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TRAJETORIA FICCIONAL DE MARIO VARGAS LLOSA (*) Angela Maria Rossas Mota de Gutiérrez Atualmente, no Brasil, percebe-se um crescente interes- se de nossa intelectualidade pelas questées latino-america- nas, seja no ambito cultural, no econémico, no sociolégico, no educacional, etc. Parece que, finalmente, nos conscientizamos de nossa vocagao latino-americana e descobrimos a importéncia da busca de nossas identidades, nos varios campos da experi- éncia humana, para a solugéo de problemas comuns. Naturalmente nao pretendemos dizer que a latino-ameri- canidade implica em uma concep¢4o do ser latino-americano homogéneo. Ao contrério, se entre os paises da América Lati- na ha pontos de identidade indiscutiveis, como o processo de colonizacao, a presenga étnica e cultural do indio, a incul- cacao da cultura ibérica do colonizador, a construgéo de uma cultura heterogénea nascida da confluéncia de varias etnias (com a importantissima contribuigéo do negro), a adogao das linguas ibéricas nao sé como veiculo de comunicacaéo mais importante mas também como lingua literdria, o estatuto de pais dependente (com tudo que isso pode gerar no desen- yolvimento histérico, sociolégico, cientifico, intelectual, etc.) e a propria area geografica; ha, também, pontos de divergén- cia iniludiveis que conformam as singularidades nacionais. Considerando que a fisionomia especifica do ser lati- no-americano revela-se justamente na “constelacién de con- tradicciones” que o compdem, o prof. Agustin Cueva, da UNAM (Universidad Nacional Autonoma de México), cunhou a (7) Palestra pronunciada em 19 de junho de 1985, nos Encontros Lite. ratios da UFC. ‘Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 if uma expressao que desenha fielmente o perfil de nossa rea- lidade, ao situar a América Latina “en la encru contradictoria unidad”. (1) No ambito literario, as preocupagées com a latino-ameri- canidade refletem-se em diferentes posturas, Se continuam vigantes as discuss6es sobre a fungo social do esoritor, sobre a responsabilidade do artista com a realidade do con- tinente, sobre a legitimidade da experiéncia formal em nossa literatura, parecem, no entanto, superadas as atitudes mani- queisticamente polarizadas de opgao exclusiva: ou arte pela arte ou arte-compromisso (arte-denincia), Entretanto, nos posicionamentos de conhecidos ficcio- nistas criticos (@ ficcionistas-criticos) sobre a questao, transparecem divergéncias de importancia consideravel. Assim, ha 08 que acreditam que a realizacéo do ser la- tino-americano exige um alto grau de compromisso do autor com a denincia de sua realidade. Mario Benedetti, por exem- plo, em “enquéte” promovida pela revista Casa de las Amé- leas, atirma que néo € possivel dissociar a responsabilidade do escritor enquanto artista e@ enquanto homem, negando “esa improbable linea divisoria que muchos intelectuales (...) prefieren trazar entre la obra literaria y la responsabi- lidad humana del escritor”, (2) Ha outros que, apesar de retratarem a realidade do con- tinente em suas obras, repudiam o que chamamas de patru- Ihamento ideolégico e se interrogam, como Mario Vargas Llosa: ““? es posible y deseable que haya una identidade total entre la obra creadora de un escritor y su ideologia y moral personales?” (3); @ ha, ainda os que, como Cortazar, acredi- tam que “la novela revolucionaria no es solamente la que tiene ‘um ‘contenido’ revolucionario sino la que procura re- volucionar la novela misma, la forma novela”. (4) 1) GUEVA, Agustin. América Latina en ta encrucijada de su contradic- toria unidad. In: LATINO AMERICA 13, México, UNAM 1980, p. 269. 2) Apud OVIEDO José Miguel, Una discusion permanente. In: MORENO, Gesar Fernandez (coord). | América Lallna on su literatura, México, UNESCO/Siglo XXI, 1978, p. 435. 3) VARGAS’ LLOSA, Mirio. ' Luzbol, Europa y otras conspiraciones. In: COLLAZOS, Oscar, et alli, Literatura en la Revolucién y Revolucién en Ja Literatura. México, Siglo XXI, 1877, p. 81 4) CORTAZAR, Jali. Literatura en la Revolucion y Revelucién en la Lik teralures Algunos Malentendidos a liquider. In: COLLAZOS, Oscar. Op, cit. p. 73. 2 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — Jan/Jun, 1985 A partir, sobretudo, da década de 60, ante o fendmeno do “boom” da literatura latino-americana, os problemas da nossa critica literdria se centram na busca de critérios ade- quados para analisar uma literatura renovada (diriamos, re- volucionada?), Assim, a uma “busca de nuestra expresion”, (5), repre- sentada no campo literdrio pela “nueva novela latino-ameri- cana”, vem correspondendo uma “busca de nuestra tabla de Valores’, no campo da critica e da ensaistica literarias. Obras e fendmenos de nossa literatura, passados e con- temporaneos, aparecem sob nova dtica e 0 préprio “boom” tem sido reexaminado. £ possivel, hoje, afirmar-se que, além do valor incontestével das obras do ‘boom’ latino-america- no, outros motives extraliterdrios — jojrnalisticos e edito- riais, por exemplo — assim como motivos literarios exterio- res 4s obras em questao-entre estes a crise do romance na Europa — congeminaram-se na explosdo que durou toda a década de 60 © ainda repercute nos dias de hoje. (6) ‘a merecer a atengao da critica e o interesse do publico leitor esto Adolfo Bioy Casares, Alejo Carpentier, Carlos Fuentes, Gabriel Garcia Marquez, Jorge Luis Borges, José Lezama Lima, Juan Carlos Oneiti, Julio Cortézar, Mario Benedetti e “last but not least”, 0 peruano Mario Vargas Llosa. ‘Apesar de ja contar com muitos leitores no Brasil, desde © aparecimento da tradugéo de La Casa Verde (em 1972), Vargas Llosa alcangou 0 auge da notoriedade em nosso pi a partir do langamento da tradugdo de La Guerra del fin del mundo, em fins de 1981. Este romance, como veremos adi- ante, se debruga sobre uma das mais dolorosas paginas da historia brasileira: a Campanha de Ganudos, Tracemos, porém, a trajetoria literéria do romancista pe- ruano desde seu ponto de partida. Em 1958, o jovem escritor de 22 anos publicava um livro de contos — Los Jefes — que teria reconhecimento critico quase imediato, merecendo o prémio Leopoldo Alas. Entre os autores daquele momento e que hoje continuam 5) Expresso cunhada por Pedro Henriquez Urefia em Seis Ensayos en busca de nuestra expresién. 6) Para mais amplo conhecimento do assunto, Ieia-se: DONOSO, José. Histéria Porsonal del boom. Barcelone, Anagrama, 1872; RODRIGUEZ MONEGAL, E. El boom de la novela latino-americana. Caracas, Tiom- po nuevo, 1972; RAMA, Angel. La novela Latino-emericana 1920-1980. Bogot4, Procullura/Instituto Colombieno de Cultura, 1982. Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./Jun. 1985 3 Os seis contos que integram a coleténea j4 fazem pre- nunciar © eximio contador de histérias em que se transfor- mard seu autor, © primeiro conto — Los Jefes —, que dé titulo ao livro, trata de um episddio de insubordinacao de jovens estudantes de um colégio limenho contra a autoridade do diretor, Com uma linguagem dgil, colorida pela vivacidade dos didlogos, 0 autor retrata os lideres, os grupos rivais, a luta pelo poder entre os estudantes e destes contra o poder representado pelo diretor. Também em E/ Desafio, a agao envolve lutas entre gru- bos rivais, desta vez, no cendrio de Piura, ao norte do Peru, @ com final trégico, determinado pela obediéncia a rigidos cédigos de honra. A cena da briga de canivete entre Justo y El Cojo destaca-se por sua beleza plastica, quase pictural ou cinematografica, Estes dois contos, narrados em 1% pessoa, j4 revelam, no que se refere & agdo e embora em carater embrionario, a tenséo dramética de luta, posteriormente melhor desenvolvi- da em La Ciudad y los Perros, A trama do &/ Hermano Menor se resume na consuma- g4o de um erro, Juan e David literalmente cagam e matam um indio que julgam ter-Ihes desrespeitado a irma, Ao volta rem para casa, a propria irma confessa-Ihes que o indio era inocente, A tensao dramatica reside na consciénela da irreversibi- lidade da agdo. Nada fard reviver 0 indio inocente. O irmao mais velho, acostumado as leis da violéncia e da prepotén- cia no meio rural, lamenta simplesmente o ocorrido. O irmao cagula, criado na cidade, rebela-se contra a injustica estabe- lecida, Nesse momento, a cena épica em que Juan domina um cavalo representa a materializagéio de sua revolta contra um mundo que nao aceita. Enquanto este conto se passa em ambiente rural, o conto seguinte — Dia Domingo — tem um cenario que se re- petira em varios romances de Mario Vargas Llosa: o bairro de Miraflores, onde residiam as familias ricas de Lima, com seus lubes, suas mansées, seus carros esportes, com o ar “snob” @ alienado de sua juventude dos anos 50. (7) 7) Valo @ pona lembrar que na imprensa espanhola e limenha manteve-se ‘acirrada polémica a respeito de um pretenso sentimento de édio do autor pela cidade de Lima. Se o jornal La Prensa estampave, no seu Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — Jan./jun. 1985 Em Dia Domingo, dois jovens de uma mesma turma — “os Pajarracos” — se desafiam para uma aposta pelo direito de namorar uma miraflorina, “Los Pajarracos no pelean nun- ca” cra o lema do grupo. A aposta quase termina em tragé- dia mas, ainda esta vez, os cédigos de honra so respeitados, Em Un Visitante, 0 cenario € 0 mesmo que aparecera em La Casa Verde: os arenais piuranos. Gragas @ acao de um informante, a policia captura um famoso bandoleiro em casa da propria mée mas deixa sem protego o “traidor” que deverd ser inevitavelmente trucida- do pelo resto do bando que se esconde nas vizinhangas da casa. Desrespeitados os cédigos de honra, a punigao é pre- visivel. Assim termina o relato: “En el bosquecillo brota un rumor de ramas y hojas secas que se quiebran”. Um personagem desse conto — Sargento Lituma — sera Tetomado como um dos personagens centrais no magistral romance La Casa Verde e reapareceré no mais recente ro- mance do autor peruano — Historia de Mayta, © Ultimo conto do livro — EI abuolo — retrata a estra- nha psicologia de um velho e sua maldade quase inocente na rebeldia contra um mundo do qual se sente excluido. Com relagéo as obras que se Ihe seguem, Los Jefes 6 um livro ainda artesanalmente imaturo, embora ja revele a forga ficcional do autor e algumas de suas preferéncias tema- ticas. Cinco anos mais tarde, em 1963, Vargas Llosa publica seu primeiro romance La Ciudad y Los Perros — que tera vasta divulgagdo © sera logo traduzido para muitos idiomas, ‘em plena vigéncia do “boom”. ‘A maturidade do romance, no tratamento do tema, na técnica narrativa, na ousadia da linguagem, 6 imediatamente notada, Mas, se Ihe vale o reconhecimento da critica, 0 ro- ‘editorial do dia 2 de maio de 1984, a pergunta: 7? De Veras odia a Lima Marlo Vargas Llosa? © o reprochava, lembrando-Ihe que “en realidad, Vargas Llosa no tiene motives para el resentimiento contra Lima (. ‘Aqui se le lee, se le colebra “e advertindo-o que "Los péruenos ( legenda cuya gloria han descrito Ricardo Palma, Jasé Santos Chocano, José de la Riva Agiero Rail Porras, en cuya ilustre compafila quisiéramos ‘contar a Mario Vargas Llosa”, por outro lado, a revista Carretas o dofen- do (5 de maio de 1985 “Los Perros y Ia Ciudad)" afirmando que “El atén de ‘La Prensa’ de torcer las palabras de Vargas Llosa resulta incom. pprensible. Lo que exoresa el escritor arequipefio sobre Lima os ca- finoso y sentimental: “Dicen quo el odio se confundo con el amor y debe ser cierto porque a mi, que me paso la vida hablando pestes de Lima, hay muchas cosas de la ciudad que me emocionan”. Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 5 mance também inscreve seu autor entre os malditos pela co- munidade militar peruana que, ressuscitando formulas de exorcismo medieval, queima pilhas de exemplares da obra No patio do Colégio Militar Leoncio Prado, palco do romance, Os personagens sAo adolescentes, alunos do Colégio Mi- litar em Lima, com idade variando entre 13 e 18 anos, O Colé- gio, tal como no romance brasileiro O Ateneu, 6 um micro- cosmo. As relagdes de poder que se travam no mundo de fora — ou seja, em Lima, no Peru, na América Latina — apresen- tam-se, talvez mais contundentes, no mundo de dentro — ou seja, no colégio. Assim, sexo, injusti¢a, luta pelo poder, ex- ploragéo, lei do mais forte séo motivos que impulsionam a agéo em La Ciudad y los Porros. Os grandes achados técnicos desse romance sao, sem duvida, © ponto de vista mével, os didlogos entrecruzados e a descontinuidade temporal e espacial provocada pelos su- cessivos flashes-back. Na captagao de um mundo dinamico, — nas rolagées individuo vs individuo, individuo vs grupo, individuo vs instituig&o, tipicas de uma sociedade em proces- so de mudanga —, 0 autor busca a verossimilhanga através de recursos também dinamicos. (6) Eis © assunto: os alunos veteranos decidem, em jogo de dados, quem serd o autor do roubo de temas do exame final, A partir dai, uma sucesséo de acontecimentos — roubo, de- lagao, luta interna nos grupos — vai in crescendo até o final tragico em que o serrano Cava 6 assassinado em um exerci- cio militar por um colega, como punigdo por ter transgredido ‘0s cédigos de honra do grupo. Através de habeis retornos no tempo, o Ieitor vai conhecendo a vida de cada um dos personagens e ao juntar os elementos podera compor uma imagem mais coerente desses personagens ¢ de suas atitu- des, Partindo da idéia de que “nadie nace escritor’ e- que “la inspiracion no existia”, Mario Vargas Llosa, segundo seu depoimento no optisculo “Historia secreta de una novela”, escreveu este romance “sin inspiracién, a base de puro em- pefio y sudor”. (9) 8) Veja-se esta questio om BOLORI DE BALDUSSI, Rosa. Vargas Llosa: un narrader y sus deménios, Buenos Aires, Fornando Garcia Cambei- 10, 1974, p. 166. 8) VARGAS LLOSA, Marlo. Historia Secreta de una novela. Barcelona, Tusquets, 1971,.'p.. 49. 