subsecretaria de Integragao Regional — depois transformada em Subsecretaria de apoio aos Munieipios , da Sabesp, da Eletropaulo e do Baneser. ‘Ademais, em Sao Paulo vigorou uma regra-chave do ultra- presidencialismo: 0 governador possuia grande controle sobre 0s cargos loteados, pois os deputados estaduais eram extrema- mente dependentes do governador, dado que eles necessitavam dos recursos do governo estadual para garantir o dominio dos “distritos informais”. Para o deputado estadual, a perda de um cargo na maquina estadual poderia significar um futuro fracas- so eleitoral. O governador, sabendo disso, aumentava seu grau de controle sobre os ocupantes dos cargos loteados. A segunda caracteristica da formacao de maioria parlamen- tar no governo Fleury era que a negociagao tendeu a ser estabe- lecida de forma individual, num contato direto com cada parla- mentar, sendo os partidos, no mais das vezes, meros vefculos das aspiragdes politicas dos deputados. Os partidos e a Asem bléia Legislativa constituiram-se em instrumentos para os de- putados estaduais pleitearem as demandas de seus “distritos” Portanto, o governo foi montado de acordo com a posigéio mera- mente individual dos parlamentares ¢ nao mediante negocia- es partidarias, ‘A fraqueza dos partidos na Assembléia Legislativa pode ser percebida por meio da andlise das trocas partidarias ocorridas de margo de 1991 até fevereiro de 1994, tal qual mostro na Ta- bela 8. © carater individualista do comportamento dos deputados, sem nenhuma fidelidade aos partidos, s6 favorecia ao governa- Semindirio realizado no Cedee em 3/4/92. © ukrapresidencialsmo estdual brasiero | 11 dor, que conseguiu alterar o panorama partidario mediante dis- tribuigao de cargos e verbas. Foi assim que Fleury criou um par- tido, 0 PSD, como também ressuscitou outro, o PL, que ja nao tinha mais representagao na Assembléia, No caso do PSD, Fleu- ry montou um partido para si proprio, pensando em dominar a politica no interior do Estado de Sao Paulo, para controlar de: sa forma as antigas bases de seu padrinho politico, o ex-governa- dor Orestes Quércia. Com relagao ao PL, este partido recebeu onze dos doze deputados do PFL quando o presidente do Dire- t6rio Estadual do partido, Antonio Cabrera, com a anuéncia da Diregdo Nacional do partido, decidiu tornar o PFL paulistano independente do governo estadual. O alto risco de concorrer ais préximas eleigdes estaduais sem o apoio politico e material do Executivo estadual foi o fator determinante da op¢do dos ex- deputados do PFL pelo PL (ef. Ferreira Costa & Oliveira, 1994:6), ‘abela 8. Varia da composicao da Aasembleia Legisatva Paulists Partidos __Margode 91 Novembrode 91 Junhode 92 Fevereiro de 94 Pxpe 19 Pa 22 26 4 “ 8 a 1 5 6 SIPPRD it 0 4 13 ° ‘ ‘ 6 8 8 2 1 3 a ° 1 2 1 ° ° 2 7 ° ° ° ° 8 5 2 ° ° a i ° ° ° 1 1 1 o 4 6 ° 1 “Total de deputados oa * Composign orginal da Asseaubiia no ini da lgilatura 1991-9, Ponte: Fervera Costa & Oliveira, 1984 5, Em suma, 0 governador Fleury conseguiu modificar 0 quadro partidario por meio da oferta de cargos ¢ verbas aos deputados estaduais, tornando o processo de formagao de maioria parlamen- tar totalmente comandado pelo chefe do Executivo estadual. A terceira ¢ ultima caracteristica da formagao de maioria si- tuacionista na Assembléia Legislativa no governo Fleury foi a estratégia de priorizar a obtengao do apoio de deputados esta- duais oriundos do interior paulista, Basta notar que a bancada 152 | © ulrapresidenciatsmo estadval braieiro situacionista foi constituida por 57% de deputados do interior, a0 passo que a bancada oposicionista possuia 32% de seus de- putados no interior paulista. Além disso, dos 41 deputados esta- duais com base no interior, 32 apoiaram 0 governo Fleury, ou seja, 18% dos deputados interioranos foram situacionistas na- quela legislatura (Ferreira Costa & Oliveira,1994:7-8), ‘Mas por que os deputados estaduais do interior tendem a ser mais situacionistas? © ex-vice-governador do Estado de Sao Paulo, Aluisio Nunes Ferreira Filho, fornece uma resposta sa- tisfatéria: “A vida politica no interior é muito polarizada [...] ou se é contra ou a favor do governo estadual. E ser contra o gover- nador tem um custo muito alto, podendo significar a perda de recursos importantes para a regidio. E se o deputado nao traz recursos para a sua regido, sua recleigo fica ameagada."™ Mesmo para muitos deputados estaduais do interior que cram da oposi¢do, a sobrevivéneia politica dependia da obtengao dos recursos do governo estadual. Em fevereiro de 1992, por exem- plo, o jornal Gazeta Mercantil noticiava que até os deputados do PSDB, adversérios do governador Fleury, sucumbiam & politica fisiolégica, pois trés dos seus nove representantes ja haviam debandado para o partido do governo, na busca de apoio as suas candidaturas para prefeito na elei¢ao de 1992. O préprio lider do PSDB admitia que “a situagao da bancada era muito dificil, principalmente no que se refere aos deputados com base no inte- rior”. E acrescentou ainda: “a rela¢ao com o eleitorado [no inte- ior] ¢ diferente. O que os eleitores querem & que 0 candidato consiga beneficios para a cidade junto ao governo estadual. Isso os torna muito vulneraveis™. Para garantir o controle da base politica do interior, 0 gover- nador Fleury criou a Subsecretaria de Integragao Regional, de- pois transformada em Subsecretaria de Apoio aos Municipios, porém mantendo sua antiga fungao. Essa estrutura governa- ‘mental tinha por objetivo fornecer informagdes sobre a situagao °® Seminario realizado no Cedee no dia 25/10/92. © Apud Ferreira Costa & Oliveira, 1994:8, O ex-deputado estadual Gotulio Hanashiro afirma ainda que “para fazer politica no inte- rior € necessario estar no poder” (semindirio realizado no Cede: no din 3/4/94). © ulerapresidenciaismo estadual brasileiro | 153 politica das diversas regides do estado ao Gabinete do governa- dor, utilizando-se de funcionarios contratados pelo Baneser. Va- leriano Ferreira Costa & Carlos Thadeu de Oliveira assim des- crevem esta estrutura montada por Fleury: “Toda esta estrutura dedica-se a tarefas politicas (recebi mento de demandas de obras etc.), de eunho partidario (con- trole das filiag6es, mapeamento eleitoral, popularidade dos correligionarios etc.) e também de natureza policial (investi- gagio da vida dos adversarios e dos aliados)” (Ferreira Costa & Oliveira, 1994:13), controle das bases interioranas reforgou ainda mais po- derio do governador sobre os deputados estaduais". Com essa medida, completava-se a estratégia de formagao de maioria no governo Fleury, cujo resultado foi uma atuagao meramente ho- mologatéria da Assembléia Legislativa paulista. Com efeito, a participagdo dos deputados estaduais no processo de governo foi quase nula neste periodo. Uma breve descrigao da produgio legislativa dos parlamentares nos anos de 1991 e 1992 da boa amostra do perfil de seus mandatos (Tabela 9), Tabola 9. Projetoe aprovados em 1091 Projets anncionados pelo governador ex 91 20 bre direitos, cargo, salaries ele 6 fabrecancosnie de wro alienagho de iméveis 18 tebre temas divertae 5 Projeton provados de iiciativa dos parlamentares 319 ‘ande nome a estabelecimentos de esine 190 ‘Lande nomess edovise, viata, delegacas ete, of ddeclarando entidades de uitidade publiea a Instituindo eventos no colendarn tursticoedatae a tebe temas divervoe un Ponte Azevedo & Bes, 19955118, No ano de 1991, 96% dos projetos aprovados de iniciativa dos °° B interessante notar que o Estado de Sao Paulo elevou seu mimero de municipios de 574 para 629 durante o governo Fleury (Barrera, 1994:90). Isto traz a Lona a hipétese do governador Fleury ter ineen: tivado a eriagio de municipios para redesenhar o mapa dos “distri tos informais” a seu favor. Um deputado situacionista, em off, con: firmou que boa parte dos casos se deveu a este motivo, ¢ disse: “olha, 154° | © ulwapresidencalsme estadval braieiro parlamentares versavam sobre denominagao de unidades ests duais de ensino, de viadutos, rodovias, delegacias etc., ou entao declaravam entidades como de utilidade pibliea, ou ainda insti- tuam eventos ¢ datas comemorativas no calendario turistico do Estado de Sao Paulo. Ou seja, a produgdo parlamentar nao lida- va com os principais problemas dos cidadios, cabendo ao Exe- cutivo as principais decisdes legislativas No ano de 1992, a situagao praticamente se repete, como mostra a Tabela 10, Tabla 10, Projetos aprovads em 1992 Projetos sancinados pelo governador em 92 mn We neiativa do governadoe é fe inicitivn de otros juditario, TCE et 0 Projeton aprovados de iniiaiva do pivernador 8 bre direitos, argos, salvies et 3 bre conceesio de uso alienagio de inves o thre temas diversae 2 Projetos aprovadea de insiativa dos parlamentaree a dando nome wextabelecimentos de ensino 194 dando nome rodovins, indo, dlepacias ete, 52 dleclacando entidadea de utidade pablea 53 inttuindo eventos no calenddeie turiticwe dates 36 sobre temas dverses 1% Fonte: Azevedo. Rei, 1994119 Das leis promulgadas cuja iniciativa foi dos parlamentares, 91% referiam-se a assuntos sem nenhum efeito pratico sobre a sociedade, dando nome a viadutos, instituindo eventos no ea leudario turistico ete. Destas leis apresentadas ¢ aprovadas p los deputados, 55% davam nomes a escolas. Na realidade, a dis- cusso ou a producao de material legislativo referente a politi cas publicas, por exemplo, nao foi tarefa dos deputados estadu- ais. Em suma, a Assembléia Legislativa paulista teve a fungao de apenas homologar as iniciativas do Executivo, abdicando de fato da fungao legislativa. um governador como o Fleury que nao tem uma historia politiea [..J.e que tem um politico experimentado como 0 Quéreia no ‘ecu caleanhar [... tem mesmo que eriar novos lideres, eriar novos ali dos no interior, para tentar influenciar as eleigses e ameagar os deputados. Entio ele deve ajudar a criar novos municipios mesmo. So elo nao faz isso, ole é ‘engolido pelo Quéreia, © a Ascembléia ro mega a ficar ‘manhosa’, pedindo mais recursos, e 0 governador fica com 0 poder abalado” © ukrapresidenciatema estdual brasileiro | 18S Outra importante fungao do Legislative, sobretudo no siste- ma presidencialista, é a participagdo na elaboragao do Orga- mento, No processo orgamentario do Estado de Sao Paulo, no- vamente a participagao substantiva dos deputados estaduais foi muito pequena. A Tabela 11 mostra um painel geral da parti- cipagao dos parlamentares estaduais na questdo Orgamentéria no quadriénio 1991-94. "Tabela 11, Alteragies da Aaseiléia as propostas do Executive Orgamento para ‘Nimero de emendas Volume de recurs Apresentadas incorporodas alerada/otal 1901 58 Pa ozs 1902 a7 66 oan 1903 506 169 oan 1994 806 ae 10% Fonte: Ferreira Conta & Oliveira, 1994 Embora a alteragao no Orgamento realizada pelos deputados estaduais aumentasse a cada ano, a modificagao do volume total de recursos foi irriséria. Na verdade, 0 processo de elaboracao do Orcamento na gestao de Fleury ocorreu integralmente no Executivo, para onde os deputados levavam suas demandas, que ser atendidas pelo governo estadual. O gover sus principais auxiliares concentravam em suas maos ‘a decisdo da alocagao dos recursos puiblicos. Assim, o poder que o Legislativo obteve na Constituigao de 1988 de alterar as dota- gbes orgamentarias parece nao ter tido efeito na conduta dos parlamentares da Assembléia Legislativa paulista ‘éo defendo aqui o comportamento “emendista”, tal qual exer- cem por muitas vezes os deputados federais e senadores. Mas também nao ¢ condizente com o regime democratico 0 compor- tamento completamente heterdnomo dos deputados estaduais paulistas. Como admitiu o vice-governador Aluisio Nunes Fer- reira Filho, os deputados estaduais paulistas concentravam praticamente toda a sua atuagio no momento da execugao or- camentaria, pressionando o governo estadual a cumprir as pro- messas de gastos em suas regides", Dessa forma, os parlamen- tares atuavain a reboque do programa de investimentos elabo- 4 Seminsirio realizado no Cedec no dia 25/10/92. 156 | © ulrapresidencasme estadual braslero rado pelo governador, perdendo a autonomia adquirida tanto pelas novas regras da Constituigio, como também pelos votos obtidos nas urnas. Talvez deva matizar um pouco o argumento apresentado aci- ma. E verdade que, ainda no momento de feitura do Orgamento, 0 Executivo estadual teve de incorporar algumas das demandas dos deputados estaduais, pois precisava agraciar As diversas re- sides do estado com obras e/ou verbas piiblicas. Porém, os depu- tados estaduais, como jé pontuei anteriormente, sofriam a con- corréncia dos prefeitos que vao diretamente ao Executivo levar os pedidos de suas cidades. Assim, os deputados estaduais nto eram 08 Gnicos a Iucrar com 0 atendimento das demandas de suas regides, 0 que os torna mais fracos na negociagao par a elaboragao do Orgamento. A melhor definigao do modus operandi do processo orgamen- tario paulista foi dada pelo fiel escudeiro de Fleury na Assem- bleia Legislativa, Joel Freire (PMDB): “Com relagao ao orgamento, se vocé mudar muito, acaba tirandodo governo a oportunidade de administrar, quer diz2r, quem quer fazer o orgamento precisa ganhar a eleigao, precisa ser governador” (apud Oliveira, 1992:14) Aj esta a definicao mais cabal de como foi o proceso de go- verno no ultrapresidencialismo estadual brasileiro durante 0 pe- iodo de 1991 a 1994. Cabia ao Executivo estadual, e mais espe- cificamente ao governador, a elaboragao do Orcamento, como também a definicao de quais politicas publicas deviam ser prio- rizadas, de quanto se devia gastar na area social, de qual deve- ria ser 6 porcentual do aumento dos salérios do funcionalismo piiblico, de onde deveriam ser construfdas as estradas, pontes & presidios, enfim, as diretrizes governamentais eram todas de- finidas integralmente pelo governador de estado. O Legislativo, portanto, ficava numa posigao secundaria, de mera legitimagao do proceso de governo e nao de co-autoria. O pior é que em alguns momentos a Assembléia Legislativa paulista legitimou ex post decisées do Executivo, chegando a aprovar reajustes do funcionalismo sete meses depois de eles serem concedidos. ‘A Assombléia Legislativa paulis m de nao participardo processo de governo, também nio se constituiu. como caixa de ‘ondneia da sociedade paulista, nao se tornando um forum de discussées dos principais problemas do Estado de Sao Paulo. © ultapresidencitlamo estadual Brasco | 1ST Alias, por inerivel que parega em um regime democratico, o re- gimento interno da Assembléia Legislativa paulista nao previa ;nismo da audiéncia publica nem qualquer outro canal de intersegdo entre o Poder Legislative e a sociedade. A partir da descrigio do processo decisério no governo de Luiz Antonio Fleury Filho, fica uma pergunta: qual foi o real signi- ficado politico da Assembléia Legislativa paulista neste perio- do? Tomemos como parametro a delimitacao que Max Weber estabelece para definir se determinado Parlamento é um Poder forte ou nao: “Decisivo para o alto ou baixo nivel de um parlamento 6 se, em suas instancias, os problemas sio meramente debatidos ou se elas tém poder de decisao” (Weber, 1993), A questao é que, por essa concepgao weberiana, a Assembléia Legislativa paulista foi um Poder extremamente fraco, pois nao sé ela nao teve poder de decisdo, como também, na maioria das vezes, os problemas mais importantes do estado nem eram dis: cutidos na Assembléia. Em razao da cnorme fragilidade politica da Assembléia Legislativa de Sao Paulo, o conceito que mais se encaixa no seu caso ¢ 0 elaborado por Michael Mezey em sua classificagao de tipos de Legislativo, qual seja, o de Legislativo Legitimador, 0 qual é definido como um Poder que nao rejeita, nao modifica e nem estabelece parametros aos projetos do Exe- cutivo (Mezey, 1975:51), Esse papel meramente logitimador ¢ homologatério da As- sembléia Legislativa paulista no quadriénio 1991-94 mostra que © governo Fleury conseguiu anular a independéncia constitu- cional do Poder Legislative, E isso aconteceu no estado mais rico e com a sociedade civil mais organizada entre as unidades da Federagao. governo Fleury nao s6 dominou amplamente o processo de governo; também neutralizou qualquer fiscalizago mais pro- funda sobre seu governo, basicamente de duas maneiras: de um lado, controlando as CPIs contra seu governo instaladas na ‘Assembléia, O caso da CPI do Carandiru é 0 exemplo mais aca- bado deste modelo, De outro, Fleury dominou amplamente os 6rgios fiscalizadores, TCE e Ministério Pablico, tal como ja ocor- rera no governo Quércia, Relato a seguir, de forma sucinta, como ‘ogoverno Fleury neutralizou a fiscalizagao institucional do Exe cutivo. 