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Nds, consumido- res, precisdvamos ser protegidos do mau design. Essa idéia, de que o mau design era nao apenas danoso para aqueles queo compravam e usavam, mas ruim para todos, para a cultura como um todo, ti- nha uma longa tradigo que remontava ao Deutsche Werkbund, na Alemanha do comego do século xx, a0 movimento de reforma do design da Inglaterra da metade do século x1x e mesmo antes. Ao chegar aos anos 1970, essa tra- digo dava seus tiltimos suspitos, embora na época nao soubéssemos disso. Todas as indicagdes eram de que o “bom design” estava com boa satide. Os professores ainda mandavam os estudantes de design ler Pioneiros do desenho moderno, de Nikolaus Pevsner, e Art and Industry, de Herbert Read, dois livros que promoviam explicitamente a “boa forma”, sem qualquer aviso ou adver- téncia contra as doutrinas que eles estavam prestes a absorver; com efeito, nao havia nenhuma critica a que se pudesse recorrer para resistira influéncia desses autores. Lembro dois episddios que me convenceram de como estava disseminada a ortodoxia da “boa forma” e como era dificil pensar historicamente sobre de- sign e sobre o campo que agora se costuma descrever como o da “cultura ma- terial”. O primeiro ocorreu numa conferéncia, em algum momento dos anos 1970. Eu acabara de dar uma palestra que ilustrara com alguns aspiradores de pé que nao poderiam de modo algum ser considerados exemplares da “boa forma”. Ap6s a palestra, fui levado para um canto por duas pessoas da platéia ecensurado, primeiro por ter mostrado objetos de design notoriamente ruim ¢, em segundo lugar, por nao ter emitido nenhum julgamento sobre a falta evidente de qualidade deles. Como nio percebia quanto isso estava errado? Ao nio criticar aqueles objetas, a0 aparentemente justificd-los, no compreen- dia eu que desfizera cinqiienta, cem anos de trabalho de erradicagio do mau design? Certamente deveria saber que 0 dever dos profissionais do design era proteger o piiblico daquele tipo de coisa, e ali estava eu a fazer propaganda deles. E assim por diante. Nada que eu pudesse dizer para aquelas pessoas poderia absolver-me da ofensa que cometera. Fiquei surpreso com essa reagao, porque até entdo ndo me dera conta de quo apaixonada ¢ dominante ainda era a crenga de alguns na “boa forma”. Aquela altura, jd haviam ocorrido varios fatos que me faziam pensar que as pessoas nao poderiam mais falar a sério sobre “boa forma”. Na Gri-Breta- nha, 0 Grupo Independente, de artistas, arquitets e critics, promovera no inicio dos anos 1950 uma visdo pluralista do design, pondo os produtos co merciais norte-americanos ao lado do alto design europeu, sem moralizagbes sobre a superioridade ou inferioridade cultural de um ou de outro. Em 1971, © designer Victor Papanek produzira sua critica ambiental e ecolégica do de- sign, substituindo os argumentos morais da “boa forma” por outros baseados em preocupacées ambientalistas e no hiato entre as culturas do primeiro e do terceiro mundo. E, vindo da Itdlia, o antidesign iconoclasta de designers mi- laneses como Ettore Sottsass jd era bem conhecido internacionalmente, gra- as, em particular, 4 exposigio de 1972 “Itdlia: a Nova Paisagem Doméstica”, no Museu de Arte Moderna de Nova York. Mas, se eu havia suposto que esses. eventos significavam que a ideologia da “boa forma” acabara, estava errado: pelo menos na Inglaterra, ela ainda estava muito viva. 0 segundo episédio confirmou isso ¢ também deixou claro como era difi- cil pensar design como proceso social. Eu costumava freqiientar o seminério semanal do historiador Eric Hobsbawm e, certa semana, 0 trabalho apresen- tado por um estudante foi sobre o ensino de design na Inglaterra da metade do século x1x. Na discussio que se seguiu, Hobsbawm atacou os objetos ex- postos na Grande Exposigdo de 1851, deixando claro que, na sua opiniao, o de- sign deles era execrdvel e que bastava olh4-los para ver que, com efeito, havia de fato necessidade, e das grandes, de implementar uma reforma no ensino do design. Fiquei surpreso — e desapontado — ao ver que um historiador tao perspicaz em tantas outras quest6es, ao tratar de design, simplesmente re- petia os mesmos argumentos desgastados que vinhamos ouvindo havia um século ou mais. Como podia alguém cujo julgamento histérico era, em geral, to agudo, ter a mente to obscurecida pela nogao de “boa forma”, ao tratar de artefatos materiais? Se cada vez que se quisesse comegar uma discussio sobre bens manufaturados e seu papel na vida das sociedades modernas, se acabasse tendo uma discussio sobre “boa forma”, que esperanga havia de que a historia das mercadorias fosse alguma vez levada a sério como um ramo da disciplina histérica? Objetos de desejo foi minha resposta. Olhando o livro em retrospectiva, hd alguns aspectos dele que na época pareciam corretos, mas que agora vejo que poderiam ter sido elaborados de mancira diferente. Em particular, hd em suas paginas forte énfase no design como um aspecto da produgdo, como resultado de decisdes tomadas pelos produtores. Embora cu ainda defenda essa perspectiva como um modo de compreender as raz6es da aparéncia das mercadorias, ndo hd diivida de que, seas olharmos como um vefculo social, para o que acontece quando comegam a circular no mundo — que ¢ 0 outro tema principal do livro -, 0s motivos dos designers e fabricantes e as intencdes que tém para seus produtos depois que ‘os consumidores passam a usd-los nao foram, com a freqiiéncia devida, le- vados em conta no livro. Escolhi enfatizar as agdes dos produtores, em parte porque, na época, se conhecia pouco sobre consumidores e consumo; ¢, se © que eu ia escrever nao deveria ser algo totalmente especulativo, era melhor que me concentrasse na producdo, pois nessa drea havia pistas muito boas para serem seguidas. Porém, mesmo quando eu estava escrevendo 0 livro, j4 havia um interesse crescente, em particular nos campos da sociologia e dos estudos culturais, pelo consumo. Isso se desenvolveu com rapidez e desde entdo houve enorme expansao no estudo do que se poderia chamar de “vida dos objetos”, e agora sabemos muito mais sobre o que acontece depois que eles entram no mundo e comegam a circular. Inspirados, em particular, pelo socidlogo francés Pierre Bourdieu (cuja obra eu ignorava quando escrevi este livro), surgiram muitos estudos dos objetos como veiculos de interagaoe troca social. Um exemplo classico é a andlise que Dick Hebdige fez da lambreta, criada na Itdlia do pds-guerra principalmente para uso das mulheres, mas que foi adotada inesperadamente por uma subcultura masculina da Gra-Bretanha dos anos 1960 chamada mods.' Se houvesse mais material desse tipo disponivel na época, eu 0 teria incorporado — e com certeza, se 0 livro fosse escrito nova- mente hoje, toda a argumentacdo teria de mudar para refletir essa virada dos tiltimos vinte anos na direcao do estudo do consumo. Contudo, livros sobre hist6ria so eles mesmos objetos histéricos e, como todos os livros de histéria, este também pertence a determinado momento. 1 Dick Hebdige, “Object as Image: the Italian Scooter Cycle", Block, n. 5, 1981. INTRODUGAO Quase todos os objetos que usamos, a maioria das roupas que vestimos e mui- tos dos nossos alimentos foram desenhados. Uma vez que o design parece fazer parte do cotidiano, justifica-se perguntar o que ele é exatamente ¢ como surgiu. Apesar de tudo o que jé foi escrito sobre o tema, nao ¢ facil encontrar respostas a essas questées aparentemente simples." A maior parte da literatura dos tiltimos cingiienta anos nos faria supor que o principal objetivo do design é tornar os objetos belos. Alguns estudos sugerem que se trata de um método especial de resolver problemas, mas poucos mostraram que o design tem algo que ver com lucro e menos ainda foi apontada sua preocupagao com a trans- missao de idéias. Este livro nasceu da minha percepgao de que o design é uma atividade mais significativa do que se costuma reconhecer, especialmente em seus aspectos econémicos ¢ ideolégicos. Em particular na Gra-Bretanha, o estudo do design e de sua histéria sofre de uma forma de lobotomia cultural que o deixou ligado apenas aos olhos e cortou suas conexdes com o cérebro e 0 bolso. £ comum supor que o design seria conspurcado se fosse associado demais ao comércio, uma tentativa mal- concebida de higiene intelectual que nao causou nenhum bem. Ela obscureceu © fato de que o design nasceu em um determinado estagio da histéria do capi- talismo e desempenhou papel vital na criagao da riqueza industrial. Limité-lo a.uma atividade puramente artistica fez com que parecesse fitil e relegou-o & condigao de mero apéndice cultural. ‘Amesma escassa atengao foi dada 4 influéncia do design em nossa forma de pensar. Aqueles que se queixam dos efeitos da televisio, do jornalismo, da propaganda e da ficco sobre nossa mente esquecem a influéncia similar exer- cida pelo design. Longe de ser uma atividade artistica neutra e inofensiva, 0 design, por sua prépria natureza, provoca efeitos muito mais duradouros do que os produtos efémeros da midia porque pode dar formas tangiveis e per- manentes as idéias sobre quem somos e como devemos nos comportar. Uma vez que design 6 uma palavra que aparece muito neste livro, é melhor definir jd seu significado. Na linguagem cotidiana, ela tem dois significados comuns quando aplicada a artefatos. Em um sentido, refere-se A aparéncia das coisas: dizer “eu gosto do design” envolve usualmente nogGes de beleza, e tais julgamentos sio feitos, em geral, com base nisso. Como ficaré claro em seguida, este livro nao trata da estética do design. Seu objetivo nao ¢ discutir se, digamos, o design dos méveis de William Morris era mais bonito do que 05 exibidos na Grande Exposigao de 1851, mas antes tentar descobrir por que esas diferengas cxistiram. O segundo e mais exato uso da palavra design refere-se 4 preparagdo de ins- trucées para a produgio de bens manufaturados, ¢ este é o sentido utilizado quando, por exemplo, alguém diz “estou trabalhando no design de um carro”. Pode ser tentador separar os dois sentidos ¢ traté-los de maneira indepen- dente, mas isso seria um grande equivoco, pois a qualidade especial da pala- vra design € que ela transmite ambos os sentidos, ea conjungio deles em uma tinica palavra expressa o fato de que so inseparaveis: a aparéncia das coisas é, no sentido mais amplo, uma conseqiiéncia das condigdes de sua produgao. Ahistoria, tal como a utilizo aqui, esta preocupada com a explicagdo da mudanga, €0 tema deste livro é, portanto, as causas da mudanga no design de bens de fabricacao industrial. Em outros aspectos da existéncia humana que foram estudados por historiadores - politica, sociedade, economia e algumas formas de cultura -, as teorias desenvolvidas para explicar a mudanga pare- cem muito sofisticadas em comparacdo com aquelas utilizadas na histéria do design. Essa pobreza foi causada, em larga medida, pela confusao do design com arte ea conseqitente idéia de que artefatos manufaturados sao obras de arte. Essa visdo foi estimulada pela colegao e exibigdo de bens manufaturados nos mesmos museus que exibem pinturas ¢ esculturas, e por boa parte do que a foi escrito sobre design. Assim, em livro recente, a declaragao de que “o de- sign industrial é a arte do século xx” parece calculada para obscurecer todas as diferencas entre arte e design.* A distingéo crucial é que, nas condigées atuais, os objetos de arte sio em geral concebidos e feitos por (ou sob a diregdo de) uma pessoa, o artista, enquanto isso nao ¢ verdade para os bens manufaturados. A concepcio ea fabricacao de sua obra permitem aos artistas consideravel autonomia, 0 que levou a crenca comum de que uma das principais fungdes da arte é dar livre expresso a criatividade e a imaginacio. Seja correta ou niio essa visio da arte, © fato é que ela certamente nao é verdade para o design. Nas sociedades capi- talistas, o principal objetivo da produgio de artefatos, um processo do qual © design faz parte, é dar lucro para o fabricante. Qualquer que seja o grau de imaginagio artistica esbanjado no design de objetos, ele nao é feito para dar expressao a criatividade e a imaginagao do designer, mas para tornar os produtos vendaveis e lucrativos. Chamar o design industrial de “arte” sugere que os designers desempenham o principal papel na produgio, uma concep- Ho errdnea, que corta efetivamente a maioria das conexées entre design ¢ os processos da sociedade. Quando se trata de explicara mudanga, aconfusio de design comarte leva a uma teoria causal que ¢ tio comum quanto insatisfatéria. Em muitas histé- rias do design, a mudanga ¢ explicada com referéncias ao carter e A carreira de artistas e designers — pode-se dizer que o design de méveis de Chippen- dale € diferente do de Sheraton porque Chippendale e Sheraton eram pessoas diferentes, com idéias artisticas diferentes. E quando tentamos identificar os motivos dessas diferencas que encontramos dificuldades, que se tornam mais, agudas quando levamos em conta nao apenas a obra de individuos, mas a apa- réncia de classes inteiras de bens que envolvem uma profusio de designers. Por que, por exemplo, o mobilidrio de escritério desenhado no comeco do século xx era completamente diferente do produzido na década de 1960? Falar de diferencas de temperamento artistico seria ridiculo. Os historiadores do design tentaram driblar o problema atribuindo as mu- dangas a algum tipo de proceso evolutivo, como se os bens manufaturados fossem plantas ou animais. As mudangas no design so descritas como se fossem mutagées no desenvolvimento de produtos, estégios de uma evolugéo progressiva na diregao de sua forma mais perfeita. Mas os artefatos nao tém vida propria e nio hd provas da existéncia de uma lei de selecdo natural ou 1B mecanica que os impulsione na dire¢ao do progresso. O design de bens ma- nufaturados nao é determinado por uma estrutura genética interna, mas pelas pessoas e as industrias que os fazem e pelas relagdes entre essas pessoas € industrias e a sociedade em que os produtos serio vendidos.3 Contudo, embora seja facil dizer que o design estd relacionado com a so- ciedade, em raras ocasides 0 modo preciso como essa conexio ocorre foi tra- tado satisfatoriamente pelos historiadores. A maioria das histérias do design ¢ da arte e arquitetura trata seus temas de forma independente das circunstan- cias sociais em que foram produzidos. Nos anos 1980, no entanto, entrou na moda referir-se ao “contexto social”. Por exemplo, Mark Girouard, em Sweet- ness and Light, livro sobre o estilo de arquitetura “Queen Anne” do século xx, comeca descrevendo a recep¢ao do estilo pelos eriticos e continua: O frenesi ¢ a euforia parecem surpreendentes até examinarmos seu contexto, do qual ele emerge como algo préximo da inevitabilidade. © “Queen Anne” floresceu Porque satisfazia # todas as mais recentes aspiragies das classes médias inglesas.