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Aeroportos e Complexidade

por Roncalli Maranhão

Fazemos parte de um pequeno grupo seleto de profissionais que trabalha em


um tipo de atividade constituída de sistemas altamente complexos e globais:
empresas aéreas.

Sistemas complexos são todos aqueles em que seus agentes e processos


estão integrados numa rede complicada de alta conectividade entre si e com o
meio onde se encontram, quer dentro do conjunto da organização, quer fora,
interagindo e sendo influenciado por fenômenos provenientes também do
exterior.

Como tudo na vida tem suas vantagens e desvantagens, é verdade que somos
privilegiados por sermos pessoas com experiência e treinamento para
realizarmos nosso trabalho num setor complexo, onde nossa área, os
aeroportos, pode ser considerada a de maior complexidade. Porém isto tem seu
custo. Um custo que, sem o devido cuidado e sem uma boa consciência das
características do nosso trabalho, pode até se sobrepor e aniquilar a
capacidade que temos de a cada dia ganhar energia nova que nos fortalece e
nos mantém aptos para continuar atuando num tipo de ambiente tão desafiador
e com um toque todo especial: nos aeroportos não há rotina.

A percepção que todos temos de que em nosso trabalho não há rotina, pode
representar a existência de caos ou desordem como chamam os estudiosos da
complexidade. Este fenômeno ocorre quando este tipo de sistema está
constantemente sendo levado para longe de seu equilíbrio. Outro fator que
também provoca a sensação da inexistência de rotina é que sistemas que
operam em tais níveis de complexidade estão sendo constantemente
influenciados por condições caóticas. Caos aqui quer dizer que o sistema se
encontra em seu equilibrio instável ou à beira do desequilíbrio total. Nenhum
sistema vivo, e uma organização é um sistema vivo, jamais se encontrará numa
situação de equilíbrio pleno. No melhor dos casos (ou pior dos casos) ele pode
ter momentos de estados “próximos do equilíbrio”. E aqui vale uma ressalva: nos
aeroportos, assim como em qualquer sistema complexo, o caos não é exceção
e sim a regra. Mas graças aos “atratores extranhos” (aqui outro elemento
utilizado pelos estudiosos desta matéria), o sistema retorna novamente para
próximo do equilíbrio e esta situação constante em que o sistema intercala caos
e ordem é exatamente a força geradora de renovação de energia que eleva o
sistema à níveis superiores. Se tivermos a plena consciência de que sistemas
desta natureza funcionam assim, o nosso trabalho se tornará mais leve,
compreenderemos melhor os problemas e nos estressaremos bem menos.

Outro ponto importante quando adquirimos este conhecimento é o fato de


deixarmos de nos frustrar quando não conseguirmos controlar todos os
fenômenos complicadores incidentes em nossa área de trabalho (causas) que
geram algum tipo de desordem (efeitos) como baixa pontualidade, elevação de
custos de contingências, falhas de atendimento e cumprimento de
procedimentos etc. Esta consciência pode nos dar um pouco mais de
tranquilidade, pois em sistemas complexos onde a desordem é a regra, as ações
que podemos tomar a partir de nossas sínteses (análises mais aprofundadas do
que simples análises de relações de causa e efeito) não poderão garantir que
não teremos novamente a interferência de determinados fenômenos e só
poderão minimizar as probabilidades de retorno a estados de desordem, uma
vez que nestes sistemas não existe recorrência (que é quando o sistema retorna
a estados de desordem e até de novas ordens já visitados no passado). Este
conhecimento também pode nos beneficiar à medida que irá funcionar como um
elemento de eliminação ou diminuição de ansiedade geradora de tensão e
estresse como falei anteriormente.

É bem verdade também que as coisas não são tão simples assim (são
complexas). A obtenção desta consciência somente pela gerência média e
intermediária não vai resolver nem nos trazer esta tranqüilidade citada
anteriormente. É necessário que toda a organização compreenda bem nosso
tipo de negócio e assim não caímos ninguém, em nenhum nível da empresa, na
tentação de buscar culpados, estressarmos mais e mais as pessoas,
elaborarmos mais e mais controles, complicar o que é simples ou querer
controlar plenamente o complexo, aumentar a burocracia na tentativa de
controlar o que por natureza é incontrolável. Aliada a consciência geral de que
todos somos parte de um todo complexo, onde cada elemento depende do outro
para a obtenção de seus melhores resultados individuais e globais, trataremos
de maneira diferente os desvios dos objetivos e metas e chegaremos a melhores
soluções para os problemas.

“Esse mundo em ordem não é um mundo terminado, é movimento, vida,


turbulência.”(Georges Balandier )

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