158 | © vtrapresidencitsmo estaduat brasiiro JA neutralizagdo do controle institucional do Executivo estaduak 0 “tripé da impunidade Um dos elementos mais importantes do ultrapresidencialis- mo ¢, sem sombra de duivida, a inexisténcia de controle insti tucional sobre o Executivo. O governo de Luiz. Antonio Fleury Filho proporciona excelente exemplo desse tipo de situagao™. governador Fleury conseguiu montar o “tripé da impu- nidade”, isto é, neutralizou os mecanismos fiscalizadores da Assembléia Legislativa, do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Publico. ‘Na Assembléia Legislativa, 0 objetivo do governador consis- tiu em neutralizar as Comissdes Parlamentares de Inquérito (CPI) Durante todo o governo Fleury, cinco CPIs foram instala- das, sendo que duas delas —a CPI do Carandiru e a CPI do jogo do bicho — atingiam diretamente ao Poder Executivo. Notada- mente na CPI do Carandiru, havia indicios muito fortes de ne- gligencia de importantes autoridades do governo estadual no massacre dos cento e onze detentos da Casa de Detengao”. Apesar disso, o relatério final da CPI, escrito ¢ aprovado pela maioria situacionista, isentou todas as principais autoridades politicas que supostamente estariam envolvidas no episédio. importante aqui nao é condenar esta ou aquela autoridade politica investigadas pelas CPIs. Quero mostrar, isto sim, que 0 governador Fleury possufa mecanismos para neutralizar qual quer investigagao mais a fundo de possiveis irregularidades co- metidas em sua gestao. Um deles era o controle das Comissies, especialmente da Comissao de Constituigao e Justiga. O outro era o controle de praticamente todos os cargos da Mesa da As- sembléia, particularmente da Presidéncia. Com relacao a este tiltimo mecanismo, ressalte-se que o Regimento Interno da As sembléia era extremamente centralizador, dando enormes p0- deres ao presidente da Casa. ® A principal fonte de informagoes d ‘wre Roteiro da Impunidade (1994 Reis, 8 Um bom lovantamente sabre 0 episédin do Carandirs encontr: no livro Pavilhan 9 — 0 Massacre do Carandiru (1993), escrito por Eloi Piet & Justine Pereira 11 subsegio foi o excelente li erito por Luiz Azevedo & Adacir © ultrapresidenciatzmo exadual brasileiro | 159 No periodo de 1991 a 1994, como mostram Luiz Azevedo & ‘Adacir Reis, diversos requerimentos atingiram o ntimero neces rio de assinaturas (um tergo) para abertura de CPIs que in- vestigariam dentincias de corrupgdo dentro do governo estadual Entretanto, a Mesa da Assembléia paulista simplesmente en- gavetou esses pedidos. Fleury também obteve o dominio do Tribunal de Contas do Estado, érgao auxiliar do Legislative que tem como fungao a fiscalizagdo das contas do governo estadual. Em grande parte do mandato, o governador paulista detinha o controle seguro de seis dos sete Conselheiros — sendo que quatro deles eram quer- cistas ¢ dois fleuryzistas. A escolha dos Conselheiros foi feita em parte pelo governador, em parte pela Assembléia Legislati va, sendo a escolha meramente politica. Todavia, como Fleury dominava por completo o Legislativo paulista, a escolha dos de- putados estaduais era realizada na pratica pelo proprio gover- nador. Assim ocorreu na escolha do substitute de Orlando Zan- caner, quando era a vez de os deputados escolherem um novo Conselheiro para o TCE. Embora houvesse 0 desejo dos deputa- dos do PTB e do PMDB — partidos situacionistas — de escolhe- rem um candidato entre seus pares, o governador Fleury impos o nome de Fulvio Juliao Biazzi, seu assessor no Palacio dos Ban- deirantes. Os deputados estaduais da oposi¢ao e da boa parcela dos da situagao nao gostaram do método adotado pelo governa- dor, ¢ postergaram 0 maximo possivel a votagio que indicaria 0 novo Conselheiro. Fleury, irritado com a demora, prometcu aten- der varias demandas clientelistas dos parlamentares da banca- da do governo, e dessa forma a Assembléia aprovou com tran- qiiilidade a indieagao de Fulvio Biazzi. ‘A forma de escolha dos Conselheiros, portanto, determina 0 poder do governador sobre 0 TCE. E verdade que houve, jé no meio do terceiro ano de mandato, mais especificamente em agosto de 1993, certa pressio dos Conselheiros quercistas contra Fleu- ry, com 0 objetivo de cortar a independéncia do governador, ten- tando mostrar que quem mandava no Estado de Sao Paulo e no Cf. Azovedo & Reis, 1994:89, Luiz Azevedo & Adacir Reis contabi lizaram dez pedidos de CPls que morreram nas “gavetas” dos mn 160 | © ukrapresidencisimo estadual brasileiro PMDB paulista era o ex-governador Orestes Quércia, Entre- tanto, o conflito foi logo apaziguado, em nome de um acorde de paz entre Quércia e Fleury. E importante notar, contudo, que pouco depois desse episédio, no comego de 1994, Fleury indicou mais dois Conselheiros para 0 TCE, obtendo o controle da maio: ria dos votos do Tribunal. Mesmo ocorrendo este conflito com o TCE, o fato é que Fleury nao teve grandes problemas com relagao a fiscalizagio das con- tas de seu governo, sempre aprovadas pelo Tribunal, embora este drgao atestasse em seus relatérios uma série de irregulari: dades cometidas pelo governo estadual. Em 1992, por exemplo, © corregedor do TCE, Antonio Roque Citadini, indicava que as operagées de crédito por antecipagao de receita foram ilegais naquele ano. Contudo, o governo estadual nao sofreu nenhuma sangio por ter cometido um ato ilegal O'TCE usava também de um dispositive engenhoso para mos. trar que estava “realmente” fiscalizando 0 Poder Executivo Mandava a Assembléia paulista a avaliagdo de contratos irre- gulares firmados pelo governo estadual que ja néo poderiam mais ser sustados pelos deputados estaduais. Analisando os con- tratos julgados irregulares pelo TCE que foram mandados ao Legislativo paulista em 1993, Luiz Azevedo & Adacir Reis apon tam a seguinte situagao: “No ano de 1993, foram encaminhados 26 contratos para a apreciacao dos parlamentares. Desse poucos contratos reme- tidos, apenas um ainda estava em andamento, ou seja, ape- nas um poderia ser sustado, Os demais eram cadaveres ad- ministrativos” (Azevedo & Reis, 1994:25). Esse quadro de falta de controle ¢ fiscalizagao das contas do governo Fleury permitiu, entre outros fatores, 0 crescimento desmesurado do déficit piblico do Estado de Sao Paulo, que au- mentou quase quatro vezes no periodo 1991-94, aleangando um recorde histérico. O que podemos concluir disso é que a falta de fiscalizagao do TCE sobre o governo estadual constitui-se num convite & irresponsabilidade administrativa. A neutralizacdo dos érgaos fiscalizadores se completa com 0 controle do Ministério Pablico, No caso do Estado de Sao Paulo, o controle do Ministério Publico pelo Executivo foi facilitado em razao de 0 governador Fleury pertencer a corporagao dos pro- motores publicos, Desssa maneira, Luiz Antonio Fleury Filho ji © ulrapresidencahsmo estacual brasieiro | 161 contava com um grupo de promotores dentro do Ministério Pu- blico que Ihe ajudaria a neutralizar a fungao fiscalizadora do 6rgao. Para tanto, o governador montou a chamada “Republica dos Promotores”, trazendo dezoito promotores para trabalhar com ele no Palacio dos Bandeirantes, O relacionamento entre 0 Ministério Publico eo Executivo estadual se estreitava mais ainda na medida em que Fleury incorporou promotores tam- 0 secretariado, como o foram Araldo Dal Pozzo (secretario da Administragao), Edis Milaré (secretario do Meio Ambiente) Pedro Franco de Campos (secretario da Seguranga Publica) Um bom exemplo que comprova o estreitamento da relagiio entre o Executivo ¢ o Ministério Pablico 6 0 caso do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que seria criado na As sembl¢ia Legislativa pelo Projeto de Lei 06/91", O contetido desse Projeto foi um dos pontos de negociacao do apoio das entidades ligadas ao tema dos Direitos Humanos (OAB, Comissio Justiga c Paz, Comissio Teoténio Vilela, Centro Santo Dias ete.) ao en- tao candidato Luiz Antonio Fleury Filho, no segundo turno da eleigao de 1990. Apesar de ter sido aprovado na Assembléia Le- gislativa em votagao simbélica, com o apoio de toda a bancada situacionista, o governador vetou a parte mais essencial do Pro- jeto, a qual dava importantes prerrogativas ao Conselho. Quais 5 razbes desse veto? Simples: 0 Projeto atingia os interesses do Ministério Publico, pois dava prerrogativas ao Conselho de De- fesa dos Direitos da Pessoa Humana que antes eram exclusivas do Ministério Publica, Posteriormente, o veto do governador nao seria derrubado na Assembléia Legislativa, gracas a pressio de Fleury sobre os deputados situacionistas. Mas a neutralizagao do poder de fiscalizagao institucional do Ministério Publico se faria pela nomeagao do Procurador-Geral, cargo importantissimo, incumbido de investigar 0s possiveis ili citos cometidos pelo governador de estado. A escolha seria feita de uma lista triplice elaborada pelos préprios promotores; no en- tanto, dada a insergao especial que Fleury tinha dentro da corpo- ragao, ele sempre conseguiu “plantar” pelo menos um candidato na lista triplice, o qual seria indicado Procurador-Geral, Dessa mancira, o governador Fleury conseguiu, ao longo de seu man- Deserevo este caso a partir do texto de Sergio Lage (1992), 162 | © ultrapresdenciaismo extadul braiero dato, “controlar 0 controle” do Ministério Publico sobre seu go Em 1993, 0 governador Fleury quis aumentar ainda mais 0 poder do Procurador-Geral, mandando Projeto de Lei a Assem- bléia Legislativa que estendia as prerrogativas exclusivas de investigagdo a cargo do Procurador-Geral, o qual passaria acon- centrar em suas maos a apuracdo das dentincias contra secreta- rios de estado, deputados estaduais e até diretores de estatais™. Varios deputados oposicionistas, a imprensa e, sobretudo, mem- bros do Ministério Pablico descontentes com a linha tomada pela ctipula do érgao, protestaram contra tal iniciativa. A promotora Valderez Deusdedit Abbud, ao comentar esse Projeto, toca no Amago da questao “A verdade é que, lamentavelmente, procura-se com este projeto dar ao procurador-geral o enorme e perigoso poder de avaliar a conveniéncia politica da propositura de qualquer procedimento ow investigagao que envolva as mais imporian- tes autoridades do estado. Dessa forma, mantendo o controle absoluto dos casos eleitos como importantes, entendem que a instituigdo se fortalecera, esquecendo-se de que a hipertrofia do poder poderd tornar o Ministério Publico um eterno pre- posto do Poder Executivo, desaparecendo de sua esfera de preocupagio a defesa do interesse social” (apud Azevedo & Reis, 1994:153-4). governador Fleury conseguiu neutralizar todos os meca- nismos institucionais de controle e fiscalizagéo do Poder Exe- cutivo. A formagao do “tripé da impunidade” teve duas conse- qiiéncias. A primeira foi que o controle exercido pelo Executivo sobre o'TCE e o Ministério Publico paulista repercutiu no com- portamento dos deputados estaduais. Como bem argumentam Valeriano Ferreira Costa & Carlos Thadeu de Oliveira: */....0 Executivo pode exercer (mediante 0 controle sobre 0 ‘TCE eo MP paulista) pressdo sobre algum deputado situacio- nista ‘recalcitrante’ através, por exemplo, de uma ‘devassa’ * Pela legislacao federal, seria prerrogativa exclusiva do procursdor- igeral invostigar dondneias contra os chofes des Poderes extaduais: © presidente do Tribunal de Justiga, do presidente da Assembléia Logislativa eo governador (ef. Azevedo & Reis, 1994:152) © wltrapresidencaismo estadial braseiro | 163, nas contas de uma prefeitura em eujo municipio o referido deputado tenha sua base eleitoral. Os proprios deputado oposigao 'moderada’ (PSDB e PPR) relutam em atacar 0 con- luio entre o Executivo e os drgdos estaduais de fiscalizagao do governo, ja que um simples proceso por mau uso dos recur- sos piiblicos pode resultar na ineligibilidade de seus aliados politicos locais” (Ferreira Costa & Oliveira, 1994:15) Em resumo, 0 controle do Executivo sobre 0 TCE e o Minist rio Publico nao s6 tornou o governo estadual praticamente imu- ne a qualquer fiscalizagao institucional, como aumenta o poder de pressio do governador sobre a classe politica estadual ‘A segunda conseqiiéncia, de cunho mais geral, foi que anew tralizacao dos 6rgaos de fiscalizagao institucional criow uma es- fera publica nao-republicana no Estado de Sao Paulo. O aumen to recorde do déficit do governo paulista nao foi fiscalizado nem pela Assembléia Legislativa, nem pelo TCE. Esse exemplo de- monstra claramente que no governo Fleury nao houve controle institucional da coisa publica. Nesse periodo, portanto, o prinei- pio republicano foi uma quimera no estado mais desenvolvido da Federaga. Conclusio Neste capitulo, descrevi e analisei 0 poderio dos governado- res no plano interno dos estados brasileiros durante o periodo de 1991 a 1994. Vale a pena resumir as principais caracteris- ticas do ultrapresidencialismo estadual brasileiro: 1. Os governadores possuiam controle total das Assembléias Legislativas, aprovando, com grande facilidade, os principais projetos de lei que Ihes interessavam. Os chefes dos Executivos estaduais tinham contra si apenas pequena pareela dos parti dos na Assembléia Legislativa — quase sempre o PT e outros pequenos partidos de esquerda —, tendo a esmagadora maioria dos partidos o apoiando. Ademais, 0 apoio parlamentar era obti- do pela cooptagao individual de cada deputado, em razao da ex- trema fragilidade dos partidos no papel de organizadores da agao coletiva dos politicos no nivel estadual A descrigao do ultrapresidencialismo estadual brasileiro mos- tra o quanto rompemos com 0 modclo imaginado por Madison, idealizador do modelo presidencialista inspirador de nosso sis 164 | © ateapresidenciatsme estadual brasiairo tema de governo. Para Madison, o principio dos checks and balances & 2 pedra angular do presidencialismo, dando-lhe as feigies republicans ¢ democraticas. No estados brasileiros, a auséncia dechecks and balances tornou o jogo politico instrans parente e totalmente dominado pelo governador. 2. Os governadores reinaram com pouquissima fiscalizagéo institucional da opiniao publica. Primeiro, porque nao havia uma independéncia dos érgaos fiscalizadores — TCE e Minis- tério Pablico — com relacdo ao Executivo estadual. Havia sim, de fato, hipertrofia do Poder Executivo, que tornava o governa- dor isento de qualquer controle institucional. Segundo, o Poder Executivo estadual tinha uma baixa visibi- lidade politica. Os cidados, de modo geral, discutem a politica estadual somente no momento da eleigao, ¢ no resto dos quatro anos, assistem, inertes, ao mandos e desmandos do governador Enquanto isso, as peripécias do prefeito, o novo plano econdmi- co do ministro da Fazenda, em suma, 0s atos dos politicos mu- nicipais ¢ federais, aparecem constantemente nas conversas ¢ discussdes mais acaloradas dos cidadaos. O contencioso politico estadual, por sua vez, nao tem sido — ou poucas vezes se torna — objeto de debate na sociedade. O governador foi o grande fa. vorecido com essa situagio, diminuindo o controle da opiniao piiblica sobre seus atos. 3. Os governadores, por intermédio da distribuigdo de recur- sos puiblicos estaduais, controlaram boa parte das prefeitur ¢ dos politicos locais, sofrendo pouca oposigao das liderangas municipais. Contribuiu para isso a inexisténcia de estruturas intermedidrias que agregassem os interesses das dezenas ou centenas dos municipios localizados nas unidades estaduais eriando uma situagao muito favordvel ao governador perante as demandas atomizadas dos lideres locais. 