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Depressão e Estresse:

Interações Clínicas e Farmacológicas

Prof. Dr. Marcelo Feijó de Mello


Professor Afiliado
Departamento de Psiquiatria UNIFESP
Coordenador do Programa de Atendimento às Vítimas de Violência e Estresse
Conflito de Interesses
• Financiamento das pesquisas:
– CNPq: Instituto do Milênio: Saúde Mental e Violência
– FAPESP: Projeto Temático Violência e Saúde Mental.
– Auxílio à Pesquisa: Estresse precoce e doença
mental. Estresse precoce e doença mental.
– Janssen-Cilag: Ensaio Clínico Desenhado pelo
investigador.
– Eli Lilly: Ensaio Clínico Desenhado pelo investigador.
• Speaker:
– Pfizer, Eli Lilly, Boehringer, Roche.
Depressão e Medicina Interna
• Depressivos têm mais quadros
relacionados à Medicina Interna;

• Pacientes com quadros clínicos de vários


sistemas têm um pior prognóstico
Qual o elo de ligação entre a
depressão e estes quadros clínicos?

• Do humoral ao inconsciente, passando


pelo espiritual, aonde chegamos?

• Antes de entrarmos na fisiologia ou na


biologia molecular,

• vamos pensar nas relações mente-corpo!


Interação Mente-Corpo

Relação com a Psicopatologia da


Depressão
• Grande parte das teorias atuais sobre as
doenças mentais são integrativas.

• O ambiente influencia a formação e o


desenvolvimento cerebral, assim como o
funcionamento cerebral determina o
funcionamento mental na sua interação
com o meio.
Modelo Integrativo

Ambiente
Cultura
Corpo
Educação
Língua Cérebro
Eventos de Vida

Funcionamento mental
(Psiquismo)
Modelo Integrativo:
Psiquismo característica funcional de um sistema
que engloba cérebro e ambiente.

Psiquismo

Ambiente
Cérebro

Sonrenreich, 2000
• Cérebro e Corpo formam um organismo
indissociável.

• Este organismo interage com o ambiente.


– O psiquismo através das percepções, formará
imagens, representações, conceitos e juízos
a respeito daquilo que experimentamos.
Todas estas operações têm correspondentes
cerebrais.

Damásio, AR. O Erro de Descartes (1994)


Sonenreich 2000
Percepção e Memória
• Captamos as experiências através dos sentidos, estímulos que chegam aos
córtices sensoriais, passando antes no lobo temporal e recebendo inúmeras
aferências internas (o que leva cada um perceber a realidade a seu modo).

• Formam-se as representações visuais, olfativas, auditivas, gustativas, tácteis,


que por sua vez são enviadas ao córtex frontal, novamente passando pelo
temporal e regiões límbicas, para que o indivíduo possa fazer uma
representação.

• “ Cosi è se gli pari”:


– Assim é se lhe parece (Pirandello):

• Um copo de água pode ser o que você precisa, ou o veneno, ou nem se


apercebe dele dependendo do estado afetivo que o indivíduo está
condicionando suas cognições.
Memória
• Se esta representação for significativa, uma cena mais complexa
ela será armazenada na memória do indivíduo.

• Inicialmente em regiões do lobo temporal e límbico, como uma


memória de trabalho. Se queremos armazená-la ou ainda se ela foi
significativa e houve uma estimulação suficiente da amídala ela
será armazenada em áreas próximas aquelas que foram ativadas
pelos estímulos do sentido.

• Para evocarmos estas memórias, o lobo frontal novamente


passando através do temporal medial ativa as redes neurais
correspondentes que seguem para o lobo frontal para serem
analisadas, com as informações que mantém recebendo em sua
consciência.
Percepção e Estado afetivo
• Uma percepção que desencadeia um
estado afetivo ou emocional, poderá ser
armazenada com maior facilidade,
podendo ser elaborada ou não.
A reação ao estresse
• Sistema Hipotálamo-hipofisário-adrenal

• Papel fundamental na respostas aos


estímulos internos e externos.
• O organismo tem mecanismos biológicos inatos
para manter sua sobrevivência a condições
extremas.

• Frente a uma situação de risco é desencadeada


uma reação simpática e hormonal através do
eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal e do sistema
nervoso autônomo.

• Existe uma emoção primária inata nesta parte


da reação.