* Essas observagées so seguidas por umas poucas paginas de generalizagio sobrea sociedade do século x1x, apds o que Girouard passa a descrever a obra dos arquitetos “Queen Anne” quase que inteiramente em termos arquitetoni- cos. Essas referéncias superficiais ao contexto social so como as ervas € os seixos em tomo de um peixe empalhado numa caixa de vidro: por mais realis- tas que sejam, sao apenas acessérios, ¢ tird-los causaria pouco efeito em nossa percepgo do peixe. O uso do “contexto social” é quase sempre um ornamento que permite que os objetos sejam vistos como se tivessem uma existéncia auto- noma, na qual tudo, excetoas consideracées artisticas, é insignificante. Para os historiadores, a grande atragao do “contexto social” tem sido salva-los do tra- balho de pensar sobre como os objetos se relacionam com suas circunstancias hist6ricas, e afirmagées imprecisas como a de Girouard - “algo préximo da inevitabilidade” — abundam em seus textos. O uso casual do “contexto social” é particularmente deplordvel no estudo do design, que, por sua propria natureza, coloca as idéias e crengas diante das realidades materiais da produgao. Neste livro, portanto, a histéria do design é também a historia das sociedades: qualquer explicagdo da mudanga deve apoiar-se em uma com- preensao de como o design afeta os processos das economias modemas e é afetado por eles. “4 Um dos aspectos de compreensdo mais dificil nesses processos é 0 papel desempenhado pelas idéias, pelo que as pessoas pensam do mundo em que vivem. Acredito que o design tem papel importante nesse dominio em parti- cular, o qual pode ser esclarecido, embora de um modo um tanto mecinico, tomando como referéncia a teoria estruturalista. Os estruturalistas sustentam que, em todas as sociedades, as contradi¢Ges perturbadoras que surgem entre as crencas das pessoas e suas experiéncias cotidianas sao resolvidas pela in- vengao de mitos. Esses conflitos sao to freqiientes nas sociedades avancadas quanto nas primitivas e os mitos florescem igualmente em ambas. Em nossa cultura, por exemplo, 0 paradoxo da existéncia de ticos e pobres e da grande desigualdade entre eles em uma sociedade que mantém a crenca no conceito cristo de igualdade de todos é superado pela histéria da Cinderela que é pro- curada por um principe e se casa com ele, provando que, apesar da pobreza, ela pode ser sua igual. Cinderela é um conto de fadas, ou seja, distante da vida cotidiana, mas hd uma profusao de variantes modernas (por exemplo, a secre- tdria que se casa com o patro) que permitem as pessoas pensar que o para- doxo nao ¢ importante ou nao existe. As historias eram 0 meio tradicional de transmitir os mitos, mas, no século xx, elas foram suplementadas por filmes, jomalismo, televisio e propaganda. Em seu livro Mitologias, o estruturalista francés Roland Barthes decidiu explicar 0 modo como os mitos funcionam e 0 poder que tém sobre nosso modo de pensar. Tomando uma variedade de exemplos que vao da linguagem dos guias turisticos as imagens de cozinhas nas revistas femininas e as repor- tagens sobre casamentos na imprensa, Barthes mostrou como essas coisas aparentemente familiares exprimem todos 0s tipos de idéias sobre o mundo. ‘Ao contrério da mfdia mais ou menos efémera, o design tem a capacidade de moldar os mitos numa forma sdlida, tangivel e duradoura, de tal modo que parecem ser a prépria realidade. Podemos tomar como exemplo a suposicio comum de que o trabalho no escritério moderno é mais amistoso, mais diver- tido, mais variado e, em geral, melhor do que o trabalho no escritério de “anti- gamente”’. O mito serve para reconciliar a experiéncia da maioria das pessoas, de tédio e monotonia no escritério, com o desejo de pensar que esse trabalho traz consigo mais status do que alternativas, como o trabalho na fabrica, onde nao hé fingimento em relago4 monotonia. Embora os aniincios de emprego em escritérios, as histérias em revistas e as s¢ries de televisao tenham sido res- ponsdveis pela implantaco na mente das pessoas do mito de que o trabalho 15 no escritério € divertido, sociivel e excitante, ele recebe sustentacao e credi- bilidade didria do mobilidrio moderno em cores vivas e formas levemente ale- gres, designs que ajudam o escritdrio a se equiparar ao mito. Para os empresdrios, a utilizagio desses mitos é necessaria pata 0 sucesso comercial. Todo produto, para ter éxito, deve incorporar as idéias que o torna- do comercializdvel, ¢ a tarefa especifica do design € provocar a conjuncao entre essas idéias e os meios disponiveis de producio. O resultado desse processo é que os bens manufaturados encarnam inumerdveis mitos sobre o mundo, mitos que acabam parecendo tio reais quanto os produtos em que estio encarnados. A extensa influéncia e a natureza complexa do design fazem com que esteja longe de ser ficil tratd-lo historicamente. O mimero de artefatos produzidos pela indistria ¢ infinito e até o design que parece mais insignificante pode revelar-se extraordinariamente complicado. Em vez de fazer uma tentativa va deserabrangente, decidi sugerir como a histéria do design de qualquer artigo manufaturado pode ser abordada, os tipos de questes que podem ser feitas as respostas que 0 estudo de seu design pode oferecer. Embora eu discuta uma grande variedade de objetos neste livro, muitos deles em minticia, minha escolha foi inevitavelmente um pouco arbitréria ¢ hd muitos casos em que ou- tro objeto teria ilustrado igualmente o mesmo argumento. Assim sendo, seria possivel afirmar que este livro poderia analisar um conjunto diferente de obje- tos e, ainda assim, manter seu argumento original. Em vez de discutir todos os aspectos de cada design apresentado, uma abordagem que poderia tornar-se tediosa, escolhi tratar o design numa série de ensaios em que cada capitulo desenvolve um tema. Como nenhum objeto é tratado de forma exaustiva, devo deixar ao leitor que aprofunde os outros temas que surgem de cada objeto e seu design em particular. Embora os capi- tulos devam sustentar-se sozinhos, pretendo que, em conjunto, apresentem a significagao do design em nossa cultura ea dimensio de sua influéncia em nossa vida e mente. 1 Anthony J. Coulson, A Bibliography of Design in Britain 1851-1970, Londres, 1979, dé uma oa indicacao da amplitude da literatura disponivel sobre o design britanico. 2S. Bayley, In Good Shape, Style in Indusirial Products 1900 to 1960, Londres, 1979, p. to. P. Steadman, The Evolution of Designs, Cambridge, 1979, discute em detalhe os problemas das analogias com os seres vivos. 4 Mark Girouard, Sweetness and Light, Oxford, 1977, p. 1. DOBYNS Ds DESEO > <<>> ><> <>< <>< <> => »1@)® 10? 18/2 0)® 18 /® ie 9990990999099 D [O12 [9/2 (9/20 [80 [98 999990999099 Die (9/0 (9/0 [Ve (9/0 [Oi 999939099093< 200900909090 »1@)® 0) 10)? 0)? eX 99999999090‘ 200000000006 9930990999090 200000000006 999999999090 0000000906 ELEC PEPE ry UU N GEMS Jie PROWESS Apesar de todos os seus beneficios, o progresso pode ser uma experiéncia dolorosa e perturbadora. Nossas reagdes a ele so freqiientemente ambi- valentes: queremos as melhorias ¢ os confortos que ele proporciona, mas, quando ele nos impée a perda de coisas que valorizamos, compele-nos a mudar nossos pressupostos basicos ¢ nos obriga a ajustar-nos 20 novo ¢ desconhecido, nossa tendéncia ¢ resistir. O que € descrito como progresso nas sociedades modernas ¢, na ver- dade, sindnimo, em larga amplitude, de uma série de medidas provocadas pelo capital industrial. Ente os beneficios esto mais alimentos, melhores transportes ¢ maior abundancia de bens. Mas é uma peculiaridade do capi- talismo que cada inovaco benéfica traga também uma sequéncia de outras mudangas, nem todas desejadas pela maioria das pessoas, de tal modo que, em nome do progresso, somos obrigados a aceitar uma grande quantidade de novidades a ele relacionadas ¢ possivelmente indesejadas. A méquina a vapor, por exemplo, trouxe maior eficiéncia a industria manufatureira e maior velocidade aos transportes, mas sua fabricagdo ajudou a transformar mestres artesios em trabalhadores assalariados e fez com que as cidades aumentassem em tamanho e insalubridade. A idéia de progresso, no en- tanto, inclui todas as mudangas, tanto desejéveis como indesejéveis. Receptor “Unit System” da Pye, 1922. Os primeiros rédios no tinham receio de exitir- se como um conjunto de aparatos técnicos. Réidio“Beaufor”, 1932. Amaioria dos primeiros aparelhosde rédio adotava a forma cde mobilia tradicional. De The Cabinet Maker, 27 de agosto de 1932. 20 sucesso do capitalismo sempre dependeu de sua capacidade de ino- var ede vender novos produtos. Nao obstante, de modo paradoxal, a maio- ria das sociedades em que o capitalismo criou rafzes mostrou resistencia A novidade das coisas, novidades que eram to evidentes na Inglaterra do século xvi1t quanto s2o hoje nos paises em desenvolvimento. O que entdo fez com que os povos das sociedades ocidentais estivessem preparados para aceitar produtos novos, apesar da ameaca de mudanca que represen- tam? Uma vez que qualquer produto bem-sucedido deve superara resistén- cia &novidade, parece ser um axioma que os produtos do capital industrial busquem criar aceitagio das mudangas que provocam. Entre as maneiras de obter essa aceitacdo, o design, com sua capacidade de fazer com que as coisas parecam diferentes do que so, foi de extrema importincia. design altera 0 modo como as pessoas véem as mercadorias. Para dar um exemplo desse processo, podemos examinar o design dos primei- ros aparelhos de rédio. Quando as transmissdes comegaram, na década de 1920, os receptores eram uma montagem grosseira de resistores, fios e val- vulas. Os fabricantes logo perceberam que se quisessem vender ridios para que as pessoas os pusessem na sala precisariam de uma abordagem mais sofisticada do design. No final dos anos 1920 e comego dos 1930, desenvol- veram-se trés tipos de solugao, cada uma das quais apresentava a mesma mercadoria, 0 rédio, de uma mancira totalmente diferente. A primeira era alojar 0 aparelho em uma caixa que imitava uma mobilia antiga, ¢ assim referia-se ao passado, A segunda era esconder o rédio dentro de uma pega demobilia que servia para alguma finalidade bem diferente, como uma pol- trona. A terceira, que se tornou mais comum a medida que as pessoas se familiarizavam com o rédio e 0 achavam menos perturbador, era colocd-lo dentro de um estojo desenhado para sugerir que pertencia a um mundo fu- turo e melhor.' Cada um desses designs transformou o rddio original, “pri- mitivo”, de modo a tornd-lo irreconhecivel. As trés abordagens evidentes nesses aparelhos de rddio - a arcaica, a supressiva e a utdpica— repetiram- se com tanta freqiiéncia no design industrial que se pode dizer que com- péem uma gramitica bésica do repertério da imagética do design. Se o design do século xx foi dominado pelas imagens utépicas, os fa- bricantes do século xvitt confiavam mais no modelo arcaico em seus es- forgos para superar a resisténcia A inovagio.* Descrever o design como uma atividade que invariavelmente disfarga ou muda a forma do que supomos sera realidade vai na diregdo oposta de muitos lugares-comuns sobre o de- sign, em particular a crenga de que aparéncia de um produto deve ser uma expresso direta da sua finalidade, visdo encarnada no aforismo “a forma segue a funcio”. A ldgica desse argumento é que todos 0s objetos coma mesma finalidade deveriam ter a mesma aparéncia, mas ¢ dbvio que esse nao € 0 caso, como mostra, por exemplo, uma olhada de relance na historia da ceramica: produziram-se xicaras numa variedade infinddvel de formas. 21 Rédio *poltrona”, 1933. Alguns fabricantes partiram para odisfarce direto, incorporando seus aparelhos de rédios ‘em outros tipos de iméveis. De The Cabinet Maker, 25 de fevereieo de1933,p.417 Design de aparetho de radio, 1932. A solugio alternative e que acabou porsera mais popular para o design do aparelho de résio foi usar formas ““modernas”, sugerindo um produto ‘que pertenceria 20 futuro. De The Cabinet ‘Maker, 17 de setembro de 1932, p. 522. Se 0 tinico propésito de uma xicara fosse servit de suporte para liquidos, poderia muito bem haver um tinico design, masas xicaras tém outros usos: como artigos de comércio, servem para criar riqueza e satisfazer 0 desejo dos consumidores de expressar seu sentimento de individualidade, e é da conjungao desses objetivos que resulta a variedade de designs. Muitos autores sustentaram que é errado dar aos artefatos formas que nao pertencam estritamente a eles prdprios ou ao seu periodo. Tal julga- mento nao constitui uma contribuicao particularmente ttil para a histéria do design. Certo ou errado, o fato é que, nos artefatos das sociedades in- dustriais, o design foi empregado habitualmente para disfarcar ou mudar sua verdadeira natureza e enganar nosso senso cronoldgico. Cabe ao his- toriador arrancar os disfarces, comparé-los e explicar a escolha de uma aparéncia em detrimento de outra, mas nao descartar 0 processo. Os bens manvfaturados variaram na aparéncia devido nao a imoralidade ou a in- tencionalidade de seus produtores, mas s circunstancias de sua produgio ¢ seu consumo. A fim de compreender o design, devemos reconhecer que seus poderes de disfarcar, esconder ¢ transformar foram essenciais para 0 progresso das sociedades industriais modernas. NEOCLASSICISMO: UM ANT{DOTO AO PROGRESSO As reagOes ao progresso sdo mais reveladoras quando uma sociedade experimenta seus efeitos pela primeira vez. Na Gra-Bretanha, 0 desen- volvimento do capital e da indistria atingiu uma escala significativa no final do século xvitt. A maioria das pessoas que registraram suas impressdes das mudangas em andamento estava muito envolvida nos eventos ¢ nao surpreende que, em geral, estivesse entusiasmada ¢ 86 raramente mencionasse seus receios quanto aos efeitos negativos, Cien- tistas como Joseph Priestley, economistas politicos como Adam Smith e empresdrios como Matthew Boulton, James Watt e Josiah Wedgwood compartilhavam a visio de que o progresso era um processo benéfico que continuaria indefinidamente. Porém essas pessoas eram apenas uma parte pequena das classes mé- dia e alta da Inglaterra do século xvii e seus pontos de vista eram nitida- mente radicais, Hé também provas de fortes posicdes contrdrias. Assim, 0 dr. Johnson,? reconhecendo que os homens nao eram mais selvagens, ad- mitia que houvera progresso no passado, mas que a humanidade jé havia atingido seu estdgio mais avancado e no via lugar para mais progresso no presente ou no futuro. Nio obstante, dr. Johnson e outros que compartilhavam de suas idéias mostravam muita curiosidade em relagao as mudangas que ocorriam 20 tedor deles, as novas fabricas e os homens que as dirigiam. Os principais distritos industriais do final do século xvii — Birmingham, Manchester, as minas de carvao de Coalbrookdale ¢ as olarias de Staffordshire ~eram visitados regularmente porviajantes, considerados entre as paisagens mais interessantes do pais e freqiientemente retratados por artistas.4 Contudo, apesar da curiosidade, nem todos se entusiasmavam com 0 que viam. Um viajante do século xvrit que registrou suas opinides foi o ilustre John Byng, mais tarde visconde de Torrington, que empreendeu uma série de excursées pela Inglaterra e Pafs de Gales entre 1781 ¢ 1794. Nao era sua inteng&o que seus didrios, publicados com o titulo de The Torrington Diaries, fossem impressos, ¢ a honestidade de suas opinides 0s torna muito valio- 80s para o historiador. Embore Byng fosse um personagem extremamente conservador ¢ mesmo reacionirio, ele se aventurou a visitar os novos cen- tros industriais, vendo-os invariavelmente com maus olhos assim que che- gava. Em 1792, escreveu sobre Aysgarth, no vale de Yorkshire: ‘Mas 0 que completou a destruigao de todo pensamento rural foi a construgio de uma fabrica de tecidos de algodo em um lado onde, desde entio, paisa- gem e tranqililidade foram destrufdas: falo agora como turista (como policial, cidadao ou homem de Estado, nio entro no assunto); as pessoas, de fato, en- contram-se empregadas; mas esto todas condenadas 2o vicio causado pela aglomeragio... Quando nio esto trabalhando na fébrica, saem a invadir a propriedade alheia, pilhar e entregar-se 4 devassidao — Sir Arkwright pode ter trazido muita riqueza para sua familia e para o pafs; mas, como turista, execro seus projetos que, tendo invadido todos os vales pastoris, destrufram 0 curso eabeleza da Natureza; porque temos agora aqui uma grande Fabrica deslum- brante, que absorve metade da gua das quedas acima da ponte. Com o sino tocando eo clamor da fabrica, todo o vale perturba-se; traigio € sistemas de nivelamento so 0 discurso; e a rebelido pode estar préxima.