4, 0s governadores exerceram grande influéncia sobre os “dis tritos informais’, bases eleitorais de boa parte dos deputados estaduais, tendo muitas vezes o poder de redesenhar 0 mapa cleitoral do estado, ¢ usando esse instrumento para barganhar apoios mais seguros das liderangas politicas do estado ou entio para eriar novos candidatos, seus afilhados politicos. Todo 0 poder que o yovernador teve na estera estadual no periodo estudado adveio, em grande medida, do lugar estratégi- o ocupado pela maquina publica estadual — como veieulo de © uerapresidenciaismo exadusl brasieiro | 165 patronagem e de distribuigao de recursos —no sistema politico brasileiro. Tanto a fragilidade das organizagdes partida a fraqueza politico-financeira dos municipios forneceram as con: digdes para o desenvolvimento do poderio do Exccutivo esta- dual. ‘Aatuagao meramente individualista dos deputados estaduais, incentivada pelo sistema proporcional com lista aberta, adicio- nada a necessidade de distribuir recursos aos “distritos infor- mais”, facilitava a implementagao de uma politica clientelista bem-sucedida pelo governo estadual. Esse poder clientelista do governo estadual foi mais efetivo fora dos grandes centros, onde vigora, seguindo a definigio dada anteriormente pelo ex-gover nador paulista Aluisio Nunes Ferreira Filho, a polarizagao do “contra ou a favor” do governo, e onde o custo politico de ser contra 0 governo é muito alto, George Avelino Filho expde com preciso a relagdo que se estabelece entre o “moderno” cliente- lismo e a l6gica dualista da politica interiorana brasileira: “[..] a dualidade que earacteriza a vida politica brasileira fora dos grandes centros poderia ser melhor explicada pela luta direta entre um partido que detém 0 monopélio {dos re- cursos estatais] e os outros que hutam por ele. Logo, mesmo que 0 ntimero de partidos seja maior do que dois, a disputa caminha para a bipolaridade — governo versus oposicao seja porque a questo ideolégica ou programatica ¢ virtual- ‘mente ausente nessas localidades, seja porque os outros par- tidos nao conseguem se firmar sem 0 auxitio daque sos, restando-lhes apenas o espago genérico da oposi ferentemente das antigas brigas de facgao, geralmente co: mandadas por dois ‘notaveis’, a nova bipolaridade |...] seria ditada pela posigao ocupada na disputa pela ‘posse’ dos bene- ficios estatais” (Avelino Filho, 1994:237) Esta forga da maquina estadual como veiculo clientelista pode ser percebido na andlise sobre a gestao do governador paulista Luiz Antonio Fleury Filho. Embora Sao Paulo seja o estado mais rico e com a sociedade civil mais organizada do pais, o governa- dor Fleury obteve maioria esmagadora na Assembléia Legisla- tiva por meio de um pacto fisioldgico e clientelista com os depu- tados estaduais. A teoria da modernizacio, fndamentada em uma correlagao linear entre desenvolvimento econdmico e mo- dernizagao politica, nao daria conta da realidade paulista, Pois 166 | © utrapresidenciatme estadual bratetro mesmo se levarmos em conta que a grande parte da base parla mentar de Fleury era formada por deputados de fora da capital, 0 fato é que na tiltima década o interior de Sao Paulo passou por ‘um processo vertiginoso de urbanizagao e crescimento econdmi- co. Eli Diniz, em texto sobre o fenémeno do chaguismo no Rio de Janeiro, ja havia alertado para este problema da teoria da mo- dernizagao “Ao contrério do que sugerem as premissas implicitas na literatura sobre modernizagao e desenvolvimento social, os processos de industrializacao e urbanizagao, com a conseqiien- te propagagao de efeitos modernizantes, nao sao incompal veis com o desenvolvimento de praticas clientelistas” (Din 1982:223). Na verdade, 0 que esta em jogo na politica estadual brasilei ra é sobretudo a modernizacao institucional. Segundo minhas premissas te6ricas, essa modernizagao institucional deve cami- nhar para a republicanizacao da politica estadual, dentro do modelo do federalismo republicano. Cabe aqui, portanto, uma pequena comparagao com o caso americano em trés pontos que acho essenciais para republicanizar a politica estadual brasilei ra: 0 aumento dos checks and balances na relacao entre o Exe: cutivo e o Legislativo, aumento do controle institucional éo go- verno estadual e a forte responsabilidade fiscal do poder local © Poder Legislativo nos estados americanos tem importante papel no sistema politico, nao sendo mero Legislativo Legitima- dor, como 0 so as Assembléias Legislativas brasileiras. Com parando o Poder Legislativo estadual dos B.U.A. com o brasilei- ro, Maria Dalva Kinzo afirma: “Bm paises com tradigao federativa como os Estados Uni dos |... o cargo do deputado estadual é em si uma meta e nao um patamar a ser vencido na carreira do politico. No Brasil, ao contrario, a posigao no Legislativo estadual é muitas vezes um degrau intermediario na carreira de muitos que ambicio nam uma cadeira no Congresso ou um poderoso cargo no Executivo estadual ou federal” (Kinzo, 1990:3). 0 cargo do deputado estadual nos E.U.A. 6 uma meta em si porque o Poder Legislativo é forte dentro do sistema politico. A relacio Executivo/Legislativo nos estados americanos compro- va essa minha assertiva. Tomando os dados de 1989 dos cin- quenta estados americanos, cm trinta deles o Executivo eo Le- © ultrapresidenciatsmo estidual brasileiro | 167 gislativo eram controlados por partidos diferentes, ou seja, em 60% dos casos o governo estadual nao tinha maioria no Parla- mento (Beyle, 1991). Mesmo considerando que o sistema bipar- tidario americano facilita as composigées politieas no proceso decisério, sua politica estadual tem um grau de checks and balances muito superior ao existente nas unidades estaduais brasileiras — lembrando que em oitenta por cento dos quinze estados brasileiros estudados aqui o governo estadual possuia sélida maioria na Assembléia Legislativa, Dessa forma, pode-se dizer que o presidencialismo americano no Ambito estadual ten- dea ser mais equilibrado, com Poderes mais eqitipotentes, ao passo que no Brasil prepondera firmemente o ultrapresidencia- lismo nos estados, tendo como consequéncia o aumento desme surado do poder do governador. ‘Outro ponto importante do federalismo americano é 0 gran- de controle institucional sobre o Poder publico estadual. De um lado, ha uma rigida fiscalizagdo institucional da maquina put blica, por meio dos érgaos de controle, De outro, nos governos estaduais americanos, como mostrado na Introdugao, existem eleigdes para mais de quinhentos cargos (procuradores-gerais, secretarios estaduais, diretores de agéncias estaduais ete.) do Executivo, significando que “[...] os governadores tém pouco ou nenhum poder sobre algumas partes do governo” (Beyle, 1991 118), Assim, garante-se 0 controle da coisa publica e de qual- quer ato ilicito do governador, além de se oferecer espago maior de participacdo dos cidadios no Poder puiblico. No Brasil, ao con- trario, o governador controla os érgaos incumbidos de fiscaliza- Jo, como também tem forte poder discriciondrio sobre a Admi- nistragao Publica Por fim, o poder local americano desenvolve uma responsab lidade fiscal que lhe garante existéncia menos subordinada outras esferas de poder, realizando o principio da autonomia fedcrativa, Em contraponto, os municipios brasileiros esto lon- ge de adquirir uma situagao de autonomia federativa, o que cria mais um incentivo para 0 aumento do poder dos governadores sobre os lideres locais, Poder-se-ia argumentar, com razo, que ha varios problemas na politica estadual americana, especialmente com relagio a fra: gilidade do sistema partidario, Contudo, o que me interessa aqui © mostrar o éxito da republicanizagao da esfera publica esta- 168 | © ultapresidencalsmo estadual brasileira dual americana, resultando em aumento do controle institucio- nal do Poder puiblico. Além do mais, 0 governador nos B.U.A. nao é um barao no dominio de seu feudo. Ao contrério, a relagio entre os Poderes é bastante equilibrada e os deputados esta- duais sio bem independentes com relagao ao chefe do Executivo estadual. Na verdade, a tendéncia nos estados americanos éque a influéneia do governador aumente de acordo com sua eapaci- dade gerencial e nao por causa de seu poder de cooptacao poli- tica (ef. Beyle & Muchmore, 1986). Concluindo, o grande problema causado pelo atual poderio do governador é a falta de uma ordem republicana na esfera estadual brasileira. Como percebeu Guillermo O'Donnell, aine- xisténeia de uma ordem republicana pode trazer sérios proble- mas a democrat “A dimensao republicana é indispensdvel para a efetiva garantia dos direitos da democracia politica: sem ela esses direitos podem existir de fato, porém estarao constantemen- te ameagados por um poder nao-republicano: isto é, por um poder que nao se concebe a si mesmo como sujeito a lei” (O'Donnell, 1988:65). Nos estados brasileiros, esse poder que nao conecbe a si mes- mo como sujeito & Ici tem sido 0 governador. ‘Apesar de o texto ter sido escrito no mais das vezes usando pretérito como tempo verbal, até porque a pesquisa foi feita na safra anterior de governadores, ainda no momento atual vigora ‘obaronato nos estados. Na conclusao do livro, tento demonstrar ce analisar as razoes da permanéncia de tal fendmeno, buscando entender suas conseqiiéncias para a democratizagao e republi- canizagao do sistema politico brasileiro. Capitulo 4 © FEDERALISMO ESTADUALISTA E OVETO DOS BAROES: A ATUAGAO DOS GOVERNADORES NO PLANO POLITICO NACIONAL Este capitulo estuda a atuagao dos governadores no plano poli- ‘o nacional no perfodo posterior & Constituicao de 1988 e mais ‘especificamente no quadriénio 1991-94. B importante justificar © porqué da escolha desse periodo. Das eleigdes de 1982, p: sando pelo processo de transi¢ao, até chegar ao fim dos traba Thos constituintes, os governadores exerceram 0 que pode ser chamado de fase positiva de atuagao, sem querer dar a essa perio dizagao cardter valorativo, mas sim qualificando-a como positi- va exatamente porque os governadores conseguiram acomodar seus interesses em torno de nova ordem politica e federativa, corporificada na Constituigao de 1988, e a qual denominei de “federalismo estadualista”. Apds a criagao do federalismo esta. dualista, favorecedor dos interesses estaduais, os governadores praticamente 36 atuaram em conjunto de forma defensiva, a fim de garantir o status quo adquirido. Ou entdo, quando atuaram em conjunto, colaborando com a Unio — tipico caso dos esta- dos nordestinos —, procuraram obter algumas compensagoes, ligadas a obtengdo de algum privilégio dentro da Federagao Mcsmo neste tiltimo tipo de atuagao dos governadores, perma- neceu ainda assim uma légica de veto A qualquer mudanga subs- tantiva na estrutura federativa £ importante ressaltar que 0 federalismo estadualista se de- senvolveu num contexto de erise do antigo pacto politico de sus- tentagio do Estado Varguista-desenvolvimentista. Bm linhas gerais, podemos dizer que na redemocratizagio nao foi estrutu- ado um novo pacto hegemnico que reconstruisse o Estado bi sileiro. Fate cendrio facilitara o desenvolvimento da légica de- 170 | federalsmo estaduaista © 0 veto dos bardes fensiva ¢ atomizada na atuagdo dos estados na arena politica nacional. Contribuiu ainda para isso 0 enfraquecimento do po- der da Unido e do presidente desde a gestao de Joao Figueiredo, A anilise tera como Angulo privilegiado a relagao entre os governadores e o Executivo Federal, muitas vezes personifica- da no embate com o presidente da Reptiblica. Em menor medi- da também sera objeto de estudo o relacionamento dos governa- dores entre si, mostrando que, além de estadualista, o federalis- ‘mo deste periodo era ainda nao cooperative no plano horizontal Cabe, por fim, ressaltar 0 carater hist6rico e a especificidade analitica deste estudo, Nao custa repetir que os governadores foram tao fortes em grande medida porque a Unido a Pres déncia estavam fragilizadas no perfodo analisado. Além disso, 0 poder dos governadores manifestava-se, basicamente, nas ques. toes federativas. De modo que nao hé um poder a-histérico © absoluto dos governadores. Como veremos na conclusio, mu: dangas na balanga federativa de poder, como as ocorridas na gestio de Fernando Henrique, alteraram uma parcela signifi- cativa do poder dos governadores no plano nacional, embora mui tas das caracteristicas aqui apresentadas ainda permanegam atualmente, jé que os governadores continuam sendo atores es- tratégicos na defini¢ao dos rumos da politica nacional e, funda- mentalmente, conseguem barrar varias das propostas de alte- ago do pacto federativo. Portanto, a andlise a seguir tem um grande poder explicativo, por exemplo, no que se refere as difi- culdades de se fazer uma verdadeira reforma tributaria mesmo com um presidente forte como ¢ o caso de Fernando Henrique Cardoso. As origens do poder dos governadores na politica nacional ‘Os governadores se fortaleceram no plano nacional ao longo da redemocratizagao basicamente porque influenciaram grande parte dos deputados federais e senadores' de seus respectivos ' Tratarei, ao longo do texto, basicamente da influéneia dos governa- dores sobre os deputados federais, porque os chefes dos Executivos festaduais exercem influencia menor sobre os senadores. Tros ra ‘200s explieam esse fato: primero, os senadores se elegem num pleito majoritirio, em que os votos dos grandes centros € fundamental, (© federasmo estadualita © 0 veto dos bardes | 17H estados nas questées que tocaram no aspecto federativo. O po- der dos chefes dos Executivos estaduais também se manifesta- va de outras maneiras, como por exemplo no Confaz (Conselho de Politica Fazendaria), importante érgao decisor das politicas de incentivos fiscais do ICMS, ou mediante pressao dos foruns dos secretarios estaduais sobre os ministérios, e ainda, no caso dos estados das Regides Norte, Nordeste ¢ Centro-Oeste, por meio dos rgaos federais de desenvolvimento regional — tais como a Sudam e a Sudene, Embora essas outras formas de ma- nifestacao do poder dos governadores fossem importantes, a prin- cipal fonte de poder era, sem sombra de diivida, a formagio das “paneadas dos governadores” no Congresso Nacional. 'A grande pergunta 6, portanto, como os governadores obti nham sua influéncia sobre os parlamentares federais. 14 qua- tro motivos que explicam o poder dos governadores no Congres- so Nacional durante este periodo: ‘@) Apesar de o cargo de deputado federal ser de atuagao nacio- nal, a sobrevivéncia politica dos parlamentares depende de sua performance local. Isso porque os deputados federais sao eleitos pela circunscrigéo eleitoral estadual ¢ nao por uma lista partida- ria nacional?. Além disso, a maioria dos deputados ¢ eleita por pequeno ntimero de municipios contiguos, que se tornam distri- tos eleitorais informais (ef. Ames, 1993). Portanto, para se reele- ger, os deputados precisam atender as demandas de suas bases Jocais. E nessa dindmica politica que os governadores ganha- ram poder, pois possuiam mecanismos para otimizar a perfor- mance dos deputados federais em suas bases locais, que em tro- arene e portanto sfio menos dependentes do controle que os governadores fexercem sobre as bases locais, quase sempre interioranas, além disso, os senadores sao eleitos por um periode de oito anos, 0 que thes dé maior independéncia ante os governadores. E, em terceiro lugar, muitos senadores aio ex-governadores e, desse modo, consti- tuemise em adversirios e pretendentes do cargo ocupado pelo o- yernador de plantiio. Mesmo assim, diversos senadores, especial- mente quando eleitos em “dobradinha” com 0 governador, agem tcxatamente de acordo com o comando do Exeeutivo estadual Entrevista reali- © Como afiema Neloon Jobim, "no Brasil, as eleig regionais, com excegao da disputa presidencial zada no dia 3/11/ 94 172 | O federalemo estaduslita 0 voto dos bardes ca votavam no Congresso Nacional segundo os interesses do Exe- cutivo estadual Os mecanismos a disposi¢ao dos governadores para otimizar a performance eleitoral dos deputados federais eram os seguintes: * Distribuigao de empregos piiblicos estaduais para os apa drinhados locais dos deputados federais. Dessa maneira, os de- putados federais ganhavam importantissimos cabos eleitorais: * Distribuicao de verbas e/ou construgao de obras piiblicas nas bases locais dos deputados federais, que passavam a ser vistos como os politicos que trouxeram as benfeitorias a regia * A proximidade espacial dos governos estaduais das bases eleitorais locais facilitava a fiscalizagao do uso dos recursos ob- tidos pelos deputados federais em Brasilia. A extrema crise em que se encontrava a maquina publica federal, sobretudo no go verno Collor, tornava esta tarefa fundamental. * Os governadores controlavam — como mostrei no anterior — grande parcela dos deputados estaduais e prefeitos, que sao cabos eleitorais fundamentais para a elei¢ao dos depu tados federais. Os deputados federais precisam desses cabos eli torais para manter a forga em seu “distrito informal”. Ademais, ogovernador de estado ameagava aos que nao quisessem seguir suas ordens no Congreso Nacional com a possibilidade de criar novos candidatos Camara Federal, com o auxilio dos deputa dos estaduais, prefeitos ¢ chefes locais subordinados politica- mente ao Executivo estadual. Em suma, 0 governador atuava em dois momentos distintos junto aos deputados federais, Primeiro, no momento da eleigao ‘quando os deputados — ou pelo menos um bom mimero deles — realizam uma campanha individual, precisando de uma estru tura logistica ¢ financeira que na grande maioria das vezes © partido nao oferecia. Assim sendo, os candidatos & Camara Fe deral pediam 0 auxilio ao governador, o qual Ihes oferecia a es trutura da maquina estadual. O segundo momento é 0 pés-elei toral, quando os deputados federais precisam que o governador 8 auxilie no controle das bases locais. Na verdade, os governa. dores possufam no periodo estudado controle milimétrico das bases locais, sobretudo das que estavam fora dos centros urba nos, dado 0 controle que os chefes dos Executivos estaduais exer. ciam sobre as prineipais liderancas locais, prefeitos e deputados estaduais. pitulo © federalsmo extaduainta e 0 veto dos barbes | 173 Cabe frisar que os partidos e 0 Executive Federal, bem como as profoituras e outras estruturas organizacionais (sindicatos, igrejas etc.) também sao importantes para a construgao da car- reira dos politicos brasileiros. O que se quer ressaltar aqui é, em primeiro lugar, que em nosso sistema politico as carreiras tipi cas dos congressistas sao construidas mais por fora do que por dentro do Congresso Nacional, segundo constatou David Sa- muels, cuja analise, englobando o periodo de 1945 a 1994, mos- trou que os parlamentares federais preferem ocupar um cargo no Executivo a construir uma carreira restrita ao Legislativo, No quadriénio de 1991 a 1994, ou seja, no decorrer do mandato, 359 dos deputados federais concorreram para prefeito ou ocupa- ram outros cargos no Executivo, sobretudo no plano subnacio- nal (Samuels, 1997). José Pinotti, importante parlamentar federal ¢ ex-secretario de estado em Sao Paulo, definiu bem o sentimento padrao do politico brasileiro: “O retorno politico de um cargo no Executivo é muito alto, ‘a0 passo que no Legislativo o retorno é muito pequeno” (Abru- cio & Samuels, 1997:15)) Alem de a classe politica preferir o Executivo ao Legislativo, cla organiza suas campanhas a partir dos recursos do Estado e nao por meio dos partidos. Assim, so 0s Executivos, sobretudo 0s estaduais ¢ o Federal, que fornecem a logistica necessaria ao bom desempenho no momento eleitoral. No periodo estudado, dado que a Unido passava por uma crise financeira, politica ¢ administrativa, os governos estaduais constituiam-se nos su- portes mais importantes para as campanhas eleitorais. Observou-se que a importancia do governador era ainda maior no momento pés-eleitoral do que no momento eleitoral. Como notou o ex-deputado federal Nelson Jobim: “Depois de eleito, odeputade federal necessita ter um gran- de desempenho regional. Se for do partido do governador, ele poder atender as demandas de sua regidio ou da categoria profissional que o elegeu no estado, 0 que maximizaré seu desempenho junto a base, e portanto 0 indice de rompimento com 0 governador é reduzido. Isso se passa até com 0 deput do da oposigao, pois como cle precisa dar uma resposta aos pedidos de sua base local, ele nao pode ter uma relays belica com o governador |...) porque em algum momento ele pode ITA | federaemo eseadualita e 0 veto dos barbies ter problema com um sujeito que foi nomeado para um cargo piiblico em sua regido, ou entao o governador vai inaugurar uma estrada que passa pela suas bases eleitorais, e ele no pode ser contra esta obra |...]