Damásio, 1994, Zigmond et al 1999


A reação é aguda e saudável
• Passado o período de impacto de um evento
adverso a vivência será processada pelo
indivíduo.

• Será analisada, colocada dentro do contexto


individual e serão planejadas ações para lidar
com a mesma.

• O sistema de estresse não é mais solicitado.


Quando a reação persiste
• Indivíduos depressivos apresentam uma tendência a
hiperresposta do eixo HPA ao estresse.
– Diminuição da ação do feedback negativo

• Além da depressão outras condições apresentam esta


hiperresposta:

– Anorexia nervosa com ou sem desnutrição


– Transtorno obsessivo-compulsivo
– Transt. do pânico, - alcoolismo,
– Abstinência ao álcool ou narcóticos,
– Exercícios excessivos, - diabetes mellitus descompensada
– Abuso na infância - hipertireoidismo.

Juruena et al 2005, Mello et al. 2003


Mecanismo Comum eixo HHA e
Simpático
• Existe uma sólida evidência científica sobre a
hiperatividade do sistema HHA-noradrenalina em
pacientes depressivos.

• Aumento do fator liberador de corticotrofina no LCR


• hormônio adrenocorticotrófico baixo (ACTH) em
resposta a injeção de CRH
• Dosagem de cortisol alto no TSD,
• Aumento do volume da glândula hipófise e das adrenais
[106-108].
• Hiperatividade do sistema simpático: dosagem de
noradrenalina no sangue de pacientes depressivos. [16];
[109]
Mello et al. (2003), Gold et al. (2002), Plotsky et al. (1998),
Arborelius et al. (1999), Ehlert et al. (2001), Maas et al. (1994).
Uma resposta de estresse persistente

• Deixa de ser fisiológica,

• Passa a levar a uma série de disfunções


provocadas pela hipercortisolemia
Vulnerabilidade
Genética

Indivíduo Predisposto
EVENTOS
DEPRESSÃO
a depressão
ESTRESSANTES CLÍNICA

Desencadeante
Eventos de Vida s
Precoces
Estressantes Mantenedores
Depressão: Doença Crônica com
alterações fisiopatológicas
Alterações neurofisiológicas
Alteração Sistemas neurotransmissores
Alterações sistemas neuroendócrinos
Alterações imunológicas
Alterações inflamatórias
Alterações metabólicas
depressão
Alterações Psicológicas
Alterações da Reação de Estresse

Cronicidade, remissão parcial:


Persistência das alterações e dos danos ao organismo
Depressão e Coração
• Estudos desde a década de 30 e
confirmados posteriormente:

• Pacientes depressivos têm maior risco de


desenvolver coronariopatias;

• Risco Relativo de 3,36 a 4,16 (336% a


416% mais chances!)

Fuller (1935); Malzberg (1937), Rabins et al. (1985), Tsuang et al. (1980) Weeke et al. (1987), Cohen et al.(2001),
Pratt et al. (1996), Anda et al. (1993), Ariyo (2000), Barefoot et al. (2000) , Ferketich et al. (2000), Mendes de Leon et al. (1998),
Sesso et al. (1998), Simonsick et al. (1995), Whooley et al. (1998), Aromaa et al. (1994), Ford et al. (1998), Hippisley et al.(1998),
Penninx et al. (1998), Wassertheil-Smoller et al. (1996)
Infartados depressivos
• Infartados depressivos têm um risco significativo
de pior evolução se estiverem deprimidos.

• Risco de morte 4 vezes maior.

• 1/5 dos infartados têm depressão

• Pior qualidade de vida e aderência aos


tratamentos, regimes, exercícios, maior
propensão ao tabagismo e dependência.
Depressão e doença arteriosclerótica

• Cortisol elevado:
– aumento da aterosclerose,
– Da hipertensão arterial,
– acelerando os processos de lesão das células
endoteliais.

• Ativação simpática:
– aumento das catecolaminas: vasoconstrição,
ativação das plaquetas e aumento da freqüência
cardíaca.
Troxler et al. (1977) Remme WJ. (1998)
Depressão e o Impacto no Ritmo
Cardíaco
• Alterações do ritmo cardíaco estão relacionadas a uma
pior evolução de pacientes com doença cardiovascular.

• Metade das mortes destes pacientes é devido à morte


súbita1,2, e a maioria das mortes súbitas são devidas a
arritmias ventriculares3,4.