> 23 P. J. deLouthertourg: detalhe de Coalorook- dale dnote, éteo, #801. ‘As grandes inddstrias, como as fundigoes Coalbrookdale, em Shropshire, eram fonte de fascinioe admiragio para Viajantes e artistas do séculoxvi Alguns dias depois, ele ficou satisfeito quando perguntou a um homem se “o negécio do algodio nao beneficiava os pobres” e o homem respondeu: A pior coisa do mundo, em minha opinido, senhor, pois no nos torna nem ma- ridos robustos, nem mogas recatadas; pois as criancas criadas numa fibrica de algodio nunca tém exercicio ou ar e sio todas desavergonhadas eatrevidas.® Uma vez que Byng achava a industria manufatureira tio abomindvel, s6 podemos nos perguntar por que ele visitou tantas vezes as cidades indus- triais. Parece que sua curiosidade era tio forte quanto seu desgosto, ati- tude muito comum na época. © verdadeiro interesse de Byng eram as antiguidades. Ele viajava pelo pais em busca de reliquias e desejava ter vivido numa época em que o pais no estava coberto por estradas com postos de peddgio e as terras no eram cercadas. Seu gosto por antiguidades era compartilhado por muitos deseus contemporaneos, mas enquanto Byng, fiel ao seu conservadorismo ¢ patriotismo, preferia antiguidades inglesas, outros cagavam avidamente reliquias gregas ¢ romanas. O interesse pelas antiguidades clissicas fazia parte do movimento neo- classico, que se desenvolveu nas décadas de 1750 € 1760 dominou o gosto. europeu no final do século xvi11, © neoclassicismo pretendia recuperar para a arte eo design a pureza de forma e expresso que julgava faltar no 24 estilo rococé da primeira metade do século xvitt e que era identificada naquilo que Grécia e Roma haviam produzido. Boa parte da inspiracao do neoclassicismo veio com a descoberta de Herculano, em 1738, e Pompéia, em 1748, € as excursOes A Itdlia para estudar as reliquias cldssicas ao vivo tornaram-se parte da educagao artistica. Também entrou na moda, para os aristocratas cultos de toda a Europa, ir a Roma para ver, comprar e, em casos de extremo entusiasmo, participar de escavagoes.’ Os objetos procurados podiam ser antiguidades cldssicas ou inglesas, mas 0s motivos eram semelhantes. O estudo das ruinas gregas e romanas proporcionava inspiragio para como deveria ser o presente, O paradoxo do gosto setecentista — uma época to fascinada pelo progresso e ao mesmo tempo devotada ao estudo do passado distante - expressou-se em todos os produtos artisticos do neoclassicismo. Nao se tratava de reprodugées servis da Antiguidade: eles usavam imagens e formas do passado, mas pretendiam expressar sentimentos modernos. As vezes, os efeitos parecem despropo- sitados e contraditérios. Dr. Johnson descreveu a vida contemporanea em poemas que imitavam de perto o poeta romano Juvenal. Construgées novas, como as casas de campo do final do século xvitt, usavam formas e moti- vos daarquitetura antiga, mas tinham planejamento e organizacao internos projetados para servir a propdsitos decididamente modernos. Para popu- larizar o conhecimento cientifico da época, 0 médico e cientista Erasmus Darwin nio usou a linguagem da ciéncia, mas escreveu um poema épico classico, The Botanic Garden, publicado em duas partes, em 1789 e 1791, que 25 Benjamin West: Etriria, leo, 1791. pintura de West da fabrica de Wedgwood a transforma numa cena da Antiguidade, Aesquerda:josiah Wedgwood: cépia do vaso Portland, 1790. ‘A produsio do biscoito €em jaspe preto foi um triunfo téenico, que Wedgwood divilgou reproduzindo o famoso camafeu do séculos conhecido como Vaso de Portland. 2 direita: ingresso para vera cépia de ‘Wedgwood do Vaso de Portland, 1799. Wedgwood transformou sua bem- sucedida reprodugo do fameso vaso em um ‘evento social. OpasfanD doves NEWeoods Copy of THE PORTLAND VASE Gok Sve eben foi um grande sucesso popular. Darwin descrevia deliberadamente a cién- cia com metéforas e imagens clissica : 0 poder da maquina a vapor, por exemplo, era descrito numa longa e elaborada metéfora que o equivalia & forca de Hércules. Hoje, o resultado parece despropositado e artificial, mas. a popularidade do poema na época mostra que se tratava de uma maneira aceitdvel de comunicar idéias e conhecimentos progressistas. ‘Tio irrealista quanto 0 poema de Darwin ¢ a pintura que Benjamin West fez da fabrica de Josiah Wedgwood em Etruria: mulheres decorado- ras em trajes de matronas romanas, em poses languidas cléssicas, tendo ao fundo cenas de trabalho artistico, dificilmente poderiam ser menos re- presentativas das condig6es reais da fabrica, famosa em toda a Europa por seus métodos avancados de manufatura e seu alto grau de divisao entre os diferentes processos. Tanto isso era tipico da abordagem setecentista das novidades que, quando procurou anunciar suas habilidades técnicas de ceramista, Wedgwood decidiu reproduzir o vaso Portland, a famosa peca romana de ca- mafeu adquirida pelo duque de Portland em 1786. O objetivo das reprodugGes nao era apenas provar que eram to boas quanto os originais, mas também demonstrar a sofisticacio das técnicas de producio correntes e sua superio! dade em relagao ao que qualquer design novo e original pudesse fazer. A inquietagio com o progresso e um interesse compulsivo pelo pas- sado eram fenémenos relacionados. Em Detlinio e queda do Império Romano (776-88), Edward Gibbon descreve a Roma do segundo século depois de Cristo, a ldade do Ouro, como um lugar de paz e harmonia perfeitas, per- turbadas depois pela introdugao do cristianismo, vindo de fora. $6 recen- temente os historiadores questionaram esse retrato idealista da Idade do Ouro e argumentaram que, longe de ser estdtica, Roma passava por um perfodo de considerdveis mudangas internas, uma visdo que nio teria sido bem recebida no século xv111, pois teria privado a Antiguidade de uma de suas maiores atracées. Para as classes ociosas daquele século, boa parte do prazer do estudo da Roma antiga e de colecionar suas reliquias vinha do contato que isso lhes dava com uma civilizacio que fora aparentemente estdvel. O desejo de ver principios e designs cldssicos aplicados & vida con- temporanea vinha, em parte, de uma vontade de suprimir da consciéncia a tendéncia perturbadora da mudanga. £ claro que se pode argumentar que, por exemplo, quando Wedgwood introduziu o neoclassicismo no design de sua ceramica, ele o fez porque esse estilo estava na moda. Contudo, tal explicagao ¢ incompleta, no sen- tido de que nao nos diz por que o neoclassicismo, e nao outro estilo, es- tava na moda; para responder a isso e saber por que os consumidores do século xvtt1 preferiam 0 neoclassicismo a alternativas, precisamos saber 0 que esse estilo significava para cles. Infelizmente, a reconstrugdo das preferéncias dos consumidores no passado ¢ uma empreitada histérica cheia de dificuldades ¢ que, em geral, conduz a resultados insatisfatérios. Nao podemos confiar completamente nem mesmo nos relatos dos poucos consumidores que se dignaram a articular e registrar os motivos de suas escolhas, pois talvez nao estivessem plenamente conscientes deles, ou ndo os tenham registrado na totalidade. Além disso, nao podemos pressupor que as preferéncias de um consumidor fossem compartilhadas por outros, até mesmo outros da mesma classe, idade ou sexo. Nessas circunstancias, o melhor que podemos fazer é indicar os fatores motivacionais que pode- riam levar os consumidores a agir de uma maneira ou de outraem uma determinada época. Em geral, as melhores provas histéricas sobre prefe- réncias de consumidores vem dos fabricantes, dos quais podemos esperar, afinal, que soubessem avaliar a tendéncia do mercado; desse modo, deve- mos valorizar o testemunho deles acima de qualquer consumidor indivi- dual. As experiéncias de Josiah Wedgwood com o neoclassicismo confir- mam, em larga medida, que, entre outras coisas, era o estilo que fazia as, classes média e alta do final do século xviii se sentir mais & vontade com © progresso. 27 WEDGWOOD: NEOCLASSICISMO NA PRODUGAO INDUSTRIAL Em 1759, quando Josiah Wedgwood terminou a sociedade de cinco anos com o ceramista Thomas Whieldon, em Stoke-on-Trent, no condado de Staffordshire, mudangas considerdveis estavam ocorrendo nas fabricas de ceramica inglesas. No inicio do século, poucas oficinas empregavam mais do que meia duzia de homens e a maior parte de sua produgio era vendida localmente. Em 1750, alguns ceramistas jd haviam aumentado suas vendas com a ampliacio de seus mercados para lugares mais distantes do pais e empregavam mais homens em suas oficinas. Em 1769, acredita-se que uma fabrica média de Staffordshire 4 empregava cerca de vinte homens.® No final de sua sociedade com Whieldon, Wedgwood alugou uma ce- ramica perto de Burslem e comegou uma produgio prépria, reconhecendo com perspicdcia as oportunidades de negécio ali abertas. Como escreveu mais tarde, no comego do Livro de Experiéncias que iniciava entio: “Buvia que o campo era espagoso € 0 solo tio bom que prometiam ampla recom- pensa a quem trabalhasse com diligéncia em seu cultivo”.® Sabemos como Wedgwood desenvolveu esse cultivo gracas 4 excepcio- nal série de cartas que escreveu a seu amigo Thomas Bentley. Essas cartas proporcionam um retrato espetacular da mente de um empresdtio nos pri- meiros estdgios da industrializagao, revelando os problemas que enfren- tava e as solugées que encontrava.'° Em particular, elas mostram a impor- tancia sem precedentes que o design teria na producao de seus artigos. A demanda por artigos de ceramica aumentou constantemente durante oséculo xviii, mas ndo apenas devido ao crescimento da populagio. A nova popularidade do ché requeria tagas de cermica (uma vez que nao € possivel beber liquidos quentes com conforto num recipiente de metal), a0 mesmo. tempo que a expansdo colonial criava mercados no além-mar. Esses desdo- bramentos beneficiaram a industria como um todo e a maioria dos fabrican- tes aumentou seu comércio. Mas Wedgwood foi o mais bem-sucedido. Entre as razdes do seu sucesso incomum estavam a racionalizagio dos métodos de produgao em sua fabrica, suas criativas técnicas de marketing e, particularmente, sua atencio aos produtos. Ele nao somente estava deci- dido a produzir objetos de qualidade muito superior a dos outros ceramistas, como também dava grande importancia a aparéncia de seus artigos. Na década de 1750, os principais produtos de Wedgwood e Whieldon, da mesma foma que os dos outros ceramistas de Staffordshire, eram uma ceramica de alta temperatura e vidrada a sal, uma cerdmica de argila branca vidrada em cores variadas e uma ceramica de argila vermelha. Em seu Livro de Experiéncias, Wedgwood descreveu os problemas apresentados por esses produtos da seguinte maneira: A ceramica branca de alta temperatura (vidrada a sal) era 0 artigo principal de nossa manufatura; mas isso era feito havia muito tempo e os precos estavam agora to baixos que os ceramistas no podiam gastar muito com ela, ou fazé- Ja tio boa em todos os aspectos quanto os artigos que tinham feito até entao; e, em relaco 3 elegincia da forma, esse era um tema que recebia pouca atencio. © préximo artigo em importancia depois da ceramica de alta tempera- tura era uma imitago de casco de tartaruga, mas como nio houvera nenhum aperfeigoamento nesse ramo durante varios anos, 0 consumidor estava quase cansado dele; e, embora o prego tivesse baixado de tempos em tempos para au- mentar as vendas, o expediente nfo adiantou e era preciso alguma coisa nova para dar um pouco dealento ao negécio. Eu jé fizera uma imitagao de égata, que foi considerada linda ¢ um aperfei- goamento significativo, mas as pessoas estavam fartas dessas varias cores. Es- sas reflexGes me induziram a tentar algum aperfeigoamento mais sdlido, tanto nos biscoitos como nos vidrados, nas cores ¢ nas formas dos artigos de nossa manufatura."* Bule de chi, canecae Jarra vidrados asal, Staffordshire, ¢.1750. Produtos tipicos das cceramicas de Stafford- shire na metade do séculoxvn 29 Acsquerda: bulede chd moldado, vidrado verde, ‘casco de tariaruga, provaveimente Wedgwood, c. 1765, Um bule desse estilo era escrito porWedgwood como tipicode Staffordshire na metade do século xvi, Adireita:jarra de imitagao de dgata em argila vermelha com vidrados marrors, 1750. Exemplo canacterstico do tipo de utensilio de imitago de Agata descrito por Wedgwood, 30 Em seus primeiros anos em Burslem, Wedgwood procurou desenvolver novos produtos para substituir os insatisfat6rios existentes. Sua primeira inovagdo importante foi um vidrado verde, que inventou. Esse vidrado, combinado com um amarelo, era aplicado a cermica branca com orna- mento moldado, dando resultados vividos em cor e um tanto barrocos na aparéncia. Essa louga foi o produto basico de Wedgwood no comeco da década de 1760 ‘Ao mesmo tempo, Wedgwood também aperfeigoava um vidrado creme para as ceramicas brancas. Embora esse tipo de ceramica jé fosse produ- zido em Staffordshire havia algum tempo, Wedgwood estava interessado em fabricar um vidrado que fosse relativamente branco e desse resultados constantes na queima, Elejé ohavia aperfeigoado em 1765 por volta dessa época comesou a produgio em larga escala da ceramica creme, decorada com esmalte pintado ’ mio ou com esmaltes aplicados sobre decalques impressos ~ um proceso mais répido desenvolvido por Sadler ¢ Green, firma de Liverpool com quem Wedgwood fazia negécios. Em 1766, alouga creme jé era suficientemente bem-sucedida para que ele interrompesse a produgaio da louga com vidrado verde. As observagdes de Wedgwood em seu Livro de Experiéncias mostram que ele também estava preocupado com a forma de seus artigos, que jul- gava longe de satisfatoria. Foi somente na metade da década de 1760 que 0s desenhos comegaram a mudar significativamente. As formas basicas da cerdmica creme nao eram diferentes das da verde, emborao ornamento moldado fosse reduzido e, por fim, eliminado por inteiro;a mudanga mais notdvel ocorreu na decoragdo esmaltada, que podia ser muito intrincada e era aplicada 4 mio ou decalque depois que o biscoito era vidrado. Nos dez anos seguintes, até 1774, quando foi produzido o primeiro catdlogo de Wedgwood, as formas continuaram a se tornar mais simples, com uma decoragao que ficava cada vez mais neocldssica. A ceramica creme, ou “Queensware”, como Wedgwood rebatizou-a depois que a rai- nha Charlotte encomendou um servigo dessa louga em 1765, tornou-se um enorme sucesso nacional ¢ internacional. Como baixela, ela preen- cheu a lacuna entre a qualidade muito pobre da louga comum, feita em outros paises, e os produtos de alta qualidade muito caros, das fabricas de porcelana real, como Sevres, Meissen e Copenhague. Seu sucesso de- yeu-se muito também as qualidades essencialmente neocldssicas de pu- eza e simplicidade de forma. Parece que, de inicio, Wedgwood nao se deu conta disso, mas quando Ihe disseram, em 1769, que a simplicidade era apreciada, ele procurou aperfeicoar sua Queensware nessa ditecio."