. Os deputados federais preci- sam ter com o governador uma relagao no minimo ambigua, evitando uma posigao de oposigao aberta, que atrapalharia a reeleigao.”" Conclui-se da argumentagao de Jobim que os deputados fe- derais vivem situagao similar a dos deputados estaduais — tal como deserevi no capitulo anterior —, ou seja, no Ambito esta- dual ha no momento cleitoral uma disputa multipartidaria, com grande disputa pelos cargos ptiblicos e rivalidade entre os con- correntes, mas no momento pés-eleitoral quase todos os deputa- dos federais assumem a posicao governista com relagao ao go: vernador — mesmo nao sendo situacionistas — e reduzidissimo numero de deputados assume posigdo de oposigao critica peran- te 0 governo estadual. Essa situagio aumentava violentamente o grau de influéncia do governador sobre a conduta dos parla- mentares federais, b) A engenharia cleitoral brasileira proporcionou mais um ponto favordvel ao governador no periodo analisado: os parla- mentares federais se elegiam em uma eleicao cujo foco principal era a disputa pelo governo estadual. De 1982 a 1994 as eleigies parlamentares foram “casadas” com o pleito para governador e nao com a do presidente da Republica, e como o pleito para o Executivo tem poder de “puxar” votos para os candidatos pro porcionais, eles entao procuraram filiar-se ao candidato a gover- nador, a “locomotiva” da eleicao. A legislatura que estudo neste trabalho, por exemplo, foi eleita junto com a safra de governa- dores escolhida em 1990, enquanto o presidente da Reptiblica tinha sido eleito em 1989, numa cleigao “solteira’. Dessa man ra, o deputado federal tinha sua eleigao associada intimamente A disputa para governador e nao ao pleito presidencial. Os dois, deputado federal e presidente, responderao a expectativas elei- torais diferentes. ‘A cleigao “casada” de governador com os parlamentares fe- derais — deputado e senador — proporcionou o que em outro Entrevista realizada no dia 3/11/94. © federalism extaduakstae 0 veto dos baroes | 17S trabalho chamei de “pacto de lealdade” (Abrucio, 1994:20). Co- mo a oleigao para governador era a “locomotiva” do pleito pro- porcional, os deputados federais tinham de se atrelar a uma candidatura a governador que lhes proporcionasse possibili dade de vitéria. Esse atrelamento era realizado mediante um pacto de lealdade entre o candidato a governador e os deputa- dos federais, selado no momento da campanha eleitoral e que se estendia pelo mandato de ambos, impondo as seguintes con- digdes As partes contratantes: no momento da elcigao o candi- dato a governador exigia dos postulantes & Camara Federal fidelidade absoluta na sustentagao de seu nome, e vice-versa, para que nenhuma das partes se aproveitasse do outro’; se a alianga eleitoral triunfasse, o governador contaria com o apoio dos doputados no Congreso e em troca distribuiria reeursos publicos estaduais (empregos, verbas ¢ obras), além de moni- torar o destino das verbas publicas federais obtidas pelos par- lamentares e os “passos” das liderangas locais, dando garan- tias a cada deputado de que o controle de seu “distrito infor- mal” nao estaria ameagado. ¢) Constatou-se pela pesquisa que os deputados no Congres- 50 nacional organizavam sua agdes mais pela via regional do que pela via partidéria. A principal razao disso era a fraqueza dos partidos em agregar as demandas individuais dos politicos. Isso acontece porque 0 arcabougo institucional brasileiro incen- tiva a conduta individualista dos politicos, em detrimento da conduta partidaria. ‘Um primeiro incentivo institucional nesse sentido a eleig¢ao proporcional com lista aberta, mecanismo s6 existente no Brasil © Um exemplo que mostra bem quais sao as conseqiiéneias de uma deslealdade no momento cleitoral encontra-se na eleigdo paulista de 1986, quando varios peemedebistas concorrentes a Camara e a0 Senado — os futuros pessedebistas — fizeram “jogo duplo", pois nao apoiaram decididamente o candidato de seu partido, Orestes Quéreia, mas sim, diseretamente, Antonio Ermirio Moraes, do PTB. Entretanto, Quéreia venceu, ¢ ole nunca esqueceu essa “traigao", ¢ por isso minou o suporte partidirio daqueles peemedebistas, além de isola se episédio teve um los na maquina publica paulista. papel importante no future racha do partida que resultou no PSDB, Visto que o grupo paulista do PSDB — Fernando Henrique Cardo- So, Mario Covas, José Serra — foi 0 aliceree do novo partido. 176 | O federal extrcualita 0 veto dos bardes ena Finlandia (Mainwaring, 1991:38). Esse mecanismo exerce enorme influéneia no sistema politico brasileiro, tendo como con- seqiéncia mais importante o estimulo a que os candidatos fa- ‘cam campanha individual e nao partidaria. A esse incentivo ins. titucional 6 acrescentado outro estimulo a conduta nao parti- daria: a inexisténcia da fidelidade partidaria (Os dois mecanismos institucionais listados acima vigoram num proceso eleitoral no qual os deputados se elegem obtendo votos em um “distrito informal” ou por meio da votagao de uma cor- poragdo ou grupo religioso. O partido conta muito pouco na cam- panha dos candidatos. Ao contrério, muitas vezes os partidos dependem mais dos candidatos do que os candidatos dos parti- dos. Isso porque para aumentar 0 quociente eleitoral do partido ‘uma das pecas mais importantes é o “puxador” de votos, que € aquele candidato que tem a capacidade individual de obter uma grande soma de votos, capaz, por si 56, de aumentar omimero de cadeiras a serem preenchidas pelo partido no Legislative. Esse processo de dependéncia dos partidos com relagio aos candidatos é muito bem descrito por Nelson Jobim: “A lista partidaria, feita pelos burocratas do partido, leva em conta a realidade eleitoral do estado. Entio voce vé 14 puxador de voto da policia militar, puxador de voto ligado a algum programa de radio, puxador de voto vineulado a algu- ma religiio — principalmente das evangélicas —, puxador de voto que é lider sindical, puxador de voto de determinada regio do estado, e nesse caso precisa estudar quais so as regides mais populosas do estado, em suma, se constréi a lis- ta partidaria como {se fosse] um cardapio de puxadores de voto, [..]. Isso tudo faz com que os partidos percam sua cap: cidade de comando, porque ficam dependendo desses produ- tores de voto individual. (..]. O pior é que depois o candidato se dé conta que éele que produz o voto e nao o partido [..] eat comega a fazer ameacas, diz que vai sair do partido, depois se recompoe se fortalece no partido. A legenda vira apenas um vejeulo para estes candidatos individuais.” Nao s6 no momento eleitoral os partidos tinham baixo con- trole de seus deputados; no Congresso Nacional os deputados * Entrevista realizada em 3/11/94. © federalame estaduaita @0 veto dos barges | 177 também possuiam enorme autonomia vis-4-vis os partidos. Em primeiro lugar, porque a propria legislagao elcitoral prescreve que enquanto nas cleigdes os partidos tém 0 monopélio legal da representagao, no parlamento os politicos detém o controle ex: dlusivo de scu mandato. Assim, como observa Olavo Lima Jit nior, nas eleiges vale o partido; no Parlamento, o politico, ou melhor, a figura do parlamentar (cf. Lima Junior, 1993)". Os parlamentares individualmente aproveitam ainda a falta de re- gras que incentivem a disciplina partidaria, formando no Con- gresso Nacional os chamados blocos transpartidérios, que cor- tam os partidos diagonalmente (Sola, 1993:26! 1H ainda outro incentivo para a conduta nao partidaria dos doputados: a auséncia de regras que impegam os parlamenta- © Um bom exemplo da conduta individualista dos deputados ocorreu no governo Callor, quando o ministro da Agao Social, Ricardo Fitiza, resolveu montar um cadastro contendo uma ficha de cada parlamen: tar que estivesse propicio a apoiar o governo no Congresso Nacional. Nessa ficha, estariam relacionados os pedidos de verbas ou cargos ‘com a posigao do parlamentar em votagoes importantes no Congres- So. Dessa maneira, 0 governo esperava controlar os deputados, i margem dos partidos, O interessante é que esse método ja havia sido adotado por Marco Maciel no Gabinete Civil do presidente Sarney (ver Fotha de S Paulo, 28/2/92:A-6). + Em 1992, 0 jornal O Estado de S, Paulo mostrava 0 crescimento da influencia das “bancadas informais,que cortam diagonalmente partidos de diferente espectro ideoldgico. 0 jornal deserevia a exis- téncia de pelo menos doze “blocos transpartidarios", a saber: os parlamentaristas (273 deputados e senadores), a bancada rural (250 deputados), o BEM (bloco da economia moderna (137 deputados), 2 bancada do nordeste (170 deputados ¢ senadores), a bancada do Banco do Brasil (oite deputados e trés senadores), a Frente Parla- mentar Nacionalista (120 deputados e senadores),a bancada ‘Amazénia (oitenta deputados e vinte senadores), os evangélicos (27 deputados), a bancada do “ACM” (no minimo 23 deputados, poden- do, em alguns casos, influenciar oitenta por cento do PFL e dez por cento do PMDB), o grupo ligado aos empreiteiros (cujo principal representante é Luis Roberto Ponte, do PMDB-RS), a baneada dos funeionarios publicos (com pelo menos dez parlamentares) e a ban- cada da Petrobris. E importante notar que mesmo que algumas baneadas tenham um numero reduzido, sua influéneia pode ser grande em ruziv, por exemplo, de um conlsecimento téenico porta do por seus membros, como & 0 caso da baneada dos economistas na hora da votacsio do orgamento [ver O Estado de S. Paulo, 10/5/92) 178 | 0 federalismo esadualsta e 0 veto dos babes res de mudar a qualquer momento de partido. No periodo entre 1991 (inicio da legislatura) a abril de 1994 foram efetuadas 264 trocas de legenda, 0 que significou uma média de sete mudan- cas a cada mes’. Portanto, com 0 grande mimero de blocos transpartidarios mais 0 ntimero altissimo de mudangas partidarias, ficava claro que os partidos tinham um controle muito fragil dos deputados federais. E quando havia o controle partidério, conforme obser- vado no periodo, ele era feito a partir da distribuigao de cargos do Executivo Federal e/ou estadual. s parlamentares atuaram na redemocratizagao, basicamen- te, segundo a ética regional e de forma individual, procurando atender os interesses de sua regido, a fim de obter a recleigao e/ ou 0 avango na carreira politica. Foi nessa perspectiva que se multiplicaram as emendas ao Orgamento Federal”. Defendendo © direito dos deputados federais de emendar 0 Orgamento Fe- deral, destinando recursos &s bases locais dos parlamentares, 0 Deputado Humberto Souto (PFL/MG), influente parlamentar do Congreso, disse: “Nao sou artista ou radialista que ganha cleigao por ser eclebridade. Preciso de emendas para satisfazer meus eleitores”™. A fragilidade partidaria somada a atuagao individualista dos deputados federais voltada para o atendimento das bases eleito- rais criava uma situaglio em que imperava a logica estadualista na politica. Assim, a lealdade dos deputados fedcrais as suas bases estaduais se sobrepujava & perspectiva partidaria e nacional. For- mavam-se, portanto, vinte e sete “bancadas estaduais” (inclu do 0 Distrito Federal), com grande independéncia diante das agre- * Neste periodo, Rondonia foi o estado campedo de trocas partidiri- as, registrando 26 alteragdes em trés anos, mesmo possuindo ape nas ilo deputados (0 menor ntimero possivel por estado), ‘Todos os deputados de Rondénia trocaram pelo menos uma ver. de legenda, sendo que o Deputado Reditario Cassol (RO) foi o recordista, com seis trocas de legenda, Jornal do Brasil, 11/4/94:3 De 1989 a 1992, o niimero de emendas apresentadas pelos depu- tados e senadores aumentou de forma impressionante: em 1989 foram apresentadas 8,000 emendas; em 1990, 12.000, em 1991, 72,000; ¢ em 1992, 75.000 emendas, ® Kotha de S,Paulo, VS294:8-4. © federalism estadualita eo veto dos barées | 179 miagdes partidarias. Recorrendo novamente ao ex-Deputado Nel- son Jobim, 0 Congresso Nacional se transformou em uma “ sombléia dos estados”, tal como ele descreve no trecho a seguir: “(_.J 0 problema basico é que nés ndo temos uma Assembléia Nacional, temos uma Camara dos Estados do Brasil [.... Na medida em que temos uma Camara dos estados do Brasil e representagées estaduais, cuja reprodugao politica depende de sua performance local ¢ nao de sua performance nacional, nao ha condigoes instrumentais de praticar um pacto federal [J podemos afirmar claramente que a Reptblica néo produ- ziu partidos nacionais |...]. Temos segdes regionais rigorosa. mente auténomas na formacao de suas politicas” (apud Ve- ras, 19934:34). Sobre a legislatura que estudo (1991-94), nao hé nenhuma pesquisa que mensure o grau de estadualismo presente na Ca- mara Federal, embora seja nitido, mediante andlise das vota- oes, que 08 deputados tinham tendéncia de votar conforme os interesses de suas regides. Contudo, ha uma pesquisa realizada por Scott Mainwaring na legislatura anterior, precisamente em fevereiro de 1988, que contém dados muito interessantes sobre 6 comportamento partidario no Congreso Nacional. Reproduzo a seguir a Tabela 12, que mede o grau de fidelidade dos deputa- dos com relagao aos partidos diante dos interesses estaduais. Tabela 12, Quando existe wn conta entre ax necesidades de seu estado en posigiode se prt, con ware jorslimente wots? Com o partid, de acrdo com os interersos esta Como partido Comaestado -Meiwameio NDA paR. su sate iz 28 PRL. 18 798. ams 435 pbsermeu PPTRIPDC 192% 162% 19% 24 port PPCdoB 708 160% sae Teta a3 $910% awe ¥ Fonte: Mainwaring, 19910:35, Os dados apresentados acima so muito expressivos, revelan- doo carater estadual dos mandatos da maioria dos parlamenta- res. Os dois maiores partidos do pais, PMDB e PPL, apresenta- vam indices de preferéncia ao atendimento das necessidades estaduais superiores aos de respeito da posigao partidaria. No 180 | © federalism extadualita © 0 veto dos bardes caso do PFL, quase 75% dos deputados federais levavam em conta mais as necessidades regionais do que as diretrizes parti- darias! Exses indices tornam-se mais alarmantes ao constatar- mos que o pleito de 1986 foi mais nacional do que a de 1990, em razio da elcigio do Congresso Constituinte. A eleigao de 1990, entre as trés realizadas no periodo democratico até aquele mo- mento, foi a menos nacional — como mostrarei mais adiante —, 0 que resultou numa forca maior da conduta estadualista dos deputados. ‘A importéncia de se manter canais entre os deputados e as bases estaduais apareccu nos dois maiores partidos — PMDBe PFL — por meio do mecanismo informal dos coordenadores es taduais de bancada, deputados escolhidos para serem as pontes dos parlamentares com os governadores de seus estados. Carlos Alberto Novaes descreve assim o papel dos coordenadores es duais de baneada: “Estreitamente vinculados a 6rbita dos interesses est: duais, quer atuando com o lider, quer sem ele, eles procuram dar expressio federal a estes interesses, ora concatenando esferas de governo (quando sao aliados do governador c/ou de algum ministro de estado), ora informando a agao partidéria contra os interesses do Executivo correspondente, quando lhe fazem oposicao” (Novaes, 1994:121) Entretanto, 0 coordenador estadual de bancada realmente possuia forga quando seu partido governava o estado. Nesse caso, 6 coordenador de bancada podia organizar com mais éxito as demandas de seus representados ao governador. O PMDB ¢ PBL possuiam, no quadriénio 1991-1994, dezesseis governado- res, ou seja, comandavam sessenta por cento de todos os esta dos. Dessa forma, em boa parte dos estados havia a garantia de atendimento organizado dos pleitos dos parlamentares, orga- nizado aliés em torno mais dos intercsses estaduais do que da logica partidéria. ‘Averdade é que a relacao entre os deputados e os governado- ganhou uma importincia fundamental neste periods, Um cessor parlamentar do PFL definiu bem essa situagio: “Olha, nao conheco um deputado que perca uma reuniao com o governador ou um secretario de estado, mas conheco varios que faltam as reunides partidérias. Ta certo, o depu- tado precisa ter uma boa relagao também com os prineipais (© federalsmo estadualita © 0 veto dos bardes | lideres de seu partido, mas quem ¢ que vai dar as verbas para a sua cidade, pro scus eleitores? Ah, ou ¢ 0 governador ou é 0 ministro. [...