• Uma capacidade diminuída de variação da freqüência


cardíaca pode ser o reflexo do desbalanço simpático-
vagal, fator conhecido de morte súbita e arritmias
ventriculares em pacientes com problemas nas
coronárias5, 6.
1. Goldstein et al. 1984; 2. Rouleau et al. 1996; 3. Amer et al. 1989; 4. Pires et al. 1999;
5. Curtis et al. 2002; 6. Huikuri & Makikallio 2001
Depressão e o Impacto no Ritmo
Cardíaco
• Coronariopatas com depressão mais episódios de
taquicardia ventricular.

• 700 pacientes após um IAM monitorados: depressivos


tinham um variabilidade da freqüência cardíaca diminuída
comparados ao controles.

• Frasure-Smith e cols. [95], seguindo mais de 200 pacientes


após IAM, encontraram que os depressivos tinham uma
razão de chances de mortalidade de 6,64 comparados aos
controle, e que os deprimidos com alta freqüência de
contrações ventriculares prematuras tinham uma razão de
chances de 29,1 de mortalidade

Carney cols (1993 e 1999), Frasure-Smith e cols (1995)


Inflamação
• Citocinas pró-inflamatórias, papel no processo de aterosclerose e suas
conseqüências às doenças cardiovasculares são bem conhecidas *

• Os pacientes depressivos, com ou sem doença cardíaca, têm níveis


plasmáticos de marcadores inflamatórios elevados. **].
– Kop e cols. encontraram que a depressão está associada a elevação da PCR e
fibrinogênio.
– Appels e cols. encontraram que a depressão está associada a níveis elevados
de IL-1 em pacientes que foram submetidos a angioplastias.
– A Interleucina-6 é secretada em resposta ao estresse, provavelmente através de
um mecanismo associado ao receptor α-adrenérgico, que é um dos mais
potentes estimuladores do eixo HHA, assim como de outras citocinas pró-
inflamatórias.

• Um aumento da resposta inflamatória em resposta ao dano endotelial e


conseqüente aceleração da progressão da aterosclerose e ruptura das
placas podem explicar em parte a ligação entre depressão e doenças
cardiovasculares.

*Koenig 2001; Mulvihill et al. 2002; Murphy et al. 2002; Robbins et al. 2002
** Maes 1993; Kop et al. 2002; Appels et al. 2000
Estresse*
• Ligação entre o mau prognóstico dos pacientes cardíacos deprimidos.

• Mulheres estressadas risco relativo de 2,58 (258% mais chances) para terem IAM
(n=73.424 homens e mulheres).*

• Homens suecos mais estressados RR=1,5 (150% a mais de chances) para doença
cardiovascular]

• Tennant e cols. [133] Estresse crônico RR de 2,5 de ter um novo infarto.

• Relacionado à ativação simpática e do sistema inflamatório ação do estresse no


sistema cardiovascular.

– Altos níveis do cortisol e da noradrenalina podem levar às alterações cardiovasculares


relacionadas ao estresse[.
– inflamação (produção de citocinas)

• Pode ser um fator de risco para evoluções cardiovasculares negativas, assim como
um fator de risco para a depressão.

* Iso et al. 2002, Rosengren et al. 1991, Tennant et al. 1994; Jenkinson eta l. 1993; Welin eta l. 2000; Black et al. 2002
Depressão e câncer
• Não existem respaldo científico para afirmar que o câncer pode ser
conseqüência de conflitos intrapsíquicos.

• Metanálise1 indicou uma associação modesta entre fatores como:


defesas de negação e repressão, experiências de separação e
perda e eventos de vida estressante. Não houve associação com
relação a estilo de personalidade evitativa de conflito.

• Metanálise não encontrou relações entre sobrevivência ou


recorrência e coping styles. A mesma metanálise encontrou
evidência fraca de que os estilos de habilidades no manejo de
situações tenham uma função na sobrevivência ou na recorrência.2

• Estudos populacionais sugerem que: existe uma relação entre


humor depressivo e eventos estressantes de vida e o aumento do
risco de câncer.

1. McKenna 1999; 2. Lillberg et al. 2003; Penninx et al. 1998;


• Diagnóstico de câncer é um potente evento estressor.

• O tratamento pode levar a comportamento doentio (“sickness


behavior”) ou síndromes depressivas devido à ativação de
citocinas pro-inflamatórias, (resultados do dano das células
tumorais e destruição tecidual).

