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A chana

Pepetela O homem um ponto minsculo na imensido na chana . O sol acaba de se erguer e perdeu o tom ensangentado que guardara por momentos, depois de violar a noite. O homem j deixou atrs de si uma longa extenso do terreno, coberta apenas por capim. A mata, ainda um tom azulado na distncia e ele espera entrar em seus domnios aos primeiros alvores. A chana sua frente um mar, um oceano de capim baixo que lhe chega altura dos joelhos. Mas ele sabe que l, onde finda a chana haver rvores e sombra. No fundo da chana h sempre rvores, bem como direita ou esquerda ou atrs; a chana um mar interior, a nica incerteza reside no tempo necessrio para chegar praia. O sol nascente indicou-lhe o caminho e reaqueceu-o do frio da noite. O homem recebe o calor na cara, como uma carcia particular. Sabe que, em breve, a carcia se tornar incmoda e, mais tarde, tortura. Por enquanto, porm, o sol apenas o ser que fez afastar o frio e os terrores noturnos; ainda bendito, para depois ser amaldioado e, quando desaparecido, ser desejado. Destino de qualquer soberano... O homem tem uma arma, uma Kalashnikov sovitica, apoiada no ombro esquerdo. Um bon verde oculta-lhe o abundante cabelo desgrenhado pelo suor e os dias de peregrinao de volta proteo verde e densa da floresta. A barba termina em duas pontas, no queixo. Os olhos so grandes e realados pelos sinais das noites mal dormidas. Veste uma farda camuflada e cala botas militares. Do cinturo est pendente uma bolsa-cartucheira para os carregadores de reserva. Ao lado dela, uma bolsa verde, menor, guarda papis e o emaranhado de anotaes que lhe vm mente e o fazem registrar fatos do presente e do passado que povoam sua cabea. Mais atrs, uma corda enrolada. Do lado esquerdo, o cantil e o punhal adaptvel arma. Na parte da frente do bon est espetado um emblema oval, onde se nota um facho aceso empunhado por uma mo negra: o homem um guerrilheiro.

Fonte: PEPETELA. A Chana. In: A gerao da utopia. Lisboa: Colibri, 1991.

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