| se bem que ultimamente os deputados tém pre- cisado mais do governador, nao tem mais aquela relagao que tinha antigamente entre o Governo Federal e os municfpios.” E continua o assessor do PFL, apontando 0 motivo essencial da dependéncia do parlamentar federal com 0 governador: “O deputado tem muito medo do governador criar outro candidato para a sua regido, ‘apadrinhar’ os secretarios esta- duais, e ai a situagio do deputado fica dificil. 0 ACM fez. isso na Bahia, ‘apadrinhou’ um monte de secretérios de estado, desde que ele foi governador pela primeira vez. |... E eu ja ouvi muitas historias de outros governadores, do PMDB, que fazem a mesma coisa. Entao ha um grande medo do deputa- do nao ter recursos do governo estadual para a sua regiao. [.u 6 verdade que tém uns deputados que possuem ligagoes também com o Governo Federal, que tém influéncia nos 6 ‘gaos federais, e 14 conseguem dinheiro e obras, sempre [...] € 86 ver o Inocéncio [...] mas ao contrério do que a imprensa diz, so poucos os deputados que tém esse privilégio. No fun- do, a majoria dos deputados precisa do governador para man- dar obras para a sua regido, porque o medo de nao se reeleger 6 muito grande, e o deputado sozinho nao se elege.”"" A lealdade dos deputados federais com a “situagao" estadual, portanto, era fundamental. Dado o alto grau de incerteza com relagdo a receleigao, os deputados federais nao podem sobrevi- ver mantendo apenas atuagéio meramente individualista, sem nenhum anteparo institucional. Eles precisam de suporte orga- nizacional que otimize as relagdes com as bases locais. Embora © Executivo Federal continuasse a desempenhar uma papel importante na conformagao das carreiras politicas através da distribuigao de cargos federais - sobretudo nos estados, como as Diretorias das Teles ~ e de verbas ou subsidios, seu poder foi menor neste periodo, por razbes que veremos a seguir. 4d) Por fim, 0 outro fator que favoreceu 0 poder dos governa- 2» Entrevista realizada em 28/9/94. O assessor parlamentar preferiut uc seu nome nao foase revelad, para “ goes”. Mas como a entrevista foi muito ri futuras complica vi utiliza assim 182 | © federalsmo estadualta eo veto dos bardes dores sobre os deputados federais foi o enfraquecimento do pre- sidente da Republica. Durante a redemocratizagao, 0 presiden: te nao conseguiu montar uma sélida maioria que Ihe permitisse governar. O enfraquecimento do presidente ocorreu em trés cam: pos: o financeiro, 0 administrativo eo politico. No campo financeiro, 0 Governo Federal vinha enfrentando uma crise desde 1982. Além disso, as politicas de investimento estavam praticamente inviabilizadas na medida em que 0 Orga- mento Federal tinha quase todas as suas despesas ja vincuk das, seja para o pagamento das dividas interna e externa, seja para o pagamento de pessoal ou ainda para outras despesas “en: 8 quais davam parco retorno eleitoral. Dessa forma, jram os recursos que o Governo Federal poderia distri- buir aos deputados federais para obter apoio. ‘No campo administrativo, dois problemas atingiam 0 Execu- tivo Fedcral. Primeiro a maquina publica federal estava total- mente fragilizada, nas mais diversas areas, Os baixos salérios, a falta de pessoal qualificado, a aposentadoria precoce dos me- Ihores quadros, a destruturacao dos principais érgios de soria do staff presidencial, além da autonomizagao das estatais, formavam um quadro em que o Executivo Federal nao conse- guia organizar-se minimamente para administrar o pais. Mas a principal conseqiiéncia desse estado de coisas era 0 enfraque- cimento do proprio presidente no embate com os outros atores politicos, pois a desorganizagao da Administragao Publica Fe- deral dificultava a ordenagao estratégica das ages do Executivo Federal nas negociagdes com o Legislativo ¢ com os governadores. ‘O outro problema administrativo que afeta o Executivo Fed ral se encontra na intersegao entre a politica e a administracao: o presidente nao controlava grande parte dos cargos em comis- so, no que tange A distribuigao ¢ ao posterior exereicio dos car- * Um bom panorama da crise da Administragsio Publica Federal en- contra-se em Andrade & Jaccoud, 1993, Como bem ressalta Régis de Castro Andrade na introdugao do livro, “a crise brasileira — em sua dimensao politiea — é dupla: 6 uma crise das instituigdes politeas e € uma crise da burocracia publica” (p. 25). Portanto, « Crise do presidencialismo nao era causada apenas pelos problemas existentes na relagio entre os Poderes; era causada também pela desestruturagao interna do Executive Federal, © federalism estaduaita @ 0 veto dos bardes | 183 gos. Isso ocorria porque o presidente na maioria das vezes nao tinha maioria congressual, e para tentar obté-la — ou pelo me- nos para conseguir base minima de sustentagao no Congresso —cle tinha de construir uma coalizio bem ampla, levando em conta as varidveis partidaria e regional (cf. Abranches, 1988). A fragmentagao partidaria e o grande numero de governadores com poder suficiente de barganha para pleitear cargos inviabi- lizavam a de distribuigdo de cargos como um meio eficaz de for- mar uma coalizao de governo. Neste sentido, apontou Valeriano Mendes Ferreira Costa: “A distribuigaio de cargos em comissao da administragéo publica nao corresponde [...] ao resultado de uma negociagao institucionalizada para a composigao de coalizdes de governo ¢ também nao respeita qualquer padrao de representagao politico-partidaria que assegure ao governo uma base de sus: tentacao estavel e coerente no Congresso, O loteamento é mais uma resposta reativa do Executivo as pressdes ¢ contrapres- sdes dos deputados, senadores, governadores, grupos de inte- resse, corporagées ¢ da prépria burocracia para a ocupacao dos cargos de direcao na administragao direta e indireta, do que uma politica sistematica de ocupagao da maquina publi- ca por um grupo representativo de interesses sociais ou uma corrente partidaria com um minimo de coeréncia politica” (Ferreira Costa, 1993:254- Assim, aquilo que deveria servir para fortalecer 0 governo 0 enfraquecia. Nao se consegue uma base de sustentagao no Con- gresso Nacional e ainda por cima fragiliza o Executivo interna- mente. Em suma, no Executivo Federal os ministérios funcio- navam com alto grau de autonomia e muitas vezes 0 centro po litico (a Presidéncia da Republica) perdia o controle deles, No campo politico, o presidente ficou mais fraco porque au- mentou a equipoténcia entre os Poderes. O Congresso Nacional 0 Supremo Tribunal Federal — além dos governadores — ampliaram seus poderes apés a Constituigao de 1988. Isso nao quer dizer que o presidente tenha sido neste perfodo um ator sem nenhuma forga politica, sem nenhum poder decisério. Ao contrério, como mostram Argelina Figueiredo & Fernando Li- mongi, da producao legal no Ambito federal de 1989 até 1992, 0 Executivo foi responsavel pela iniciativa de 81% das leis apro- vadas (Figueiredo & Limongi, 1994:14). 14 | 0 federalism exeadualitta @ 0 vero dos bares ‘A experiéncia politica do p6s-88 nos ensina que 0 Executivo teve ampla margem de manobra para governar nas questoes emergenciais — a experiéncia do Plano Collor T foi um exemplo ‘cabal disso —, nos problemas mais cotidianos que afetam a ad- ministragao estatal, e em outros assuntos que nao afetem os interesses mais imediatos dos deputados, dos governadores ¢ dos grandes grupos de interesse, Esses assuntos envolvem a maior parte dos projetos aprovados no Congressso Nacional. Porém, o Exceutivo conseguiu aprovar pouquissimos projetos ligados & reforma global do Estado, como prova a derrota do ‘Bmendio do governo Color. Da mesma maneira, 0 governo Ita- mar nao quis apostar suas fichas na Revistio Constitucional. O problema, portanto, nao era o numero de projetos de lei aprova- dos, mas a nao-aprovacao de um projeto de governo" B interessante notar que o sistema politico brasileiro tem caracteristicas tanto do modelo majoritario como do consocia- tivo, sendo que as caracteristicas do primeiro favorecem ao pre- sidente, e as do segundo, enfraquecem-no. Do lado majoritario, ha as Medidas Provisorias e as diversas prerrogativas legisla- tivas que eabem ao Executivo Federal, dando um grande poder ‘a0 presidente, Do lado consociativo, hé um multipartidarismo que leva o presidente a formar coalizies parlamentares amplas" uum sistema bicameral que fornece poderes quase iguais as duas 1 Devo essa idéia ao colega pesquisador do Cedec, Claudio Gongalves Couto. 1} Para analisar a formagao dos gabinetes presidenciais no multipar- tidarismo brasileiro, ver Amorim Neto, 1996, Em comparagao aos paises da tereeira onda democratica que abarcou os paises do sul da Europa, do Leste Europeu, do Sudeste asidtico e da América Latina, a redemocratizagio brasileira foi marcada pelo surgimento de um hiimero elevado de partidos. Segundo Jairo Nicolau , 68 par tidos participaram das eleiges entre 1982 c 1994 (Nicolau, 1996:14- 15), Os efeitos do multipartidarismo no aumento da fragmentaga congressual foi igualmente gigantesco. Em 1990, ainda conforme Nicolau, 0 Congresso brasileiro tinha 8.7 partidos relevantes; no final do periodo aqui estudado, em 1994, havia 8.2. Este foi um maiores indices de fragmentagao partidaria aleangados nos do terceira onda democratica, talvez apenas perdendo para a Po Ionia, com 10.8 partidos relevantes no Legislativo nacional (Linz & Stepan, 1996:276). Mas a Polénia ja se tornou uma caso anedstico, com set: famoso “Partido dos Adoradores da Cerveja” © federaismo estadualita € 0 veto dos bardes | Casas Legislativas, um federalismo centrifugo, no qual as pres- bes dos governos Subnacionais tém um impacto forte sobre a politica nacional e, por fim, uma Constituicao que milimetrica- mente tocava em quase todos os temas nacionais relevantes, sendo que qualquer alteragdo da ordem depende de uma maio ria qualificada (Couto, 1997), ‘Em suma, enquanto o aspecto majoritario do sistema concen- tra poder na Presidéncia, o consociativismo eleva o nimero de atores e de pontos de veto (Tsbelis, 1997). O predominio de um destes modelos depende dos recursos a disposicao dos atores. De 1982 a 1994, quando a Unido ¢ a Presidéncia da Republica estavam mais fracas e os governos estaduais tinham maior po- der, como descrito anteriormente, os aspectos consociativos fo- ram mais marcantes, sobretudo no que se refere aos vetos con- gressuais as mudancas propostas pelo Executivo. Foi isso que tornou mais dificil a aprovacdo de um projeto de governo ao Tongo da redemocratizagao®. Isso nao quer dizer que o Congreso Nacional se tenha tornado uma instituigdo cujas agdes caminhavam para o mero poder de veto, O Congresso aprovou na legislatura estudada alguns proje- tos importantes, como a Lei de modernizagao dos portos. Além disso, projetos que possuiam grande resisténcia de alguns grupos sociais foram aprovados no Legislative, como a Lei de privatizagao. © Uma forma de perceber o impacto do aspecto consociativo do siste- ‘ma politico na reforma do Estado brasileiro é fazendo uma compa- rragao com outro caso latino-americano, o argentino, onde as refor- ‘mas estruturais foram feitas antes do Brasil. Embora também presidencialista e federativa, a Argentina conseguiu reforgar mui to mais os aspectos majoritarios do sistema a partir do primeiro xoverno Menem, construindo uma coalizao reformista que adotou, segundo Vicente Palermo (199'/:11), uma estratégia blitzkrieg, isto 6, de mudangas feitas em bloco e mais rapidamente. No Brasil, a0 contrario, adotou-se uma estratégia mais gradualista na reforma do Estado, em que a mudanga foi incremental, alongou-se mais no tempo e teve de ser negociada com um nimero maior de atores. Ao meu ver, a diferenca entre os paises tem como uma das razdes prin- cipais, dentre outras, o maior impacto do aspecto consociativo do sistema politico no decorrer da redemocratizacao brasileira, para 0 ‘qual contribuiu muito o enfraquecimento do Governo Federal conco- mitantemente ao fortalecimento dos governos estaduais ¢ de seus comandantes, os governs 1 | O federasmo estadualata © 0 veto dos bardes Mas alguns poderes de veto permaneceram e foram funda- mentais para a definigao dos rumos deste periodo, Na questo federativa, os governadores comandavam este poder de veto, E importante notar que importantes reformas do Estado bra- sileiro passam pela alteragao do atual pacto federativo: reforma tributéria, repartigao equilibrada das competéncias entre os niveis de governo, criacao de mecansimos eficazes para atacar os desequilibrios regionais, e até a privatizagao. Nas palavr: de Aspasia Camargo: “A Federagao é a coluna vertebral que pode ou nao dar consisténcia e viabilidade ao conjunto de reformas economi- cas, sociais e politicas que o Brasil pretende realizar” (Ca- margo, 1994:93). Portanto, a aprovagao de um projeto de governo, que viabili- ze uma reforma global do Estado, passaré pelo tema da Federa- 40, e conseqitentemente, pelos governadores de estado. Os pre- sidentes, desde a gestdo Figueiredo, ndo conseguiram vencer esse veto dos governadores, tornando-seprimus inter pares deles. controle do governador sobre as bases eleitorais dos depu- tados federais, a eleigao para o governo estadual “casada” com 0 pleito para a Camara Federal, o predominio das lealdades esta- duais sobre as leadades partidérias na acdo dos parlamentares no Congresso e 0 enfraquecimento do presidente, sobretudo di- ante dos governadores: eis aqui as fontes do poder dos govema- dores de estado no plano nacional durante a redemocratizagio Para Oliveiros Ferreira, esse poder dos governadores colocou. em xeque a relagio entre o sistema politico-institucional brasi- leiro a Federagao. Diz ele: “O grande problema institucional ¢ |...] a incompatibilida- de entre a Federagao ¢ o sistema politico-cleitoral, na medida ‘em que esse faz do presidente da Repiblica prisioneiro dos privatismos representados pelos governadores de Estados, que influem (ajudando ou negando auxilio) poderosamente na clei- ao de deputados federais, quando nao de senadores. Em ou. tras palavras|...] 