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Outro

Flávio Martins
O que é a poesia senão a energia que gera coisas e que governa o mundo?

Janeiro de 2008
o que é escrever?
no início
amala
a roda
truly
arre
ê mané
pode ser
tramela
belíssima
O que é escrever ?

Escrever é divagar devagar sobre o que há, sobre o virassê, sobre mim, sobre todos, sobre tudo ou

nada . É marchar num exército de milhares querendo não ser apenas mais um. É declarar o amor às letras

ainda que custe a própria vida. Escrever é morrer por não escrever. É estando morto renascer um

pouquinho a cada linha escrita, a cada parágrafo “redondinho”. Escrever é trazer pra fora o que deveria

estar dentro mesmo que machuque. Escrever é dar à luz mesmo sendo estéril ou homem. É plantar um

livro e criar uma árvore. É buscar respostas para o que já foi respondido, mas não atende às minhas

ambições. Escrever é lutar contra um inimigo invisível ou contra moinhos de vento cada vez maiores e

cada vez mais desafiadores. É brigar com o texto que reluta em não sair, a frase que insiste em ser

simplista, ser lugar comum. Escrever é buscar traduzir o indizível, é fazer nascer o inesperado, é registrar

o pensamento, é esculpir os sentimentos através de uns sinais impressos num papel ou exibidos nessa

tela de computador. Escrever é tentar capturar essa fumaça que paira sobre nós e que nos envolve e nos

fascina. Tentar capturar as palavras, estas que estão por aí, nos esperando para dar-lhes forma e chamá-

las de literatura. Escrever só se faz assim, escrevendo.


No início
No início a música é um azeite que melodia
Sem ver, sem sentir, constrói sentido
É como uma fúria lancinante que amacia
Embala, sacode, aperta, embulir.
Minha música é de acalento, minha loucura é uma fúria breve.
A ma la
A ma la
A ma la ama rra da na ca ma
A ca ma mel ada de amor
A ama que ama o amo
Ama ram Maria Mario
Mas o mal ah o mal
O mal me lou a me lo dia
E no fim do dia
Não mais a amou
Me teu a mão na ma la
E se man dou
A
ar
aro
a roda
a rodada
a rodado
a roda dói
a roda doida
a roda roda
roda
a dor
a dor doída
doida
dói

dor!
(...)And truly in the dwellings of brave men I want to stay, if there it be, though I am afraid that in such
place there is much more loneliness than I have once wondered or that I can stand. If it is so, it has to be
Hell-land. It has to be. (...)
a
ar
are
arre
arreme
arremete
a rê mete
arremeter
arremetida
a rê metida
arre
arreme
arremedo
arre medo
ar e medo
arremeda
arremedar
arre. MERDA!!!
Ê mané ! A globo pariu
O galo faliu
Ê mané, acorda mané Acorda mané !
sua mulher fugiu Acorda bené!
a pinga acabou Cadê sua alegria
a TV pifou Sem bolsa-família
cortaram a luz Sem amor sem um mé?
teu cachorro morreu
chuva, chuva, fudeu Quer passar o tempo,
teu barraco caiu Adiantar as horas,
acorda mané !! Correr contra o relógio,
Mas no seu tempo já não há horas
e agora, Jesus? Morreste mané, perdeste juzé,
Ê mané Acabou bené
Seus amigos, que amigos? Perdeste o boné, o emprego, o caminho,
Amigos não tens Estás sozinho, sem paz, nem ninho
Dinheiro não tens Sem casa, sem consolo, sem comida
Família não tens Sem banho e
O Lula sumiu Sem alma, chulé
O Collor fugiu Acorda!
...
pode ser

pode ser um soldado que deu um tiro errado ou um dicionário que vivia no armário
pode ser

pode ser uma minhoca que comia uma pipoca ou uma menina anã que queria um sutiã
pode ser

pode ser um vendedor que seria professor vendendo conhecimento calejado sofrimento
pode ser

pode ser uma estrela que brilhava na esquerda agora em queda livre nem sabe se sobrevive
pode ser

pode ser o violeiro que canta no terreiro uma canção de amor mas que fala de dor
pode ser

pode ser uma criança que balança a pança enquanto brinca no quintal lá em Bacabau
pode ser
pode ser uma mulher que coa o café, marido vai trabalhar nao sabe se vai voltar
pode ser

pode ser um jogador que sente imensa dor querendo ser artilheiro atingido por um zagueiro desleal
pode ser

pode ser aquela doença que mata quem pensa e faz dormir os abastados que vivem atordoados pelo poder
pode ser

pode ser
pode ser eé
O Saci já não quer fogo pro cachimbo, ele tem é fome.
Tramela

Uma flor sem cor,

um par de algemas sem chaves,

um estilete cego,

um espelho redondo,

um par de sapatos rotos,

um passarinho que não canta,

uma garrafa meio cheia,

uma corda bamba,

uma cabeça de boneca,

um bicho em pânico.

Um suicídio.
1,2,3,4,5,6...
Belíssima

Gatinha atlética de profissão protética escrava da estética faz intervenção cirúrgica de lipoaspiração. Dá

tudo errado tratamento inadequado tava de casamento marcado fica em coma por três meses. Melhora

vai pra casa fica anoréxica não come é morfética faz exame está diabética não melhora se descobre

aidética.Parece continha de aritmética, com conta e resultado, mas é a vida. Ou melhor, era. Morreu aos

19 anos. Magérrima.
Labirintite. Parkinson e seborréia. Tudo na mesma cabeça, na mesma idéia, na mesma pessoa. Esse ser

possuído e dominado. Luta, briga, insiste e no final não sabe mais.

Então. Acabei por me saber fragmental.


Pedras, caminhos, estradas, destinos. Acho que vou demaiar.
Se não podes mudar o vento, mude sua vela.
Flávio Martins

technomatics@gmail.com

www.favelacultural.blogspot.com

www.slideshare.net/technomatics
quem dorme cedo morre menos a cada dia.

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