6 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 Em 1968, sai publicado seu segundo romance, La Casa Verde, cuja construg&o narrativa ¢ ainda mais complexa. A agdo romanesca se desenvolve em dois grandes universos: os arenais piuranos @ a floresta amazdnica. O tempo 6, também, descontinuo, Alguns personagens transitam de um universo a outro, em épocas diferentes, e somente no desenrolar do ro- mance o leltor iré identificando os personagens em suas dis~ fintas etapas de vida. ‘A técnica de didlogos entrecruzados amadurece, 0 nime- to de personagens cresce, tornando mais complexo o sistema de relagées entre eles. A complexidade desse dinamismo 6, outra vez, expressa através da mudanga intempestiva de cenério, de tempo e de personagens, muitas vezes concretizada através dos diélogos entrecruzados, Em Piura, quatro cenarios se apresentam: A Casa Verde, prostibulo que aparece em épocas diferentes; a Mangacherla, bairro picaresco onde vivem “los inconquistables”; a Gallina- cera, bairro rival e o centro Piurano, representante do pensa- mento burgués-classe média, Na Amazonia, a agéo desenvolve-se, também, em varios cenarios: a Missdo de Santa Maria de Nieva, a Guarnigao das forcas armadas, a aldeia dos indios aguarunas, 0 reino do contrabandista Fushia, entre os mais importantes. Os personagens que transitam de um mundo ao outro sao Anselmo (o fundador da Casa Verde, a qual da esse nome pos- sivelmente como reminiscéncia do mundo verde amazénico); ‘© Sargento Lituma, da guarnicao amazénica e que foi, em ‘outra época, um dos inconquistaveis da Mangacheria; a Sel- vatica do prostibulo de Piura que é a mesma Bonifacia, uma das indias da Miss&o de Santa Maria. No opiisculo ja citado, Historia secreta de una novela, Vargas Llosa conta como escreveu esse romance. A principio, as reminiscéncias de sua infancia em Piura e a experiéncia de sua visita a Amazénia (com a idade de 22 anos) levaram-no ‘a tentar escrever dois romances diferentes ao mesmo tempo, Depois do esforco que Ihe custara escrever La Ciudad y los Perros, julgava que trabalhando simultaneamente em dois ro- mances, descansaria a cabeca de um enquanto estivesse es- crevendo 0 outro. O esquema funcionou algum tempo, até que ‘os perscnagens comecaram a transitar de um romance a outro ‘Rey. de Letras, Fortaleza, 6 (1) — jan./jun. 1985 7 © © autor decidiu “fundir esos dos mundos, escribir una sola novela, que aprovechara toda esa masa de recuerdos”, (10 e 11) Em 1967, ainda com base em reminiscéncias pessoais, 0 autor publica um romance curto — Los Cachorros — no qual, em que pese a agéo mais concentrada @ densa, os recursos técnicos sao os mais ambiciosos, A trama, ombora acompanhe as peripécias de um grupo do cinco limenhos, da infancia & maturidade, centraliza-se no miraflorino Cuéllar. Desde o primeiro capitulo, o leitor sabe que Cuéllar, ainda menino de calca curta, sofre um acidente: durante um banho no colégio ¢ emasculado por um cao dina- marques, Judas. A partir dal, pouco @ pouco, a sua vida diferencia-se da de seus amigos. Mimado pelos pais e professores mas agre- ido pela maldade dos colegas que o apelidam de Pichula, Cuéllar desenvolve um comportamento diferente do padrao de seu grupo. Enquanto os amigos se interessam por meninas, comecam namoros, tém as primeiras experiéncias sexuai Cuéllar “comienza a hacer locuras para llamar la atencién”, “iba solo a la matiné (...) — lo velamos en la oscuridad de la platea, sentadito en las filas de atrés encendiendo pucho, tras pucho, espiando a la disimulada a las parejas que tira. ban plan” (...) “'se lucia corriendo olas" (...) “se volvia hu- rafio con las muchachas” (...) “en el baile del Lawn Tennis" .) sin disfraz, un chisguete de éter en cada mano, piquiti Piquiter juas, le di, le di en los ojos.” © ponto em que seu comportamento passa a afasta-lo de- finitivamente do grupo é 0 momento da desilusdo amorosa. "Se lo veia en las esquinas, vestido como James Dean (...) su carro andaba siempre repleto de rocanroleros de doce, 10) Wd. Ib. p. 52. 11) Em conferdncia pronunciada na Universidade de Montevideo, em 11 Ge agosto de 1968, @ publicada juntamente com um artigo de José Maria Arguedas sob o titulo de La Novela, pola Editora América Nue- va, om 1874, Vargas Llosa relate caso semslhante ocorride com Victor Hugo. Em époces diferentes da vida, o escritor francés intentera escrever dois romances sobre temas diferentes: um gobre a vida nas prisoes Parislenses @ outro sobre um bispo muito caridoso que morava no interior da Franca, “Un buen dia oourrid que estos dos personajes (...) 88 asociaron en suefios, o durante uno de esos paseos que él daba por Parls antes de escribir y entonces bruscamento curgié un ‘nuevo proyecto: ol do asooiar estos dos temas, el de fundir ostas dos experiencias en una y emprender una nueva novela..." p. 17. 8 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 ry catorze, quince anos (...) Les ensefiaba e manejar el Volvo (...) Ya esta, deciamos, era fatal: maricén (...) resulta cada da més dificil juntarse con el, en la calle lo miraban, lo sil baban y lo sefialaban (...) apenas lo saludabamos (...) mas loco que nunea, y ya se habia matado (...) en las traicione- ras curvas de Pasamay Os recursos técnicos mais ousados desse livro sao a jun- Gao da fala dos personagens @ fala do narrador e a mistura da 12 e da 3% pessoas do plural na fala do narrador. No primeiro caso, do qual transcrevemos um exemplo a seguir, a técnica permite um maior dinamismo narrativo: “Abrié la puerta y ya se lo llevaban cargado, lo vid apenas entre las sotanas negras ? desmayado? si, calato, Lalo ? si, y sangrando, hermano, palabra, qué horrible, el bafio entero ra pura sangre.” Com o uso da linguagem coloquial e do depoimento direto do observador o autor empresta mais rea- lismo e veracidade a cena. © segundo recurso, do qual também se segue exemplo, permite a incluso e a excluso do narrador: ‘Eran hombres hechos y derechos y ya tenfamos todos mujer, carro, hijos que estudiaban en el Champagnat, la Inmaculada 6 el Santa Maria y se estaban construyendo una casita para verano en Ancén, Santa Rosa 6 las playas del sur, y comenzabamos 4 engordar y a tener canas, barriguitas, cuerpos blandos, a usar anteojos para leer, a sentir malestares despues de comer y de beber y aparecian ya en sus pieles algunas pequitas, cier- tas arruguitas.” Se alguns criticos véem na castragéo de Cuéllar simboli- camente a castracéo de uma geracdo, (12) as palavras finals do romance, acima transcritas, podem simbolizar, a vitéria das instituigdes sobre o individuo, a vitéria do ideal burgués de vida. 42) TAMAYO VARGAS, Augusto. Literatura Peruana. Lima, José Godard, Tomo Il, p. 1128: “Su cuento ‘Los cachorres’ es Ia presentacién de la cestracién fisica por um perro de ‘Pichula Cuéller’ y la cestraci6n moral de una generacién; MARCO, Joaquin. Prélogo. In: VARGAS LLOSA, Mario. Los Cachorros. Navarra, Selvat, 1970, p. 19: "Es de supener, pués, que Ia obra sa doliberadamente un simbolo, como lo ha atirmado aloin crltico? Sera la castracion de Quéllar el simbolo de la Impotericia de aquella generacién de escritores peruanos que Var gas Llosa representa? (...) La coincidencia entre el tlempo del gru- po y el tiempo del novelista no es otra cosa que el util recurso con ot ual Vargas Llosa recobra 2 adolescencia, su. propria edolescencia, tetugiado y silencioso entre el grupo de Cuéllar”. Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 9 Em 1969, Vargas Llosa publica Conversacién en La Cate- dral, cujo enredo, reduzido & sua maior simplicidade, narra uma conversa entre Santiago Zavala, jornalista 6 filho da alta burguesia limenha e Ambrosio, ex-chofer de seu pai. O pano de fundo, porém, é a vida politica do pais durante 0 Govern O Neste cenario, os dramas individuais se entrecruzam. O Personagem central, Zavalita, filho rebelde de um influente politico, D. Farmin, vai estudar na Universidad de San Mar- cos, onde entra em contacto com jovens vindos de outras classes scciais ¢ acaba por aderir a um grupo marxista, aban- denando a casa dos pais, Outro personagem desencadeador de acdes 6 Cayo Ber- mUdez, chefe de policia que ascende a Ministro de Odria, Em torng dele, movem-se Hortensia (sua amante) ¢ Queta (com quem Hortensia mantém relacionamento homossexual), Ambrosio, que trabalhou com D, Cayo e passa a ser cho- fer de D. Fermin, assim como sua mulher Amalia, ex-empre- gada dos Zavala e que vai trabalhar em casa de Hortensia, estabelecom a conexéo entre os dois mundos: 0 da alta burguesia ¢ 0 da politicagem corrupta ligada ao submundo noturno, Neste longo romance, o autor, sem recorrer a esquemas maniqueistas, construiu uma verdadeira obra-prima, nao sé quanto @ recriacéio do clima de uma época como com refe- réncia @ linguagem e a técnica narrativa que exigem atenta participacao do leitor. Quatro anos mais tarde, em 1973, Vargas Llosa surpre- enderia seu ptiblico com o lancamentno de um livro espan- tosamente diferente dos anteriores — o romance Pantaledn y las Visitadoras, A ténica mais forte do romance é o humor, © sua construcfio narrativa, do tipo arte kitsch, aproxima-s6 da farsa ou da burleta, A trama é, no minimo, insdlita, Pantaleén Pantoja, dis- clplinado oficial do exército peruano, é chamado por seus superiores para cumprir uma missdo inédita: deve organizar um servigo de visitadoras — “Vaya eufemismo que se han buscado los genios” — para atender aos soldados que vivem nas fronteiras do Peru, na regiéo amazénica, O exército to- mara tal deciséo, que deveria ficar em absoluto sigilo, diante das reclamagbes de abusos dos soldados para com as mocas @ senhoras da regido. 10 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 Pantoja comporta-se nessa misséo como em qualquer outra misséio que Ihe fora confiada: com dedicacdo, rigor € espirito de disciplina. Assim, o assunto € tratado como uma operacao burocratico-militar e tudo 6 comunicado através de minuciosos relatérios, Um dos mecanismos de humor do livro 6, justamente, 0 descompasso entre a seriedade e a forma- lidade dos veiculos — relatérios, mapas, oficios, dados es- tatisticos — usados no tratamento do assunto e 0 descome- dido grotesco da situacao. Dentre os dez capitulos que compéem o livro, 0 19, 0 52, © 8° © 0 10° sao compostos por material narrativo diferencia- do: séo didlogos entre os personagens com um minimo de participacdo do narrador (ou seja, apenas as acotacdes dos didlogos) e nos capitulos 2, 3 @ 7, ha a narracao dos pesade- los de Pantaleén, Os outros capitulos constam de relatérios, cartas, oficios, transmissdes radiofénicas, publicagdes de jor- nal (que incluem um elogio fanebre e a Epistola do Hermano Francisco) e, até mesmo, o Hino das Visitadoras, cujo estri- bilho € 0 seguinte: Servir, servir, servir, Al Ejército de la Nacion Servir, servir, servir, Con mucha dedicacion. Nao 6 dificil deduzir-se que o livro desagradou grande- mente a comunidade militar peruana ao se ver refletida ridi- culamente através de hdbeis caricaturas da realidade, (13) ‘Ainda no diapaséo humoristico embora através de outros mecanismos, 0 autor escreve La t/a Julia y el escribidor, que € publicado em 1977. ‘A trama do livro se desenvolve em dois niveis: no pri- meiro, préximo ao real concreto, 0 personagem Varguitas conta, em 19 pessoa, a histéria de seus amores com tia Julia {irma de sua tia afim) com quem, contra a vontade de toda a familia, vem a casar-se. A historia 6 pautada na vida real do autor, podendo-se dizer que @ quase rigorosamente autobiogréfica, Até mesmo os nomes reais sAo mantidos, a 13) © tema do militarismo na obra de Vargas Llosa fol tratado por SOM- MERS, Joseph. E! militarismo en las novelas de Vargas Llosa, In: Re- vista de Critica Litereria Lationamericana. Lima, Latinoamericana, N.° 2, 1975, p. 87-112. Rev, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 1 No segundo nivel, apresentam-se as novelas radiofoni- cas de Pedro Camacho. As novelas (capitulos pares) de Pedro Camacho, “el es- cribidor”, servem de contraponto & histéria de Vargultas, “el escritor” (capitulos impares), Nos primeiros capitulos, a disparidade de agdes e de lin- guagem 6 absolutamente polarizada nas duas formas narra- tivas. Nos Ultimos, a vida (ficca0) e a novela (ficgéo da fic 40) contaminam-se, alimentam-se mutuamente, Hé episédios na vida de Varguitas — as peripécias do amor proibido, a fuga, os lances do pai com o revolver na mao, os bilhetes ameagadores, a separacao imposta — dig- nos de um melodrama radiofénico. A propria tia Julia comen- ta que: “Los amores de un bebe y una anceana que ademas es algo asi como su tia son cabalito para um radioteatro de Pedro Camacho." Nas novelas aparecem dramas semelhan- tes aos vividos por Vargultas, (embora em tom cada vez mais sentimental @ grotesco, chegando quase ao delirio), como o amor entre casais de idades diferentes e o tema do incesto. Evidencia-se, no desenrolar do romance, que Pedro Ga- macho 6 a caricatura do proprio Vargas, chegando mesmo o autor a emprestar um de scus prenomes — Jorge Mario Pedro Vargas Llosa — ao “escribidor” (escrevinhador). O critico Antonio Cornejo Polar afirma que “con muy conciente ironia Vargas Llosa utiliza a Pedro Camacho como espejo deforman- te, pero espejo al fin, de sus obsesiones literarias.” (14) Estes dois Gltimos livros, que alcangaram larga aceita- g80 pelo pubblico leltor, foram alvo de restri¢des por parte de alguns criticos que, embora os classificassem como excelen- te entretenimento, consideraram-nos como uma curva des- cendente na trajetéria do autor, sobretudo por virem apés uma obra-prima como Conversacién en La Catedral. Em 1961, Vargas Llosa publica uma peca teatral, La Se- fiorita de Tacna (15), que sé nao é sua primeira experiéncia em literatura dramética porque em 1952, quando o autor con- tava 16 anos de idade, escrevera uma pega — La Huida del Inca — que hoje considera mediocre 14) CORNEJO POLAR, Antonio. Resefia de La tis Julla y el eseribidor. 1d. ib, n° 6, p. 160. 15) No Brasil, @ pega fol encenada pela 1.* vez em novembro de 1981, 80 a diregaio de Sérgio Brito, com Waimor Chagas no papel de Bell. sério ¢ Teresa Rachel no de Mamaé. 