0 chefe de Estado nao pode desenvolver uma politica de governo na medida em que se deve conformar as flutuagdes de humor dos governadores que controlam as ban. cadas mais numerosas e que se unem em fungao de interes- ses locais, e munca |...] em fungao de politicas partidarias ou nacionais de governo” (Ferreira, 1994) (0 federalsmo estadualsta © 0 veto dos bardes | 187 Conclui-se, pela andlise empreendida por Oliveiros Ferreira, que 05 governadores atuavam nacionalmente segundo interes- ses locais durante a redemocratizagao. Esse tipo de atuagao foi exponenciado pelo tipo de federalismo que vigorou no Brasil, 0 federalismo estadualista, que, ademais, ganhou contornos pre- datorios. O contexto do federalismo estadualista ‘A formagao do federalismo estadualista fortaleceu os estados e seus comandantes, os governadores, em detrimento da Unio e do presidente. Essa constatacao, desenvolvida isoladamente, po- deria levar a uma conclusdo precipitada, qual seja, 0s governa- dores ditavam as regras da politica nacional, governando o pafs Contudo, havia outra caracterfstica fundamental do federalismo estadualista: na maior parte do tempo, os estados se constitufam como unidades adversérias cujos objetivos se restringiam & au- todefesa. O principal interesse comum que os unia era a defesa da ordem federativa vigente, a qual benefeciava, quanto a reeur- de competéneias e poder politico, as unidades taduais, Em determinados momentos, no entanto, alguns estados for mavam aliangas pontuais, quase sempre na busca de mais cursos da Unido ou mesmo disputando recursos com outros es- tados. Sobretudo os estados do Nordeste agiam dessa maneira, as vezes se aliando para pedir benesses ao Governo Federal, as vezes se aliando contra os estados do Sudeste. A regra geral do federalismo estadualista, todavia, era a auséncia de uma arti- culagao estadual para conquistar de fato 0 poder nacional. Nao havia uma alianga no estilo do pacto do café-com-leite, tal como havia no Primeira Republica. Depois de terem consolidado ins- titucionalmente o federalismo estadualista, os estados, coman- dados pelos governadores, agiram muito mais para evitar a cria- 4o de um bloco hegeménico do que no intuito de construir outro, Para alguns autores, a auséncia de uma hegemonia estabele- cida pelos governadores no plano nacional foi um sinal da fra- queza (ver andilise de Selcher, 1990). Na verdade, os governado- res cram fortes no plano nacional nao no sentido de construir uma “estratégia comum ¢ viavel para Brasilia”, mas para man- tora estrutura de distribiuirs der ursos favordvel aos estados, 18 | © federalsmo extadulitta © 0 veto dos bardes © ainda barganhar para seu estado parcela maior de recursos da Uniao. Como ao longo da redemocratizacao o Governo Fede- ral teve dificuldades para obter apoio politico no Congreso, ele procurava o apoio dos governadores e em troca oferecia verbas ¢ cargos, agravando por um lado sua erise financeira, e por outro, dividindo mais 0 governo e perdendo o comando sobre ele. As- sim, a estratégia individual de cada governador era aumentar seu poder de barganha ¢ influéncia no Poder Central, podendo até estabelecer aliangas pontuais com outros estados na busca de um objetivo imediato comum; no entanto, dificilmente os go vernadores buscaram formar uma alianga ampla para governar © pais, pois prevalecia a conduta individualista, imediatista e ndo-cooperativa, Algumas razées explicam esse comportamento nao-coope- rativo ¢ individualista dos estados. A primeira 6 0 aumento da multipolaridade dentro da Federacao, que se manifesta de duas maneiras. De um lado, a partir do II PND, houve uma descon- centragao regional dos investimentos econdmicos e assim os es- tados mais ricos perderam a posi¢do privilegiada de pressdo que tinham, enquanto outros estados se fortaleceram economica: mente, significando 0 aumento do seu poder de barganha. O caso baiano 6 paradigmatico nesse sentido. Beneficiado pelos investimentos do II PND, como também pelos gastos do Exe cutivo Federal nos governos Figueiredo, Sarney e Collor, a Bahia se tornou o mais importante dos estados médios, exercendo for- te lideranca econdmica e politica no Nordeste®. ‘A multipolaridade da Federagao derivou também do aumen- todo poder de barganha dos estados menores no Congresso Na- cional, fruto das mudancas institucionais iniciadas em 1974 terminadas na Constituigdo de 1988, que sobre-representaram © No caso baiano, a habilidade politiea de seu principal lider esta- dual, Antonio Carlos Magalhaes, teve decisiva influéncia no a ‘mento do poder do estado dentro da Federagio. Habilidade exp sada de trés maneiras: na manutengao da influéncia politica em sueessivos governos no plano federal, obtendo assim recursos para seu estado; na conquista da lideranga de sua regido, 0 Nordeste, exercendo hoje tuma incosteste influeneia sobre a maioria desses festados; e na obtengao do eomando do PFL, um dos maiores parti dos do pais © federalimo extadusista e 0 veto dos barges | 189 08 estados das regides mais atrasadas e criaram novos estados. Foram eriados, desde 1974, cinco novos estados, que juntos hoje tém quarenta deputados, o que equivale a oito por cento da Ca- mara Federal, tamanho de uma bancada média. Quanto a ques- tao da sobre-representagio, ela favorece sobretudo aos estados do Norte, mas também em menor medida aos estados do Cen- tro-Oeste e os estados menores do Nordest Essas duas medidas forneceram aos atores federativos econo- micamente mais fracos um poder maior de barganha, compen- sando, de certa maneira, sua fraqueza econdmica. Entretanto, multiplicagdo de estados efou a sobre-representagao criaram uma Federagio multipolar alicergada em pressupostos frageis, visto que estes estados — especialmente os ex-Territorios — depen- dem muito dos recursos financeiros da Unido. O poder politico desproporcional que esses estados possuem no Congreso Na- cional nao tem servido para obter a autonomia financeira, mas sim para garantir 0 apoio econdmico do Governo Federal, dando em troca os votos de seus parlamentares, Dessa forma, esses estados tornam-se artificiais, ja que nao preenchem os critérios que definem a autonomia de um ente federativo, no sentido do federalismo republicano”, Outro fator que explica a conduta ndo-cooperativa dos esta- dos 6a tradicional ambigio de varios governadores de chegar & Presidéncia da Republica. Dessa maneira, os governadores se enxergam como inimigos em potencial e portanto evitam for- mar aliangas que possam favorecer outro governador. Tal situa- Go dificultou o estabelecimento de um jogo cooperativo entre os estados no periodo analisado. Contribuiu ainda mais para o de- senvolvimento do comportamento nao-cooperativo dos estados * Um exemplo que mostra bem quanto a existéncia desses estados tem um carater artificial se encontra em Roraima, onde todos 0s seus vito deputados federais eleitos para a legislatura de 1991 1994 nao nasceram no estado, sendo que grande parte desses de- putados foram para Roraima porque li seria preciso um numero muito pequeno de votos para conquistar uma cadeira na Camara Federal. O candidate que chegou em primeiro lugar na disputa para a Camara, Teresa Juca, obteve eerea de 11.000 votoe, enquanto 0 deputado que conquistou a ultima vaga, Joao Fagundes, obteve ape: nas L295 votos (Jornal da Tarde, VA991:5) 190 | Ofederalsmo estaduaita 0 veto dos bardes a inexistént a de um forum institucional para a resolugao das ‘questoes federativas. A instituigao que deveria cumprir essa fun- do é o Senado, mas suas fungdes federativas sio mal delimita- das. Além disso, a Constituigao deu ao Senado um papel de C4- mara revisora para todos os assuntos tratados no Congresso ‘Nacional, o que sobrecarregou sua pauta e tornou extremamen- te indefinida sua missao institucional. Assim, foi inviabilizada a transformagao do Senado em um forum institucional para a resolugao dos conflitos federativos. tinico frum institucional voltado especificamente para 0 tema federativo 0 Confaz, (Conselho de Politica Fazendaria) Nele sio decididas as politicas de beneficios fiscais ao ICMS, principal imposto estadual. O proceso decisério do Confaz, no entanto, acentua a conduta individualista dos estados, porque qualquer concessao de beneficio fiscal depende da aprovagao da unanimidade dos estados, equiparando o poder de barganha, por exemplo, de Sao Paulo com Alagoas, da Bahia com Roraima A formagao de aliangas duradouras entre os estados torna-se entao mais dificil de acontecer, pois cada estado, a todo pedido de concessao de beneficio fiscal, procura barganhar ao maximo seu voto. As regras do Confaz, portanto, incentivam mais a ameaga ou 0 proprio exercicio do veto do que a cooperagaio" A nica forma de agregagao dos estados entre si tem sido 0 discurso regional, mas mesmo assim somente nas Regides Nor- tee, sobretudo, Nordeste. Como aponta Roberto Cavalcanti: “Aidentidade das macrorregides brasileiras é grandemen- te relativa. Para 0 Sudeste, sequer est em uso a expressio ‘sudestino’: scus habitantes sentom-se mais paulistas, minei- ros capixabas — e, no caso do Rio de Janeiro, ainda prevale- ce, sensivel, a diferenciagao entre cariocas ¢ fluminenses. No Sul, o “estadualismo” também se impoe sobre o regionalisme: gatichos, catarinenses e paranacnses so representagdes men- tais mais marcantes do que a, um tanto equivoca, sulista. E 0 mesmo ocorre com 0 Centro-Oeste, onde, alias, aimportincia das migragoes recentes dissolve o impeto localista de sua po- * Mas nao s0 a concessio de beneficios fiseais tem um quorum deli burative alto; a revogagao de beneficies fiseais concedidos depende dda aprovagao de quatro quintos (oitenta por cento dos estades) (ef Bordin & Layeminn, 1993:13). © federaismo extadualizea © 0 veto dos bardes | 191 pulagao mais antiga, Somente no Norte e no Nordeste per- siste um forte sentimento de regiao. No Norte, a floresta ¢ os rios como que ainda comandam a vida. E no Nordeste, a defe- sada terra com o proprio sangue ¢ a civilizagao do agucar, no litoral, e a solidariedade diante das secas, no interior, forja- ram, desde cedo, um forte sentimento regional, mais acen- tuado [...1” (apud Veras, 1993:39). Portanto, apenas nas Regides Norte e Nordeste existe um sentimento regional acentuado, enquanto nas outras Regides a atuagiio dos estados obedecem ao que chamo de estadualismo, inexistindo uma unido “natural” entre eles, que facilitaria, em tese, a formagao de aliangas eo estabelecimento de um jogo mais cooperativo. Porém, a forca do regionalismo na Regiao Norte tem de ser bem matizada. Isso porque o regionalismo para se desenvolver politicamente necesita de fortes liderangas poli- ticas, que sao formadas no decorrer da histéria politica da Re giao. O Norte nao possui grandes liderangas politicas que con- greguem os interesses do varios estados, até porque sua his ria politica é muito recente — até pouco tempo a maioria dos estados era Territorio. ‘0 Nordeste, por sua vez, tem toda uma tradigao de historia politica, a qual sedimentou uma identidade para a Regido, que fornece elementos ideol6gicos para o regionalismo desenvolver- se. A identidade da Regiao Nordeste se constroi pela simbolo- gia do mito da necessidade, tal como desereve Ind Blias de Cas- tro: “A imagem que a elite politica projeta nacionalmente da regio ¢ a da car@ncia: de recursos, de investimentos e de atengao do poder central. As propostas decorrentes sio dire- cionadas para solugoes imediatistas, mediante recursos pui- blicos” (Castro, 1992:190) Os governadores nordestinos, portanto, conseguem se articu- lar através desse tipo de discurso e pratica, mormente porque ha realmente um grande desequltbrio regional no pais. Apesar de ser um grande problema nacional, a questao dos desequilibrios regionais nao encontra uma arena federativa adequada para ser resolvida, exatamente porque 0 Senado nao se constitui como f6- rum institucional de resolucdo dos problemas federativos. Além de nio existir uma arena adequada para resolver o problema fe dorativo, a logica estadualista se torna obstaculo para estabele- 192 | © federalemo extadualata © 0 veto dos barbes cer um minimo de sonsenso entre os estados para definir a for- ma, 0 contetido e o locus da redistribuigao de recursos a fim de atacar as desigualdades regionais. Nesse jogo nao cooperativo, as bancadas dos estados nordestinos, como normalmente se articu- lam melhor entre si do que os parlamentares de outras Ri curam garantir recursos do Governo Federal, seja medi jo de mecanismos institucionais de repasse de recursos, seja mediante barganha politica, isto 6, em troca de apoio no Congres: 80 Nacional se obtém verbas dos cofres da Unido. © fato é que, mesmo com a introducao de normas constitu- cionais regulamentando a redistribuicao de recursos regionais, os estados do Nordeste mantém ainda a forma de negociagao ad hoc com a Unio para obter recursos, dando em troca apoio po- litico, porém se responsabilizando muito pouco sobre a destina a0 dos recursos". Uma forma por exceléncia de obtengao poli- tica de recursos e que envolvia sobretudo acordos feitos pela Unido para angariar apoio no Congresso, foi o das transferén- cias negociadas. Em 1992, por exemplo, os dois estados que mais receberam transferéncias negociadas foram, em ordem decres- cente, Bahia e Pernambuco, que juntos captaram cerca de vinte por cento do total dessas transferéncias (Roarelli, 1994:164). A redistribuicao de recursos inter-regionais, que deveria ser feita numa arena ptiblica onde todos os estados decidem como para quem vao os recursos, era definida nos gabinetes do Executivo Federal, levando em conta somente as necessidades dos gover- nos de plantao nos ambitos federal e estadual. Para resolver a questao dos desequilibrios regionais seria » Alguns bons exemplos comprovando que a Uniao nao sabe ao certo ‘qual o destino dos recursos distribuidos ao Nordeste sio dados pela matéria “DNOCS: contas secas”, do jornalista José Casado (Gazeta ‘Mereantil, 26/11/93). Dois exmplos citados na matéria jé mostram 60 descalabro da “indastria da seca": em primeiro lugar, US$43,9 milhaes do Orcamento Federal para 0 ano de 1993 foram destina- dos a 62 projetos de obras contra a seca absolutamente desconhe- tidos. O srgao encarregado de fornecer o dinheiro, o Pnocs, nao dispunha da muis remota informagao técnica ou andlise custo! beneficio desses projetos, O segundo exemplo refere-se ao desvio de Verbuts federais contsa a seca no valor de US$12,7 milhoes quo fo- ram parar na eidade do Cabo, no literal sul pernambueano, bem Tonge da caatinga. © federalsmo estadualita @ 0 veto dos bardes | 193 necessério criar um verdadeiro contrato federativo. O pr posto para se chegar a isso, contudo, é a criagaio de um pacto nacional, 0 qual teve no federalismo estadualista um dos seus maiores inimigos Em suma, a relagao entre os estados dentro do federalismo estadualista obedeceu a um padrao nio cooperativo de relacio namento, ou aquilo que Sérgio Abranches denomina de logica de facgao (Abranches, 1989). Essa légica impediu acordos mais amplos, como 0 necessario para criar um modelo racional de redistribuigao de recursos inter-regionais. E esse tipo de fede- ralismo que explica em grande medida por que os governadores (ou parte deles), apesar de fortes, ndo conseguiram estabelecer um pacto hegeménico, capaz de criar uma alianga governativa em torno deles. A guerra fiscal ¢ 0 exemplo mais acabado desse tipo de relacionamento entre os estados. Cinco fatores levaram ao recrudescimento da guerra fiscal apés a Constitui¢ao de 1988. Em primeiro lugar, as aus de uma politica industrial nacional e de politicas regio desenvolvimento tornaram os estados praticamente os tnicos responsdveis pela atragao e manutengao do capital em seus ter- rit6rios — exatamente num novo momento capitalista em que as empresas ganharam maior mobilidade fisica. Em segundo lugar, os governos estaduais obtiveram grigantesea autonomia em suas politicas tributarias, somente comparavel a situagao dos estados americanos. Em terceiro lugar, a disputa entre os estados por investimentos ficou mais acirrada gragas as altera- goes efetuadas pelo I PND, especialmente na area de infra- trutura, beneficiando um conjunto considervel de estados que antes nao conseguiam competir em igualdade de condigdes com as unidades estaduais mais ricas. A partir da montagem de con- digées minimas, esses estados periféricos poderiam agora com- petir pela atracao de novos recursos do setor privado. Além dis- so, 0 II PND também modificou a posigao relativa dos estados mais ricos, aumentando a disputa entre eles e, 0 mais impor: tante, retirando Sao Paulo da confortavel posigao ocupada ante riormente. Ainda, a recessao iniciada no governo Color acele- roua luta selvagem por investimentos que garantissem alguma recuperagao de receita e a criacao de empregos substitutos aos climinados pelos efeitos nao s6 da recessao mas igualmente da abertura comercial. B, por fim, a falta de um verdadeiro foram 194 | © federatsmo estadulist @ 0 veto dos bardes institucional capaz de controlar essa guerra, uma vez que 0 Con- faz nunca conseguiu realizar tal papel. Foi a partir de entao que a chamada guerra fiscal teve seu grande impulso, Nas condigées extremamente desfavoraveis em que se encontravam, e com aimpossibilidade financeira da Uniao em ajudé-los, 36 restavam aos estados duas alternativas: se alia- rem para realizarem programas conjuntos de gastos e atragao de investimentos (opgao cooperativa), ou cada um procurar por si s6 armar uma estratégia para conquistar novas empresas a0 parque produtivo do estado (opeao pela competigao ndo-coopera- tiva), A segunda alternativa foi a escolhida, exatamente porque © federalismo estadualista incentivava @ adogio de comporta- mentos individualistas e néo-cooperativos por parte dos esta- dos. ‘A guerra fiscal tornou os estados “mfopes”. Recentes estudos do Ipea concluiram que, em primeiro lugar, 0s governos est duais nao aumentaram suas receitas com a politica de atragio do novas empresas; ao contrario, a rejeigao a politicas fiseais ativas somente tem contribufdo para que os estados nao consi- gam dar conta de suas novas despesas e encargos com pessoal, ambos elevados apés a Constituigao de 1988 (Piancastelli & Pe- robelli, 1996:29). Alem disso, a perversa dinamica da guerra fis cal leva todos os estados a oferecer um conjunto semelhante de beneficios as empresas. O resultado da generalizagdo dessa po- litica 6 que as isengdes perdem seu poder de estimulo, e tornam. se mera rentincia de arrecadagdo (Varsano, 1997:12). Para piorar ainda mais, a generalizacao das isengbes faz as ‘empresas direcionarem os seus investimentos para os lugares om que hé melhor infra-estrutura e recursos humanos mais pre- parados. Em outras palavras, os capitais vio para os estados mais desenvolvidos, e assim a guerra fiscal ajuda a ampliar a desigualdade regional presente no Pafs (Varsano, 1997:12). E, por fim, a guerra fiscal traz prejuizos a toda nagao, pois os custos deste jogo sio repassados para a Unido, que deve cobrir os rombos dos caixas estaduais causados pelo aumento conti- nuo de rentincia fiscal, ou mesmo financiar diversas politieas sociais, j4 que com a perda da arrecadagao os estados ficam com menos recursos para investir em tais politicas. Em consequcn- cia, pode haver a clevagao do déficit do Governo Federal, que ur mais esta “conta”, c entao todos os governos nao consegue p: © federalism estadualita © 0 veto dos bardes | 195: estaduais saem perdendo, cm fungio dos efeitos macroeconomi- cos perversos decorrentes do crescimento desmesurado dos gas- tos da Unido — inflacio e aumento das taxas de juros sao dois deste efeitos perversos. Essa situacdo perversa é mantida pelo seguinte paradoxo: mesmo que apenas um dos estados utilize os mecanismos da guerra fiscal, os demais terao que fazé-lo para evitar prejuizos individuais, A nao-cooperacao entre os estados transformava-se em “prima-irma” do comportamento predato- rio, maléfico a todos, mas do qual ndo se consegue sair (Abrucio, 1996:61), Na relagao entre os estados e a Unido a relagao de competi- go nao cooperativa também imperou. O objetivo dos estados no embate com 0 Governo Federal era manter a distribuigéo de recursos e poder vigentes na estrutura federativa A tentativa do Governo Federal em descentralizar os encargos comegou com a chamada “operagaio desmonte”, idealizada pelo governo Sarney, logo apés a promulgagao da Constitui¢ao de 1988. 