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OCCT O JEITINHO BRASILEIRO * Oa Ed ue APRESENTACAO A EDICAO DE 2005 LIVIA BARBOSA 0 JEITINHO BRASILEIRO * ARTE DE SER MAIS IGUAL DO QUE 0S OUTROS Em 1986, quando obtiveo grau de doutorem antropologiaso- ‘ial no PPGAS/Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janciro coma teseO jitinho brasileiro, um estudo da identi- dade nacional, nunca havia imaginado public-La em livro. Seis PRErActo DE ROBERTO DAMATTA sos depois, em 1992, soba insiténcia de meu amigo, José Au- gusto Drummond, esolvi“redescobri-la” na prateleira da estan- te onde ficara por tanto tempo ¢ dispus-me a publici-la Certamente é um motivo de saisfagio eorgulho, eze anos depois, 10 edig6es e milhares de livros vendidos, estar tendo a ‘oportunidade de eserever uma nova apresentasio para orelan- Gamento dolivro em que ate se ransformou, principalmente, se considerarmos o seu cardter aeadémico, Entretanto, para além da minha satsfagio ¢ orgulho como sutora, minha condicao de observadors peemzanente da cena na cional tem me levado a acompanhar a traje6ria do “jitinho” ‘mesmo depois do sea aparecimento em livro, obrigando-me a ‘um permanente processo de avaliagio das minhasinterpretagbes scibre 0 Brasil edo pr6prio “etinho" Esta avaliagSo critica me aurorizaadizer queaquilo quepropuse desenhei como interpre= ‘ago para o “eitinho” ha quase 20 anos continua valendo para ‘os dias aruas, Se, feliz on infelizmente, minhas reses se msra= zam yerdadeirasé ma outta discustio, c,certamente,aquinioé oo lugar adequado para teavé-la ‘A quantidade de material que continua aparecendo na im- ‘prensa eno discurso das pessoas sobre “jeitinho™, tanto como mecanismo de navegacio social quanto elemento da identidade nacional, vem eafirmar a sua centralidade para oentendimento da sociedade brasileira. Ein pesquisas feitas casualmente por mim em jornais e revistas depoie da década de 1980 até 08 diss atuais, coletei material que relaciona o ‘jeitinho” com uma ‘quantidade imensa de temas que vio desde técnicas de sobre véncia na crise econdmica até assédio sexual, pasando por es- tratagemes para trar carteira no Detran, conseguir ingressos para shows quando nao se tem cintcito, fazer 0 bondinte de tama favela volta a faneionar, pelos eiinhos da familia Trapp tna déeada de 1970 e, por incrvel que pareca, por transformar palavido em algo carinhoso. As matéias pesquisadas nio se os- igotam nessalist, falta ainda falar do jitinho brasileiro, algo que ‘qualifca o nosso modo de ser. Ese também écelacionadoa nos- 1 ctiatividade e inventividade nas telecomunicagées, 2 nossa smiscura de ragas que continua, simultaneamente, brega mas chi= ‘que, ao nosso talento tnico de saber dar vm eit, a infindaveis dliscussbes sobre seo “jetinho” € positivo ounegativo ese 0 Bra- sil tem ou néo tem jeito. Ou seja, 0 “jeitinho” continua sendo aquele ponto nodal em uma rede de sigiticados que nos reme~ tem para osteatégias de como se lidar com o fiuxo da vida cotidi- ana que nés, brasileiros, qualifcames em certas circunstncias ‘como positivas ou negativas, ou soja, aquelas siruagées que nos deixam orgulhosos e 20 mesmo tempo zangados com 0 nosso pals ona Poderiamas dizer que esta centralidade é uma criacio da mi- dia, quena falta de melhores temas, ela teima em colocar emir ‘clagdo formas tradicionas ereceitas ideologicas que nao mais gsertaaa ec ce 2005 expressam © que somos como saciedade e nacio. Entresanto, por mais verdade que essa discusséo possa conter acerca dos me- «anisms ce construgzo da noticia pelos meios de comunicago, 6 fat 6 que se cles no gerassem um minimo de interesse e mio fossem significarivos paraquemoslé, certamentendo estariam i com tanta freqiéneia. Afipal de contas, todos sabemos que wm. oscritériosbasicosa constragto da noticia éque algo seja can- sidecado importante cinteressante no contexte daquela socied- de, Um slime detalhe, sempee esquecido pelos ariculadores desta visio: os jornalistas também ado brasileiros ¢, portanto, tenbalham com hierarquias de valores ¢ exquemas classificats- riosse nde iguais pelo menos semelhantesaos da maioria de seus letores sa centrlidade