12 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun, 1985 No prélogo & peca La Seforita de Tacna, intitulado “Las Mentiras Verdaderas”, o escritor peruano define a coluna ver- tebral desta obra: “como y por que nacen las historias.” ( entrecho central da obra 6, assim, 0 nascimento de uma ficgfio: Belisario quer escrever uma historia de amor, Pensa em Mamaé, Elvira (irma adotiva de sua avé e com quem con- viveu quando crianca) para ser a heroina e tenta reconstruir stia historia. Aparecem em cena: Mamaé, ja velha como Beli- sario a conheceu, a avd Carmen e 0 avo Pedro, além dos tios @ da mae de Belisario. Este tenta resgatar os acontecimentos do passado, instigando os personagens a falarem. Quando Belisario era crianga, Mamaé Ihe contou uma historia — a da Seforita de Tacna — que pode ter sido a prépria historia de Mameé: a de uma desiluséo amorosa, a de outro amor recalcado € nunca realizado. ‘Ao tentar recompor o passado, Belisario encontraria a histéria que acontenceu ou a que poderia ter acontecido? Na fala final que Belisario dirige a Mamaé o autor refor- a a divida: “? Por que me di6 por contar tu historia? Pués has de saber que en vez de abogado, diplomatico o poeta, resulté dedicdndome a este oficio que a lo mejor aprendi de ti: contar cuentos,” ‘Além do tema da propria criaco literaria, perpassam em La Sefiorita os temas da velhice, da decadéncia de uma fam{- ia, do orgulho e do preconceito, (0 romance La Guerra del Fin de! Mundo, publicado tam- bém em 1981, 6, confessadamente, o livro que Vargas Llosa “mais se alegra de ter escrito ¢ pelo qual gostaria de ser lem- brado se n4o mais escrevesse.” Em entrevista @ revista Veja (41-11-81), deciarou textualmente: “Este foi o mais dificil dos meus livros (...) tive a sensagao de que tudo aquilo que es- crevera antes era a preparagao para este livro, Eu nao queria morrer sem té-lo escrito.” A idéia do romance surgiu quando Rui Guerra encomen- dou-lhe um roteiro cinematogréfico sobre Canudos. © filme nunca se realizou, mas o assunto, a obra (Os Sertées) e a propria figura de Euclydes da Cunha fascinaram o escritor peruano, ‘Além do mais, outros interesses literarios que hé muito © preocupavam pareceram-lhe convir a reelaboragao roma- nesca do assunto: a criagéo de um personagem que fosse anarquista © frendlogo (para quem nunca encontrou espago coerente em suas obras anteriores) a figura do fanatico reli- Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — Jan./Jun. 1985 13 gioso (que ja esbocara em Pantaleén, com o Hermano Fran- cisco); 0 tema “da ideologia como elemento deformante da realidade e como manifestagao do fanatismo em nossa épo- ca” (Isto &, 11-11-83). Durante dois anos, leu tudo que péde encontrar sobre o assunto e, nessa época, chegou a escrever um esboco do ro- mance. Em 1979, resolveu vir conhecer in loco o cenario porque, pela primeira vez, trabalhava sobre uma realidade que nao era a sua e que nem sequer conhecia. © contacto com o sertéo baiano, onde esteve por trés moses, percorrendo os mesmos caminhos que, um dia, Anto- rio Conselheiro trilhou, foi decisivo, A partir dai, p6de cons- tatar a importéncla da natureza na compreensaéo do fendme- no e dar-Ihe 0 devido realce no romance. Péde, também, ve- rificar que 0 episédio de Canudos e a figura de Antonio Con- selheiro ainda estéo vivos na meméria dos poucos sobrevi- ventes da Campanha e dos sertanejos da regido. De volta do sert&o, o autor reuniu seu material e aceitou uma bolsa em Washington, onde péde continuar sua pesqui- sa bibliogr4fica na famosa Biblioteca do Congresso, Tratando embora do mesmo material histérico — a Guer- ra de Canudos — La Guerra del Fin del Mundo e Os Sertées em muito se diferenciam. Enquanto Os Sertées 6 uma obra que se quer, intencio- nalmente, um ensaio sociolégico e um documento histérico (ao qual, néo se nega, evidentemente, o carater épico e a monumental construgdo de linguagem), La Guerra del Fin del Mundo € uma obra ficcional ainda que respaldada em epis6- dios histéricos. Assim, embora tenha pesquisado e trabalhado na elabo- ragao. do livro durante quatro anos, o autor se apressa em declarar: “Cuidei dessa documentagao toda para poder men- tir melhor.” (Jornal do Brasil, 4-11-81). Os trés personagens que se destacam com maior vida dentro dessa narrativa s&o personagens ficticios: Galilelo Gall — um anarquista frendlogo que vé os acontecimentos “de fora", como estrangeiro que é, e sob o enfoque determinista da intelectualidade da época; o Jornalista Miope — que, aos poucos, se da conta da verdadeira dimens&o dos aconteci- mentos e participa tanto da vida do Exército, como corres- pondente de seu jornal, como acidentalmente, dos dltimos momentos do arraial de Canudos; e o Baréo de Canabrava, representante da aristocracia rural em extin¢do, 14 Rev, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 A figura de Antonio Conselheiro, em torno da qual giram ‘os acontecimentos, é assim descrita, no inicio do romance: “EI hombre era alto y tan flaco que parecia siempre de perfil. Su piel era oscura, sus huesos prominentes y sus ojos ardian con fuego perpetuo (...) Era imposible saber su edad, su procedencia, su historia, pero algo habia in su facha tran- quila, en sus costumbres frugales, em su impertubable serie- dad que, antes de que diera consejos, atraia a las gentes.” Em entrevista a revista Isto £ (11-11-81), M. V. Llosa d& uma explicagéo para a atragéo que Antonio Conselheiro exercia sobre a gente do sertao: “Para mim, o importante de Antonio Conselheiro é que ele tem uma doutrina, uma orto- doxia religiosa que se adapta as condi¢des locais e que da Aquela gente uma forca moral extraordindria. Ele convence seus seguidores de que a miséria é uma eleigao que faz deles predestinados & salvagao eterna. Essa gente era pobre e ele converteu @ pobreza num valor supremo”. Assim, ficam explicados ndo so a atragdo que exerceu como 0 sacrificio da prépria vida que os habitantes de Canu- dos ofereceram na defesa de sua comunidade, Como diz o autor: “Em Antonio Conselheiro, a morte é mais importante do que a vida.” No romance, o Conselheiro pouco fala mas tudo gira em torno dele: seus apéstolos, seus jaguncos, seus beatos, sua gente © a preocupacao da jovem Republica que se sentia ameacada. No romance, diferentemente de Os Sertoes — onde sd temos a visdo de fora: do autor e dos invasores (incluindo aqui Exército, politicos, proprietarios de terra, inteligentsia) sobre a ‘Campanha — conhecemos, por dentro, os motivos da gente do Arraial, suas crengas, sua visio mistico-religiosa dos aconte- ‘cimentes. ‘Como classificar La Guerra del Fin de! Mundo? O préprio ‘autor diz que 6 um romance de aventuras, embora ressalve nao 0 6 “no sentido de entretenimento, de fantasia desen- raizada da realidade historico-social”. E conclui: “Eu vejo a mi- novela como um grande afresco épico.” (Isto €, 11-11-81) Neste aspecto, néo nos podemos furtar a uma compara- com outro romance épico-historico, Guerra e Paz de i, ambos magistrais na movimentacao bélica de massas Nao 6, assim, La Guerra, apenas, um romance de aventu- uma vez que ultrapassa o meramente herdico e episédico, r. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 15 para se realizar em outras dimensées, como na pintura de per- sonagens tragicos. Nao é também estritamente histérico pois no se prende apenas aos acontecimentos que foram mas tra- balha com os que poderlam ter sido, Assim, embora recons- trua um episédio histérico, com personagens também histé- ricos, cria personagens e acontecimentos ficticios, tao ou mais importantes no desenvolvimento da trama do que os extraidos do real conereto, Talvez este romance seja, dentro da novelistica varguiana, 0 de maior elaboragao na construgdo narrativa, mas 6 interes- sante notar que sua armagao técnica é a menos visivel. O autor conseguiu dar-Ihe uma tal fluéncia narrativa que esta qualidade velo a constituir-se em um dos aspectos mais cati- vantes da obra. Aqui no Brasil este romance tem desencadeado muitos debates e discussées, nfo s6 por suas qualidades como texto @ do que propée sugere por si mesmo mas também por ter recolocado em quest&o o préprio episédio de Canudos e a obra-mestra de Euclydes da Cunha, Depois do imenso sucesso de La Guerra del Fin del Mundo, Mario Vargas Llosa retomou varios projetos a que aludira em entrevistas concedidas & imprensa brasileira, em fins de 1981: uma pega teatral, quase uma farsa, sobre as relagdes entre a mentira (a ficcdo) ¢ 0 mundo real, e um romance sobre guer- tilheiros no cendrio dos Andes peruanos. A concretizacéo do primeiro projeto resultou na publi- cagao da comédia Kathie y ef hipopétamo, em 1983 (encena- da nesse mesmo ano, na Venezuela). Kathie y el hipopétamo conta a histéria de uma mulher de meia-idade — Kathie — que contrata os servigos de um jornalista, professor e escritor fracassado — Santiago Zavala (personagem que o autor toma emprestado ao romance Con- versacién en la Catedral), para seu “ghost-writer”, enfim, seu escrevinhador. Durante duas horas por dia, em uma mansarda parisien- se de faz-de-conta, Kathie narra suas viagens a Amarela Asia e & Negra Africa enquanto Santiago realiza uma alquimia nar- rativa transformando esse matorial em “literatura”. E © hipopotamo do titulo? Em uma cena narrada por Kathie, dois hipopdtamos lutam por uma hipopétoma (confor- me diz Santiago: “Hipopétoma es mas sonoro, fuerte, orig nal”), Posteriormente, Ana, mulher de Santiago, compara-o a um hipopétamo. “En apariencia tan seguro, tan fuerte que 16 Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 cualquiera te creeria capaz de comerte un tigre con garras y colmillos! Pura pinta! En realidad solo mosquitas, escara- bajos, mariposas, pajaritos.” O simile aplicado ao personagem-escritor ou escrevinha- = — pode estender-se a propria ficgdo, reino das aparén- clas, Enquanto Kathie e Santiago compdem a historia das viagens, outros personagens e acontecimentos, concretizagdes das memérias, dos desejos ou dos sonhos dos dois perso- nagens centrais aparecem em cena, tecendo novas tramas, instaurando outras ficgdes, a que poderiamos aplicar as pala- vras que o autor Mario Vargas Llosa usa no prélogo desta comédia: “Gracias a la ficcién, descubrimos lo que somos, lo que no somos y lo que nos gustaria ser”, Em fins do ano passado, 1984, 0 escritor peruano publi- a o ja anunciado romance sobre guerrilheiros: Historia de Mayta. Do 12 a0 92 capitulo do livro, um escritor, que o leitor facilmente confunde com o autor Mario Vargas Llosa, narra as entrevistas que mantém com pessoas ligadas a Alejandro Mayta, antigo colega no Colégio Salesiano, sobre quem de- seja escrever um romance, © andamento do livro é cinematografico, lembrando_a construgao narrativa do classico do cinema americano, “Ci- dadao Kane", de Orson Welles. Ao lado dos depoimentos que pintam de forma as vezes ‘contraditéria a figura e a agao revolucionaria de Mayta, a his- téria vai-se desenhando, as vezes negando, outras comple- tando, outras pondo em duvida o que as testemunhas dizem. Pressupde-se que o tempo do narrador tenha a duracado do ano de 1983, enquanto o tempo da historia de Mayta abran- geria desde sua infancia até aproximadamente o ano de 1958, €poca do acontecimento guerrilheiro. © leitor, ao longo desses nove capitulos, acompanha o narrador, conhecendo suas diividas, na tentativa de delinear a de Mayta e de desentranhar sua participagao numa das jiras agdes guerrilheiras do continente. No décimo e ditimo capitulo, o narrador desmonta os an- de sua construgéo romanesca, desvendando surpre- que langarao novas luzes sobre a historia e abalarao cer- construidas nos outros capitulos, ‘As ultimas palavras do nono capitulo, porém, j4 adver- © leitor atento para as surpresas que o décimo e ultimo de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 17 capitulo revelara, Falando de Jauja, cenario da ago guerri- Iheira, 0 narrador assim se expressa: “Esa suave misica y el hermoso cielo estrellado de la noche jaujina sugieren un pafs apacible, de gentes reconci- liadas y dichosas. Mienten, igual que una ficcién,” No encontro de Mayta, personagem que o narrador criae ra dontro da ficeao, com Mayta, personagem também ficticio, em quem o narrador se baseara para criar seu personagem, sure uma nova dimensao deste romance. Ou seja, a historia de como o narrador ia criar uma ficoéo que jé sabemos ser em si uma ficcfio, torna-se uma ficgao da ficcao. Enfim, por cima do tema do terrorismo, da agéio guer- rllheira, das divisdes ¢ subdivisdes da esquerda peruana (mos- covitas, maofstas, trotskistas, etc.), 0 autor retorna ao tema da criagao literaria, que j4 abordara em La tia Julia y el escribi- dor, em La Sefiorita de Tacna, em Kathie y el hipopétamo. Revendo sua trajetoria, reconhecemos que, desde seu pri- meiro romance, transparece essa preocupacdo, através do per- sonagem Alberto, chamado “‘o poeta”, em La Cludad y los Perros e em outros romances, através de tantos personagens, escritores e escrevinhadores. No teatro, essa preocupacdo, pela prépria especificidade do género, alcanga maior desenvolvimento, como vimos em La Seforita de Tacna @ em Kathie y 9! hipopétamo, Melhor compreenséio da questéo se nos oferece o autor ‘em seus livros de ensalo — Garcia Marquez: Historia de un Deicidio, La Orgia Perpotua: Flaubert y Mme. Bovary e Contra Viento y Marea — particularmente, nos prologos de suas pecas: "Las Mentiras Verdaderas” e “El teatro como ficcién” Nao nos alongaremos, porém, nos aspectos de sua teorla literéria e nem nos deteremos em uma andlise final dos pro- cedimentos técnicos, tematicos e de linguagem da novelistica varguiana como um todo, pois, nas limitagdes de tempo que dispomos, preferimos desenrolar esse amplo painel da narra- tiva de Mario Vargas Llosa. © nosso intuito é 0 de abrir portas — ou janelas — para que novos leitores entrem e vivam suas prOprias experiéncias nesse universo tao fascinante, Como terao percsbido, 0 universo varguiano reveste-se de muitas facotas — a tragica, a Irénica, a grotesca, a aventurei- ra, a dramatica — porque tenta aprender um mundo dinamico, onde as relagdes humanas dominantes séo as de luta, as de paixdio, como no mundo real. 18 Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — Jan./Jun, 1985 © autor, insatisfeito com a realidade do mundo em que vive e acossado por seus “‘demdnios”, cria seu proprio mundo mas sempre apegado as leis e as imagens do mundo de fora. € ele quem diz: “fago romances realistas, no sentido de que os personagens, experiéncias e problemas que sao meu material de trabalho, tém a ver com as experiéncias que os Ieitores podem reconhecer em suas préprias vidas”. (Jornal do Brasil, 04.11.81). A afirmativa tem validade maior para nés, leitores latino- americanos, que identificamos através de “‘su pintura sin inci- enso" nossas proprias perplexidades diante do espetaculo belo e cruel da realidade do continente. Seu universo nos atrai porque exibe nosso ser, porque nos convida a participar de suas descobertas através da arte milenaria de saber contar. do Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./Jun, 1985 19 LEITURA: PROBLEMAS DE PROCESSAMENTO Nadja da Costa Ribeiro Moreira Objetivamos comentar os resultados de um teste de com- preensao de leitura, aplicado a alunos do 1° grau maior, a fim de, a luz das dificuldades evidenciadas pelos leitores, porpor a consideragtio de alguns aspectos fundamentals para o de- senvolvimento da capacidade de leitura. © nosso propésito seré examinar as dificuldades com que se deparam os alunos ao ler um texto de modo compre- ensivo, Para isto, faremos uma anélise dos erros de preen- chimento de um cloze, elaborado sobre um texto de livro di- datico de 42 série e aplicado a alunos do 19 grau maior. © cloze 6 um instrumento de medida de compreenséo, proposto por Taylor, em 1956. Pode ser usado para determi- nar o nivel de legibilidade de um texto, indicando se este pode ser considerado muito dificil, mediano ou muito facil para o leitor, ou para fornecer insights, ao professor, sobre como o aluno interpreta o material enquanto o Ié. Para elaborar um cloze, utilizamos uma amostra de texto, com um minimo de 250 palavras, e eliminamos cada quinta palavra do texto. A palavra omitida 6 substituida por um trago sempre do mesmo tamanho, néo importa qual seja o tamanho da palavra omitida, Antes de iniciarmos a anélise das respostas, faremos uma breve apresontacéo dos resultados gerais do cloze aplicado, valendo-nos da escala proposta por Polini, Pérez e Méndes (1972) para avaliar a inteligibilidade de material didatico na Venezuela, Essa escala tem 4 niveis em que se pode situar 9 Ieitor: Rev, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 Pa) 0% — 20% — Nivel muito baixo: a dificuldade da leitu- ra é tio grande que a sua utilidade é qua- se nula, 20% — 35% — Nivel baixo: o Ieitor necessitaria de um grande esforgo para obter um proveito Muito reduzido do texto. 