0 Governo Federal pretendia descentralizar indiscriminadamen- te seus encargos aos estados, 0 que, no entanto, nao conseguiu fazer. Na verdade, iniciava-se ali um arduo proceso que os go- vernos Sarney, Collor e Itamar vivenciaram. As negociagdes das varias descentralizagoes setoriais ocorreram em um terreno em que o poder de barganha dos governadores era grande, nao s6 no sentido de evitar a descentralizagao de determinadas politicas, mas sobretudo de retardar 0 proceso, ¢ economizando assim re- cursos piiblicos estaduais as eustas do Tesouro Nacional. Mesmo assim, os estados e municipios ampliaram sua atua- go nas politicas publicas, num proceso intitulado por José Serra & José Roberto Afonso de “operagtio desmanche”, ou seja, as unidades subnacionais, em virtude do aumento de seus re- cursos no pés-88 ¢ da faléncia da maquina publica federal, as- sumiram mais encargos governamentais (Serra & Afonso, 1993: 4D. ‘A descentralizagio foi feita no pior dos mundos: sem a coor. denagao do Governo Federal, que nao conseguiu ter poder poli tico para realizar tal tarefa, ¢ com os estados retardando o pro- cesso, 86 0 realizando de fato dada a necessidade de se cobrir 0 vazio deixado pela Uniao. Neste sentido, o federalismo estadua- lista transformon a descentralizagao num proceso por muitas veres irracional e criador de novas desigualdades, j4 que nao 196 | © federalemo estaaualsta eo veto dos bardes houve um planejamento capaz de levar em conta a heterogenei- dade regional do Pais do ponto de vista socioecondmico. O interessante aqui ¢ entender como os estados se tornaram obstaculos a descentralizagao. O estado é 0 ente federative com © papel menos definido no que tange a distribuigtio de compe tencias”. Como ja mostrei no capitulo anterior, o estado-mem- bro tem apenas uma competéncia privativa material (explora- gao dos servigos de gas canalizado) ¢ exerce outra quase que exclusivamente, que é a seguranga publica. Os estados partici- pam das outras atividades governamentais, mas a maioria ée- las é vista ou como de atribuigdo do municipio ou da Unido. O proprio debate sobre a descentralizacao localiza apenas duas varidveis no universo federativo: a da Municipalizagao, sindni mo por exceléncia da descentralizagao, ¢a da coordenagio geral das politicas, a cargo da Unio, Para o estado nao ha nenhuma delimitagao de funeao, nem em termos genéricos Durante o periodo estudado, interessou ao estado manter essa posigao indefinida quanto a divisio de tarefas governamenta’$ Isso porque os governos estaduais sofriam assim menos pres- sdes para assumir claramente os eneargos governamentais, ¢a- bendo basicament. ios, particularmente de médio e grande porte, a axsungao desses encargos. Além do mais, mui- tos municipios queriam assumir as atividades governamentais, sobretudo por causa da pressao da populacao no nivel local so- bre o prefeito, exigindo uma melhor prestacao de servicos da rede piiblica municipal. O poder estadual tem baixa visibilida- de para os cidadaos, 0 que resulta em menor pressio sobre Executivo estadual no tocante a responsabilizagao pelas politi- \s publicas, ‘Os estados, em resumo, constituiram-se em obstaculos ao pro cesso de descentralizagao, © que nao quer dizer que eles nao tenham aumentado sua atuagao e seus gastos nas politicas pu: blicas. 0 fato é que a descentralizagao das politicas veorreu se- ® Segundo Fernanda Almeida, “a andlise das competéncias privati vas de cada esfera de poder revela uma clara preponderancia do poder federal, um certo fortalecimento do poder municipal e a per- Imaneneia da situagao desconfortavel do poder estadual, cujos po dores remaneseentes continuaram esvazindos de contetide e de sig nifieado prittico” (Almeida, 1991:174), 0 federalsmo estadualata © 0 veto dos bardes | 197 undo as conveniéncias politieas de cada governo estadual. Esta atomizagdo, como a vista no caso da guerra fiscal, tem reflexos verdadciramente predatérios para 0 conjunto da Federagao. ‘No campo financeiro, os estados também atuaram de forma nao cooperativa com relagao a Unido, Essa pratica nflo-coopera- tiva se manifestava de trés formas: a) As unidades estaduais se recusavam a participar de um esforgo conjunto com 0 Governo Federal para efetuar um ajuste fiscal, Isso se tornava claro ao constatarmos que os governado- res se constituiram no maior obstaculo as ultimas propostas de reforma tributdria propugnadas pelos governos Collor ¢ Itamar. Osestados, na verdade, nao queriam assumir nenhuma cota de sacrificio para ajustar as contas pblicas nacionais, lutando com afinco pela defesa da ordem federativa estabelecida pela Cons- tituigao de 1988. Mas os estados, além de nao auxiliarem no ajuste fiscal, pos- tergam o pagamento de suas dividas com a Unido, Desde 0 go- verno Figueiredo, os estados obtiveram condigdes extremame te favoraveis para rolar suas dividas com o Governo Federal. ‘A Tabela 13 mostra a espantosa evolucao das dividas esta- duais do fim do regime militar até 1995. “Tota 14. A evolugao a vida eatin om bile dea) Fonte: Bango Mundial, apa Absusio& Couta, 199628 4) As unidades subnacionais, sobretudo os estados, adotaram medidas econémicas sem se preocupar com os seus possiveis efeitos nas politicas macroecondmicas do Governo Federal. Jos Roberto Afonso toca no ponto fuleral do problema: 198 | Ofederalimo estadualsta © 0 veto dos bardex “Na pratica, os governos subnacionais ndo demonstrar maiores preocupagdes com a pressio inflaciondria ¢ os im- actos setoriais (por exemplo, sobre a politica energética) que provocam ao administrar e aumentar os seus tributos ¢ tari- fas, porque a responsabilidade, formal e factual, pola esta- bilizagao da economia do Governo Federal. A despeito dos variados choques econdmicos adotados pelas autoridades fe- derais, em geral estes nao contemplam medidas que impli- quem na efetiva participagao e divisao de responsabilidades com os governos subnacionais [...|” (Afonso, 1994:82-3), A politica adotada pelos estados com relagao ao ICMS 6 melhor exemplo de um instrumento econémico que nao levou em conta as politicas macroecondmicas implementadas pelo Governo Federal. José Roberto Afonso mostra isto com clareza ‘Sendo esse um imposto [CMS] de abrangéncia tao ampla © com aliquota tao elevada, o resultado é que os Estados tor- naram decisivos para ditar os rumos do pouco que resta ne pais em termos de politica industrial, agricola e desenvolvi- mento regional. Mais uma vez, sem as atribuigdes de cardter macroecondmico, os governos estaduais manejam os incenti vos do ICMS sem prescupagoes quantos 208 Impactos eren aad ‘fetvos para @ concorréncia no mercado interno” Assim, os estados, s uma a je cooperativo com a Uniao. ® mma ©) Muitas vezes as relagdes dos estados com a Unio assu mmiram nao s6 um padrio ndo-cooperativo como também um carater predatério, A relagao predatéria é uma apropriagao de recursos que possul trés caracteristicas: a relagao nao éestabe lecida entre dois parceiros, mas baseada em uma competigao feroz por recursos; nao ha umaccountability intergovernamen. tal, pois o “predador” adquire os recursos sem se reponsabili- ar por uma contrapartida; e o“predador” obtém privilegios © nao direitos, Em suma, a relagdo predatoria ¢ eontréria aos prinefpios do federalismo republicano, porque nega os prinet. * B importante destacar que o ICMS, em 1991, respondis bor trinta pr cto da eal doe tbutarnaeinater ae sve importiincia desse imposto para a economia brasileira (ef, Afonso, porn Posto p brasileira (et, Afonso, © federaismo estaduaista € 0 vero dos bardes | 199 pios da competigio-cooperativa, da responsabilizagdo mutua e da l6gica dos direitos. caso dos bancos estaduais foi o maior exemplo de relacao predatéria. Os bancos estaduais se tornaram fonte de “recur- sos protegidos” para os governadores no federalismo estadua- lista, sobrando para a Unido a resolugao dos problemas finan- coiros dessas instituigoes financeiras. Foram constituidas 89 instituigdes financeiras estaduais no pais, sendo que, desde fe- vereiro de 1987, sessenta delas foram submetidas ao “regime de administragao especial” (intervengao do BC) ou ao “proces- 80 de liquidagaio extrajudicial”. O Governo Federal, na tentati- va de recuperar os bancos estaduais, gastou US$2,315 bilhées de 1984 a 1994. Além disso, outros US$31,589 bilhdes foram usados no pagamento de credores e na cobertura de despesas de liquidagdes extrajudiciais (Folha de S. Paulo, 2915/94, encar- te especial’). Documento do Banco Central, produzido em 1993, fez um exa me das instituigdes financeiras estaduais, localizando no tempo © comego das dificuldades desses baneos: a eleigio de 1982. Diz © documento: “0 inicio da deterioragio da performance dos bancos esta- duais [... se identifica com a realizagao das eleigdes para os Governos Estaduais em 1982, cujo resultado se converteu em ‘momento relevante para a compreensao do processo politico contempordineo. O grupo de governantes que chegava ao fim de scus mandatos, na maioria integrante do entao partido majoritério que apoiava o Governo Federal, se esforgou para cleger seus substitutos. Para tanto utilizaram todos os ele- mentos disponiveis. Nesse rol se encontravam os bancos e: taduais. A manipulagao heterodoxa das instituigoes financei- rras estaduais nao ficou restrita, é evidente, a esse pleito esta- dual” (Banco Central do Brasil, 1993:9). Depois de 1982, os governadores se fortaleceram — ¢ muito — diante do Executivo Federal, pois 0 presidente necessitava de base de sustentacao politica ¢ tinha de ni vernadores, comandantes das baneadas estaduais no Congres so Nacional. Para obter apoio dos chefes dos Executivos esta- duais, 0 Governo Federal distribufa varios tipos de recursos, entre eles 0 socorro financciro aos bancos estaduais, Dessa ma- neira, o Banco Central tornou-se um financiador quase sem li- 200 | 0 federatsmo estaduaista € 0 veto dos barses mites dos gastos politicos dos governadores”, que, mesmo as- sim, nao ofereciam apoio seguro ao Executive Federal O cfeito principal dessa relagao predatoria era que, como apon- tou Sérgio Werlang, “todos os bancos estaduais tém potencial de transferéncia do déficit fiscal do Estado para a Unido, nao de direito mas de fato. Dessa forma, a politica macroecondmica do Governo Federal passa a depender dos Governos Estaduais” (apud Banco Central do Brasil, 1992:181). Em suma, a situagao dos Bancos estaduais mostrava que os estados nao s6 se recusa- vam a cooperar nas politicas de ajuste fiscal, como ajudavam a aprofundar a crise financeira do Tesouro nacional. O quadro federativo apresentado nesta se¢ao aponta para trés conelusdes acerca do federalismo estadualista desenvolvido a0 longo da redemocratizacao. Em primeiro lugar, o cardter nao cooperativo das relagies dos estados entre si impossibilitava nao apenas a hegemonia de um grupo de estados no plano politico nacional mas também a instalagao de mecanismos de compen- sagio financeira regional, justamente num Pais com enormes desequilibrios econdmicos entre os estados. Era uma situagao, portanto, de triunfo do estadualismo puro, que tornava 0 nosso federalismo antifederativo, isto é, sem um pacto que regulasse a conduta das varias unidades autonémas. Em segundo lugar, o federalismo estadualista nao estabele cou um accountability intergovernamental. Ao contrario, o re- lacionamento intergovernamental dos estados era meramente defensivo, quando nao predatério, aproveitando-se da fraqueza do Governo Federal. As solugoes para o ajuste fiscal, dessa ma- neira, passavam integralmente pelos sacrificios da Unido. Em terceiro lugar, o federalismo estadualista foi um obsté. culo para a formagao de um pacto politico hegeménico que cons- © Pérsio Arida resumiu bem a situagao dos Buneos estaduais: “Penso que « especificidade principal dos bancos estaduais resida {..] na idade politica dos governadores em desafiar os controles de Banco Central. Para um banco privado, nao cumprir os requeri mentos do Banco Central traz o risco da interveneao; para um ban- co estadual, a intervengao nao depende apenas do desempenho do banco mas também do poder do governador e do estado como um tado no jogo politico da federagin, Nessa medida, a ligonga regula. toria passa a constituir-se automaticamente em garantia politica de solvéncia” (apud Banco Central do Brasil, 1992:203). (0 federaismo extaduslsta e 0 veto dos barges | 201 truisse um novo tipo de Estado, A ligien nao-cooperativa is siva da pelos estades, por agao dos governadores e/ou Fae ase unin no Congreso Nacional, dficultou ves tabelecimento de aliangas que implementassem algumas deci- sbes vitais para reformar o Estado brasileiro. Foi nesse contexto federativo que os governadores agiram no onal, no periodo de 1991 a 1994 plano ni Os bardes € 0s vetos ao ajuste fiscal ernadores ¢ 0 Executivo Estudo aqui o embate entre os governad Federal no quadriénio 1991-94, particularmente na questo cal. Dois presidentes passaram pelo Palacio do Planalto nestes quatro anos: Fernando Collor de Mello, eleito em 1989, ¢ Itamar Franco, empossado definitivamente apés a aprovagao do im- peachment do Presidente Collor. Portanto, levarei em conta as caracteristicas dos governos de ambos para fazer a andlise. ‘A parte mais importante desta segao se situa no periodo Col: lor, Assim sendo, é preciso fazer um pequeno histérico sobre os primérdios de seu governo, iniciado antes da posse dos gover- nadores que analiso. a. © Presidente Fernando Collor de Mello fa eeito presidente da Republica em 1989, em um pleito disputadissimo, vencendo no seyundo turno o candidato Luiz Indio Lula da Silva, do Pa tido dos Trabalhadores*. Era a primeira eleigio presidencial direta apés 29 anos, Acreditava-se a época, como ficou patente no decorrer da campanha presideneial, que o presidente teria a partir daguele momento a legitimidade necessiria para Teall s, Este carater messidnico da eleigao foi re- zar amplas reformas. Este carater nie te forgado pelo fato de o pleito ter sido “solteiro”, facilitando tanto a vitoria de um outsider, como a derrota dos grandes partidos (PMDB ¢ PFL), desgastados pela Nova Repabliea | ‘Assim, Collor se elegcu por um pequeno partido montado ex- dlusivamente para 0 pleito de 1989, 0 PRN, bradando um dis- curso salvacionista. Como se elegeu sem o suporte politico dos * 1c votos no segundo turno de clelgio presdencial de 1989, pena hrancos¢ nulas, Fernando Collorobtove 42.75% dow eae amaunnts Lula recebou 37,A6%, mosteando como a dispute Shire os dois fo acirrada 202 | 0 federalsmo estadualieta¢ 0 veto dot bares grandes partidos, preferiu entéo adotar o estilo bonapartista aque alias fazia mais jus & sua personalidade. : Com base em dados recolhidos por Rogério Arantes, vemos que o novo presidente nao tinha maioria no Congresso Nacio- nal. Na Camara Fedora, hava 206 deputados prégoverno, 216, le se consideravam oposigio “critica” —- composta pelo PMDB « PSDB — © 64 filiadosa uma oposicdo “sistemétiea" No Sena de, 27 senadores eram favordvets ao govern, 39 oposigo ert ca" seis oposgdo “sstematica”(Arantes,1997:198). Esses da jos nos permitem concluir, no entanto, que Collor nao estava em posigao desconfortavel, pois havia boa margem de manobra para conseguir maiorias pontuais, mediante acordos com 3 sigéo “critica” " “eseom sone ‘Mas Fernando Collor tinha um bom subterfigio para adotar uma politica que passasse por cima do Legislativo: o eaos infla- ciondrio registrado no fim do governo Sarney, que justificava a implementacao de “medidas emergenciais”. Com osse argumen- to, e aproveitando-se tanto de sua popularidade como também da falta de credibilidade dos deputados em fim de mandato, Col- lor praticamente ignorou 0 Congreso e fez da Medida Provi- Séria seu instrumento de governo por exclénca. Ao longo do ano de 1990, foram editadas 143 Medidas n ano d 9 ledidas Provisorias (Arantos, reentrstanto; no fim de 1990, problemas no eaixa do Governo ederal e a volta da inflagio, causada pelo fracasso de uma es- tratégia de estabilizacao que basicamente s6 contemplava 0 as- pecto monetario do fendmeno inflacionario, fizeram 0 governo enviar ao Congresso uma série de meidas teibutérias emer genciis Ficava claro a partir dai queo tipo de politica adota- da por Collor realmente possu‘a uma “bala 8, isto 6, se le nao conse bear ogre da fag" yo Congress Nacional aria a expressar sua autonomia, barganhando por maior par- ticipagao no processo decisério. perma Foi isso que aconteceu na votagio do “pacote” emergéncia, quando o lider do governo, Arnaldo ibutario de aria de SA * 0 texto egerito por Maria Helena de C: texto ex aria Helena de Castro Santos, Maria das Gra- gue Ru: ica Masi cha & Ana as Machado age forneceu a maior parte das informagoes sobre a ques I nos governos Collor e Itamar, " anes CO federalsmo estadualita € 0 veto dos bardes | 203 (PRN-SP), e o lider e vice-lider do PFL, Ricardo Fiviza (PE) ¢ Humbero Souto (MG), tentaram negociar com 0 Congresso a aprovagao das medidas. Das oito medidas fiscais e tributérias enviadas ao Congreso Nacional, apenas trés foram aprovada ~ clevagio da aliquota do Finsocial e do IPI sobre refrigerantes ‘ebebidas alcoslicas, e a simplificagao do Imposto de Renda (Cas- tro Santoset alii, 1994:21). A dificuldade de aprovar as medidas no Legislativo refletia o fracasso da estratégia bonapartista, pois 10 Congresso estava insatisfeito com 0 estilo Collor ¢ resolveu reagir® ‘Apés o fracasso do ajuste fiscal de emergéncia em 1990, Co- Hor ainda tentou, bem no inicio de 1991, manter a estratégia de governar sem o Congreso Nacional, mediante a eriagao do Fo rum de Entendimento Nacional, composto por téenicos da buro cracia, empresarios, sindicalistas c os recém-eleitos governado- res de estado. A fungio do Férum de Entendimento Nacional seria atuar “[...] como arena prévia de negociagées, superve- niente ao Congresso, ao qual caberia o papel de ratificador das decisoes tomadas” (Castro Santos et alii, 1994:23). Essa expe- riéneia estava, todavia, fadada ao fracasso, dado que 0 Congres- 50 Nacional tinha uma nova composicdo, marcada pela legit midade de clcigses recém-realizadas. Dito e feito: o experimen to do Entendimento Nacional teve fracasso fulminante, e Collor abandonou a estratégia bonapartista 'A licdo do primeiro ano de governo fez Collor armar uma es: tratégia diferente para o decorrer de 1991, Em primeiro lugar, buscaria o apoio da classe politica, para poder aprovar seus pro- jetos no Congresso Nacional. Em segundo lugar, em vez de ado- tar apenas medidas t6picas ou megachoques econdmicos, Collor tentaria aprovar um projeto de reforma estrutural do Bstado que, entre outras coisas, deveria tocar em questdes vineuladas 4 Federagio, A fim de conseguir atingir esses dois objetivos, 0 zoverno Collor escolheu como principal alvo politico a obtencae \do que foram eleitos no final do apoio dos governadores de de 1990. {Um dos motivos de insatisfagao do Congresso Nacional com Exec bien Federal foi 0 voto aplicade pelo Presidente Collor, em agosto 2 1990, ao Projeto de Lei salarial aprovado pelo Legisiativo (ef Castro Santos et alii, 1994:23). 204 | 0 federalism ertadualsta e 6 veto dos bardes © poder dos governadores no quadriénio 1991-94, portanto, foi exercido em um contexto no qual, por um lado, o presidente Precisava de respaldo politico dos governadores para fazer as reformas, mas por outro lado, as mudangas propostas por Collor atingiriam diretamente os estados. A definigao dos rumos desse Proceso dependeu, em grande medida, do cardter da eleigao de 1990 e do perfil dos governadores escolhidos. 0 pleito de 1990 envolvia a disputa pelos governos estaduais, Pelos cargos proporcionais estaduais e federais e pela renova, io de um tergo do Senado. Novamente se repetia a eleigéo “ca. sada” de governador de estado com os deputados federais, cao efeito principal, como mostrei anteriormente, é a eriagao de um pacto de lealdade entre o chefe do Executivo estadual e os par- Tamentares federais, para garantir a eleigao de ambos, Seo can. didato a governador eleger-se, cobraré apoio dos deputados fe. derais que fizeram o pacto com ele. Assim, o governador yarcn. tea fidelidade de grande parcela dos congressistas de seu esta. do, que sero mais fidis aos interesses do Executivo estadual do que aos dos partidos ou mesmo aos do Executive Federal, O efeito estadualista da cleigao “easada” de governador com 0s deputados federais teve maior forga na eleigao de 1990 de ue nos outros pleitos ocorridos na redemocratizacao. Isso per. ue, tanto em 1982 como em 1986, havia também importantes questées nacionais em jogo, 0 que acabava por nacionalizar um Pouco a disputa, Na eleigio de 1982, por exemplo, a disputa tove feicdo plebiscitaria, causada pela dicotomia oposigao versus gime militar, que dava aos deputados um compromisso com ob. Jetivos mais nacionais. O pleito de 1986, por sua vez, envolvia.a formagao do Congresso Constituinte, onde seriam decididos te mas de abrangéncia nacional, que afetariam os mais variados rupos de interesse. ‘Ja na eleigao de 1990, nao estava em questo nenhuma tarefa nacional a ser realizada pelo Congreso. Comentando a disputa eleitoral em 1990, o jornalista Clovis Rossi escreveu “A popularidade regional esta sendo o fator mais impor tante para definir as primeiras posigées nas pesquisas sobr= as eleigoes estaduais |...] do que as tradicionais disputas es. querda x direita ou oposi¢ao x apoio ao governo Fernando Collor de Mello” (apud Lamuunier, 1991:42) Nese contexto, a grande maioria dos governadores foi eleita Ofederaismo estadualsta © 0 veto dos bardes | 205 1m um diseurso extremamente vinculado aos ae e ta is. Ot ei ie fez um discurso mais aduais. O unico governador eleito que a Me ee foi o pedetista Leonel Brizola, nas eleigoes do Bstado do Rio de Janeiro. Os outros grandes “eaciques”regionais a falhaes e Iris Resende — trataram praticamente s dos em as mais candentes em seus estados. Os governadores i “et ra mee taken deere afew nen partiddrio com relagao as governadorias apés as eleigd , tal como descrevo na Tabela 14. abe M.Gatraiare lets or da parte 190 - _ ee ~~ AP. BA, MA, MT PE, Pl, BN, SC, SE PM 7 AM, GO, PA, PB, PR, SP, TO Por 8 3. Rel, RS PTB = MS, RR rrr 2 DF, RO- ts 1 cE rsbe : es PRS 1 MG a 1 AL Pee Algumas conclusées podem ser tiradas no que diz respeito & oN) Em primeiro lugar, nfo houve uma grande vitorin de do terminado partido em ambito nacional, pois embora o PRL te: ha conquistado nove governadorias, esse resultado teve muito mais a ver com a forga do partido no Nordeste, onde congue ois governos estaduais — quase setenta por cento do total com quistade pelo PFL.—, do que com alums artiulaiopartidria hacional. Em 1982, a disputa foi mareada nacionalmente pelo confronto entre o PDS e o PMB, enquanto em esmagadora do PMDB teve dimen: 0 nacional"; que as cleigbes de 1982 ¢ 1986 tiveram cardter mais ma- ae nal foi fundamen- tata elgoes com de rest fot em toda transigdo e rede- eae ae ‘apenas ero ressaltar que os temas nacionais que Vlaram eqvas eleigbes tenuaran ovestadualismo, fato que nso feorrea no pleto de 1990, 206 | O federatsmo extaduaista € 0 veto dos bardes 4) As governadorias foram conquistadas por um nimero maior de partidos do que nas cleigdes anteriores. Trés partidos clege- ram governadores de estado em 1982(PDS, PMDB E PDT), dois em 1986 (PMDB e PFL) c nove em 1990 (PFL, PMDB, PDT, PTB, PTR, PSDB, PDS, PRSe PSC). A primeira vista, o resulta, do da eleigao representou aumento da competigao interelites no Brasil; no entanto, o que aconteccu foi mais uma desagregacao de antigas elites que pertenciam aos partidos tradicionais. 0 caso de Hélio Garcia, ex-peemedebista, é paradigmatico, pois 0 seu partido, o PRS, constituiu-se em mera legenda para ele con- correr a elei¢ao de 1990, nao chegando a durar m anos. Portanto, o fato a notar é 0 crescimento do ntimero de candidaturas de “caciques” regionais que disputaram as elei goes fora dos quadros dos grandes partidos, significando maior atomizagdo das elites regionais. Desa maneira, logo no inicio de 1991, a negociagao politica efetuada pelo presidente Collor teve muitas vezes que passar por “governadores-partido”, au: mentando ainda mais o cacife desses governadores; ©) Nos trés estados mais importantes do Sudeste — o “trian- gulo das bermudas’, como os chamava Ulisses Guimaraes —, venceram candidatos a governador de trés partidos diferentes em Sao Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho do PMDB; em Minas Gerais, Hélio Garcia do PRS; e no Rio de Janeiro, Leonel Brizo- lado PDT. Essa situacao dificultava o estabelecimento de alian- ga mais solida entre estes estados ou, espec dente com eles. Fenémeno sc de dois cialmente, do presi >melhante ocorreu no Sul, onde em cada um dos trés estados houve vencedor de partido diferente no Rio Grande do Sul, Alceu Collares do PDT; em Santa Cata. rina, Vilson Kleinubing do PFL; e no Parana, Roberto Req do PMDB Nas Regides Norte ¢ Centro-Oeste, também houve grande dispersao partidaria, destacando-se como liderangas que extra- polavam os limites de seus estados os governadores de Goias, Iris Resende, do Paré, Jader Barbalho. No Nordeste, contudo, a vitoria do PPL em seis dos nove estados (quase setenta por cento do total) facilitou a alianga entre estados que historica- mente ja se unem por meio de um discurso comum, como mo trei anteriormente. @ Na disputa do governo estadual, Collor apoiou varios can didatos que foram derrotados, entre eles Joao Castelo no Mara. (0 federasmo estadualista eo veto dos bardes | 207 a em Minas Gerais ¢ José Ignacio no Espirito ados do Sudeste o vence- nhao, Hélio C : A doer ado Clr emo presente Fernando Col —vitérias. O significado desse fato é que os re sultados das ol jei- gdes de 1990 nao trouxeram aliados para 0 Governo Federal; e) Finalmente, 0 inicio do quadriénio 1991-94 foi mareado por forte recessao econémica. Com isso, os estados, sobretudo 0s aoe ricos que dependem muito do ICMS, dimim ieuneeed Pa defensiva diante de qualquer participagao — leia-se: perda recursos — no ajuste fiscal da U1 . Partanto, ° resultado da eleigao de 1990 teve dois legados praticamente inexistiam lacos politicos ligando os overn ie res entre si, a nao ser no caso do Nordeste; ae ‘ol lor nto conquistou importantes aliados entre os governs Be cleitos em 1990, o que conformou uma situagao de grande inc Ae 5 . recessao econémica reforgou 0 carater defensivo dos estac es ae sen Ua, comet sro oma ger f tivo, Foi nesse contexto politico desfavordvel que o president Collor tentou obter apoio dos governadores em 1991. nda quede mantis informal, aoontecaram ja Bo Tagamenta do shade rojeto, langado em marco de 1991, quando a equipe economi- Caine ere omposta pela dup Za Kandi Com a madan ga da cquipe econdmica, em maio de 1991, Marcilio Marques Moreira assumiu o posto de ministro da Fazenda, dando nes flexibilidade politica ao governo. O novo ministro cca ropos o Emendao, composto por uma série de emendas consti- tuclonais relacionadas, basicamente, as reformas fiscal e tri- pelo Congreso Nacional. Para tanto, o presidente optou por a poder deles sobre as bancadas no Congreso: Nacional, e Pode 208 | 0 federalsmo estadualita © 0 veto dos bardes sem uma carta de intengies, como a feita com o FMI, porém, como bem observava o semandrio Carta Politica, 86 que neste caso 0 Governo Federal era rétem dos governadores (Carta Po. litica, 14/20 de outubro de 1991), Em agosto de 1991, 0 presidente Collor entregou aos gover nadores o “Memorando de Entendimento”, o qual conclamava os chefes dos Executivos estaduais a aprovar varias medid: econdmicas de cunho estrutural, a fim de evitar a imposigao de novo “choque” para conter a inflagao, Além do aumento dos im. Postos, havia uma medida que atingia aos governos subnacio. nais, que era a rolagem de divida dos estados, feita com recur. S08 provenientes de oitenta por cento dos Fundos Constitucio- nais do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, de parte do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), na arrecadagao do PIS/Pasep, da redugao de cinco por cento da quota-parte do ICMS dos mu. nicfpios (ef. Castro Santos et alii, 1994:31). A proposta de rolagem da divida dos estados continha grave erro de estratégia, pois propunha mexer em recursos dos muni. cipios e dos Fundos Constitucionais regionais, fundamentais para 9s governadores do PFL e para parte dos vinculados ao PMDB, os dois partidos de maior baneada no Congresso Nacional. Se. riam atingidos com essas medidas ito dos nove governadores do PFL e cinco dos sete governadores do PMDB. A partir dai, 0 rojeto se inviabilizou, e os governadores barraram a aprovagao das medidas de varias formas, seja por meio de suas bancadas, seja propondo ao Executivo Federal a formagao de um governo de coalizao, o que, na verdade, era uma mancira de tumultuaro Proceso decisério. Posteriormente, em outubro de 1991, 0 Emen. 40 afundou junto com o fracasso da primeira grande negocia. 40 do governo Collor com os governadores. Eira o primeiro de uma série de vetos dos bardes. Esse episddio mostra como era problematico negociar com os governadores, em razao da diversidade de interesses envolvi- dos, como também em virtude do grau de multipolarizagao da Federasao. Se a aprovagao da rolagem da divida dos estados beneficiava basicamente a Sao Paulo, Minas Gerais, Rio de Ja. neiro e Rio Grande do Sul, a retirada de recursos dos munici. ios e sobretudo dos Fundos Constitucionais regionais afetava 0 restante dus unidades estaduais. O que se instalou, portan. to, foi um jogo de vetos entre esses estados, resultando numa © federalsmo estaduslita © 0 veto dos bardes | ado-decisto. AoGoverno Federal, para resolver tal impasse, bin eriar uma formula que gyadasse a ambos os grupos sem prejudicar a Unido. Esse desafio permanecera em toda a Collor e na de Itamar. oo see tim de 1991, 0 Bxecutivo Federal procuraria m i uma x. os governadores de estado, desta vez para tentar negociar lima reforma tributaria de emergéncia Isso pogue o govern Color nao tinha uma base partidéria solida no Congresso ee eae vealizada plo Idesp (Instituto de Bstudos Eeo- hhomicos, Sociais e Politicos de Sao Paulo) entre setembro en mbro de. éssima situagao do Je 1991 mostrava claramente a péssima situacao d saeereate Fernando Collor de Mello diante dos parlamentares federais, como mostra a Tabela 15: 5 Avaliagdo do desem penn do gaverno Collo*iporcentagens) . ese PSDB PEB_PT Outrwt alice Taal PMDE PAL DT. PDS _PRRN ime 1 - 8 F : ew So ea a om on 3 rar foe ga dg Boa wa g ce XH o% be Son aa ee $ : gamers Li a _ ee o sria) avalia o desempenho do governo Feed popnin “De muna gral no a Car nad ae i de manna een rey Soca a8 Esses dados mostram a fraqueza do See eee Callorinctosive junto as partidos que oapoiavam. Dei por centodos pista cnaderavam seu governor No PMDB, maior partido do Congresso Nacional, 51% dos entares consideravam ruim 0 desempenho do governo Collor ¢ trint or eento 0 avaliavam eomo péssimo, _ tributaria de emergéncia em fins de 1991, Collor aerdiavay ve comenteo apoio dos governadores— que tinkom grande per de influéncia sobre os parlamentares — poderia eae acao do projeto do Executir o Federal, Caleulava-se Y ee c ea cria -azer 150 votos ao governo (c! os governadores poderiam traz ta Politica, 14/20 de ontubro de 1991). ae A prova de fogo seria novamente a eae eee divide dos estados, Naquele momento, interessava aos es 21D | O federalism extadualea © 0 veto dos bardes assinar um acordo de rolagem porque eles estavam impedidos de pedir empréstimos ou aval ao Governo Federal. Como no pré- ximo ano ocorreriam as cleigdes municipais, fundamentais no Jogo de poder estadual, os governadores precisariam de “dinhei- ro novo", visto que a situacdo dos Tesouros estaduais era p. ma, Para a Unio, o acordo sobre a rolagem da divida dos esta- dos e municipios traria dois beneficios: um, a entrada no caixa do Governo Federal de recursos anuais da ordem de quatro ti- Ihdes de délares — 0 dobro do que estava recebendo anterior- mente; 0 outro era a troca da aprovagio da rolagem da divida pela aprovacao do “pacote” fiscal elaborado pelo governo, a par- tir do qual o Executivo Federal esperava obter em torno de doze bilhoes de délares, quantia essencial para acertar as contas pi- blicas nacionais e para viabilizar 0 acordo com o FML. Na votagao da rolagem da divida dos estados e municipios, 0s governadores mobilizaram suas baneadas de forma impressio- nante, aprovando o projeto em apenas 48 horas. Os governado res dos Estados de Sao Paulo, Rio de Janciro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia acompanharam de perto o processo. 0 governador Alceu Collares, do Rio Grande do Sul, chegou a de- mitir por um dia (sic) secretario da agricultura Aldo Pinto (PDT) para que ele reassumisse como deputado federal e vot: se no Congresso Nacional, ja que seu suplente na Camara,

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