* A popularidade da Queensware continuou a crescer até o final da década de 1770, quando parece que o mercado ficou temporariamente saturado. Wedgwood escreveu em 1778 que nao era mais “o artigo seleto que costu- maya ser, pois toda loja, residéncia e casa de campo esta cheia dela”.'3 Nao obstante, com mais refinamento e aspecto neocldssico mais deliberado, continuou a ser produzida século x1x adentro. A principal fonte de conhecimento de Wedgwood acerca do revival clds- sico era seu colega, amigo e depois sécio Thomas Bentley, negociante de Liverpool que exportava sua louca para as colénias americanas e as Indias ‘ezquenda:bule Wedgwood imitando couve-fer,vidrado verde, ¢.1759.Esse5 tersilios exsticos, de cores vivs, eram um produto padtio de Wedgwood no comeso dda década de'766. Adireta: bule de cha Wedgwood com Vidrado creme e decorado com esmaltes pintados & mio, inal da década de 1760, Esteé um dos primeiros predutos de ceramica creme, quesubstituiram (5 utensilios com vidrado verde, at Prato Wedgwood com vidrado cremee decoregio esmaltada comdecelques aplicados, ¢.1775- Esmaltes pintadosa ‘mio tinham produciéo lenta ea introdugéo dos decalques acelerou ‘muito o processo de decoragio. ae Ocidentais. Bentley era um homem culto, ciente das mudangas artisticas que estavam ocorrendo na Europa e com muitos contatos sociais. Em 1769, ele e Wedgwood se associaram para produzir “artigos ornamentais” (dis- tintos dos produtos da ceramica creme, conhecidos como “louga util”) na nova fabrica de Wedgwood, em Etriria. Bentley mudou-se para Londres e ficou responsdvel pela comercializacao nessa cidade. "* Ele também levou seu conhecimento de arte para o design dos artigos omamentais. Foi sob sua influéncia que Wedgwood revisou seus desenhos e comecou a produ- zir objetos ornamentais neocléssicos e a fazer também a louca do dia-a-dia deliberadamente neocléssica. Foi nos desenhos dos objetos ornamentais — vasos, urnas, estatuetas, camafeuse placas de ceramica - que Wedgwood e Bentley foram mais fundo na aplicago do neoclassicismo. Quando entraram nesse mercado, a cera- mica ornamental na Inglaterra ainda era barroca e pesada. A intuigéo cer- teira de Bentley, de que poderia haver um mercado para cerdmica ornamen- tal neoclassica, surgiu presumivelmente de seu conhecimento do que estava acontecendo no mobilidrio contemporanco. O neoclassicismo, entre seus muitos outros efeitos sobre a arquitetura doméstica, introduziu a pratica da decoragao de interiores num estilo unificado, de tal modo que todos os aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Robert Adam: design para um aparador em Kenwood, 1768-69. Os designs deinteriores de Adam incluiam com frequencia omamentos antigos desenhados com precisio, executados geralmente fem madeira 05 ‘menores, em prata, ‘Ademanda por ‘omamentos antiges significava uma oportunidade para Wedgwood & Bentley. De The Works in Architecture ofR. 8). ‘Adom,1778,¥.1, 9.2, stampa vii a4 neoclissico, em parte mediante seus contatos sociais, mas também se apro- veitando da familiaridade com os tedricos do neoclassicismo. Por exemplo, eles adoravam divulgar o fato de 0 conde Caylus, autor de um bem conhe- cido estudo em seis volumes sobre antiguidades cldssicas, lamentar que nao houvesse equivalentes modernos dos antigos vasos etruscos, lacuna que —eles podiam agora anunciar— seus produtos preenchiam.'5 Wedgwood ¢ Bentley obtiveram seu conhecimento de design clissico em parte de seus contatos com a aristocracia, que hes mostrava e, as vezes, emprestava pecas de ceramica e esculturas antigas para estudar. Eles pos- sufam uma grande colegio de livros sobre arqueologia classica publicados no século xvi11 e Wedgwood fez amplo uso deles."® Ele também pensou ‘em empregar um artista em Roma para estudar as antiguidades originais e comunicar as novas modas do gosto artistico, mas esse plano nao deu em nada, embora tenha mais tarde subsidiado a viagem de John Flaxman a Roma.” Wedgwood utilizou esse conhecimento de antiguidades e fez com que seus artesdos produzissem cépias exatas, ou ento reinterpretassem os originais cldssicos. Ele descreveu esse método com as seguintes palavras: Pretendo apenas ter tentado copiar as belas formas antigas, mas no com ser- vidao absoluta. Tratei de preservar o estilo € 0 es rito ou, se quiser, a simpli- cidade elegante das formas antigas ¢, ao fazé-lo, introduzir toda a variedade de que era capaz, ¢ isso Sit W, Hamilton me garante que posso me aventurar a fazer, e que ¢ esse o verdadeiro modo de copiar o antigo. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ‘Aesquerda: Wedgwood & Bentley: vaso ‘omamental com tres algasem Queensware, inicio dadécada de 1770. Muitosdos produtos de Wedgwood e Bentley eram obviamente mais rococésdo que neocldssicos.edesse ‘modo estavam mais préximos do que Wedgwood considerava A direita: Wedgwood & Bentley: Sacred Bacchus, Sacred to Neptune {(Consagrado a Baco, consagrado a Netuno] parde jarros para vinho e 4gua, basalto preto, 1775. Um exemplo de artigo omamenial em basalto preto desenvoivido no comego dadécada de 1770. Nio obstante, Wedgwood estava bem consciente da atragdo que o neoclassi- cismo exercia sobre seus clientes e nao hesitou em modificar seus desenhos conforme o conselho de especialista que recebera. Sua compreensio da forca da demanda por design neocléssico revelou-se quando escreveu a Bentley sobre uma determinada linha de produtos: “Eles certamente nfo sio antigos e isso é osuficiente para condend-los aos olhos da maioria de nossos clientes”. Boa parte do interesse de Wedgwood em cerimica estava nas descober- tas e nas inovagées técnicas; para torné-las lucrativas, os sécios precisavam encontrar-Ihes aplicagdes comerciais e, nesse sentido, 0 neoclassicismo foi valioso. Durante toda a sua vida, Wedgwood fez muitas experiéncias com vidrados ¢ biscoitos, ¢ era fascinado por tudo 0 que ia para o forno. Sua reputagio cra nao somente a de um fabricante, mas também de um pesquisador experimental, motivo que 0 levoua ser cleito para a Royal So- ciety. Experimentos ¢ inovagio cram, portanto, tio importantes para cle quanto a atividade empresarial e 0 comércio; 0 que o tornou tao excepcio- nal foi o fato de que era talentoso em tudo isso. Em suas experiéncias, Wedgwood desenvolveu e aperfeigoou dois bis- coitos novos, um negro, nao vidrado, chamado “basalto negro”, e outro branco, fino, levemente transhicido, chamado “jaspe”, que em sua forma nao vidrada tinha uma textura semelhante a do mérmore. Wedgwood criou também jaspes coloridos e, mais tarde, 0 “banho de jaspe”, um co- lorido de superficie para jaspe branco. Embora muitos dos primeiros arti- gos ornamentais fossem feitos de barro vitrificado, a partir da metade da década de 1770 uma proporcao crescente foi produzida com esses novos biscoitos, O basalto negro, uma invengio menos notdvel do que 0 jaspe, era usado principalmente em urnas e estatuetas, enquanto 0 jaspe foi de- senvolvido originalmente para proporcionar um material adequado a boas reprodugGes de gemas e camafeus antigos. Apés aperfeigod-los, os sdcios queriam encontrar outras aplicagées comerciais para eles. A solucao desse problema foi propiciada pelo neoclassicismo. Percebendo que 0 jaspe se parecia com o mdrmore, Wedgwood e Bentley viram suas possibilidades no crescente mercado para ornamentos neocldssicos. Ele se prestava a umnas, jarros e placas com desenhos moldados em relevo, e Wedgwood passou a fabricar tudo isso em padrdes antigos. No conjunto, os produtos foram um grande sucesso e satisfizeram perfei- tamente a demanda por ornamentos neoclassicos. Entre os poucos produtos que nio se revelaram populares, estavam grandes placas de jaspe em relevo para colocar em frisos e consolos de lareiras. Apesar de sua usual habilidade na comercializagio, Wedgwood e Bentley nao conseguiram vender esses pro- dutos, embora tenham tentado muitas vezes atrair 0 interesse de arquitetos e designers. Um dos abordados foi o arquiteto e paisagista Capability Brown, que advertiu Wedgwood de que os produtos eram inaceitaveis porque eram feitos de jaspe colorido; ele recomendou fazé-los de jaspe branco puro, de tal modo que se parecessem com mérmore."* Pelo menos dessa vez a faganha ‘Aesquerda: Josiah Wedgwood: Saificeto ‘Aesculepus(Sacrficio a Esculépio}, teste de ‘medalho em jaspeazul ‘ebranco, 6.1773. O desenvolvimento do jaspe fol uma proeza técnica, resultado de ‘muita experimentagio, como mostra este teste. Depois de desenvoler comaterial, Wedgwood precisava encontrar aplicagées para ele, Adireita: Josiah Wedgwood: vaso ‘omamental com relevo de Vénus em seu carro puxado por cisnes, jaspe branco com banho preto, 1784, Vasos e urnas ‘em formas antigas com motivos da Antiguicade ofereciam ormamentos apropriados para os teriores neoclissicos.. a7 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Embora Wedgwood e Bentley se referissem em seus catdlogos ao pro- gresso e aos “constantes aperfeicoamentos”, o objetivo dessas declaragdes parece ter sido chamar a atencao dos clientes para a existéncia de novos produtos. Porém os principais avangos técnicos, 0 desenvolvimento de novos materiais e processos nunca foram diretamente mencionados nos primeiros catdlogos como inovagdes, A maneira usual era descrever algo novo, como « encdustica, pintura com pigmentos e cera tratados a quente sobre lougas de “basalto”, que dava um efeito similar & cerdmica etrusca, como sendo a “redescoberta” de uma arte esquecida da Antiguidade. Do mesmo modo, em relagdo ao design dos produtos, nao enfatizava sua novidade, mas suas origens antigas. No catdlogo de 1779, os camafeus entalhes eram apresentados com a declaragdo: “Estes foram tirados exa- tamente das melhores gemas antigas”.” Uma vez que inclufam retratos de lorde Chatham, do papa reinante e de George 11, isso nao era poss/- vel, mas tinha 0 efeito de chamar a atengdo para a qualidade cldssica dos desenhos. Antiguidade, e nao novidade, era a qualidade comercializ4- vel. Sentimento semelhante orientou a escolha do nome de Etraria para a fabrica de Wedgwood, que estava longe de ser etrusca na aparéncia e na administragdo. Wedgwood e Bentley adotavam esse modo obliquo de anunciar suas inovagdes quando queriam que as pessoas soubessem delas. Mas quando introduziu métodos que nao tinham nenhuma relagdo com qualquer processo antigo, tal como a substituigao de esmaltes pintados 4 mio por decalques impressos, Wedgwood preocupou-se em manter em segredo essas novidades, que tiveram importantes efeitos em sua produ- fo e seus lucros.* A relutancia em divulgar algumas descobertas sugere que ele sabia que seus produtos eram populares porque no lembravam aos clientes os aspectos de progresso que seriam inaceitdveis para eles. Algumas das tentativas de Wedgwood e Bentley de convencer seus clientes das qualidades antigas de seus produtos ¢ processos novos pare- cem hoje ingénuas. Mas, se a propaganda era tosca, o uso que faziam do design para os mesmos fins era altamente sofisticado, e quanto mais exata era a referéncia que faziam as antiguidades, mais procurados se tornavam seus produtos. O objetivo deles no era fazer as pessoas acreditar que al- gum de seus artigos era antigo, mas convencé-las de que os produtos, em- bora feitos por processos modernos, eram tao bons ou até melhores do que os da Antiguidade. O valor muito especial atribuido a esse periodo no 39 Josiah Wedgwood: jarra de basalto preto decorada com pintura encatistica, ¢. 1770. Anova técnica decorativa cde Wedgwood foi descrita ‘como “a redescoberta de uma arte antiga”, noco reforcada pela forma etrusca desta jarra. ‘Wedgwood & Bentley: retratos em camafeu deGeorge ie da rainha Charlotte, aspe azul ¢ branco, 1778. Muitos dos retratos em ‘camafeu de Wedgwood ‘& Bentley eram de pessoasvivas, mas representadas Amaneira dos camafeus antigos. 40 século xvIII fez disso um modo muito eficaz de superar as reservas que os clientes poderiam ter em relagdo as suas inovacoes. De algum modo, a relago de Wedgwood e Bentley com o neoclassi- cismo era pragmatica. O estilo nao era essencial em sua producio, pois podiam e faziam artigos em estilos diferentes. Como observou Hugh Ho- nour, eles usavam as antiguidades com finalidade decorativa e estavam, na verdade, perpetuando 0 gosto rococé por decoracao sob fantasia antiga.?5 Nio obstante, se 0 neoclassicismo foi simplesmente mais um estilo deco- rativo para Wedgwood e Bentley, foi também muito valioso para o sucesso deles, gracas ao poder tinico que teve no século xvi1 de tornar moda os métodos modernos de manufatura. NOTAS 1 Esses desenvolvimentos so descritos de forma mais completa em Adrian Forty, “Wireless Style. Symbolic Design and the English Radio Cabinet 1928-1933", Arhi- tectural Association Quarterly, v. 4, n. 2, primavera 1972, pp. 23-31. 2° Algumas idéias sobre o imagindrio utdpico foram sugeridas por W. Benjamin em “Paris, the Capital of the Nineteenth Century”, reimpresso em W. Benjamin, Charles Baudelaire: A Lyric Pot in the Era of High Capitalism, Londres, 1973, pp. 155-77 W. Ben- jamin, “Paris, capital do século x1x”, em Obras ecolhidas,v. 3. S40 Paulo: Brasiliense, 1993] Manfredo Tafuri discutiu a significagdo de utopia no design moderno em Architecture and Utopia, Cambridge, Mass., 1979 (M. Tafuti, Projecto e Utopia. Lisboa: Presenga, 1985], e em seu ensaio “Design and Technological Utopia”, em Itely, The New Domestic Landscape, editado por E. Ambasz, Nova York, 1972, pp. 388-404, € re- feriu-se a0 tema em muitos outros escritos. 10 13 4 45 7 18 19 20 ar 2 23 24 25 Samuel Johnson (1709-1784), escritor ¢ ensaista inglés. Autor de poemas, do Dic- tionary ofthe English Language, de 1755, de uma edigdo das obras de Shakespeare, de 11765, entre outras obras, (N.E.] As reagdes de alguns artistas ¢ escritores do século xvitt a industrializagao estéo descritas por F_D. Klingender em Art and the Industrial Revolution, edigdo revista, Lon- dres, 1968. The Torington Diaries, editados por C. Bruyn Andrews, Londres, 1934, V.111, pp. 81-82. Ibidem, v.11, p. 92. ‘Hugh Honour, Neo-Classicism, Harmondsworth, 1968. O relato da hist6ria da industria ceramica de Staffordshire baseia-se nas se; fontes: J. Thomas, The Rise of the Staffordshire Potteries, Bath, 1971; L. Weatherill, The Pottery Trade and North Staffordshire 1660-1760, Manchester, 1971; Wolf Mankowitz, Wedgwood, Londres, 1953; S. Towner, Creamware, Londres e Boston, 1978;N. MeKen- drick, “Josiah Wedgwood: an Eighteenth Century Entrepreneur in Salesmanship and Marketing Techniques”, Economic History Review, 2 série, v. x11, n. 3, 1960, pp. 408-33. Ver também N, McKendrick, J. Brewer e). H. Plumb, The Birth of Consumer Society. The Commercialization of Eighteenth Century England, Londres, 1982. Citado em Mankowitz, p. 27. Ascartas jamais foram publicadas em sua totalidade. Hi duas selegdes publicadas: ‘The Letters of Josiah Wedgwood, editadas por K. E. Farter, 2 vols., 1903 (obra referida a partir de agora como Farrer), com um volume suptementar, Comespondence of Josiah Wedgwnod 1781-1794, 1902; segunda é The Selected Letersf Josiah Wedgwood, editadas por A. Finer e G, Savage, Londres, 1965 (referida como Finer e Savage). Citado em Mankowitz, pp. 27-28. Finer e Savage, p. 78. Idem, pp. 220-21. Ver N. McKendrick, “Josiah Wedgwood and Thomas Bentley: an Inventor-Entre- preneur Partnership in the Industrial Revolution”, Transactions of the Royal Historical Society, 54 série, v. x1V, 1964, pp. 1-34. Earrer,v. &, pp. 377-78 Idem, p. 358; ¢ Finer ¢ Savage, p. 149. Idem, v. 1, p. 428; € Finer e Savage, p. 114; 28 relagGes de Wedgwood com Flaxman esto discutidas em John Flaxman R.A., catdlogo de uma exposi¢ao na Royal Acade- my of Arts, Londres, 1979. Finer e Savage, p. 317- Farrer, v. 1, p. 240. Idem, ¥. 