95% — 50% — Nivel mediano: o leitor obtera compreen- 0 quase total, porém, com certa dificul- dade, Realizando algum esforco, poderd conseguir 0 aproveitamento maéximo do texto, 50% ou mais alta - Nivel alto: o material pode ser compreen- dido completamente pelo leitor, sem fazer esforgo para isto (APUD Molina, 1979, p. 52), Aplicando esta escala aos resultados do cloze, tivemos, para os alunos da 6? série, a seguinte distribuicao: 31% em nivel baixo; 66% em nivel mediano; 1% em nivel alto. Consi- derando os alunos como um todo, sua média de acerto foi de 87%, © que Ihes coloca em nivel mediano em relago a inteli- gibilidade do texto, Para os alunos da 8? série, a distribuigéo manteve-se qua- se inalterdvel: 16% em nivel baixo; 78% em nivel mediano; 6% em nivel alto. Considerando-se como um todo, sua média de acerto foi de 40%, 0 que também Ihes coloca em nivel mediano de compreensao do texto. Passemos a nossa analise. Para isto utilizaremos duas ca- tegorias, propostes por Kleiman (Diagndstico de dificuldades na leitura: uma proposta de instrumento, 1983), que corres- pondem a dois aspectos constitutivos da atividade de leitura, aspectos estes que, embora interligados no processo, aqui examinaremos separadamente para fins de andlise: capacida- de de processamento e capacidade textual. Conquanto essas duas categorias correspondam a capa- cidade exigidas a um leitor habil, supomos que a primeira — a capacidade de processamento, por corresponder a habilida- des que alcancariam desenvolvimento pleno apés 4 anos de alfabetizagdo (Gibson e Levin, 1975) e por ser condigéo ne- 22 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun, 1985 cesséria para a segunda, deva-nos oferecer mais pistas para a compreenséo das dificuldades com que se deparam os lei- tores do 19 grau menor. ‘A capacidade de processamento, portanto, seré o aspec- to prioritariamente enfocado em nossas consideracées. Essa capacidade exige a utilizagao de regras e imposigdes grafo- fénicas e sintaticas para operar analitica e sinteticamente as unidades frasais, de modo a apreender o significado, Essa ca- pacidade se faz presente: 4. no reconhecimento e na extracdo da informagao gré- fica e ortografica, que engloba: . 9 reconhecimento dos sinais de pontuagao; _ 0 reconhecimento das marcas de género e numero; . © reconhecimento das marcas verbais. 2. na utilizag&o do conhecimento sintatico para a pre- digdo. Para melhor conceituar 0 que entendemos por predi¢&o, estabeleceremos um paralelo entre o falante e 0 leltor. Am- bos, ombora possam utilizar estratégias diferentes para lidar com as diferentes caracteristicas dos dois cédigos — escrito ¢ falado, operam de maneira similar no processo de recep- do da linguagem. Ao ouvir um enunciado, o receptor sele- Ciona @ informag&o, apoiando-se na redundancia da lingua- gem e em seu conhecimento das imposicées lingifsticas. Em dutras palavras, o receptor ignora aquilo que para ele ndo 6 relevante na mensagem. Em seguida, o receptor prediz (0 “em seguida” no significa ordem temporal, pois as duas eta- pas do ciclo de recepedo — selegao da informagao e predi- g&o — ocorrem quase simultaneamente, prediz o final de palavras, de frases & até frases inteiras, dependendo da vivén- Gia que tenha do assunto, do conhecimento do interlocutor da familiaridade com a linguagem utilizada). Sua predigao 6, entéo, testada em relacéio do contexto semantico construido da situacéo ¢ do discurso que esta sendo produzido, vindo a ser confirmada ou rejeitada enquanto o receptor processa a linguagem posterior, Este ciclo de selega0, predicao, testagem, confirmagao ou rejeigdo, defendido por Goodman (1973, p. 23), ocorre no Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 23 Processo de recepeao porque o ouvinte ou o leitor possuem “um conjunto de principios operantes que utilizam para for- mular a melhor hipdtese sobre o que significa um enunciado” (Slobin, 1980, p. 62), enquanto 0 esto ouvindo ou lendo, As bilidades de selecionar, predizer, testar, confirmar ou re- jeitar, de fundamental importancia no processo de leitura, se fazem presentes na capacidade de processamento que, om sintese, se constitul na utilizagao do conhecimento lingiiistico Para extrair significado do texto. A falta de reconhecimento e de ulilizagao das informagées e imposigdes graficas, orto- gréficas e sintaticas implica a producdo de sentengas ou cons- tituintes gramaticais. Por capacidade textual, reterimo-nos ao restabelecimen- to de relagdes coesivas e coerentes que constituem a unida- de de um texto e Ihe possibilitam realizar linglisticamente uma atuac&o sécio-comunicativa. ‘Sdo diversas as habilidades exigidas de um leltor para © restabelecimento da unidade textual. Nelas nao nos detere- mos, a n&o ser quando interferirem na capacidade de proces- samento, Estabelecidas essas duas categorias de capacidade exi- gidas de um leitor, passaremos a examinar como se compor- tam cs nossos alunos do 19 grau maior em relac&o a elas, Para isto podemos propor algumas indagagées: — Seriam os alunos da 8° série melhores leitores que os da 6°? — Embora ambos se situem em um mesmo nivel de inte- legibilidade — nivel mediano —, haveria alguma diferenga concernente a habilidades especificas? — Como verificar empiricamente essas hipéteses? Julgamos que uma maneira seria uma andlise compara- tiva entre os erros de alunos da 6% e da 8% nas categorias de: 1. Reconhecimento dos sinais de pontuagao. 2. Reconhecimento das marcas de género, 3. Observancla das imposi¢oes sintaticas que marcam os limites do constituinte na sentenga, O reconhecimento dos sinais de pontuagdo favorece, so- bretudo, a distingdo dos constituintes da frase, na medida em 24 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 que se usam as virgulas para “separar elementos de uma ora- a0” (Cunha, p. 931). Assim, no interior da oragao, a virgula pode ser usada para separar elementos com uma mesma fungao sintatica ou com funcées sintaticas diversas. Na frase “... fabricavam suas armas (arco, flecha, conus , Zarabatana) ..." (linha 10), 0 reconhecimento do uso da virgula com a finalidade de separar elementos com uma mesma fungdo sintética favoreceria ao leitor o preenchi- mento da lacuna com um nome, Dessa forma, o leitor que pre- enchesse a lacuna com “tacape” teria completado correta- mente o trecho. Aquele que preenchesse com “faca” ou “tanga” nao teria atingido a identidade com o autor, mas também 0 teria feito com propriedade sintatica e semantica. Aquele, entretanto, que preenchesse a lacuna com “ou” ou “e” néo teria reconhecido os sinais de pontuagéo como pis- tas para a decodificagdo do significado da frase. ‘© caso em que a virgula 6 usada para separar elementos com funcdes sintéticas diversas pode ser exemplificado com a frase: “Havia uma praca central, ........ ocara, onde se...” (linha 7), Al a virgula 6 usada com a finalidade de se- parar um elemento de valor explicativo. A percepgao dessa finalidade leva o leitor a procurar um elemento que, comi nado com “ocara”, possa fornecer alguma explicagéo sobre a praca referida. Esse elemento seria 0 artigo a’ ou o par- ticipio “‘chamada”. A n&o percep¢do o leva a preencher com “era”. A virgula também € usada para separar oragées de um mesmo periodo, Assim na frase: “... os homens cagavam, pescavam, .. .. suas armas...” (linha 10), 0 leitor que faz uso dos sinais de pontuacaéo como pistas para a percep- G40 dos constituintes, preencheria a lacuna com “fabricavam”, “usavam", “construjam” etc. O que no reconhece o sinal como limite dos constituintes seria levado a completar a la- cuna com “peixes” ou com “as”. Se completasse com “pei- xes”, estaria a relacionar, numa articulacdo V O, “peixes” com “pescavam”, Se completasse com “as”, estaria inician- do um novo periodo em que o “as” seria D do SN. Nos dois casos teria ignorado 0 sinal de pontuacéo @, conseqiente- mente, os limites do constituinte oracional. Levantades esses casos, apresentaremos 0 quadro geral dos segmentos analisados no teste cloze, com as respectivas porcenatgens de erros, omissdes e acertos dos alunos da 6# e da 6* séries. Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 25 Ss pts Fes © Foxe v6 v6 «e10 Wes weaepnu oys| ‘Sepewgu Wl ees ser se ae ale 29 «7 BuByequieZ '*"' > “eyoe)} ‘oOe ei — Ler ze re 22 er «°° "Seuue sens “++ sweagosed ‘weaed_o Sualtoy so °° hee ye) Sle) BF Ve “0s “SEIS © seduep ‘°*-* wezteor es epuo ***,, wea: gzb- 2:0) oaeg ee. © erat “es epuo “21200 + Yenueo edeid ewn Brats | Ae Sey 2 Oe “9 “92 eyelGarsr bes ae L°8e sz =F, gle en] & ‘0B (oa (Oe (WW (HO (so (4) SOLNaWO3S eves eo eu9s 69 “solgs e@ EP 2 vO EP sounje ep ‘ovdemuod ep sieujs Sop ojuoWoeYyUOD-eJ OU Sosde @ Sagss|wWO ‘SoM Bp WaBe|uedI0d + O¥aYND QUADRO 2 Numero total de erros ¢ omissdes no reconhecimento dos sinais de pontuac&o, em alunos da 6? e 8% séries. 6 série N° de alunos 32 32 Erros 56 55 Omissées 26 35, Consideramos erro de reconhecimento dos sinais de pon- tuagéo apenas aqueles preenchimentos que geraram frases ou segmentos agramaticais e que assim ocorreram por néo te- rem sido observados os sinais, especialmente a virgula, que delimitavam os constituintes frasais ou oracionais, Considera- mos omissdes as lacunas deixadas em branco. Consideramos acerto © preenchimento gerador de estruturas gramaticais, mesmo que nao alcangassem adequagao seméntica. Numa anélise comparativa dos erros nessa categoria, no houve progresso na capacidade de processamento da 68 para a 8? série. Em outras palavras, dois anos de escolari- dade pouco parecem significar a nivel de desenvolvimento da habilidade de reconhecimento dos sinais de pontuagdo como pistas para a compreensdo de um texto, As estruturas com maior incidéncia de erros foram as mesmas para a 6? e 8? séries. Sao elas, em ordem decrescen- te, as dos segmentos (4), (2) e (1). A inobservancia da virgu- la, no segmento, (4), levou 50% dos alunos da 62 © 37% da 89 a desrespeitar os limites do constituinte na sentenca, fato evidenciado pelo preenchimento por “as”, “varias”, “mui- tas”, “algumas”, “suas”, € como se uma das estratégias da leitura linear fosse a simplificagéo em busca da canonicidade, como bem observou Kleiman (1983): “as criangas procuram dar canonicidade a sequéncias nao canénicas; do ponto de vista do processamento, apds uma segmentagdo inadequada, elas ignoram dados subseqiientes para corrigi-la, revertendo a estratégias quase que mecanicas que impedem a autoava- liag&o” (p. 43). Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 7 ssa busca da canonicidade levou o aluno a preenchi- mentos, no segmento (2), como os que seguem: “Jaci, a Lua; servers © FaiO @, olhava viam adorava era Nesses preenchimentos, os verbos usados tanto podem-se reportar ao sujeito, anteriormente expresso, como ao aposto que precede a lacuna, O mesmo acontece com o segmento (1), em que a tentativa de estabelecer a canonicidade levou 37% dos alunos da 6% ¢ 28% dos da 8? a produzir enunciados como: “Guaraci, ......... Sol; Jaci, a lua;” 60 era 0 era via adorava eo Com relagao & segunda operagao, concernente & capaci- dade de processamento — reconhecimento das marcas de gé- nero ¢ numero, consideramos apenas aqueles SN constituidos por D-N ou (D)--N-Mod em que fossem explicitadas as mar- cas de género. Nao foi considerada a inobservancia da marca do numero por ser esta sujeita a uma grande variedade de re- gras no falar nao-padrao. Assim, foram examinados téo-somen- te aqueles segmentos que apresentavam desvio no emprego da reara de género (fato este de dificil ocorréncia mesmo na variedade ndo-padro) que indicariam, com alguma seguranga, os problemas de processamento. Apresentaremos 0 quadro geral dos segmentos analisados @ aS respectivas porcentagens de erros de reconhecimento das marcas de género, 28 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 QUADRO 3 Porcentagens de alunos com erros de reconhecimento de marcas de género, nas 6% e 8 séries Segmentos Porcentagens de Erros 6 série 8% série .. de ocas formava 9.4 34 formava a * 63 34 » uma praga central, ++» Cara, onde se...” 3.1 6.3 ++» Indios gostavam . = = (8) “... fabricavam sous ........” 18.7 6.3 (6) “... bebida feita de mastigado...” 25. 46.9 @) “..pintavam corpo...” = = . de plantas . 68 6.3 (9) “Algumas: ++, furavam as orelhas 18.7 12.5 (10) ee labios...” = = (11) “... @ tatuavam 0. = = (12) “... usando o . da colvara...” 8.4 = (13) “.., quando ........ terra nfo produzi a - (14) quando faltava a pesca e a . 3.4 > QUADRO 4 Numero total de erros de reconhecimento das marcas de género, em alunos da 6? e 8 séries 6# série 8 série Numero de alunos 32 32 Numero de erros 30 28 Des quatorze segmentos examinados, nove apresenta- ram marcas de género que nao foram percebidas por um ou mais alunos, As percebidas por todos foram as dos segmen- tos (4), (7), (10), (11) e (13). Esses, com excegao do (11), exi- giam apenas o determinante para o preenchimento, © segmento a apresentar maior ntimero de erros fol o mesmo nas duas turmas, o (6), que exigia a consideragaéo de Rov. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 29 um dado subseqiente. Compare-se este segmento com o de numero (8), que apenas exige a consideracao dos dados an- teriores apresentou uma porcentagem bem inferior de erros. Mais uma vez, os dados indicam claramente a adogdo de uma estratégia quase mec&nica de leitura, impeditiva da auto-ava~ liago, Os preenchimentos que seguem, realizados por 25% dos alunos da 6? e por 47% dos da 8? evidenciam que esses Ieitores, apés um preenchimento inadequado, néo se déo ao trabalho de confirmar sua hipétese, ignorando os dados sub- seqientes. Exemplos de preenchimentos: (6) “... bebida feita de ....... . mastigado.” raizes frutas semente cana folha Examinaremos a seguir a observancia das imposicées sin- téticas que marcam os limites dos constituintes da sentenca. Para isto terao levados em conta téo-somente aqueles preen- chimentos que tornaram a sentenga gramatical, Considerando- se todas as frases do texto, tivemos os dados apresentados no quadro 5. QUADRO 5 Numero total de construgdes gramaticais em alunos da 6% @ da 8 séries 6 série 8? série SS SS Ndmero de alunos 32 32 Numero de construgées 89 71 Média por série 2.8 22 a Os resultados acima evidenciam um maior nimero de construgées agramaticais para a 62 série. A tendéncia dos 30 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 dados parece mostrar que dois anos de escolaridade a mais ajudam a desenvolver a sensibilidade do leitor para a cate- goria gramatical das palavras e para as relagdes que elas estabelecem entre si, na frase. Em termos destas relagdes, as mais sensiveis para o leitor so aquelas estabelecidas entre a lacuna @ as palavras anteriores a ela. Em outras palavras, © ndmero de construgdes agramaticais até a lacuna foi bem menor do que aquele além da lacuna (*). Isto fol examinado em apenas 18 testes, que apresenta- ram 10 vezes mais construgdes agramaticais além da lacuna do que até a lacuna (50 para aquelas e 5 para estas). O que mais uma vez comprova a precariedade do uso da estratégia de regressdo e a conseqiente incapacidade de auto-avalia- cdo da compreensao, Esse pequeno aumento de sensibilidade para com as categorias gramaticais das palavras e para com as relagdes por elas estabelecidas na frase representa, contudo, muito pouco se considerarmos nao somente as violagées sintaticas, referidas como construgdes gramaticais, mas também as vio- lagdes seménticas. Ai encontramos dificuldades de outra or- dem que, por limitagdes de tempo, néo nos é possivel exa- minar agora, Apenas para ilustrar como a incapacidade de estabelecer relagdes semanticas afeta a capacidade de pro- cessamento, tomemos este fragmento (linha 1 a 3): “Os indios viviam em tribos. O chefe da tribo era o cacique e 0 chefe religioso 0 pajé, que também tentava curar os doentes, Acre- ditavam em vérios deuses...”". Se o leitor nao relaciona a ui tima dessas frases a primetra, isto 6, se nao é capaz de enten- der aquilo que nao foi dito na ultima frase, de pressupor a informagao omitida, que no caso era “os indios”, a frase néo sera devidamente compreendida, nem tampouco o texto tera unidade para o Ieitor. A Incapacidade de preencher a frase com informagées pressupostas levou 59% dos alunos da 6? e 22% dos da 8? (7) Exemplo de construgéo agramatical até a lacuna: “Moravam em aldelas em. se Exemplo de construgdo agramaticel além da lacuna: fom ....4+ d@ paurarpique. ...” joravam em aldel um Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 ot a produzir construgdes gramaticais como: ........ . em vée rios deuses. ..” todos existem eram estrela Essa frase, que exigia, além do estabelecimento de rela- goes sintaticas, a realizagao de relagdes semanticas, fol a que apresentou o maior numero de preenchimentos gramati- cals (21% © 10% de todos os erros de gramaticalidade para a 6" e 82 séries respectivamente). Apdés essa breve andlise do desempenho de nossos lei- tores de 6? e 8% séries, referente ao uso de algumas das cate- gorias exigidas pela capacidade de processamento, podemos indagar: @ 0 que fazer para favorecer o desenvolvimento das capacidades de processamento e de compreensdo textual? Achamos mais facil, primeiramente, ponderar sobre o que nao devemos fazer, Umas das praticas escolares mais fre- qUentes nas séries iniciais 6 a da leitura individual em voz alta, interrompido por intervengées insistentes do professor para corrigir pronincia de palavras. Em observagées feitas por estagidrios verificamos que este tipo de intervengao ocor- re indistintamente da 22 série do 19 grau & 2% do 2° grau, sendo unanime a preocupagao dos professores com a prontin- cla e a entonacdo. £ como se o professor considerasse que uma palavra pronunciada errada prejudicasse a compreensao, mesmo quando o “erro” 6 uma manifestaco espontanea da variedade dialetal do aluno. Assim pensando, o professor corrige. ‘A intervengdo do professor no s6 ocorre por ocasiao de erros de pronuncia de palavras, mas também em face de erros de substituig&o ou omissao de palavras. Nos dols casos ela € prejudicial ao leitor Inexperiente. ‘No primeiro caso, porque a corregéo da proniincia néo- padrao pela prontincia padréo confunde duas tarefas distin- tas: a aprondizagem da leitura e a aprendizagem de um se- gundo dialeto. A crianca que 16 “impusivi", “mehmu”, “ale- vanta" na verdade esta lendo com maior compreenséo do que aquela que pronuncia, enquanto 1é, “impossivel”, “mesmo”, “levantar", e pronuncia, quando ndo esta lendo, “impussivi", “mehmu”, “alevanta”. Esse Ultimo leitor est mais atento ao processamento fonolégico do que ao sentido, isto é, esta mais 32 Rev. do Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 wen | ligado & soletrag&o do que ao reconhecimento da palavra, O primeiro leitor, no entanto, j4 internalizou correspondéncias entre o sistema grafico da lingua e o seu dialeto, Ele reconhe- ce a natureza lexical da ortografia e parte da representagao lexical da palavra para a sua representacdo fonética, apli- cando automaticamente regras fonolégicas da lingua, Este lei- tor, portanto, possui uma habilidade bem superior a do outro em interpretar a ortcgrafia diretamente no nivel lexical (Chomsky, 1973; Dale, 1972). O segundo caso, quando o professor corrige uma palavra que foi substituida ou repée uma palavra omitida, também 6 Prejudicial. Assim 0 fazendo, ele retira do aluno a possibili- dade de auto-avaliar sua leitura, isto 6, de corrigir-se ou nao, de voltar para recolocar palavras omitidas e que foram sen- tidas como desfiguradoras do sentido. Se a palavra omitida nao comprometer o sentido, néo ha necessidade de interven- ¢40, pois 6 a busca da compreensdo que leva o aluno a aten- tar pouco para as palavras individuais e portanto a omiti-las ou a substitui-las. Entretanto se a palavra omitida ou substi- tuida desfigura 0 sentido, a intervengo docente adequada seria aquela que levasse o aluno a retroceder a fim de des- cobrir por que 0 segmento lido nao esta fazendo sentido, Isto se consegue simplesmente deixando o aluno conoluir a frase @, em seguida, levando-o a auto-avaliar a sua leitura; por exemplo, perguntando-Ihe: 0 que vocé leu fez sentido para vocé? Tente reler e descobrir 0 que 6 que esta impedindo que vocé compreenda! ‘Assim como decodificar diretamente letras em som 6 néo 86 desnecessario como ineficiente, contrariando a orientacao expressa no Guia Curricular da Secretaria de Educagaéo do Estado do Ceard, que dé como objetivos para a leitura da 3? série do 19 grau — “ler, com desembarago lendas, fabulas, poesias e trechos literarios faceis, observando a boa pronun- cia, a pontuacéo correta, a entonagao adequada...” (p. 30), atribuir-se ao ensino da leitura o objetivo de levar o aluno a pronunciar perfeitamente as palavras 6 reflexo de uma incom- preenséo de como funciona o processo da leitura, ‘A preocupagao com a prontincia de palavras individuals torna a leitura muito mais dificil, pois exige do leitor uma grande quantidade de informacéo visual. E uma das mais im- portantes habilidades na aprendizagem da leitura 6 aprender a tirar 0 maximo proveito de um minimo de informagao visual. Para isto 6 necessério que o professor, sobretudo nas séries Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 33 iniciais, ative 0 pensamento e a experiéncia prévia do aluno com relagéo ao assunto do texto, Ativar a experiéncia e o pensamento 6 inquirir 0 aluno sobre o conteudo do que vai ser lido a fim de leva-lo a fazer predigées e estabelecer pro- pésitos para a leitura. Predicdes que, apés o processamento da informacéio, séo validadas ou invalidadas pelo proprio alu- no. Esta estratégia do professor favorece no aluno a atitude de encarar a leitura como um empreendimento ativo, pleno de propdsito, de finalidade (Moreira, 1964) e, ao mesmo tem- po, ajuda-o a utilizar as suas Informagées n&o visuals — seu conhecimento do mundo, A exigéncia da prondncia perteita nos leva a outro fator impaditivo do desenvolvimento da leitura compreensiva que 6 a velocidade da leitura, Experimentos comprovam que a lei- tura lenta impede a compreensao em virtude das limitagdes do processamento de informagao de nosso sistema visual e de nossa memoria. Por isso, ler depressa é mais facil do que ler lentamente, A informagao visual nao fica disponivel no eérebro por muito tempo. Segundo Smith (1978, p. 33), 0 li- mite de velocidade para uma leitura significativa em voz alta € de 250 palavras por minuto; em média, cerca de 4 palavras por segundo. Abaixo deste limite, a leitura deixa de ser com- preensiva. Dessas observagdes depreendemos que a leitura cuida- dosa nao é leitura eficiente, A leitura cuidadosa inibe a pre- digao e ler sem predizer nao é ler, pois como diz Goodman, a leitura é um jogo psicolingiiistico de adivinhacdo ("a psy- cholinguistic guessing game”). Adivinhar significa usar da melhor forma aquilo que ja se sabe, ou “formar expectativas que reduzam a incerteza do que se estd lendo e, portanto, a quantidade de informacéo visual requerida para se extrair significac&o (cf. Smith, 1978, p. 188). Todas essas habilidades, acima referidas, néo podem ser desenvolvidas se 0 ensino da leitura desencoraja o en- frentamento de riscos de erros. A aprendizagem nao pode ‘ocorrer sem erros. Vimos, no preenchimento dos testes cioze, as porcenta- gens de omissées dos alunos, que bem traduzem a atitude do- cente neles incutida: se nao sabe, é melhor deixar em bran- co! Como diz Smith (1978, p. 189), se uma crianga ja sabe que esta certa antes de dar uma resposta, 0 feedback de que ele esta realmente certo no Ihe traré qualquer informagdo, Mas se ele nfo sabe e arrisca uma resposta, qualquer feed- 34 Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 ‘TESTE CLOZE INSTRUGOES: Preenche cada lacune com 2 palavra que voce jules ter sido ‘omitida, Em cada lacuna voc8 deverd escrever somente uma palavea. (0S DONOS DA TERRA © Brasil, ne é90ca do seu descobrimento, era habitedo pelos indigenas ou ‘nig, elo contre era muito diferentes dot corte europe, sts wv em — chef de tbo 21 o croquet = oa ‘loso 0 pajé, que _{4)__tentava curar os doentes. Ferber s) fem vérlos deuses: Gusraci, (6) Sol; Jaci, Lua; _(7)_.0 Reresitavar ° an rioeo (8). Trois Morava nx alias, om {9} de povelqu obi _(1_carads de soit tn) av SelM in ver ea 131 sews, Ta taba ‘onde se realizavam (14) _, dancase festas importantes reunibes (raion gos do iscn (16) cane. As dances guereras si mn in 0. Shomer eran, pam, gm war, eh 2 eels ee eee seus lf — ot a ra ssa ‘com madeira, peda, 0:10 (25) ‘bjetor e Saeesis ‘A mulheres _(26)__ tcirm o aloo, 27) reds, esters, fbr: fava cova pees (28) dvi (ots, bce, pee) i (2) una ei ata de mains mil ‘item _(31]_ ov ma. Quan mormar (21s in iam sro 030" deans Sanava vite (8) sodas pinta _C8 pelos corpo com uma tinta (36 slot como 0 0 jriapo Alums 2m freeman ‘20 ine rar 9 Tibor Viva ds ¢ 8) 0s mais siantados (42) omiho, 8 ‘eativavarn ni So Wu wna 6 tet ‘da coivara:derrubavame __(45)_ . ‘queimavam ss trvores pra fcer_(4) pions Eram némades, ‘fon. mudavam sempre, principalmente quendo 149)» posene a _(49)_* na cpio ou quando _{50|__trra nfo procuis Seabave vaca 2 ‘muito. Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 35 back que venha a obter Ihe ensinard alguma coisa, Este 6 0 método natural de aprender — testando hipoteses, Por isso, quando o professor intervém, mandando o alu- no ler devagar, pronunciar bem todas as palavras, dar a en- tonacao adequada, ele transtere para o aluno uma viséo de- turpada do que seja a leitura: em vez de uma atividade inte- ressante, ativa, significativa, um treino mandtono, repetitivo, dostituido de significagéo. Dai o desinteresse, dai a falta de leitura, dai a incapacidade de ler. Pois, fazendo nossas as palavras de Smith (1978, p, 9), nao ha diferenga essencial entre aprender ler e ler; nao ha nenhum tipo especial de habi- lidade que a crianga deva aprender a praticar que nao esteja presente na leitura fluente, assim como nao hé nenhum aspec- to da leitura fluente que nao faga parte do aprender a ler. Sempre que lemos, aprendemos mais sobre o ler. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CHOMSKY, Carol (1973). Reading, writing and phonology. In: Smith, Frank. Peycholinguistics and Reading. Holt, Rinehart and Winston. New York, Inc. CUNHA, Colst (1981). Gramatica de base, Rio de Janeiro, FENAME. DALE, Philip S. (1972). Language Development — Structure and Function, ‘The Dryden Pross Inc., Hinsdale, Illinois. GIBSON, E. J. & LEVIN, H. (1975). The Psychology of Reading, Cambridge, Mass: The MIT Press. HALLIDAY, M. A. K. and HASAN, Rugalya (1976). Cohesion in English. Longman Group Ltd., London. KLEIMAN, Angela B. (1983) Diagndstico de dificuldades na leitura: uma proposta de instrumento. Cademos PUC, 16 (34-48). MOLINA, Olga (1979). Avaliagdo de inteligibilidade de livros didaticos de 12 @ 2° graus por meio da técnica oloze, Tose de Doutorado, Séo Paulo, Institulo de Psicologia, USP (mimeografado). SECRETARIA DE EDUGAGAO DO ESTADO DO GEARA. Currioulo de 1° Grau. 1973. volume 1, Ceard. SLOBIN, Dan Isaac (1980), Psicolingilistica. Sao Paulo, Ed. Nacional: Ed. a Universidade do S80 Paulo. SMITH, Frank (1978). Reading. Cambridge University Press. Cambridge. (1978). Understanding Reading. Holt, Rinchert and Winston, New York. \ehart and Winston. (1973), Peycholinguistics and Reading, Holt, New York. 36 Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 le RELEMBRANCAS, DE MILTON DIAS Pedro Paulo Montenegro “A obra escreve o seu autor?” indaga Autran Dourado em © Meu Mestre Imaginério, Pergunta importante e oportunis- sima, em todas as consideragdes de teoria e critica literarias. Al estéio as respostas de ordem estilisticas, psicolégicas, so- ciolégicas e filoséficas, Foi precisamente essa indagacga4o que me assomou a men- te, com todo o seu vigor de questionamento, quando |i Relem- brangas, obra péstuma de Milton Dias. Modernamente Cronica refere-se a um género literario ‘especifico, estritamente ligado ao jornalismo e que teve suas primeiras manifestagdes nos chamados “faihetins’. Destes realmente partiram, pelo menos na Franga, em Portugal ¢ no Brasil no século XIX, duas grandes vertentes: a do Romance e a da Cronica. No Brasil, os grandes exemplos consagrados, numa e noutra vertente, foram José de Alencar e Machado de Assis que, igualmente, produziram trabalhos memordveis em ambas. Afranio Coutinho, em suas Notas de Teoria Literaria pode observar a Crénica como “um género literdrio de prosa, ao qual menos importa 0 assunto, em geral efémero, do que as qualidades do estilo; menos o fato em si do que o pretexto ‘ou 2 sugestdo que pode oferecer ao escritor para divagagdes borboleteantes e intemporais; menos o material histérico do que a variedade, a finura e argucia na apreciacao, a graca na analise de fatos mlddos e sem importancia, ou na critica bu- ligosa de pessoas”. © cronista nesta moderna acepcdo € bem o magico da intuigéio aguda, da sensibilidade desenvolvida, da palavra pe- Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 37 netrante, capaz da criagdo de uma supra-realidade, para pro- duzir estesia lirica, Milton Dias foi bem o cronista. Essencialmente suas cré- nicas sao literdrias, isto 6, artisticas, porque cada uma pos- sui sua propria verdade, Aqui pouco ou nada importam os temas. As palavras sao espelhos de si mesmas. E, por isso mesmo, sio capazes de produzir uma forte ressonancia no ‘espirito do leitor. Durante vinte ¢ nove anos, de 1954 a 1983, ano de sua morte, Milton Dias compareceu semanalmente as paginas do jornal O Povo, em Fortaleza, com uma crénica. Ja muitas fo- ram transformadas em livros publicados, amplamente difun- didos e admiravelmente bem recebidos pela Critica nacional. Em qualquer Manual de Literatura Brasileira contempo- ranea figuraria, com plena justiga, ao lado de Rubem Braga, Garlos Drummond de Andrade, Sérgio Porto, Fernando Sabi- no, Paulo Mendes Campos, José Carlos de Oliveira e nas pe- gadas dos mestres maiores Alencar ¢ M. de Assis. Em vida, Milton Dias publicou Sete-Estrelo (1960); As Gunhas, (1966); A liha do Homem Sé (1966); Entre a Boca da Noite © a Madrugada (1971); Viagem no Arco-iris (em colabo- tagéo com Claudio Martins) (1974); Cartas Sem Resposta (1974); Discursos Académicos (1975); Trés Cidadaos de Mas- sapé (1975); As Outras Cunhas (1976); Péguy, Poeta da Espe- ranga (1976); Fortaleza e Eu (1976); Dois Discursos Académi- cos (1975); A Capitoa (1982); Passeio no Conto Francés (1983), ‘€ uma vasta © representativa produgdo literaria, a maior parte dentro do género crénica, A morte, que a ninguém poupa, arrebatou implacavelmen- te © nosso cronista. Nosso, sim, do Ceara, de Fortaleza, da