Você está na página 1de 45
GERALDO PRADO Dioco MALAN Coordenadores PROCESSO PENAL E DEMOCRACIA: Estudos em Homenagem aos 20 Anos da Constituicgaéo da Republica de 1988 EpITorA LUMEN JuRIS Rio de Janeiro 2009 Defesa Técnica e seus Consectarios Légicos na Carta Politica de 1988 Diogo Malan” 1. Introdugao O direito de defesa 6, sem a menor sombra de diivida, a mais importante das garantias do cidadao submetido a persecucdo penal. Tamanha é a sua importancia que NICOLA CARULLI leciona que a histéria do processo penal é a histéria do direito de defesa.! Tal historia é permeada por fluxos e contrafluxos politico-criminais nao linea- res, ora considerando tal direito um requisito indispensdvel para a legitimidade poli- tica do sistema processual penal, ora considerando-o um ébice inconveniente a0 livre exercicio do poder-dever de punir do Estado (cf. itens 2 e 3, infra). No Direito Comparado, é perceptivel com nitidez a disseminacao do chamado proceso penal do inimigo? tendéncia politico-criminal que preconiza 0 combate aos fenémenos do terrorismo e da criminalidade organizada por meio de severas res- trigdes aos direitos fundamentais do acusado. Na Alemanha, por exemplo, a legislacio estabelece, com relacdo aos suspeitos da pritica de terrorismo, as possibilidades de: (i) destituigio forcada do defensor téc- nico nomeado pelo acusado; (ii) decretacao da incomunicabilidade do preso, oponi- vel inclusive ao seu defensor técnico; (iii) determinagio da interceptagio das comu- nicagGes escritas entre o preso e seu defensor; (iv) limitacao da quantidade de defen- sores técnicos para cada acusado, ou da possibilidade de haver um defensor técnico comum para varios acusados. 3 Na Espanha, de forma semelhante, a legislagao permite a decretagio da inco- municabilidade do preso acusado de terrorismo, proibindo-o de constituir defensor técnico de sua confianga. 4 Advogado; Doutor em Direito Processual Penal pela USP; Mestre em Citncias Penais pela UCAM: Pés- Graduado em Diteito Penal Econémico e Europeu pela Universidade de Coimbra. Profesor de Direito Processual Penal da PUC-Rio: Profesor de Direito Penal Econdmico da FGV-R 1 CARULLI, Nicola. La difes delimputat,p. 03. Napoli: Jovene, 1985. 2 Sobre tal politica criminal, na perspectva critica, ver. MALAN, Diogo. Procesio penal do inimigo, In: Revista Brasileira de Ciéncias Criminals, Sio Paulo, a. 59, pp. 223-259, mar. Jab. 2006 3. GOSSEL, Karl-Heinz. La defensa en el Estado de Derecho y las limitacionesrelativas al defensor en el pro- cedimiento conta terorstas, In: Doctrina Penal, Buenos Aires, n. 09/12, pp. 219-238, 1980 4 MORENO CATENA, Victor. El enjuiciamiento de delitos de terrorism y el derecho de defensa, In: GOMEZ COLOMER, Juan Luis, GONZALEZ CUSSAG, José-Luis (Coords)., Terrorismo y proceso penal 143 Diogo Malan Outro fenémeno contemporaneo é 0 do amesquinhamento da defesa técnica pela via da criminalizagao pura e simples das atividades profissionais dos advogados criminalistas. Exemplo dessa politica criminal é a atribuigdo da autoria de crime de lavagem de bens e capitais aos causfdicos que auferem honorérios advocaticios que posterior mente se descobre serem provenientes da pratica dos ilicitos penais antecedentes (Lei 9.613/98, art. 19, § 19, I1).5 No mbito do nosso Parlamento vém sendo apresentados diversos Projetos de Lei que seguem essas mesmas diretrizes politico-criminais, almejando, por exemplo: (i) impor aos acusados de crimes graves a defesa técnica dativa;® (ii) atribuir a auto- ria do crime de apropriacao indébita qualificada aos Advogados que percebem hono- rarios advocaticios provenientes de atos ilicitos;? (iii) proibir a entrevista pessoal ¢ reservada entre o preso acusado de pertencer & organizacao criminosa e 0 seu ‘Advogado, e instituir a possibilidade de interceptacao da comunicacao entre eles. Esse caldo cultural de fetichizagao do poder punitivo estatal constitui a princ pal, sendo a tnica, referéncia do discurso mididtico de massa nos dias de hoje. Uma das conseqiiéncias desse fendmeno é 0 atropelo dos direitos fundamentais indivi duais pelo avango do Estado de Policia, pautado pelos critérios seletivos da midia ‘A politica criminal de emasculacao da defesa técnica, freqiientemente exercida no periodo ditatorial por meio de prisées de Advogados de presos politicos,40 ressur- ge na atualidade, em meio a histeria punitiva da sociedade de controle. Passados quatro lustros de vigéncia formal da Carta Politica de 1988, portanto, percebe-se claramente como o Estado Democratico de Direito ainda é uma obra ina- cabada no nosso Pafs. Nessa conjuntura, a resisténcia democratica torna necessario o exame do direi- toa defesa técnica, na perspectiva dos seus corolarios légicos, os quais foram consa- grados em diversas passagens das Constituiges formal e material, muitas vezes de forma implicita. acusatorio, pp. 369-398. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2006; GOMEZ COLOMER, Juan Luis. La exclusién del ‘abogado defensor de eleccién en el proceso penal, especialmente pp. 70 ¢ ss. Barcelona: Bosch, 1988. 5 SCHORSCHER, Vivian Cristina, A responsabilidade penal do advogado na lavagem de dinheiro: Primeiras ‘bservagdes, Ja: Revista dos Tribunais, Sto Paulo, n,863, pp. 435-459, set. 2007. 6 Projeto de Lei n° 6413/2008, de autoria do Senador Antonio Carlos Magalhaes (PFL/BA). Sobre tal Projeto de Lei, na perspectiva critica, ver: SCHORSCHER, Vivian Cristina, Comentérios ao projeto de lei n. 6413/2005 em face do dircito & ampla defesa do acusado e a0 exercicio da advocacia, In: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciéneias Criminais,Séo Paulo, n. 162, pp. 11-12, maio 2006. Projeto de Lei n° 138/2007, de autoria do Deputado Neucimar Fraga (PRVES) Projeto de Lei n® 291/2003, de autoria do Deputado Paulo Baltazar (PSB/R)) BATISTA, Nilo, A criminalizacio da advocacia, In: Revista de Estudos Crimi 85-91, out /dez. 2005, 10 MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. Garantias constitucionais ¢ advocacia criminal, Im: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Fstado do Rio de Janeiro, n. 02, pp. 135-145, 1994. ais, Porto Alegre, n. 20, pp. 144

Você também pode gostar