1, p. 456. Idem, ¥. 1, p. 250. Idem, «11, pp. 34-42. O catalogo foi reeditado por Mankowitz (1953). Farrer, v. 1, pp. 445-46. Honour, p. 48. “1 Q 2 e e | OC oD fs a, © 1969860809 1G) {0 Le) La « 19690080999 {@) {Ol Le) Lo@ JO) oj 1969809099980 'OOQOCOOC6O0G 1969860909998 1G) {Ol Le) Lol@ JO YoY Yay Yan’ Yaa’la’ Ya’ Ya’. Ya’ ‘4 OOC 669 O60 6069 O60 69 O Oo 4 le O PELE LE EL SL SY 0 {alo lo lo Wie ey fe D> Jo Jo Jo D Jo | Je OSTRRMELE OS) DESIGNERS i UNIS Na histdria de todas as indiistrias, o design torna-se necessdrio como uma atividade separada da produgio assim que um tinico artifice deixa de ser responsdvel por todos os estagios da manufatura, da concepgao & venda. Em muitas inddstrias, essa mudanga organizacional ocorreu no século XVI11; em poucas atividades se podem ver de modo tio claro o surgimento do designer especialista e a importancia atribu(da ao seu trabalho como na produgdo da cerimica de Josiah Wedgwood. Embora nao tenha sido o primeiro mestre ceramista a distinguir entre as tarefas de projetar vasos e de fazé-los, ele atribufa mais valor ao trabalho dos designers do que ou- tros fabricantes. A NECESSIDADE DE UM PRODUTO CONSISTENTE A intengao original de Josiah Wedgwood, como ele declarou de inicio, era ter sucesso nos negécios, obter ‘ampla recompensa” pelo trabalho dili- gente no que ele considerava um campo promissor. A realizagio dessa am- bigdo simples dependia de ser capaz de fazer mais produtos, vender mais ¢ também, se possivel, aumentar o lucro unitdrio. Todas as grandes mudan- 43 Stowrcom de Wedgwood e Byerley emLonéres, 1809, Para no imobilizar capital em estoque, Wedgwood exibia na loja apenas amostras; osclientes faziam encomendas a partir delas ou decatdiogos. De Rudolph ‘Ackermann, Repository of Arts,v. 1,1. 2, 1809. 44 cas que ele introduziu posteriormente na manufatura e venda de ceramica podem ser remetidas a essas trés condigdes de sucesso. Quando Wedgwood comecou sua producdo prdpria, em 1759, os ce- ramistas vendiam suas mercadorias, em geral, mandando lotes de artigos prontos diretamente para mercados ou comerciantes. Embora vendesse parte de suas pegas dessa forma, ele adotou também a técnica nova de vender por encomenda. Em Londres e em outros lugares, montou vitrinas com amostras de seus produtos, mas sem estoque para venda.' Os pedidos dos clientes eram passados para a fabrica, que produzia os artigos e os en- tregaya diretamente. Mais tarde, Wedgwood ampliou esse sistema com 0 envio de viajantes com caixas de amostras para todo o pais e ao exterior, e com a publicacao de catdlogos dos produtos, que os clientes usavam para fazer suas encomendas. Com esse método de venda, ele nao precisava em- patar capital em estoque nao vendido nem corria o risco de fazer grandes quantidades de produtos pelos quais talvez nao houvesse procura. Porém, vender a partir de amostras e catdlogos exigia que os produtos ti- vessem uma qualidade completamente uniforme. O cliente que comparava um servigo demesa completo com base em ums poucas amostras esperava receber artigos iguais 4s amostras que vira. Manter uma uniformidade absoluta era um grande problema para a manufatura de ceramica; as solugdes de Wedgwood para isso estavam na origem de muitos de seus métodos de produgao. Nio cra possivel confiar na reprodugao da ceramica verde, seu principal produto do comego da década de 1760. A decoragao estava nos vidrados apli- cados sobre 0 ornamento moldado € o resultado dependia tanto das maos do vitrificador como das condigées do forno, enenhum deles era particularmente confidvel. Por mais charmosas que pudessem ser as variagdes nos vidrados, elas no levavam a um produto uniforme e, assim, tomavam a cerimicaverde inadequada para o método de vendas que Wedgwood estava adotando. © objetivo dos experimentos de Wedgwood com a ceramica creme era encontrar um substituto mais confidvel para a ceramica verde. A ce- ramica de vidrado creme era produzida em Staffordshire desde a década de 1740 e deveria ser bem conhecida de Wedgwood.’ O biscoito de barro branco, que dava resultados constantes sob uma variedade de condigées de queima, servia bem aos seus objetivos. O problema estava no vidrado, que tendia a variar de cor conforme a temperatura do forno, a desbotar, ficar com espessura desigual e rachar a superficie. Wedgwood precisava produzir um vidrado que fosse to confiével quanto o biscoito e, em 1765, desenvolveu um que era razoavelmente satisfatorio, embora tendesse a va- riar em cor e desbotar. Foram necessirios varios anos para aperfeigoar um vidrado creme que desse um resultado totalmente uniforme. Nio era possivel confiar na louga verde porque parte da decoragio pos- sufa as cores do vidrado, que variavam de acordo comas condiges da queima. Para superar esse problema na louga creme, Wedgwood nao usou cores no vidrado, mas vitrificou as pecas sem cor € decorou-as com esmaltes pintados 4 mao, que eram aplicados depois da queima do vidrado e ento iam ao forno numa temperatura muito mais baixa. A esmaltagem era um proceso confid- vel que dava resultados constantes. Nao era novo, pois jé fora usado em por- celanae, em Staffordshire, em uma ceramica de alta temperatura vidrada a sal, mas, como era uma técnica trabalhosa e cara, nao fora usada anteriormente em produtos de cerdmica de baixo valor. Grande parte da primeira esmalta- gem de Wedgwood consistia em imagens e decoracdes & mao livre numestilo atraente, embora um tanto floreado. Esses desenhos, sendo complicados e dificeis de reproduzir com preciso, nio serviam para a produgio na quanti- dade pretendida por Wedgwood. Para evitar as variagdes e tornar mais barata a esmaltagem, ele experimentou decalques impressos, que eram aplicados aos potes e cozidos. Com o tempo, a parte pictdrica dos desenhos em esmalte sobre louga creme passou a ser aplicada em geral por decalques e a mao dos pintores entrava apenas nas bordas e padrées repetidos, que eram capazes de reproduzir com exatidao. O tinico fator que ainda dava espaco para a variacio nos resultados era a habilidade de seus empregados. 45 ‘Acima: Tabuleiro de testes com vidrado creme de osiah Wedgwood, inicio da década de 1760. O biscoito de cerimica branca era confidve, ima foi preciso muita experimentagio para chegara um vidrado consistentee sem falhas, Abaixo,& esquerda: Ladrilho de amostras deQueensware de Wedgwood com decoracdes esmaltadas A mio ou decalques impressos, c, 180. Osladrilhos de amostra ‘eam levados por viajantes 20s ctentes para que pudessem escolher a decoracio paraos atigns que encomendavam a partir de catélogosimpressos. Abaixo, & direita: Detathe de compoteira de ceramica creme de Wedgwood, metade da década de 1760. Arachadura no sidrado, comum nas primeiras ceramicas de Wedgwood, era um dos defeitos que ele estava decididoa superar. 46 > DALLES. 10 ar ‘Acima: Bule de café ‘em Queenswarede ‘Wedgwood, com ‘esmalte aplicad com decalque, final da décad de 1760. Essa técnica de esmaltagem ‘oferecia um modo répidoe confidvel de ‘decorar ceramicas. Centro: Bulede cha vidrado a sal, com ddecorago esmaltada A mio, Staffordshire, .1755. Aesmaltagem cerauma ténicaaceita para decorar ules, mas ra um modo trabalhoso «© poucaconfdve de produzirqualquer decoragio que io fsse muito simples. [Abaixo: Prato vidrado com casco de tartarvga ddeWhieldon, 1760 Eram imprevisiveis as variagées nos vidrados verde ede cascode tartaruga durante a queima e aexecucao, isso era incompativel com um negécio baseado em encomendas por amostias ecatélogos. 48 “EAZENDO DOS HOMENS MAQUINAS” Aintengio de Wedgwood de fazer da Queensware um produto consistente e uniforme nao poderia ser cumprida enquanto seus trabalhadores tivessem berdade para fazer variagdes idiossincraticas nos produtos. Em certa medida, essa liberdade jé fora diminufda com mudangas que haviam acontecido nas olarias muito antes de Josiah Wedgwood entrar no ramo. Embora a ceramica houvesse sido outrora uma indtistria artesanal, no sentido de que um tinico individuo era responsavel por todos os estdgios da produco de um artigo, essa forma de producio jd deixara de existir em Staffordshire antes do co- meco do século xvitt. A partir da década de 1730, sendo antes, os ceramistas se haviam especializado em uma das etapas do negécio, tais como modelar ou tornear, ou fazer o vidrado e o acabamento. Uma olaria tipica da metade do século xvi11 compunha-se de varias oficinas, cada uma com empregados dedicados a uma tarefa especifica. Na década de 1750, na cerdmica de Whiel- don, 0 trabalho estava dividido em pelo menos sete ocupagées diferentes, ¢ cada operdrio fazia geralmente uma tinica tarefa.? Como varios artifices cram responsiveis pela produgao de um tinico artigo, nenhum individuo era capaz de fazer alguma mudanga importante no produto. Mesmo assim, os operdrios de cada estdgio ainda tinham certo con- tole sobre os resultados finais. Por exemple 1m operdrio empregado na aplicagdo de oramentos moldados ao pote podia fazer pequenas varia- {gOes nos produtos, enquanto um homem trabalhando na vitrificagdo podia causar mudancas maiores. Wedgwood queixava-se com frequéncia dessa aparente incapacidade dos operdtios de produzir resultados constantes, especialmente nos artigos ornamentais. Certa vez, escreveu a Bentley so- bre seus problemas: L...] as misturas eas cores também, depois de toda a atengio que podemos dar alas, so passiveis de muitos acidentes e alteragdes, causados pela inabilidade efalte de idéias dos trabalhadores f.. Por exemplo, quando as argilas estio perfeitamente misturadas para pro- dduzit uma vivacidade e extravagancia na peca, se o operdrio di ao bastio um des- vio na diregio da borda, em vez de manté-las planas quando as pée dentro do molde, produz-se uma pequena fibrosidade, que o pote mostra, emvez de uma esa finamente variegada.* Wedgwood j4 demonstrara sua preocupacdo com a uniformidade alguns anos antes, quando escrevera a Bentley que estava se “preparando para fazer dos homens méquinas que nao possam errar”.s Para sua louga creme, tanto quanto para seus artigos ornamentais, isso era indispensdvel para seu sucesso. Wedgwood tornou a execugdo do trabalho mais confidvel mediante a requalificagao dos homens ou com a divisdo do trabalho em mais estdgios ainda, que pudessem ser supervisionados mais de perto. Ensinar os ope- rérios a trabalhar conforme padrées mais altos do que os costumeiros nas ceramicas era lento e impopular. Dividir o processo de produgao em mais estdgios tinha a vantagem de que, para algumas tarefas, ele poderia uti- lizar m4o-de-obra menos especializada. A introdugao da esmaltagem na ceramica creme é um exemplo excelente: nessa ceramica, as duas fungdes de vitrificagdo e decoragdo foram combinadas em um Unico processo de vitrificagdo, mas essas duas etapas eram realizadas por dois grupos total- mente separados de pessoas cujas tarefas eram definidas por conjuntos exatos de instrugées ¢ controladas por supervisores.6 Esmaltagem e rmodelagem numa fabrica de porcelana francesa, 1771. Adivisio de tarefas ea especializacio dos operdrios em cada ramo do trabalho eram caracterfsticas reconhecidas das fabricas régias de porcelana, Nisso, como na técnica de esmaltagem, Wedgwood estava aplicando a bens mais baratos métodos anteriormente resenados para bens de alta qualidade. De Le Comte de Milly, “UArtde Porcelaine”, estampa 8, ‘na Eneylopédie Méthedique des Arts et Métiers, Académie des Sciences, Paris, 177 49 Adivisio do trabalho nna cerimica em 1827. Estas ilustracdes, que mostram a execucio de moldes, gravagdo para decalques, modelagem ecompressio de moldes, séo de um livro que deserevia 0s dezoito estigios Aistintos, realizados pordiferentes pessoas, nna producao de artigos de cerdmica. No ccomego do século x1, jd seaceitavaa completa visio do trabalho na produgio de cerimicas. De A Representation ofthe ‘Manufacture of Earthenware, pubsicado por Ambrose Cuddon, Londres, 1827. 50 © VALOR DOS MODELADORES Enquanto a ceramica foi uma industria artesanal, como era em Stafford- shire até o final do século xvii, a forma de um produto era, com toda pro- babilidade, decidida pelo homem que o faria. Porém, quando a manufa- tura foi dividida em processos realizados por diferentes trabalhadores, foi necessdrio adicionar mais um estgio, o da preparacdo de instrug6es para os varios operdrios: na verdade, um estdgio de design. O trabalho de projetar, ou modelar, como era conhecido nas cerdimicas, tornou-se um estégio distinto e separado na producio de artigos de barto, embora fosse provavelmente feito por um artesao ou pelo mestre oleiro que trabalhava na mesma fibrica. Na década de 1750, a modelagem nio somente foi reconhecida como uma atividade separada, como também havia individuos descritos como modeladores cuja tinica tarefa era fazer protétipos para servir de base aos outros artifices. Por exemplo, William Greatbatch, que depois passou a trabalhar por conta prépria e a fornecer muitos dos biscoitos que Wedgwood queimou com seu vidrado verde, ha- via trabalhado na década de 1750 como modelador para Whieldon.” O sucesso das tentativas de “fazer dos homens maquinas” dependia da exatidio das instrugdes dos modeladores, pois, se nio fossem precisas, era imposstvel evitar que os trabalhadores introduzissem variagées no traba- Iho. Os bons modeladores tornavam-se cada vez mais indispensdveis para Wedgwood 4 medida que se reduzia a liberdade dos artifices de controlar a forma dos produtos. Isso valia sobretudo para a louca creme, cujo enge- nho estava todo voltado para obter uniformidade. O valor do modelador na preparacao de um design exato aumentava com o numero de artigos feitos a partir dele, porque estava, em certo sentido, assumindo uma fracio do trabalho que costumava ser feito pelos artestios cada vez que confecciona- vam uma ceramica. 0 valor monetario do trabalho do modelador podia ser efetivamente calculado como a soma do valor de todas aquelas fragdes do trabalho dos artesdos. Devido a importancia de seus servigos, os modela- dores eram os trabalhadores mais bem pagos das ceramicas. Em 1769, Ar- thur Young registrou que um modelador recebia um salirio de cem libras esterlinas por ano, aproximadamente o dobro de um artesiio qualificado, que ganhava entre sete e doze xelins por semana; o escultor John Flasman, que trabalhava como freelance para Wedgwood, recebia um guinéu [equiva- lente a vinte xelins} por dia para preparar designs.