Universidade Federal do Ceara, de seus amigos. Imortal, po- rém, 6 sua obra, que a FUNDACAO MILTON DIAS, em con- vénio com as EDIGOES UFC, quer, agora, rememorar através da publicac&o de Relembrangas, enfeixando crénicas publi- cadas e Inéditas, dispostas num crescendo biografico, capaz de oferecer uma espécie de autobiografia do cronista. Em Milton Dias é a emogao e o sentimento que se con- vertem em linguagem e que comovem os leitores, Para ele, escrever era uma segunda natureza ou, talvez melhor, fosse sua propria personalidade, Ao lermos suas crénicas, sobretudo estas de carater mais autobiogréfico, sentimos sua figura de corpo inteiro delinear- “se entre nés. & téo atuante sua presenca que até percebe- 38 Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 mos, no giro de suas frases, 0 esbogo de sua gesticulagao. € a volta do grande causeur. Ai esté a marca do esctitor verdadeiro: em linguagem converte todas as sensagdes, emogées e pensamentos, Outra nota do estilo de Milton Dias € a alegria: escreve como quem se diverte, conversando. Isso absolutamente nao quer dizer falta de elaboragao de seus escritos. Muito 20 con- trario, ainda que soja fluente, percebe-se a prevaléncia do “texto” sobre a simples “‘catarse”. Aquele pressupde sempre elaboracdo; esta 6 apenas espontancidade. Milton Diss é bem aquele escritor-ator porque, em suas crénicas, ao comunicar-se, participa ativamente de espeta- culo da vida, Aquela sua Crénica em que narra sua estoria como mi- niator seria uma anteviséo de sua grande realizagfo no “grande teatro do mundo”. Diz Nilo Scalzo que “no Cronista, sempre por tras da ob- servagao do cotidiano, ha uma grande sensibilidade de artista que descobre o lado poético das coisas”. Dai a identificagéo do autor com sua obra. Nas crénicas de Milton Dias lemos bem a biografia existencial do Autor. Dissemos que Milton Dias 6 um causeur. E 0 € quando fala ndo 86 de sua terra natal, de seu Massapé querido e de sua nao menos querida cidade de adogéo — Fortaleza — mas também de suas viagens pelo Brasil e mundo afora. Fran- ca, Alomanha, Grécia, Italia, Portugal e adjacénclas surgem de sua pena em descrigdes graciosas porque sempre se con- serva apenas como o causeur e jamais com os ares vaidosos @ antipaticos do connalsseur, ‘A ultima parte do livro — Refembrangas — dedicada as suas viagens pode ser lida como um relato detalhado e mi- nucioso de lembrancas e impressdes agradaveis e das quais © leitor é eficazmente convidado a participar. Trava aqui o cronista, respeitoso © sincero, um diélogo com seus leitores, sem levantar dividas existenciais ou tiloséticas, sem deitar li- goes de sabedoria mas com muitas informaces prazerosas @ encantatérias, ‘Alias, em todo 0 livro, e poder-se-ia dizer, em toda a vida de Milton Dias, viajar 6 uma aventura cheia de novos encon- tros, novas andangas numa paisagem sempre pressentida, Tudo constréi o narrador com 0 fortuito, o instavel, o gratuito, por isso mesmo, com graga e solidez. Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 39 Profundamente ligadas & vida cotidiana, as crénicas de Relembrancas apelam, com frequéncia, para a lingua falada, coloquial e, em contato com a realidade da vida, tendem sem- pre para a expresso dramatica. Como ensina Eduardo Portela, em capitulo inserido em A Literatura no Brasil, organizado por Afranio Coutinho, “a crdnica tanto pode ser um conto, como um poema em prosa, um pequeno énsaio, com as trés coisas simultaneamente”. E conclui: “Os géneros literarios naéo se excluem; incluem-se”, Precisamente nisso esté a riqueza e a beleza desta ma- nifestacao estético-literaria que, em Machado de Assis, se tor- nou classica, e em Milton Dias convincente, atuante e consa- gradora. 40 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./Jun. 1985 AS VOGAIS E AS CORES José Lemos Monteiro 1. Introdugao Fol Charles Baudelaire quem, num verso famoso, (1), resu- miu a teoria das correspondéncias entre sons, cores e odores. A idéia essencial era a de que as sinestesias constituiam um processo césmico em que tudo se amalgamava e refletia uma 86 realidade, sem que houvesse fronteiras nitidas entre sensa- ges, pensamentos e emogées. Essa teoria foi levada as ultimas conseqiiéncias pelos poe- tas simbolistas que estabeleceram esquemas associativos entro sons fisicos e lingiiisticos, aproximando a literatura da musica e fazendo que o poema evocasse, pela sonoridade e ritmo, su- gestdes de todas as ordens. De modo geral, aceitou-se que a percepgao dos sons era capaz de conectar-se as outras espécies de sensac&o, como a visual e a olfativa, bem como aos sentimentos e valores espi- rituais. Por isso, néo foram poucas as tentativas de sistemati- zar as propriedades evocatérias dos fonemas e, especialmen- te, das vogais que se associavam de forma subjetiva as cores, &s emogdes e até aos instrumentos musicals. Arthur Rimbaud compés um soneto em que atribui para cada vogal uma cor e logo foi parafraseado por inimeros outros poetas, inclusive por brasileiros, como Alphonsus de Guimaraens e Pethion de Vilar, René Ghil esquematizou as re- lagdes entre as vogais e 0s sons produzidos por diversos ins- trumentos, admitindo que o timbre nada mais é que uma cor particular do som, Mas essas intuig6es ndo constituiram ape- nas caracteristicas de uma época ou atmosfera cultural, Desde 4) “Les parfums, les couleurs et les sons se répondent” Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 at as civilizagdes antigas, a atribuigéo de valores aos sons vo- calicos sempre fascinou o espirito humano, adquirindo cono- tagdes de magia e misticismo, Dal se vislumbra a riqueza e complexidade do tema que tencionamos explorar, sem pretensdes de distinguir 0 verda- deiro do falso, principalmente porque o lado da fantasia e do subjetivismo funcionam como obstdculos a uma ordenac&o me- todolégica capaz de levar a dedugdes aceitaveis e passiveis de comprovacao empirica. © problema incide na velha discuss4o exposta ja no Cré- tilo, de Plato, qual seja a de saber se os sons da linguagem (significantes) mantém com a realidade que representam uma relagdo intrinseca e natural ou, ao contrario, s4o convencionais @ arbitrdrios como, séculos depois, sustentaria Ferdinand de Saussure (1970; 81 s). Se defendermos a tese da correspondéncia entre as vogais € as cores, validando algum modelo de assoclacao sinestésica ‘comprovado a partir da andlise do Iéxico da lingua, estaremos sem divida pressupondo uma certa motivagao do signo, muitas vezes sentida ou intufda, conquanto di . E certo, porém, que a confirmacao da existéncia de rela- bes entre as vogais e as cores esbarra em uma série de difi- culdades decorrentes da interferéncia de fatores culturais ou, sobretudo, da variabilidade de percepedes individuais. Por isso, antes de propor qualquer interpretac&o, devemos exami- nar os aspectos que necessariamente restringem ou esclare- cem 0 campo de asscciagées, se este de fato puder ocorrer. 2. Convencionalidade na diviséo do espectro Um fator de possiveis variagdes diz respeito a0 modo de dividir as cores no espectro solar. Os lingilistas j4 néo se sur- Preendem com a falta de correspondéncia que existe na tra- dugéo dos nomes de cor de uma lingua para outra, Ilustremos 0 fato com alguns depoimentos: André Martinet (1968:19 © 1974:14) assinala que certas linguas se conformam com duas cores bésicas, cada qual representada por uma das metades do espectro, DA como exemplos o bretéo e 0 gaulés, em que a palavra glas pode ser traduzida para o francés pelos termos bleu (azul), vert (verde) ou gris (cinza). 42 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 John Lyons (1979): 59-9) lembra que o inglés brown nao tem correspondéncia precisa em francés ou portugués. Em francés, pode ser substituido por brun, marron ou mesmo jaune e, em portugués, por marrom, castanho, pardo ou mo- reno, conforme a espécie de substantivo que determina. Cita ainda os casos da palavra hindi pild (equivalente ao inglés yellow, orange ou brown) e dos vocébulos russos goluboj @ sinij que, apesar de traduzidos respectivamente por azul-claro e azul-marinho, se referem a cores distintas e nao a diferen- tes tonalidades da mesma cor, como a tradugao portuguesa pode sugerir. ‘Sydney Lamb (1972:49) diz que, na Rodésia, a divisto das cores é feita em trés niveis. Um dos termos cobre apro- ximadamente a série do inglés faranja, vermelho, violeta © uma parte do azul; outro, abrange o amarelo e parcela do verde; 0 terceiro, o resto do verde e a maior parte do azul, Nenhum dos limites tem correspondéncia exata com a seg- mentac&o existente em inglés (ou portugués). Dessas evidéncias surge a questéo de saber se os seres humanos teriam formas de percepeao diferentes consoante a diversificagéo dos nomes de cor, Ou seja: estaria a sensa- go das cores relacionada aos esquemas linglifsticos de tal sorte que uma determinada cor pudesse ser percebida por uma comunidade e nao por outra? A resposta a esse problema ja mereceu varios estudos @ experiéncias. Assim, por exemplo, Helmut Gipper (1979:52) relata que B. Berlin e P. Kay compararam os nomes das cores em 68 linguas e, apés a comprovagéo da enorme divergéncia na ordenacdo das escalas, sugeriram que o numero de pala- vras referentes as cores depende do grau de desenvolvimen- to cultural. Entretanto, até que ponto a lingua, como produto @ ex- pressdo da cultura de um povo, pode indiciar alteragdes nos mecanismos de percep¢ao? Merleau-Ponty (1971:310), apoi- ando-se em estudos realizados por Katz, afirma que os maoris tém cerca de 3.000 nomes designativos de cor, sem que isto signifique que percebam inimeras cores, Ao contrario, séo in- capazes de identificé-las quando pertencem a objetos de estrutura diferente, Charles Bally (1962:208), reportando-se ao fato de que algumas linguas deixam de apresentar um vocabulo especi- fico para o verde, interpreta que seus falantes so psiquica- mente cegos para esta cor, Mas esclarece: néo é que este- Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./Jun, 1985 43 jam privados da percepcao do verde, porém o verde perce- bido n&o é concebido como tal, Assim sendo, Bally (1962: 209) entende que cada lingua deforma de maneira diferente a realidade e obriga seus usudrios a perceber essa realidade através de seu prisma deformador. Nao nos deteremos no confronto das teorias que disou- tem as relagdes entre a lingua e os esquemas mentais ou perceptivos, Rojeltando a hipotese do determinismo lingilis- tico proposta por Sapir e Wolf, admitimos com John Carroll (1972:214) que, se ha diferencas no processo de pensar e perceber a realidade entre os falantes de linguas diversas, 6 provavel que elas resultem de fatores culturais e néo exclu- sivamente lingiiisticos, Raciocinando nesses termos, é licito supor que a lingua no Influi diretamente no modo de perceber as cores. A divi- sao do espectro em duas ou trés partes em vez de seis é pura Convengao ¢, segundo adverte Gleason (1970:12), nao indica nenhuma deficiéncia na habilidade visual de distinguir as cores, Contudo, embora aceitemos isso como um truismo, 6 pre- ciso ter em mente que as associagées entre vogais e cores se ‘sujeitam a limitages de ordem lingiistica. Formulamos adian- te a hipdtese de que tals correspondéncias séo sugeridas pelos préprios nomes das cores e, nesse caso, a lingua atua- ria como fator determinante em dois sentidos: de um lado, pela forma de representar os segmentos do espectro, através de poucos ou muitos vocabulos; de outro, pela escala de vogais que também é bastante diversificada entre as linguas, Observe-se que, no soneto rimbaudiano, o verde é relacio- nado @ vogal /i/, inexistente em portugués, fato que por si ‘86, independente dos elementos de ordem subjetiva, j4 impe- de que os nossos poetas estabelegam a mesma correspon- déncia, Insista-se, porém, que a base das divergéncias é quase sempre subjetiva e dai a razao de ter sido tao discutido o soneto de Rimbaud. Dificilmente alguém sentira como inequi- vocas todas as associacdes nele propostas, havendo mesmo quem néo aceite nenhuma delas, Para Murillo Araujo (1973: 97), a Unica correspondéncia que parece exata (a do verde com 0 /ii/) foi anulada pelo pressuposto firmado por René Ghil, segundo o qual o /ii/ 6 amarelo. Mas delxemos por ora esse problema das interferéncias subjetivas e tentemos verificar se, em termos fisico-acusticos 44 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 € neurolégicos, é vidvel encontrar fundamentos para as asso- | Giagdes entre os sons e as cores e dai chegar as tabelas de Correspondéncia destas com os sons vocalicos. 3. 0 fendmeno das sinestesias Os sons resultam de vibragGes e, tals como as cores, ope- ram em certas freqiéncias, Merleau-Ponty (1971:234), apoian- | do-se em Werner, ressalta que os sons podem interferir nas tonalidades das cores, Assim, um som intenso os torna mais vivas, @ interrup¢ao do som as faz vacilar, um som baixo torna © azul mais escuro ou mais profundo, A captacao das vibragées depende da capacidade do nosso aparelho sensitiv. O que nos circunda tem forma, cor, movimento etc., porque possuimos sentidos adequados para captar e estruturar mentalmente a realidade objetiva segundo essas caracteristicas. Todavia, a imagem que construimos dessa realidade é condicionada pelas limitacdes de nossos sentides que, além de fragmenté-la, sO funcionam num certo nivel ou faixa de vibragdes. O som, por exemplo, torna-se ul- tra-som e infra-som, deixando de ser percebido pelo homem. Nesse nivel, através de aparelhos apropriados, convertem-se | ondas sonoras em imagens. Algumas experiéncias tém sido realizadas no intuito de usar escalas cromdticas em vez de ondas sonoras. Um dos objetivos é o de obter, para a linguagem da musica, uma nova forma de expresso, 0 som que se projeta num verda- deiro caleidoscépio, Jorge Antunes que, desde 1966, utiliza a técnica cromo- fonica de composig&o, estabeleceu com base em cdlculos matematicos uma tabela de correlagdo entre as cores e as notas musicais. Destacamos dessa tabela as seguintes asso- clagdes: Escala musical Espectro Do = Verde Ré — Azul Mi _ Violeta-azul Fa — Violeta Sol — Vermelho La — _Laranja-avermethado Si — __ Amarelo-esverdeado Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 45 EE Em sintese, essa correspondéncia nao difere muito da tabela da AMOR (Antiga e Mistica Ordem Rosa-Cruz) que apresenta também identificagdes entre substancias quimicas © sons vocdlicos, Observa-se entéo que a seqiiéncia das notas musicals, tal como se convencionou no ocidente (d6-ré-mi-f4-sol-lé-si) nao obedece & disposigéio das cores no espectro (vermelho/ laranja/amarelo/verde/azul /violeta). Por cutro lado, sao excluidas das mencionadas tabelas 0 Proto © branco. Jorge Antunes (1982:35) se baseia em que a sensacao de preto existe quando a retina ndo 6 afetada por nenhum raio luminoso, O que corresponde 6 auséncia de cor & por consequints, o siléncio, um dos importantes elementos da masica, De modo oposto, a sensacao de branco se produz quando a retina 6 sensibilizada simultaneamente por luzes de todas as cores. 