• As mulheres com câncer de mama tratadas (paroxetina ou


amitriptilina), melhora marcante em seu estado de humor e na
qualidade de vida em ambos os grupos.

• Pacientes com câncer em estado avançado, que receberam


fluoxetina apresentaram uma importante melhora da qualidade
de vida, com uma diminuição significativa dos sintomas
depressivos, principalmente entre aqueles com uma doença
mais grave, quando comparados ao pacientes que receberam
placebo.

Pezzella et al. 2001; Fisch, et al. 2003


Depressão e Diabetes Mellitus
• Cortisol e somastatina elevadas cronicamente leva:
– acúmulo de gordura principalmente visceral, na região
abdominal.
– aumento da resistência periférica à insulina.

• Dois estudos de metanálise1,2 : depressão em 15%-30%


dos diabéticos.

• Deprimidos têm 2,5 a 3 vezes mais chances de ficarem


diabéticos (tipo II)3-5

• De outro lado, os indivíduos diabéticos, que estão


deprimidos seguem menos às dietas e tomam
irregularmente as medicações6. [160]; têm mais
complicações clínicas e a compensação do quadro é
muito mais difícil. 6-8
1. Gavard et al. 1993; 2. Anderson et al. 2001; 3. Eaton et al. 1996; 4. Kawakami et al. 1999;
5. Everson-Rose eta l. 2004; 6. Ciechanowsk et al. 2000; 7. Katon et al. 2004; 8. Egede et al. 2002
Depressão e AIDS
• A depressão freqüente com AIDS:
– queda da qualidade de vida, prejuízo funcional e
cognitivo,
– aderência pobre à terapia retroviral.
– associada a declínio da contagem das células CD4
– progressão da doença com aumento da mortalidade.

• O uso de terapêuticas com antidepressivos e


psicoterapia interpessoal têm demonstrado uma
melhora dos sintomas e também da melhora
clínica do quadro da AIDS.

Cruess et al. 2003; Evans et al. 2002; Markowitz et al. 1998


Depressão e Dor
• O paciente deprimido tem uma percepção do mundo e de si mesmo alterada
(distorção cognitiva).

• As queixas de disfunção do sistema digestivo ou cardíaco são comuns e muitas


vezes não existem achados clínicos que os justifiquem. A percepção dos estímulos
dolorosos também está alterada na maioria das vezes aumentada.

• Via nociceptiva tem vias noradrenérgicas e serotoninérgicas, que chegam ao sistema


límbico (amídala, hipocampo, hipotálamo e tálamo) e descendentes para a medula.

• A dor está presente em 2/3 dos pacientes depressivos, mesmo assim é


negligenciada. A depressão deve ser aventada, na presença de um quadro doloroso
sem causa definida.

• Melhora da dor mais difícil de atingir.

• Antidepressivos são os melhores tratamentos.

• Uma medicação mais moderna, com ação tanto em sistemas serotoninérgicos e


noradrenérgicos como a duloxetina é mais eficaz nestes casos.

Kroenke & Mangelsdorff 1989; Tylee &Gandhi 2005; Bair et al. 2003 e 2004;
Salerno et al. 2002; Lewis-Fernandez et al. 2006; Kornstein et al. 2006; Bailey et al. 2006; Fava et al. 2004.
Conclusões
• A depressão é um fator de risco para o
desenvolvimento de certas patologias clínicas.

• A depressão leva a um pior prognóstico destas


patologias.

• O sistema de reação ao estresse mediado pelo


eixo HHA e Sistema simpático é uma das
ligações entre estas correlações.
Conclusões
• A hiperativação do sistema de estresse na
depressão é um dos achados mais consistentes
em Psiquiatria.

• A hiperativação da resposta de estresse produz


alterações metabólicas e imunológicas que
podem fazer a correlação entre depressão como
fator de risco e pior prognóstico de patologias
clínicas
Conclusões
• A depressão é uma doença psiquiátrica
com sintomas mentais, físicos,
metabólicos e imunológicos.

• A separação mente-corpo é didática, pois


são descrições sob pontos de vista
diferentes de uma mesma realidade
Conclusões
• O psiquiatra deve se aproximar cada vez
mais da neurociência, da fisiopatologia, da
biologia molecular...

• Sem contudo perder a noção do ser


humano, em relação com os outros, que
transcende a biologia
FIM

mf-mello@uol.com.br

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