* ‘Apesar desses ganhos aparentemente altos, os salétios dos modelado- tes nao correspondiam necessariamente ao valor de seu trabalho. Se este excedesse aos saldrios pagos, a diferenga seria lucro para o empresdrio. Uma vez que os modeladores recebiam uma taxa fixa e ndo royalties por seus designs, a margem do empregador também aumentava com o mi- mero de mercadorias produzidas a partir de um mesmo desenho. O uso de modeladores abriu, assim, caminho para maior lucratividade. Nao foi somente a diviso do trabalho nas ceramicas que tornou os modeladores indispensaveis para Wedgwood. O valor deles ficou ainda mais claro quando comecou a mudar o estilo de seus artigos. Uma vez que o neoclassicismo se originou longe de Staffordshire, nos centros da moda de Londres e do exterior, os modeladores convencionais das ceramicas ti- nham pouca idéia dos tipos de efeitos que se Ihes exigiam, bem como relu- tavam, em geral, em abandonar as idéias tradicionais que lhes haviam sido transmitidas sobre a forma apropriada dos produtos. Wedgwood tinha dificuldades constantes para encontrar modeladores que pudessem criar designs no estilo antigo, tanto para os artigos ornamentais como para os 51 utilitérios. Uma carta de 1767 descreve bem os problemas que ele tinha recorrentemente com seus modeladores: Recebi 0 modelo e o molde de terrina, cujas imperfeigdes vocé descreveu to precisamente em sua tiltima carta que sd preciso dizer que sua exposicao sobre elas nao estava exagerada. Receio que o sr. Chubbard nio ser muito util para nds, 0 que me deixa ainda mais preacupado, pois ele parece tao bem disposto a dar o melhor de si para nés [...] Aterrina, de fato, é notavelmente defeituosa na forma de todos os extremos # ladas que no correspondem de modo algum uns aos outros. Hé a mesma falha nos ornamentos, no topo do prato e na cobertura. Os ornamentos grava- dos nio esto terminados, 0 conjunto mostra uma tal caréncia daquela maestria necessaria na execugio desses trabalhos que me desestimula bastante pensar em empregi-lo novamente como modelador.? Wedgwood acabou por resolver o problema empregando artistas de fora da industria ceramica para fazer a modelagem. Estes compreendiam os principios do neoclassicismo ¢ podiam usé-los para dar aos produtos mo- dernos o cardter de antiguidade. De inicio empregou artistas modeladores em suas fébricas, mas concluiu que eles também perturbavam: seu sen- timento de independéncia artistica nao os tornava propensos a seguir a rotina rfgida que Wedgwood esperava dos outros trabalhadores ¢ amea- ava disciplina e os padrdes de trabalho que ele tentava impor. Sobre esse problema, escreveu certa ocasia\ ‘Oh, por uma diizia de bons ¢ humildes modeladores em Etruria por um par de meses! Que criagdes, renovacdes e geragGes deveriamos fazert Bem -, licita ¢calmamente devemos prosseguir com nossas préprias forgas naturais, pois nio terei mais exclentes modeladores aqui; por mais que eu desejasse sua pre- senga, eles corromperiam e arruinariam a nés todos. Fui obrigado a mandar embora Radford. As horas que ele escolhia para trabalhar teriam arruinado homens dez vezes melhores do que ele."” As experiéncias de Wedgwood com artistas em sua fabrica o convenceram de que nao devia empregi-los dentro das oficinas, mas encomendar ou comprar desenhos deles. Foi nessa base que negociou com John Flaxman, que trabalhava em Londres e mandava seus designs para Etriria. A ope- racdo de design tornou-se assim no apenas separada, como geografica- mente distante da manufatura dos artigos de ceramica. Wedgwood compreendeu evidentemente que havia vantagens comer- ciais na utilizagio de artistas para desenhar suas loucas. A medida que es- tabeleciam uma identidade propria mais forte, as classes médias e altas procuravam se distinguir por gostos exclusivos e da moda. Os artesdos provincianos da classe trabalhadora ignoravam essas modas e Wedgwood foi obrigado a achar homens que tivessem contato com a alta sociedade e com 0 gosto dominante. Em uma carta a Bentley, deixou claro que acre- ditava que os clientes valorizariam mais a obra de académicos do que de executores comuns de moldes de gesso, como o pai de John Flaxman, 20 qual se refer Eu lhe escrevi em minha dltima carta sobre bustos, suponho que aqueles que esto na Academia sao menos vulgares ¢ melhores em geral do que os que as oficinas de gesso nos podem fornecer; além disso, soard melhor dizer que isso da Academia, tirado de um original da Galeria tal, do que dizer que o recebe- mos de Flaxman."" Embora as demandas do neoclassicismo dessem a Wedgwood um mo- tivo particular para fazer uso de artistas para desenhar seus produtos, a introducao do design como uma atividade de especialista foi global no de- senvolvimento de todas as manufaturas, andando de maos dadas com a divisdo do trabalho. De outro modo, sem um conjunto de instrugdes para orientar o artesio, 2 manufatura de qualquer objeto teria toda a imprevisi- bilidade de um jogo, a medida que um homem apés 0 outro acrescentasse seu trabalho ao produto. O design podia ser preparado por um artesio que trabalhava o resto de seu tempo em outra funcdo na fabrica ou projetado por um artista ou designer profissional morando numa cidade distante e enfronhado nas til- timas modas ¢ idéias, mas a natureza do trabalho era amesma e devia suas origens mesma causa. Embora o designer profissional pudesse ser capaz de conceber um produto muito mais elegante e vendavel, 0 fato de que havia trabalho para ele nao era conseqiiéncia de seu génio inventivo, mas da divisio do trabalho na fibrica. 58 54 DESIGN E © PROCESSO DO TRABALHO: A ELIMINAGAO DO ACASO Uma vez tendo um design preparado para seus produtos, era natural que 0 fabricante quisesse reproduzi-lo com a maior exatidao possivel. O desig: ner podia fazer muito para assegurar que seu trabalho fosse de um tipo que os artesios, com as habilidades e ferramentas de que dispunham, seriam capazes de reproduzir com precisao e uniformidade. Em quase todas as in- dtistrias, uma das primeiras condigdes que um desenho precisava cumprir era a de dar resultados homogéneos em sua execucio, pois um produto que apresentasse variagdes eventuais seria julgado falho, com razio. Por- tanto, quase todos os desenhos tinham caracteristicas comuns a fim de usar os meios disponiveis de produgio - mdquinas ou maos de artifices —de tal modo que 0 acaso e avariagao fossem eliminados. A maioria das histérias do design que discutem a Queensware de Wedgwood enfatiza seu neoclassicismo. Com certeza, ele estava interessado em que seus artigos tivessem uma aparéncia neoclssica, mas esse tipo parti- cular de neoclassicismo estava relacionado com o modo como os potes cram feitos ¢ com a organizagao de sua fabrica. Alguns historiadores do design sugeriram que as formas suaves ¢ regulares da Queensware foram resultado dos métodos mecanicos de produgao. Por exemplo, Herwin Schaefer decla- rou em The Roots of Modern Design que a Queensware foi “aperfeigoada e padro- nizada em formas que podiam ser facilmente produzidas por meios mecani- cos”."* Por mais obcecados que Schaefer e outros historiadores estivessem pela nogao de que a introducao de maquinas deve ter sido a causa principal das mudangas no design, nao hé provas de que qualquer revolugao meca- nica na indiistria ceramica na época de Wedgwood justifique a descrigio de Schaefer. As técnicas de modelar na roda, moldar e tornear a Queensware eram exatamente as mesmas usadas para a cerimica verde e, na verdade, as mesmas que vinham sendo usadas na industria da cerdmica desde pelo me- nos trinta anos antes de Wedgwood entrar no negécio."3 Embora ele tenha introduzido um torno de girar mecinico, muito enfatizado pelos historia- dores, tornear era uma arte tradicional que a maquina nio fez mais do que acelerar.* A fama de Wedgwood como produtor nao se baseia no uso de mé- quinas, mas no modo como ele organizou os trabalhadores em sua fabrica, Portanto, é nas suas inovages nessa area que devemos procurar as conexdes entre o design de objetos de ceramica e os métodos de produgio. © que levou Wedgwood a adotar novos desenhos para suas lougas foi a necessidade de encontrar uma maneira de criar variedade, sem au- mentar os custos de produgao e sem ter de aceitar irregularidades e in- consisténcias no trabalho. Os seus clientes esperavam opgGes de design e, com efeito, clamavam constantemente por novos modelos. Seu produto original, a ceramica verde, fora notdvel pelo grande mimero de designs moldados e pela variedade de efeitos de vitrificacdo. Porém a imprevisibili- dade dos vidrados tornava as loucas inadequadas para venda por amostras e catdlogos. Além disso, a producao de novos artigos moldados era cara devido ao custo de capital dos moldes exigidos e do tempo perdido pe- los trabalhadores na mudanca de um modelo para outro. Em uma carta a Bentley, escrita quando tentava baixar 0 coeficiente de trabalho por peca, Wedgwood referiu-se a esses problemas: Tive varias conversas sérias com nossos homens das oficinas ornamentais ulti- mamente sobre o prego de nosso trabalho e a necessidade de baixi-lo, especial- mente em vasos para flores, tigelas ¢ bules de ch, ¢ como acho que a principal razio que impede reduzir seus pregos é a pequena quantidade feita de cada um, que cria problema tanto em afinara viola como em tocar a cangdo, prometi-Ihes que fario diizias de vasos, bules ¢ tigelas também, com tanta fieqiiéncia quanto Molde para bule de ché “couve-flor’, 1760, Acxecuciode moldes era carne avariedade debules era imitada a0 niimero dos diferentes moldes. 35 ‘Acima: Josiah Wedgwood: lio de formas de pratos, «.170. Muitas das formastinham tragos rococés, o que restringia avariedade de padroes de esmaltagem que podiam ser aplicados. Abaixo: Josiah Wedgwood: pagina do livro de padres para decoragio em esmalte para Queensware, .1780. Os clientes podiam escolhera partir de ampla gama de decorages um ‘iimero limitado de formas. 36 ‘ousemios nos aventurar em tais quantidades (...] Consegui agora um livro para meu prdprio uso ¢ especulagio, com o custo do trabalho empregado em cada produto, e prosseguirei no mesmo caminho em que penso que ha espaco para isso, ea conseqiténcia infalivel de baixar 0 pres do trabalho serd um aumento pro- porcional de quentidade produzida; e se voce olhar para as colunas de cdlculo e vir quio grande ¢a participacao de Modelagens ¢ Moles e as trés colunas seguintes nas despesas da manufatura de nossos bens, e considerar que essas despesas avangam como um reldgio e so muito parecidas, seja grande ou pequena a quantidade de bens produzidos, vocé verd a vasta conseqiiéncia, na maioria das manufaturas, de fézer a maior quantidade possfel em um tempo dado."s Nos artigos ornamentais, aos quais se refere essa carta, as quantidades produzidas no eram nada parecidas com as de lougas utilitérias, nas quais economias ainda maiores poderiam ser feitas com a redugio do niimero de modelos. Para conseguir essa reducio, a0 mesmo tempo que continuava a satisfazer a demanda dos clientes por variedade, Wedgwood decidiu, na Queensware, limitar o nimero de formas, mas oferecer uma gama mais ampla de decoragio esmaltada, que era aplicada nas lougas de- pois da queima, um processo relativamente simples. Quando faziam as encomendas, os clientes tinham grande opgio de motivos decorativos: em 1774, havia 3x diferentes aplicagdes de esmalte em oferta, além dos acabamentos lisos € dourados. Isso significava que Wedgwood nao precisava imobilizar capital com grande estoque de designs diferentes, pois 0 ornamento esmaltado s6 precisava ser aplicado apés 0 re- cebimento da encomenda. Depois que decidiu concentrar todo o trabalho de decoracao na esmaltagem, o custo de decoracao, fosse pelo processo ba- rato de decalques aplicados ou pelo mais caro de pintura 4 mao, nao variava muito se houvesse um design ou cem. A tinica dificuldade era que cada ar- tigo deveria seguir igualmente cada design. Artigos com muitos motivos em relevo deixavam poucas opgées na decoragio - embora um prato de borda de pluma pudesse ser apropriado para um padrio floral, ele nao acei- taria um padrio geométrico. A fim de tornar os desenhos da Queensware adequados para uma ampla variedade de padrées esmaltados, faziam-se necessdrias formas simples com grandes superficies lisas. E acontece que as formas neoclissicas satisfaziam essa exigéncia muito melhor do que as rococés que Wedgwood e outros fabricantes vinham produzindo. 87 0 desenvolvimento de formas apropriadas tanto aos métodos de fabrica- do como A satisfagdo dos gostos do mercado foi obra do design. Nao teria sido suficiente que os desenhos simplesmente apelassem para o gosto de me- ados do século e das classes média e alta, ou que se pudesse confiar nos arte- dios para repeti-los com coeréncia; a facanha dos modeladores de Wedgwood foi chegar a formas que fundiam satisfatoriamente as exigéncias tanto da produg&o como do consumo. Nisso, os modeladores estiveram empenhados exatamente na mesma tarefa que todos os designers posteriores. Diz-se com freqiéncia que o design industrial é uma ocupagio nova, es- pecifica do século xx. Por exemplo, Jeffrey Meikle afirma em Twentieth Century Limited, seu livro sobre o design nos Estados Unidos entre as duas guerras mundiais, que o design industrial nasceu em conseqiiéncia da Depressao: O design industrial nasceu de uma feliz conjungao entre um mercado saturado, que forgou 0s fabricantes a distinguir seus produtos de outros, eum novo tipo de méquina, que propiciou a ficil aplicagio por designers de motivos reconhe- cidos como “modernos” por um publico sensibilizado."* & certo que um grupo de designers industriais profissionais surgiu nos Estados Unidos na década de 1920, mas ¢ errado supor (independente do Thomas Baxter: Worshep of the Anis’ Father [ofiina do paid ans), Gough Square, Londes, aquarela, 110. Esmaltadores decorando cermica, que nest caso rio ena Wedgueod. 58 que eles mesmos reivindicaram) que tenham sido os primeiros designers industriais. A atividade a que se dedicavam homens como Raymond Loewy ¢ Henry Dreyfuss existia em certas inddstrias havia mais de um século e as tinicas novidades eram as idéias que trouxeram para seu trabalho e os produtos que foram submetidos ao design, de automéveis a aparelhos de rddio e pontas de caneta retrdteis. Em todos os aspectos fundamentais, a natureza do trabalho deles, ao fundir idéias com técnicas de manufatura, era idéntica 4 dos humildes modeladores das ceramicas de Wedgwood. NOTAS Farrer, v.1, p. 150. Ver também McKendrick, 1960. ‘Towner; Mankowitz, capitulo 2. Weatherill, p60. Farrer, v.11, pp. 147-48. Finere Savage, pp. 82-83. N. McKendrick, “Josiah Wedgwood and Factory Discipline”, Historical Journal, v. 1v, 1. 1, 1961, PP. 30°55. Mankowitz, p. 34. A, Young, A Six Months Tour through the North of England, Londres, 1770, v.11 Livro de contabilidade de Josiah Wedgwood, arquivos Wedgwood, E2-1339. 9 Farrer, v.1, pp. 190-01. 10 Tem, v. 1, p.17% 1 Wedgwood para Bentley, citado em John Flaxnan R. A., catélogo da exposigo na Royal Academy, Londres, 1979, p.47- 12, Herwin Schaefer, The Roots of Modern Design, Londres, 1970. 33, Ver}. Thomas. 14. Finere Savage, pp. 130-31. 15 Mankowitz, p. 57. 