0 som branco sera entdo um ruido, j4 que re- sultante da superposicéo de todas as freqiiéncias, Frisamos acima que a escala de notas musicais (desde o dé ao si) n&o obedece, ponto por ponto, a mesma distribul- 80 das cores no espectro (do vermelho ao violeta). Entre- tanto, sem querer pér em duvida os célculos mateméticos efe- tuados por Jorge Antunes nem a validade das intuigdes © ex- periéncias misticas da Ordem Rosa-Cruz, constatamos que os Tesultados obtidos diferem dos de outras tabelas, A titulo de ilustrac&o, aludimos aos estudos do fisico Livio Vinardi (Planeta, 105-A:40), estruturador da disciplina que de- nominou biopsicoenergética. Operando com longitudes de onda em vez de longitudes de corda musical, afirma ele obter uma exata coincidéncia som-cor, 0 que geraria as seguintes asscciagdes: Escala musical Espectro ene DS - Vermetho Ré = Laranja Mi Amarelo Fa - Verde Sol = Azul La - ‘Azul esouro Si = Violeta Alis, essa correlagao linear é bem mais facil de ser con- cebida, uma vez que se baseia numa simples superposigéo das 46 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun, 1985 duas escalas. Por isso, até mesmo os poetas, para quem os fundamentos cientificos valem menos que a sensibilidade ou intuigéo, propdem esquemas semelhantes. Assim, Horacio Di- dimo (1981/82:145) entende que o poema 6 tecido com os sete fios melédicos e multicores da poesia: o fio vermelho do 6, 0 alaranjado do ré, o amarelo do mi, 0 verde do f4, 0 azul do sol, 0 anil do 14 € o violeta do si, (2) Mas, para Murillo Araujo (1973:97 s), a correspondéncia € exatamente inversa, indo desde o do violeta alé o si vermelho, E argumenta: o dé, por ser 2 nota mais grave, sera por analogia a cor mais séria — 0 violeta. As notas mais vivas — o sol e o si — seréo cor- relatas dos tons ricos ou alegres, isto 6, 0 amarelo e o ver- melho, Pelo visto, hé notaveis discrepancias entre as seqiiéncias associativas, E, se buscarmos os testemunhos dos composito- res, constataremos 0 mesmo fato. Assim ocorre, por exem- plo, com os russos Rimsky-Korsakof e Scriabin. Enquanto para o primeiro 0 dé maior corresponde ao branco e o fa maior ao verde, para Scriabin ambas as notas se relacionam ao vermelho (Antunes, 1982:14), Outros compositores, como Chopin, Schumann e Brahms percebiam de modo bastante de- sigual a identificagéo dos sons musicals com as cores. Isso nao deve significar que tudo afinal ndo passa de mera fantasia, Desde os tempos remotos, nas mais variadas culturas, hd registros da fuséo de sons e cores. Na mitologia hindu, segundo informa Paramahansa Yogananda (1981:171), as sete notas fundamentais da oitava, além de lembrar as vozes de certos animais, (3), se relacionam as cores do seguin- te modo: d6/verde; ré/vermelho; mi/cor de ouro; fa/branco- amarelado; sol/negro; lé/amarelo; si/combinagao de todas as cores. Nao 6 por acaso que no vocabulario da musica haja ex- pressdes como “colorido orquestral”, “coloratura” ou “cro- matismo”, tanto quanto na linguagem da pintura se fala em “harmonia", “tom” ou “timbre” (Antunes, 1982:9). E 0 mais importante é que, para inimeras pessoas, a musica traz real- mente a sensagao de cor. A Aida de Verdi, 0 Tannhauser de Wagner e as composigdes de Mozart podem evocar o azul, 2) Omitimos da citacéo as referéncias as fungées da linguagem propos. tas por Roman Jakobson. 3) Esses seriam 0 pavo, a cotovia, @ cabra, a garga, 0 rouxinol, 0 cava- lo © 0 clefante. Rev, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 47 enquanto o verde é sugerido pela audic&o de Chopin (Antu- nes, 1982:10). Sem diivida, por causa dessas impressGes, Bosanquet propés, em 1876, 0 uso de pautas coloridas nas partituras, Cada cor deveria referir-se a um instrumento musical, 0 ver- metho para 09 metals @ para os timpanos, 0 azul para as ma- deiras etc. E Sir Dan Godfrey, com base nas caracteristicas técnicas, relacionou todos os instrumentos musicais com as cores, A flauta, por oxemplo, teria um timbre azul (Antunes, 1982:10 s). Houve, pois, uma preocupagfio de elaborar os esquemas com algum apaio em especulacoes de cunho cientifico. René Ghil, influenciado pelas Idéias de Wagner acerca da fusao das artes e pela Teoria Fisiolégica da Musica de Helmoltz, explorou ao maximo as possibilidades de associacao entre os sons lingiilsticos, os instrumentos, as cores @ OS estados de espirito. Extraimos de Massaud Moisés (1972:40) um quadro sis- tematico em que Georges Lote resume esse trabalho, partin- do da escala das vogais: (4) Leelee ee a A = Orgao Negro Gloria, Tumulto E = Harpa Branco Serenidade 1 = Violino = Azul Paixao, Suplica aguda O = Metais Vermelho Soberania, Gloria, Triunfo U = Flauta Amarelo Ingenuidade, Sorriso Como facilmente se percebe, nenhum arcabougo cienti- fico 6 suficiente para eliminar a subjetividade. Deve-se, pois, formular o principio de que as correspondéncias nao esta- riam objetivamente nas propriedades das cores e dos sons, mas se formariam no cérebro, segundo os mecanismos de percepeao. Desse modo, a interpretacao para o fendémeno po- deria ser dada pela analise de nossos sentidos. Em geral, pensamos que cada sentido é responsével iso- ladamente por um aspecto da configuracdo da realidade. Ou soja: a viséo capta as formas, a audicao registra as variagbes sonoras, € assim por diante. Mas, numa perspectiva guestél- tico-fenomenolégica, todos os sentidos se comunicam e cada 3) Para René Ghil, 68 sons consonantais também se rolacionariam com (08 Instrumentos’ musicais. Assim, os fonemas /1/, /i/ @ /t/ com as flautas; 0 /m/ e 0 /n/ com os Orgaos; etc. elo. (PAdua, 1846: 10-11). 48 Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — Jan./jun. 1985 um interpreta as fungdes dos demais. Assim, quando vemos um floco de algodao ou uma nuvem distante, temos a sensa- go de leveza, sem usar 0 tato, £ como se pegdssemos com es olhos, De modo anélogo, 0 gosto ou o odor séo agugados quando vemos ou tocamos algo que nos agrada ou nos causa repugnancia. Se hé, pois, essa intercomunicagao dos sentidos, 6 claro que, em certas circunstancias, ocorrendo alteragdes ou dis- fungbes nos mecanismos de processamento do cérebro, uma freqiiéncla cromética pode ser percebida como sonora ou vi- ce-versa. De acordo com uma explicacéo bem simples, dada por Jorge Antunes (1982:33), as impresses captadas chegam ao cérebro através dos nervos sensitivos pelo chamado influ- XO nervoso, cujas caracteristicas se comparam as da corrente elétrica, Assim sendo, a passagem de um influxo nervoso pelo nervo auditivo naturalmente produz uma espécie de campo magnético susceptivel de induzir um influxo nervoso no nervo 6ptico. ‘As sinestesias, que consistem na fuso de sensagdes de ordens distintas, se fundamentam na contigilidade ou interpe- netracgo dos nervos sensitivos e resultam de uma alteragao as faculdades de percepoao. As experiéncias comprovam que certos individuos realmente ouvem os sons coloridos, o que ‘No constitui um fendmeno excepcicnal (Merleau-Ponty, 1971: 285). Aiguns, conforme ja descrevia Flournoy (Lemos, 1924:19), so apenas capazes de estabelecer uma aproximagdo vaga entre sons altos & cores brilhantes, sensagdes tdcteis © odo- res picantes ou entre sons surdos e cores fracas, Outros, porém, veem 0 préprio som no ponto onde se formam as cores, Segundo os estudos psicolégicos, a forma mais comum de sinestesia 6 a sinopsia ou audicao colorida, (5) Vérias sio as causas do fenémeno, que pode resultar até mesmo de condicionamentos ou do uso de drogas alucinatérias, Krech (1973:35) relata 0 experimento de Howells que condicionou olto sujeites a ouvir as cores, repetindo 5.000 vezes (!) a apresentagéo de um tom baixo seguido de luz vermelha e de um tom agudo antes de uma luz verde, Por outro lado, os 5) Outra forma bastante conhecida é a fusto de cores @ movimentos. Merleau-Ponty (1971-218) apoiando.se em Goldstein e Rosental, assi- nla que para cada cor se pode atribuir um valor motor definido. O vermelho © 0 amarelo produzem a sensacéo de impulso, de um move mento que se afesta do centro, enquanto o azul e o verde sugerem tepouso © concentragao, Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 49 estudos de Stein (Merleau-Ponty, 1971:234) evidenciam que a intoxicagao pela mescalina favorece o aparecimento das sinestesias. Sob o efeito da droga, o sujeito vé uma cor azul- ‘esverdeada em vez de ouvir o som de uma flauta, 0 barulho de um metrénomo se converte em manchas cinzentas e os intervalos espaciais da visao correspondem aos intervalos tem- porais dos sons. De tudo isso, j& podemos deduzir que as relagées entre sons € cores nao constituem apenas um jogo de imaginacao. Elas sAo de fato percebidas por inumeras pessoas, embora com muita disperséo nos resultados, Alias, convém observar que para um mesmo individuo as associagdes se mantém es- taveis por longo tempo, conforme os dados coletados (6) por E hora, pois, de transferir essas deducdes para a analise das correspondéncias entre as vogais e as cores, enfocando certos problemas que o assunto necessariamente envolve. Cremos que todo o esforgo de interpretacdo deve levar em conta dois fatores: um ligado as diferencas individuais © outro, as prosperidades fonético-expressivas do sistema lingiiistico, Assim, além da questéo das possivels relagées entre as vo- gais € as cores como algo que certos individuos percebem, cumpre examinar se dentro do sistema linglistico a idéia de cor pode ser induzida por determinados significantes. 4. As cores das vogais Comecemos pelo caso do fonema /u/. Ja em 1911, Me- deiros e Albuquerque publicava um trabalho intitulado A vo- gal preta, que mereceu boas referéncias de Albert Dauzat. Segundo informa Virgilio de Lemos (1924:53), Medeiros © Al- buquerque afirma que suas conclusées se fundamentaram em entrevistas com 61 informantes, dos quais apenas 2 delxa- ram de associar a vogal /u/ ao preto. Colocamas seriamente em divida a veracidade desses dados, Mas, obviamente, a correspondéncia é intuida por Langfeld (Krech, 1963:35). 8) Apds sete anos, © paciente repetiu praticamente as mesmas cores pondéncies: dé — vermelho: ré — violeta: mi — emarclo; f — rosa; 01 — azul; 14 — amarclo-claro; si — cor de cobre. Houve pequenas variagdes em {4 sustonido/verde-szulato @, posteriormente, azul-es. verdeado, Também em mi bemol/ azulclaro e, depois, azul-escuro. Mas ré bemol mudou de pOrpura para azulado. Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun, 1985 muitas pessoas @, conforme veremos, o léxico da lingua por- tuguesa apresenta um sem-niimero de palavras que a suge- rem, € oportuno buscar uma explicagao a partir das caracte- fisticas acsticas, contrastando as vogais /u/ e /a/. Esta ul- tima possui o grau de maior abertura e aquela, o de maior fechamento. A nomenclatura impressionistica qualifica o /a/ de vogal clara, enquanto o fonema /u/ é escuro, Dai surgem faturalmente as especulagdes a respeito de possiveis trans- feréncias articulatérias. Palavras como claridade, paz, felici- dade, liberdade etc., trariam na ténica /a/, vogal aberta e clara, a propria sugest&o semantica dessas conotagdes. De modo inverso, a vogal /u/, fechada e escura, transmitiria sen- sagées correlatas a nocao de negritude, Pensamos, pois, que freqiientemente a associagZo com o preto se estabelece por via indireta através da evocagéio de sentimentos, Tal 0 caso dos vocdbulos sepultura, sepulcro, tdmulo, tumba ou catacumba em que o fonema /u/, por sim- bolismo sonoro, reforca os valores seménticos de tristeza e luto, sentimentos que se revestem das conotagdes dos tons escuros, Alias, Antonio Feliciano de Castilho (1908:104) ja sentia que 0 fonema /u/, por ser um som abafado, emitido com a boca quase cerrada, convém & expressiio do desanimo, da tristeza profunda, dos assuntos lutuosos, E qualificava-o de “carrancudo e turvo”. Trata-se, entéo, de um processo andlogo ao da geracéo das metéforas. A vogal /u/, classificada como grave, fecha- da, velar e posterior, deve integrar signos que representem objetos fechados e escuros. Dai a associacdo com emogdes ou valores negativos, com formas e impressées obscuras. Nesse sentido, Alfredo Bosi (17:35 s) procedeu a um inventério do !éxico portugués em que a constancia do fone- ma /u/ seria capaz de gerar essas conotagées, distribuindo os vocdbulos em cinco grupos, de acordo com a identidade das evocagées. Em resumo, as palavras foram classificadas em torno dos seguintes tragos semanticos: 1) Obscuridade (material ou espiritual) escuro, fundo, turvo, gruta, negrume, cafuso, crepiis- culo, furna, fusco, tdnel, penumbra, noturno, bruma ete, Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun, 1985 51 ll) Fechamento abertura, caramujo, casulo, combuca, conduto, cuca, ccluso, oculto, recluso, tubo, urna, Utero, vulva ete, Ill) Tristeza e desgraga agrura, amargura, angistia, azedume, carrancudo, cas- murro, infortdnio, lamuria, queixume, soturno, tacitur- no, urubu ete. IV) Sujeira, podridéo, morbidez, chulo, corrupto, culpa, estupro, imundo, monturo, pus, pustula, pitrido, etc. O Diabo é Belzebu, Cafugu, Cujo, Sticubo, Exu. V) Pesar total, morte ataide, catacumba, defunto, fiinebre, luto, IGgubre, mo- ribundo, mimia, sepulero, timulo, tumba, sepultura etc. Nao obstante, o préprio autor pée reservas quanto & va~ lidade do inventario, E questiona: Se @ vogal escura guarda uma relag&o univoca e natural com imagens e sensacdes igualmente escuras, como explicar que a palavra fuz a tenha no seu centro? Se a vogal escura tem relagao direta com im- pressdes de sujeira fisica ou moral, como interpretar a tonica do adjetivo puro? Se a vogal /u/ conota tristeza, por que os vocabulos jubilo, triunfo e aleluia? Se sugere doenca e morte, por que sauide e robusto? Uma das provaveis respostas a essas indagagdes de ver- dadeiro advogado do diabo reside em que 0 corpo sonoro dos signos nao se resume num Unico fonema, O processo de sim- bolizagao decorre da articulagaéo de sons diferentes, com va- lores espociticos, todos integrados para a produgao de um efeito exprossivo. Se, por exemplo, em Juz, parece haver um contraste da vogal /u/ com a nog&o de luminosidade, € pre- ciso ver que o fonema /l/ sugere fluidez e o /2/ prolonga as constagées de suavidade e outros tragos semanticos que © voeabulo encerra. E assim, com esforco e sensibilidade, poderiam ser interpretados de modo andlogo os demais exem- plos. Outra explicagéo reside no fato de que os signos se atua- lizam sempre mediante uma gama varidvel de recursos pro- s6dicos ou situacionais. Conforme observa Alfredo Bosi (19 48), mesmo quando ocorre a homsnimia, os significantes ace retam efeitos evocatérios diversos em virtude da ocorréncia desses fatores. Assim, a forma /uto (substantivo e verbo) pode ‘82 Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan/jun. 1985 a ——— _ | sugerir, através da vogal /u/, ora a tristeza murcha dos sons ‘paces (se 0 luto é morte), ora uma vibragao intensa (se /uto 6 acao verbal). Neste ultimo caso, a vogal /u/ se alonga até ser interrompida bruscamente pela consoante explosiva /t/ que a segue. A substancia do som a rigor no é mais a mesma, fr sor trabalhada diversamente pelo intuito da expressivi- dade, Desse modo, quando um significante emite determinadas sensagées ou