do uso do “iitinho” para nos defini, tal ‘somo oxprossa através da midia, também pode sor enconteada fora dla. Em uma pesquisa que realizei entre jovens universits- riosne Rio de Jancito eer Pernambuco sobre aquestio da iden- ridade nacional, pei que eles lescrevesser 0 Basile ox bras ros para estrangeiros brasleiros, 0 jeitinho apareceu nacacal- mente, sem ser estimulado. F aparecen sob a forma como 0 des- rmogéneas e pasteurizadas como quetem outros, 0 “itinho", como priticae representacio, continua exprestande contini- dine pomantni ve recinkecons como “aos bat Um outro aspecto que observei neste periodo em que stusi como uma “brasileira observante” & posicio ema que se enon 11a ojeitinho, cadaver mais provimo da cormupcio. Na tese que dorenvolv, em vez de definr o jetinho de uma fora substan: fa, como qutros autores o fizeram, aiemei que ele pertence a fal a been jaca ier impsio. Amelhor iorma d ita continuum, ao qual no pSlo positive encontea eo fxvor, no negaiivo, a corrupgio ena posigio intermedia, o jeitinho. A ‘medida que oF ercindalos poitcosse avolumam diante ds socc: dade brasilira, mais ireqeatemente o jeitinbo ¢ identiicado ‘0m acormupeio oa pelomenoe como uma face da mesma, Mas, 4 dévid permanccc, pois as perguntas mais constantes que me fazemsio: “0 jetinhné commupecan?” “O brasleicaécorrapea?™ (0 que essa divide lastra€ primeiro, aimportincia do contexto no entendimento dos significados das caegorias ‘ome afirmou Marshall Sains, em seuliveo hes de Historia, € preciso entender o jeitinko como uma forma de menipalacéo «das categoria caltuais de que dspomos: “esquemas cultura slo ordenados historicamente porque, em maior oa menor ‘rau, 6 signifcados so reavaliador quando realizados na pri. ‘ica (1990-7). E previsotermos em mente as palavras de Mars hnallSablins quando utilize o termo mitopraxis (1990), poiedic- poritivos como o“jctinko” eontém parte da extoque de respon tas “locais” que a sociedade foi capar de formular para lidar com problemas globaise universais auc lhe foram impostos.Se hoje a proximidade maior do jini com a carrupsao, isso poresencan ae de 2003 a dcconrejastameate do contest histérisoem que vivemes. Ese tzindo, esa proximidade que pode nto ser eterna, pode sinifi- ‘ar neste momento aimportacia que tem para és nos define mos e ao pat em que vivemos sb certs paradigms. Esa constaegio da cet 3a da idenidade na sional para o now pensameno intelecual em Fevado daira “Gio dé gue o Bra é um pais som sentdade ou com uma ident “fade ainda em formacso. Embora ex cbifes ao entender oque slgunsinrloranie querer dizer comico, namedida em que oda qualquer densidad enconrase cin enue 0s psicanalisas que recentemente colocaram 0 Brasil 0 iva. Of braileios 20 conteitio, eu afrmo, atribuem 4 quest20 ideniicia uma centraidade que poucas nacées atribuem. Néo porque nao tenhamosidenidade, mas porque a artculamos com | realidade a nossa voka de forme distinea, Estamos sempre em: preendenda uma permanente vingem de amtodescobertae erat ho sobre o que somos e por qué o somos a cada novo aconreci mento, porque rovamente, como disla Marshall Salis, estamos sempre empreendendo uma rexvalsgSo funcional do sistema € hs Categorias culturais. © goreno encontr-se mergulhedo em ‘oneupgo, deimeciato perguntamos: O braileco é corpo? O overno se mostra incompetent: e lento em responder a determi ‘nade sieuagoes, logo indagamos: O brasileiro ¢ pasiva? Ayeton ana morte em um acideate em Imola, no dia imediato um mi stro de Estado aparece nas mancheres de ornais, questionando: "Quctemis ser Aytton Senna ou Macunalma?” Nés, brasileiro, tna pelomenosaelite brasileira, vive se problemarzandoseacuilo que acontece ao nosso redor, acontece pelo fato de esta oconren- dono Brasil e por ser feito por braikires. Ou sea, relacionamos tudo etodosa uma imopinada “brasiidade” em evtado de perma- rene reformulagio, Os Estados Unidos, a Inglaterra e a Franga, : nossos ourres proferencsise parimetros de Primpeiro Mundo, poucose questonam sobre o quesio. Osaconzecimentos, 20 6on- ludnio do que ocorre entre ns, io isolados da identidade nacio-

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