remete a valores e sentimentos, hé sempre o influxo de elementos ligados & percepcdo ou atitudes subje- tivas da parte do usuario da lingua. Mas isto indica também que o sistema lingllistico € construido na base de possibili- dades de expressao, atualizéveis segundo preferéncias sub- jetivas que, entretanto, algumas vezes se generalizam. © vocébulo crepiisculo é bastante ilustrativo, Pelo signi- ficado do dicionério, refere-se tanto ao momento do pér-do- sol quanto ao surgimento da aurora no nascer do dia, Acon- tece, porém, que os dois momentos produzem sensagdes an- tagdnicas. O pdr-do-sol 6 aureolado de melancolia, de tris- teza ou depress4o. A aurora, ao contrario, transmite alegria, descontraco e sentimentos similares. Ora, a palavra crepds- culo, pela insisténcia da vogal /u/, se adequa excelentemen- te a evocar as conotagées do pér-do-sol. Néo sera por isso que 0 termo praticamente sé é usado com esse significado? Parece, portanto, que na lingua certos vocdbulos se car- regam de expressividade pela prdpria constituigao sonora que liga impressoes actstico-articulatérias a sensagdes ou sentimentos. Para citar ainda Alfredo Bosi (197:39), se a t6- nica da palavra tumba fosse outra, expressaria com a mesma intensidade a sensaco de um recinto escuro, profundo e fu- nebre? € inegavel que, para quem a articula, dois movimen- tos se completam: 0 primeiro advindo da sensagéo que a re- feréncia ao objeto 6 capaz de provocar (no caso, a escuridéo e a anglistia que a imagem da tumba pode trazer); 0 segundo decorrente das reagdes internas experimentadas na prolacéo da vogal fechada, velar e escura, Haveria, pois, um acordo subjetivo entre 0 poder evocatério e 0 modo de articulagéo de um determinado som, Nao queremos chegar ao ponto de negar a teoria da ar- bitrariedade do signo, defendida que é pela maioria dos lin- giiistas, Mas julgamos que o problema da relagéo entre signi- ficante © significado em geral nao € colocado em seus devi- dos termos. Se parece ingénuo supor que os nomes sejam ima- Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 53 gens dos objetos, néo custa admitir, por experiéncias pes- Soais, que os sons dos signos geram certas impressdes e que estas se refletem na percepgéo da realidade representada Por eles. O que, porém, se ressalta é a subjetividade dessas associagées, responsavel pela variabilidade e inesgotavel ri- queza dessa fonte de sugestées. Por isso, a maior ou menor intensidade das evocagdes depende da sensibilidade de cada falante, mais ou menos apto a estar em consonancia com as potencialidades expres- sivas de sua lingua, Descobrir esses segredos 6 a tarefa do escritor. Ele tem consciéncia do poder das palavras e, no seu esforco criativo, escolhe aquelas que mais forga conse- guem comunicar. E seu éxito seré proporcional & capacidade de sentir a riqueza simbolégica da linguagem, Isto € mais complexo do que se imagina. Ao ler os exemplos oferecidos por Alfredo Bosi, nota-se uma impres- sionante coincidéncia entre @ presenca da vogal /u/ e as onotagdes induzidas pelo negro. Na lingua tupi, embora com a ressalva de que as associagdes sao determinadas também por fatores culturais, o preto é igualmente relacionado ao fonema /u/, Eis alguns exemplos bem conhecidos: araina (papagalo preto), abuna (gente preta), baradina (madeira pre- ta), gradna (passaro preto), jaguaratina (tigre preto), pavuna (lagoa preta), buturuna (monte preto), ananhad (diabo preto), potiéna (camar&o escuro) otc. Ndo seria o caso de buscar alguma interpretagéo na propria esséncia da linguagem ou nos modelos do inconsciente coletive ou nas Ieis de organi- zacao do sistema lingliistico que manteriam em grau de coe- réncia interna, produzindo equlvaléncias ou reflexos entre os aspectos sonoros @ os tragos imaginativo-sensoriais e afeti- vos do signo? Estas $40 questées que, em tiltima andliso, interessam a psicologia @ a filosofia da linguagem. Nao ousamos discuti-las aqui, dado que nosso propésito & muito mais o de constatar © fendmeno que 0 de compreendé-lo em todas as suas dimen- s6es e@ implicacdes, Até agora, evidenciamos a possibilidade da associagéo subjetiva entre a vogal /u/ e o preto ou, com menor funda- mento, entre o /a/ e 0 branco. Contudo, para muitas pessoas, a escala inteira das vogais, tal como se d4 com as notas mu- sieais, se relaciona as diversas cores do espectro. Passemos entao ao estudo dessas correspondéncias, ob- servando primeiramente os dados de pacientes sindpticos e, 54 Roy. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./fun, 1985 em seguida, de poetas que, pela sensibilidade agugada, di- zem captar a cor ou, quem sabe, até o peso das palavras. As pesquisas sobre a audicao colorida das vogais nao ‘so de hoje. Flournoy, citado por Virgilio de Lemos (1924:37), analisou o fendmeno em quatro irmaos e constatou poucos pontos de contacto, conforme se vé no quadro abaixo: F. 15 anos H. 14 anos F. 12 anos H. 10. anos Jal vermelho _cesianha.escuroazul.celeste braneo Jel cinzento escuro branco branco amarelo Jil branco verde-escuro. —_vermelho encarnado Jol castanho.escuro vermelho-escuro castanho-escuro_verde.claro {0/ verde-claro rosa - castanho 18/ verde-escuro _castenho casianho-claro azul Te = © mesmo pesquisador confrontou 250 pacientes, dos quais apenas dois estiveram de acordo em toda a escala de corresponedéncia, do seguinte modo: /a/ = branco; /e/ = amarelo; /i/ = vermelho; /6/ = preto; /U/ = verde (Lemos, 4924: 12). E, se ha uma grande dispersdo nos resultados de paci- entes sindpticos, 0 que nao se dira dos testemunhos dos poe- tas? Todavia, nao é 0 caso de aceitar a opinido de Gladstone Chaves de Melo (1976: 55), para quem 6 falsa a impressdo dos escritores que percebem expressividade pura nas vogais, dizendo, por exemplo, que o /i/ 6 azul ou alegre, o /a/ branco ou trangililo 6 assim por diante, Na realidade, as sensagdes existem para a maioria dos poetas. Um deles, segundo informa Silveira Bueno (1964: 76), deixava de usar 0 vocabulo Jua por causa da vogal ténica @ preferia escrever (var, Em vez de olho, dizia olhar, pois sentia que 0 /a/ era claro e brilhante, Até nos prosadores encon- tram-se exemplos de tais associagdes, como na seguinte pas- sagem de José Américo de Almeida (1974:101): Tinha medo da discri¢éo do siléncio. E aten- dia as expressées contraditérias do vento serra- no: earicloso, como uma surdina de mistérios; con- fuso. como um clamor de mudo; fGnebre, como um grito em u. Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 55 Os simbolistas, em sua unanimidade constatam a existén- cia natural das correspondéncias, Ja se descobriu em Cruz ¢ Sousa uma espécie de obsessdo pelo branco e isto se reflete na predominancia incrivel da vogal /a/ em muitos de seus versos, Mas o mais célebre e imitado de todos os poetas nesse sentido foi o franeés Arthur Rimbaud, com o soneto “Les voyelles”, Retomemos o verso inicial: “A noir, E blanc, | rouge, U vert, O bleu...” Alguns criticos nao encontram fundamento nessas asso- ciagdes que, como ja insistimos, tém carater essencialmente subjetivo, J se disse até que Rimbaud teria sido influencia- do pelas cores das vogals de uma cartilha em que estudou quando crianga (Lefebvre, 1975:83), O fato, porém, 6 que 0 so- neto logo serviu para que outros poetas atestassem que tam- bém percebiam as cores das vogais, embora de modo con- testativo, como em Pethion de Vilar; “A branco, O preto, U roxo, | vermelho, E verde", Vé-se que nos dois poetas s6 existe coincidéncia em re- lagao ao /i/ vermelho. Mas essa dispersao constitui, a nosso ver, a prova maior da autenticidade de ambos os depoimen- tos. Com efeito, se Pethion de Vilar houvesse repetido a mesma correspondéncia rimbaudiana, a nao ser no caso de simples traducdo, teria negado as influéncias subjetivas & culturais que, em termos de probabilidade, impediriam um acordo total. O negro 6 a cor do caos inicial associado as trevas, antes da criagéio do mundo. € uma cor fria, negativa, passiva. Mas, 20 mesmo tempo que sim- boliza a morte e a decomposicao, 6 o lugar da ger- minagao, a cor das origens, dos principios, das im- pregnagées. O A negro, coincidindo com o Alfa gre- go, @ pois o ponto onde tudo se inicia, na dimensdo macrocésmica ou microcésmica. Por seu turno, o branco 6 a cor passiva da laténcia, da pureza, do ‘sonho e da fantasia, Ele age em nossa alma como © siléncio absoluto. Quanto ao /, 0 vermelho traduz © movimento, 0 amor, a paixo, 0 fogo, o sangue, a embriaguez... E, assim, todas as cores das vogais. tém uma vasta simbologia que leva em conta con- ceitos de magia e esoterismo, além de calculos ma- tematicos. 66 Rev. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 = | | €, pols, respeitando as diferengas individuais que se deve dar crédito ao soneto de Rimbaud, Segundo interpreta agu- damente MauriceJean Lefebve (1975:85), cabe tomé-lo ndo como prova experimental da revelagao de uma verdade cien- tifica, mas como uma experiéncia inteiramente diversa, qual seja, a da criacdo de um mundo da sensagao mitica, Sendo este mundo instituido pela linguagem, pode tornar-se real, j& que 6 a linguagem que faz o mundo tanto quanto ela ¢ por ele feita. As palavras, numa dada situagao cultural, adquirem um poder simboldgico tao intenso que quase se confundem com @ propria coisa que evocam, € esse aspecto mitico que tem exercido tanto fascinio nos intérpretes de Rimbaud. Assim, o soneto ja foi analisado até & luz dos principios da alquimia, cada vogal sendo consi- derada um simbolo iniclético. Eis algumas especulagdes co- Ihidas em David Guerdon (1980: 136 s): David Guerdon (1980:133) observa também que a primei- ra chave de interpretagéo do soneto reside na deslocagado intencional do O, que Rimbaud cita no fim do verso, depois do U, no intuito de relacionar simbolicamente as duas vogais a0 Alfa ¢ ao Omega, que representam polos metatisicos muito importantes. Nao se deve estranhar esse apelo ao mistico e sobrena- tural. Tudo 0 que diz respeito 20 mundo magico das emo- gées @ dos simbolos transcende os limites da légica © se reveste das caracteristicas do mistério. Por isso, as associa~ gOes entre sons vocalicos e cores fazem parte dos ritos de algumas seitas iniciéticas. Ja fizemos alusdo as experiéncias da Ordem Rose-Cruz. E agora lembramos que as praticas da ioga no oriente usam 0 poder do som relacionado & cor. Con forme se |é na tradug&o de textos sanscritos feita por Alain Daniélou (1953), 03 fonemas que compéem o mantra sagra- do AUM reproduzem as vibragdes das seguintes cores: A = amarelo (movimento circular); U = branco (ascendéncia, ilu- minagao); M = negro (movimento para balxo, disperséio). Entretanto, se muitas andlises valorizam e tentam deci- frar a mensagem contida nas correspondéncias que o soneto de Rimbaud encerra, ndo deixa de haver quem entenda, como Murillo Araujo (1973: 97), que o “‘garoto de génio quis simples- mente brincar...” Sem divida, esta é uma afirmativa leviana, Por que um soneto tdo rice de simbolos, hermético em certas passagens, que, por isso mesmo, tem desafiado a argicia dos criticos © Rey, de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./jun. 1985 87 hermeneutas da literatura, seria uma simples brincadeira? Na realidade, quem parece brincar (se nao estiver apenas sendo ingénuo) @ Murillo Araujo, com suas ridiculas contestacées. Sendo, vejamos: Diz ele inicialmente que nem o A pode ser negro nem o E pode ser branco. E explica: © negro nao é cor, é apenas a auséncia da luz, a supresséo de toda cor. Por outro lado, o branco também néo é cor, mas a fusdo de todos os tons, con- forme prova o famoso disco de Newton (Araujo, 1973: 97). Duas falacias de raciocinio ocorrem nesta passagem. A primeira 6 que cada vogal teria que necessariamente relacio- nar-se a uma determinada cor e nunca a auséncia ou a fuséo de cores. A segunda 6 que o fato fisico nem sempre coincide com 6 fato cultural, Se 0 branco e o preto nao sao cores, cul- turalmente sao assim considerados e isso 6 0 que importa para efeito de percepcio, Murillo Araujo oferece outras explicagées mais ridiculas ainda, até finalmente apresentar as associagdes que, a sou ver, 40 as Unicas possiveis, Para ele, o U é azul porque, sen- do esta a cor mais doce, deve corresponder @ vogal mais fe- chada e suave. O /, a mais viva e estridente das vogais, tem como correlata a mais forte das cores, o amarelo. Eo A é vermelho. Estas sdo as trés cores primérias e as vogais fun- damentais. As demais sao derivadas e, por esse raciocinio, © poeta assegura que o E é laranja e 0 O 6 violeta, Tudo nao parece fruto da fantasia ou simples brincadeira? As opiniées de Murillo Araujo apenas demonstram que as correspondéncias entre vogais e cores s40 extremamente pessoais. Mas, se a lingua constitui um reflexo da cultura, talvez se possa identificar uma norma com base nas asso- clagdes mais freqtientes. Foi essa hipétese que nos levou a entrevistar 150 sujeitos, todos eles poetas ou estudantes de Letras, © teste foi realizado sem nenhuma explicagéo tedrica prévia que pudesse influir nas respostas. Foram formuladas apenas duas questoes: 1) Vocé percebe alguma associac&o entre vogais e co- res? 2) Se sua resposta for afirmativa, que cor(es) vocé rela- laciona as vogais A, E, |, O, U? € possivel fazer de imediato uma restricao de ordem lin- Qllistica, Em portugués, nao existem apenas cinco, porém 58 Rey. de Letras, Fortaleza, 8 (1) — jan./Jun. 1985 doze vogais, divididas em sete orais e cinco nasais, Em geral, porém, os falantes confundem o fonema com sua representa- 9&0 gréfica, E, como os primeiros depoimentos sé mencio- navam as cinco vogais, intuimos que haveria mais esponta- neidade nas respostas, se mantivéssemos esse consenso. Quanto as cores, omitimos qualquer indicagao, em virtude da possibilidade de referéncia tanto as cores primarias como &s complementares ou mesmo a algumas tonalidades. Somente 18% dos entrevistados responderam de forma negativa a primeira questo, 0 que sem duvida 6 um dado bastante esclarecedor, Apesar disso, cumpre ressaltar que talvez nao se obtenha um indice semelhante numa amostra de qualificagao diferente, pois o simples fato de que os in- formantes sejam poetas ou versados em literatura ja deve constituir uma varidvel a influir poderosamente nos resulta- dos, Os que responderam afirmativamente em geral relacio- naram cada vogal a uma cor especifica. Houve, porém, uns poucos que apresentaram correspondéncia sé para dues ou trés vogais, bem como outros que indicaram para um mesmo fonema duas ou trés cores. Esses casos, em numero de 8, foram eliminados da tabela abaixo: Vogais A E ' ° U Cores Branco ee ee | 04 Vermelho | 09 | 28 | 11 | 12 05 Laranja | 3 | — | — | o | ot Amarelo | 24 | 27 He | 985" 1) 0k Verde fas | 8 FY ior | 05 | (08 Azul fe 1% fp Oda} y 08 06 | 25 Anil {ye 06 | 10 | O38 | ot Violeta | or | 18 | 18.4 04 Réseo |= ao | — oe | — Cinza [Not ( {05 | wao-[. (oe 7p tices 12 — 15 fev. de Letras | Fortaleza|- v. 8 Composto ¢ Impress na Imprensa Université dda Universidade Federal do Cears ‘Av, da Universidade, 2932, Caixa Postal, 2.600 Fortaleza Coaré-Brasl

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