16 Jeffrey Meikle, Twentieth Century Limited, Filadélfia, 1979, p. 30. p. 308. Aesquenda: compoteira Queensware Wedgwood, 1770. Muitos dos. primeiros designs da Queensware de Wedgwood estavam longe deser neocldssicos. Formas como esta nio se Pprestavam a diferentes desenhos decorativos. Adireita:Josiah Wedgwood: pratos, terrina,tigelae prato com tampa decorados com faixa ondulada e desenhoem grinalda, «1780. Formas baticas ou similares podiam ser decoradas com padrées muito diferentes, JOIVOIVOVIOVI9O 99999999999° DODO D2 DOO t eLEL el E SLL) 990909090906 ee el el el el i 290909090904 JOOOOGOOOG0O¢ 99999999999‘ 99909090900 99999999999‘ DIDO DO OO We Wet 99999999999 990909090906 Jel Jel Je D Je D le D J OO a SS ae DESIGNEE WAGANTZAGAD A MECANIZAGAO FOI RUIM PARA O DESIGN? Hi tempos se convencionou ver o design de meados da era vitoriana como degenerado ¢ atribuir a culpa disso 4 introdugio da mecanizagio. Em Pioneers of Modern Design, provavelmente o livro mais lido sobre design moderno, Nikolaus Pevsner descreveu 0 estado do design na metade do século x1x da seguinte maneira: © problema da maquina nao esti somente no fato de ter eliminado o gosto nos produtos industriais; por volta de 1850, parece que ja havia envenenado irremediavelmente os artesdos sobreviventes. (...] Por que isso aconteceu? A resposta usual - por causa do crescimento industrial e da invengio das maquinas ~ est correta, mas, via de regra, é tomada de modo muito su- perficial. (...] © desenvolvimento dos dispositivos mecanicos simples para as maravilhas modemas da maquinaria foi légico e gradual. Por que a mi- quina se tornou, ao final, to desastrosa para a arte? A transiggo do estado medieval para 0 moderno nas artes aplicadas foi conclu{da por volta do fim do século xvii." 62 Pevsner prossegue fazendo uma lista da bem conhecida seqiiéncia de in- vengdes mecdnicas durante a Revolugio Industrial e nos encorajando a acreditar que elas foram a causa da deterioraco do design. Mas poderiam méquinas inanimadas e burras ter alguma coisa a ver com a qualidade do design e foram elas realmente a causa de todos os males que lhes so atri- bufdos? E 0 processo histérico que Pevsner delineou em seu livro é um relato correto do desenvolvimento do design na indiistria? Em sua verso da degeneragio do design vitoriano, Pevsner seguiu de perto as declaragées de quem viu as mudangas com os préprios olhos. © tema foi muito discutido no século xix, com repetidas referencias in- fluéncia maligna das mdquinas. Uma observacdo tipica, embora surpreen- dentemente precoce (1835), foi feita pelo arquiteto C. R. Cockerell: Creio quea tentativa de substituir o trabalho da mente e da mio por processos mecinicos em nome da economia terd sempre o eftito de degradar e, em ti- tima andlise, arruinara arte.* Opinides semelhantes foram expressas por muitos outros, entre eles John Ruskin, Richard Redgrave, editor do Journal of Design, publicado entre 1848 € 1852, € William Morris. Em pouco tempo, a crenga de Cockerell de queas méquinas levavam a um design inferior tornou-se amplamente aceita como verdade incontestavel. Assim, Charles Eastlake pdde escrever com absoluta conviegio em seu livro Hints on Household Taste [Sugestdes sobre o gosto no lar], publicado em 1868: Toda dama reconhecea superioridade da renda artesanal e outros tecidos feitos A mdo em relagio Aqueles produzidos por meios artificiais. O mesmo critério de exceléncia pode ser aplicado a quase todos os ramos da arte-manufatura. 0 acabamento perfeito ¢ a uniformidade exata de forma —o equilibrio correto € igual que distingue os artigos europeus daqueles das nagdes orientais, e, em es- pecial, os artigos ingleses dos de outros paises da Europa — indicam graus nao somente de civilizagao avangada, mas, inversamente, de declinio do gosto.? Os argumentos apresentados pelos reformadores do design do século XIX e seguidos por Pevsner repousam sobre o pressuposto de que as mé- quinas usurparam 0 controle do artesio sobre a forma do produto: as maquinas, acreditavam eles, haviam mudado a pratica do design ao se- parar a responsabilidade pela aparéncia do produto da tarefa de fabricd-lo, com uma conseqiiente deterioragio da qualidade do design. Essa idéia era to forte que um dos principais objetivos da Grande Exposigao de 1851 foi demonstrar a sua verdade: a intengdo de Henry Cole, principal organiza- dor da exposicao, era exibir produtos feitos a maquina ao lado dos artigos feitos 4 mao da India e do Oriente, de tal modo que a simplicidade e supe- tioridade do design destes tiltimos estariam ld para todos verem.* Contudo, apesar da ampla aceitagdo das idéias encarnadas na Grande Exposicao, as mAquinas nao podiam ser a causa da téo denegrida espe- cializagao no trabalho de design, que jé estava estabelecida muito antes do desenvolvimento da produgao mecanizada. Em nenhum momento as miquinas tiveram alguma influéncia independente sobre o design. Ea per- sisténcia da incompreensio e dos preconceitos dos escritores vitorianos que, ainda hoje, nos leva de volta ao velho ¢ surrado tema do efeito das ma- quinas sobre o design. As historias de trés industrias britanicas do século x1x ~ estampagem de tecido de algodao, confecgio de roupas e fabricagio de méveis — ilustram particularmente bem a verdadeira relagdo entre a apa- réncia dos produtos acabados ¢ as méquinas usadas em sua producao. £ importante lembrar que 0 grau de mecanizagao nas industrias de meados do século x1x era muito menor do que geralmente se supée. Como mostrou Raphael Samuel, a manufatura de varios produtos baseou-se du- rante muito tempo na habilidade manual e na forga dos trabalhadores.> ‘Mesmo onde foram introduzidas, as méquinas raramente eram aplicadas a todos os estagios da produgao e muitos processos continuaram a ser feitos A mao. Por exemplo, no corte e confeccao de roupas, até o final do século, as maquinas 6 eram utilizadas para poucos tipos de costuras. Na metade do século x1x, de todas as induistrias manufatureiras britanicas, somente a producio téxtil estava amplamente mecanizada. Nas muitas industrias que continuaram baseadas no trabalho ma- nual, os produtos ndo eram necessariamente feitos do comeco ao fim pelo mesmo artifice; por exemplo, a divisdo do trabalho na industria ndo me- canizada da ceramica data do inicio do século xvi1i e apareceu em muitas outras indiistrias por volta da mesma época.° Esse padriio corresponde de perto aos trés estagios do desenvolvimento da manufatura capitalista des- ctitos por Karl Marx em 0 capital.” Depois da condigao inicial das sociedades 63 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. A pritica dos empregadores das estamparias era ter um grande nimero de designs preparados, mas gravar e estampar somente uns poucos. Um gtande fabricante de Manchester disse que, em 1838, seus desenhistas de padres haviam preparado entre 2 ¢ 3 mil desenhos, dos quais somente quinhentos haviam sido gravados ¢ estampados.'* Esse aparente desperdi- cio e extravagancia era possivel porque os desenhos custavam muito pouco em comparagio com o prego da gravagiio dos cilindros e da estampagem dos tecidos. No Relatério da Comissao Especial sobre Design, de 1849, di- ferentes fabricantes deram estimativas da proporgio do custo do design no montante total da produgio. Varios deles estimaram o pagamento pelo preparo um design entre 5 € 15 libras esterlinas. Um grande fabricante re- conheceu que o design Ihe custava entre 1/2 péni e 3/4 de péni por peca, enquanto outro disse que representava 1/192 (0,52%) do custo do tecido e 11352 (0,28%) do preco de venda."® Vale a pena observar que, apesar desses custos infinitesimais, o valor do design para o fabricante era muito alto. 0 lucto dos donos das estam- parias dependia do volume de vendas dos desenhos estampados por mi- quinas individuais e o sucesso ou fracasso comercial de uma determinada estampa dependia quase inteiramente da popularidade do desenho. Um fa- bricante estimou que um tinico desenho de sucesso valera entre 200 ¢ 300 libras esterlinas em receitas geradas.* Sobre uma despesa inicial de nao mais do que 15 libras, era um belo lucro. Como a estampagem 4 maquina aumentou muito a quantidade de tecido que podia ser impresso com um ‘inico padrio, um desenho de sucesso tornou-se muito mais valioso para os fabricantes do que jamais teria sido com a estampagem manual. Nao surpreende que tenha sido nas décadas de 1830 e 1840, quando a estam- pagem & maquina comegou a se expandir rapidamente, que os fabricantes se preocuparam pela primeira vez em proteger a propriedade de seus de- signs. No comego da década de 1830, os principais donos de estamparias comegaram uma campanha para que as leis de protegdo aos direitos auto- rais fossem estendidas para cobrir os desenhos dos tecidos estampados; apesar de outras justificativas, como o argumento de que isso levaria a um design melhor, o principal objetivo dos fabricantes era estabelecer seus direitos de propriedade sobre designs como uma fonte de riqueza. Os debates sobre protecio legal dos produtos deram origem a muita discussio sobre outros aspectos do design. Porém, a nova atengio que se 68 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ‘Tenho trés méquinas. Eu gostaria que todos os donos de confeccio as usas- sem; elas economizam muita mao-de-obra e também permitem que vocé pague mais a quem emprega, sejz maquinista ou acabador. Também se pode pér muito mais trabalho; jamais poriamos cem jardas de adornos em um ves- tido de verao, se fosse para fazer tudo & mao; 0 pregueamento eo acabamento achamos melhor ter diferentes méquinas para ainda precisam ser manuai trabalhos diferentes, tal como acontece com as trabalhadoras manuais: uma faz as mangas, outra as saias e uma terceira os corpos.%3 (© grande aumento na quantidade de adornos influenciou a moda feminina. Os vestidos da década de 1860 e comego da de 1870 estavam cheios de enfei- tes: parece que cem jardas {cerca de nove metros} de tecido para um vestido ndo era exagero. Criticos de moda da época noraram a tendéncia € no int- cio da década de 1870 comecaram a deplord-la. Um deles escreveu: “O que [J vai caracterizar a época atual na Histéria da Moda [...] €a quantidade de adornos com que achamos possivel encher cada artigo”. Supunha-se que a moda se devia 4 maquina de costura: “Devemos muito do excesso de adornos agora predominante is facilidades permitidas pela maquina de costura”.** Por mais convincente que essa explicagdo possa parecer, ela é valida somente porque as méquinas de costura haviam sido introduzidas num sistema capitalista de produgio de mercadorias. Um dos principais ob- jetivos dos donos de sweatshops ¢ atacadistas de roupas, que controlavam 0 uso delas, era baratear o preco da costura. Em outras circunstancias, a velocidade das mdquinas poderia ter possibilitado a seus operadores ga- nhar mais ou trabalhar apenas algumas horas por dia, em vez das doze ou mais horas por dia que as costureiras 4 mao costumavam trabalhar. Para o cliente, o custo da costura poderia ter continuado 0 mesmo e todas as vantagens iriam para o trabalhador. Entio, ndo seria virtude criar vestidos com muitos adornos, pois isso os deixaria apenas mais caros. Porém, em vez de pagar as operadoras de maquines a mesma remune- ragdo das costurciras 4 mo, os sweaters lhes pagavam somente uma fragio do que as costureiras manuais recebiam por uma quantidade equivalente de costura. Nos Estados Unidos, onde as circunstancias eram semethantes, uma fibrica de camisas de New Haven, Connecticut, pagava as costureitas manuais, em 1860, 62 centavos por camisa, mas, quando as maquinas de costura foram instaladas, as operadoras recebiam apenas 16 centavos por 7 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. O uso de folhados era especialmente apontado por aqueles com quem Mayhew conversou e por outros envolvidos na indistria de méveis como um dos motivos da qualidade dos produtos. Nas mios dos garretmasters, os folhados baratos cortados 4 mAquina possibilitaram uma enorme mudanga na aparéncia da mobilia de baixa qualidade, que, em vez de ser feita sim- plesmente de pinho, podia agora ter toda a aparéncia de produtos superio- res. Como disse um deles para Mayhew: “Acho que as maquinas foram um beneficio para nés: elas ampliaram as matérias-primas para nosso trabalho. Se nao houvesse tanto folhado, nao haveria tanto mével elegante”.++ Embora a maquina de cortar folhados facilitasse o desenvolvimento de um novo tipo de produgio de méveis, seria errado supor que a maquinaria tam- bém tivesse sido responsdvel por qualquer deterioragio na qualidade. Como os proprios garretmasters disseram a Mayhew, foi o crescimento dos “matadouros” a causa principal do declinio da qualidade, porque os pregos baixos que ofe- reciam aos marceneiros estimulavam o trabalho mal-acabado em larga escala. s folhados cortados 4 maquina apenas propiciaram outros meios de rebaixar a qualidade, mas nao foram por si mesmos a causa da pritica. Tal como acon- teceu coma maquina de costura ea confecgdo, nao foi a maquina que provocou as mudangas no design, mas o uso da maquina em circunstancias econémicas © sociais especificas. A confecgao de roupas € a fabricagao de moveis envolviam um nivel muito simples de tecnologia e um conjunto relativamente direto dere- lagdes econémicas entre capital e trabalho, mas, mesmo quando a tecnologia era mais complexa, a maquinaria jamais determinou sozinha a aparéncia dos produtos. Atribuir mudancas no design apenas a tecnologia é nao compreen- der a natureza tanto das maquinas como do design nas sociedades industriais. A POLITICA DO DESIGN A idéia de que as maquinas arruinaram o design representava apenas uma pe- quena parte de um debate muito mais amplo que se desenrolow nas décadas de 1830 € 1840, periodo em que o design se tornou uma questio de importan- cia politica nacional na Gra-Bretanha. Foi tema de trés Comissées Parlamen- tares Especiais, em 1835-36, 1840 e 1849; houve pressio para criare, depois, aperféigoar escolas de design subsidiadas pelo governo, uma campanha para estabelecer direitos de propriedade sobre designs e varias exposigdes de arte ¢ 81 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. industrial; portanto, era-lhes extremamente dificil fazer qualquer critica da sociedade em que viviam que nao ameagasse sua fonte de prosperidade. A nio ser defendendo que se abandonasse todo o progresso material do sé- culo anterior para retornar a uma economia de simples artesanato (0 que, em boa medida, era recomendado por John Ruskin), eles nao conseguiam imaginar uma maneira de construir uma sociedade com abundancia de ri- queza, mas sem os males decorrentes. Somente um socialista como William Morris estava em posicao de ver que a critica da sociedade industrial nao precisava ser necessariamente regressiva e que poderia haver uma alterna- tiva que niio exchufsse o progresso material. Portanto, Morris estava em con- digdes, gracas ao seu socialismo, de pér a culpa da mé qualidade do design na cobica do capitalismo, coisa que outros hesitavam ou nao eram capazes de fazer. Embora Morris nio gostasse da mecanizagio e julgasse seus pro- dutos feios, ele nao insistia em que ela fosse a tinica causa do design inferior. ‘Como disse em uma palestra: “Nao é desta ou daquela maquina tangivel de ago e metal que queremos nos desfazer, mas da grande méquina intangivel da tirania comercial, que oprime a vida de todos nds”. A prdtica de culpar as maquinas pelo mau design desviava conveniente- mente a critica do capitalismo ¢ concentrava a atengio nos problemas técni- cos de produgio, em vez de direciond-la para as questdes sociais, mais dificeis € controversas. Afinal, era muito mais facil ver como as maquinas poderiam ser reprogramadas para fazer um design melhor do que conceber de que modo as relagdes de capital e trabalho poderiam ser refeitas com o mesmo propésito. Mas 0 que é tao notivel sobre o mito da maquina como agente do mau design é sua sobrevivéncia até hoje, apesar da compreensao muito maior danatureza da sociedade. Quaisquer que sejam as razdes para sua inesperada vida longa, 0 mito teve o efeito de obscurecer o lugar central do design na producdo. Tratd-lo apenas em termos de fatores técnicos ou artisticos faz com que ele invariavelmente pareca trivial e insignificante, tirando-Ihe sua caracte- ristica tinica de encarnar, do modo mais vivido e concreto, nio algumas, mas todas as condigdes que cercam a produgao de mercadorias. Em um design da estampagem de tecidos do século x1x, vemos nao somente o produto de um cilindro movido a vapor, nao somente os resultados da habilidade artistica de um designer, mas também o produto de um sistema em que era possivel para um homem lucrar com a compra do trabalho de muitos outros a um prego que pagava pouco mais quea subsisténcia deles. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. DUPER ANGLAGAD EMODESTCN Em seu catdlogo de 1895, a firma norte-americana de venda por reembolso postal Montgomery Ward & Co. oferecia 13: tipos de canivete, agrupados em quatro categorias: “para senhoras”, “para homens”, “para meninos” e “para homens, pesados e de caga”". Embora houvesse diferengas entre as categorias, as variagbes dentro de cada uma delas eram relativamente pequenas. Os catdlogos de outras empresas de reembolso postal, lojas de departamentos e fabricantes do século x1X revelam que essa espantosa va- riedade de escolha era normal em tudo, de canetas a maquinas de costuta oucadeiras para sala de jantar. Essa profusio continua até hoje, embora em menor escala, e perma- nentemente irrita os moralistas do design, que a consideram um abuso € um desperdicio de energia, uma vez que nao contribui em nada para melhorar a existéncia humana.‘ Porém, ainda que uma dizia de designs de canivete pudesse atender as necessidades dos clientes da Montgomery Ward tdo bem quanto os 131 oferecidos, dificilmente se poderia culpar a empresa pelo excesso de producao de designs quando essa amplitude de escolhas era universal. A diversificagdo de modelos, nao apenas para atender as muitas categorias diferentes de uso e usuario, mas também a grande variedade existente dentro de cada categoria, era um trago tio. 89 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. a om. Set re P oo, Die ‘Acima: escovas de ccabelo para mulheres ¢ para homens, catilogo Army and [Nay Stores, 1908. As escovas femininas distinguem-se por tercaboe, em geral, maior quantidade de ormamentos. Absixo: reldgios ferininos e rel6gio masculino, catélogo Army and Navy Stores, 1go8. Além de ser maioreteruma pulkeira de couro, em verde metal, reldgio para homem tem contrério dos religios para mulheres, que tém niimeros ardbicos. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. A hist6ria de outra mercadoria, 0 sabio, mostra 0 uso comercial do de- sign para criar demanda em um mercado de classe em particular. Ao con- trdrio dos tecidos de algodao estampados, em que a diferenciagao de classe no design era aceita havia muito tempo, os produtos de sabao nao eram fa- bricados para classes especificas de consumidores até que W. H. Lever co- ‘mecou a comercializar seu novo sabao, Sunlight, dando-lhe uma imagem de marca com apelo especifico a classe trabalhadora. O sabio para lavar roupas e limpar a casa foi fabricado na Gra-Bretanha numa escala que aumentou constantemente durante o século x1x.? Em 1885, jd havia muitas firmas bem estabelecidas no ramo, mas nenhuma delas produzia sabao num formato so- bre o qual se pudesse dizer que possufa design. Havia cerca de meia diizia de variedades bésicas de sabio doméstico, feitas por essas empresas conforme receitas conhecidas. O sabao era fornecido em barras longas aos comercian- tes, que cortavam os pedacos e vendiam por peso aos clientes, da mesma forma que o queijo, por exemplo. Até a década de 1880, cada fabricante de sabZo atuava num mercado regional do qual tinha o monopdlio. Havia assim pouca ow nenhuma concorréncia entre os fabricantes. Qualquer estampa ou marca no sabi nao interessava ao consumidor, que escolhia um tipo de sa- bao — “mosqueado”, “coalhado”, “primavera” ou “Windsor” - endo uma marca.?” Como explicou um dos principais fabricantes de sabao na época: [uJ hd pouca ou nenhuma diferenga de qualidade entre diferentes marcas de sabdo em barra ~ h4 um primavera Thomas, um primavera Knight, um pri- mavera Cook -, todos 0 mesmo sabio, Portanto, ¢ impossivel, pela natureza do caso [...], tentar por meio de propaganda criar uma demanda em favor de qualquer marca em particular.** Barra de sabioe tablete do sabao Sunlight. As barras, cortadas e vendidas a pesoao consumidor, ‘eram 2 forma normal de venda de sabi até ‘queW.H, Lever comecou a produzirtabletes de uma libra estampados. ‘com sua marca. 107 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. PATRAO E CRIADO Foi quando as classes se definiram como patrées e criados, ou em orga- nizaces em que havia hierarquia de empregados, que as diferengas em design se tomaram suficientemente consistentes para dar uma idéia clara das distingdes que se pensava existir. Fossem as pessoas ferroviirios, cai- xas de banco ou vendedores, o design das roupas que vestiam e dos artigos que usavam ajudava a definir seu status ¢ a natureza de suas relagdes uns com os outros e com seus empregadores. A relagdo entre criados domésticos e seus patrées, embora nao fosse de forma alguma o iinico tipo de relacdo patrao-criado existente no século XIX, era uma das mais complexas e embaracosas. Na metade do século, jé se referiam a ela como um “problema”, o que indica que estava pasando por algum tipo de mudanga. A visdo de hoje sugere que o problema nio estava no servigo doméstico em si, mas resultava de outras mudancas, que faziam dele uma forma arcaica de emprego.3* Empregos em que 0 traba- Ihador morava na casa do patrio, comia sua comida e era considerado uma responsabilidade dele haviam sido normais em outros tempos, mas, na maioria das ocupacées, essa forma de emprego desaparecera durante 0 século xvi11, Esses costumes sobreviveram no século x1x somente para empregados agricolas em alguns distritos e para os criados domésticos. Em geral, os homens e as mulheres da classe trabalhadora procuravam empregos em que nao tivessem de morar e fossem pagos apenas em di- nheiro. A sobrevivéncia da forma anacrénica de servigo doméstico numa época em que as outras ocupagées davam mais liberdade e independéncia provocava consideravel descontentamento entre os criados, que viam seus amigos ¢ parentes levando uma vida mais independente, embora menos segura, € 0s invejavam porisso. No final do século x1x, esse descontentamento levou a queixas cada vez mais comuns dos patrées contra criados “teimosos” ¢ desobedientes. Qualquer aspiragao a independéncia era combatida pela crescente preocu- pacdo dos patrées ¢ patroas em se assegurar de que seus criados fossem identificados como diferentes deles. Um sintoma disso era a ansiedade das patroas diante da possibilidade de serem confundidas com suas cria- das, ou estas com aquelas, ambas situagGes temas de cartuns e histérias humoristicas na metade do século.* m aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. na galeria de entrada e por uma passagem no extremo esquerdo da planta. Walton era uma mansio, mas 0 mesmo principio de segregacio espacial fortemente definida estava presente em casas menores projetadas para as classes média e alta no século xrx.35 Essas solucGes arquiteténicas complicadas para o problema da rela- Go entre patrao e criado estavam a disposigao apenas dos abastados. Um método mais econ6émico e, de muitas maneiras, mais incisivo de indicar aos criados a inferioridade de sua posigao social era a criagéio de designs mais humildes ¢ simples para as camas em que dormiam, as cadeiras em que sentavam ¢ 0 pratos em que comiam. Os catilogos dos fabricantes de méveis do século x1x continham uma selegao de moveis de cozinha e de quarto de empregada, que se distinguiam pelo acabamento simples, falta de ornamentos ¢ custo baixo. A mobilia era invariavelmente feita de pinho, natural ou pintado, bem diferente daquela destinada ao uso do patraoe da patroa nas outras dependéncias da casa. O catdlogo da Heal’s de 1896 ilus- trava um quarto de empregada mobiliado por cerca de 4 libras, com uma armagio de cama de ferro simples, uma cémoda, cadeira e suporte para bacia em pinho natural. Embora uma criada com um quarto assim mo- biliado pudesse se considerar feliz, a simplicidade do design nao deixava duvida sobre sua destinagao. Mesmo nesse quarto, nao havia sinal de luxo, nenhum espaco para conforto ou descanso. O padrio geral do mobilidrio da maioria das dependéncias de empregados era muito menos confortavel. Com freqiiéncia, eram mobiliados com refugos e calculados para nao dar 4 criada nenhuma chance de sentir que poderia haver motivo para compa- ragio entre ela e sua patroa. A ligio da austeridade da mobilia das criadas era aprendida por elas. As autobiografias de domésticas se referem com freqiiéncia ao desconforto dos méveis. Uma ex-criada, que comegoua trabalhar em 1922, escreveu: Minha segunda tentativa foi uma clara melhoria, como empregada-assisiente de dois numa casa particular. [,..] Eu tinha um quarto sé meu Id. O tipo de quarto que descobri por experiencia que se deve sempre esperar no “servigo de cavalheiros” tem uma cama de ferro com colchio encarogado, descontio que feito especialmente para o uso de criadas, uma cémoda p intada, com espelho manchado, assoalho coberto de lindleo e um capacho ao lado da cama.** M5 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. VARIEDADE Embora o desejo de encarnar as distingdes sociais possa ser responsdvel, di- gamos, pela classificacdo dos canivetes em padrées femininos e masculinos, ele nao explica por que as senhoras precisariam escolher entre dezessete designs diferentes, ou os homens entre 39. Como explicar a compulsao de tantos fabricantes em ser tZo prolificos com os designs de seus produtos? Uma resposta possivel éque a variedade proporcionava aos consumidores um grau de escolha e thes dava um sentimento de mais seguranga quanto & sua individualidade. Um canivete de aparéncia masculina poderia reforcat a visio do comprador de si mesmo como msculo, mas, enquanto fosse o tinico canivete masculino disponivel, o objeto nao faria nada para que ele se sentisse diferente dos outros homens. 0 que possibilitaria isso seria a oportunidade de escolher dentre uma variedade de canivetes ou possuir um design parti- cular que somente ele teria entre seus amigos. Por esses motivos, a variedade ocorria no mais alto grau em bens que eram visiveis aos outros, tais como mé- veis e roupas, ou em tecidos de algodio estampado, uma industria em que os fabricantes tiravam partido conscientemente dos desejos de individualidade. Acrenga de que as posses incomuns ou tinicas dotam de individualidade seus donos éuma ilusio que foi cultivada durante muito tempo. Esse aspecto do fetichismo da mereadoria derivou presumivelmente da pratica aristocrd- tica de colecionar reliquias, curiosidades ¢ obras de arte singulares, mas é um mistério como os bens manufaturados, jamais tinicos por natureza, che- garam a ser considerados da mesma forma. Qualquer que tenha sido a causa, a manufatura capitalista aproveitou-se rapidamente disso produziu dez, vinte ou uma centena de designs quando um teria sido suficiente. Um segundo motivo para a variedade de designs foi a previsio dos fa- bricantes do aumento de suas vendas. Variagdes sutis no que era essen- cialmente 0 mesmo produto poderiam persuadir as pessoas a comprar um segundo ou terceiro artigo quando um teria sido suficiente para suas necessidades. Pratos de bolo, canecas para barbear e louga infantil preen- chiam fungdes que poderiam ser cumpridas igualmente bem por produtos de porcelana comuns, mas eles propiciavam aos consumidores um motivo para comprar artigos adicionais. Razdes similares explicam por que W. H. Lever, depois de garantir o sucesso do sabéio Sunlight, comegou a comer- cializar o que era essencialmente 0 mesmo sabo em varias formas um ng aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. cantes caiu no perfodo entre-guerras. Em 1980, a maior fabricante de ca- deiras Windsor, Fumiture Industries Ltd. (cujos produtos so conhecidos pela marca Ercol), jé produzia apenas dezessete modelos, em comparagio com os 141 oferecidos por Edwin Skull cem anos antes.** Durante o século xix, ndo era sé a producdo manual que gerava varie- dade, mas também muitas indistrias mecanizadas. Varios mestres estam- padores de tecidos de algoddo que prestaram depoimento & Comissio Es- pecial de 1840 sobre design destacaram o grande nimero de padrdes que produziam todos os anos. Um estampador, que introduzia anualmente en- tre quatrocentos e quinhentos novos desenhos, disse que “nos empenha- mos em fazer um comércio por variedade, mais do que por exceléncia” 8 Eles eram bastante explicitos sobre seus motives para essa politica, como justificou o mesmo estampador: Devo esperar que quanto mais planto, mais devo colher; que quanto maior 0 esforgo para produzir coisas novas ¢ boas, com maior probabilidade devo ser recompensado pelo piblico por meu trabalho ¢ gasto."4 Outro fabricante, que disse que estampava cerca de quatrocentos novos de- signs por ano, comentou: “Penso que deveria ganhar mais dinheiro por re- produzir continuamente estilos, com tanta freqiéncia quanto possivel” "5 Para esses fabricantes, a variedade de design era um principio do negé- cio e a chave para 0 lucro, pois era o meio pelo qual eles persuadiam seus clientes de classe média a comprar tecidos acima de suas necessidades. Ao produzir constantemente novos designs, os fabricantes conseguiam promover a moda; uma dama que via que o tecido do qual seu vestido era feito se tornara difundido e popular tratava de comprar um design novo ¢ original para se manter & frente da moda, ainda que o primeiro vestido mal tivesse sido usado. O mesmo fabricante que dizia que quanto mais plantasse, mais colheria, ao ser perguntado se achava que mais desenhos levariam a0 uso de mais vestidos, respondeu: Penso que isso & muitissimo provével, pois o que é um vestido, no fim das con- tas? £ fantasia e gosto, nao é mera protecio, pois de outro modo nio teriamos de modo algum vestidos estampados. £ como a pintura, ndo hd razdo para um cava- Iheiro querer um quadro, mas, quando vé uma pintura boa, ele deseja possui-Ia.* 123 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. situam os produtos do design em relacao direta com as idéias da sociedade em que eles so feitos. A evidéncia é que os préprios fabricantes faziam distingdes entre designs baseadas em diferentes mercados: em alguns ca- sos, como no dos tecidos estampados, eles reconheciam explicitamente as diferenciacées desse tipo feitas na produgio de desenhos; em outros casos, as classificagdes nos catdlogos dos fabricantes proporcionam um testemunho silencioso do fato de que seus varios designs destinavam-se a diferentes grupos de pessoas. Olhar a variedade de bens ilustrados nos catélogos dos fabricantes, lo- jas de departamentos ¢ firmas de reembolso postal do século xtx ¢ observar uma representagdo da sociedade. Por meio do design de canivetes, relégios, roupas e méveis para satisfuzer todas as posigdes e situagdes sociais, pode-se petceber a composigao da sociedade tal como os indusiriais a viam e como & Btow Aner Fess bane Pama Jéx. 4187; Sy Trae CNG se ES rt Vip sors 2" els LU Moyne Eh heat: Bet ileye 27 Estrutura de eadeira dobrivel, design de G. Wilson. Um dos muitos designs para cadeiras reclinéveis desenvolvidos ros Estados Unidos no séculoxrx. (Patente americana. 116784, 4de julho de 1871.) aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Deseemos trés degraus para chegar & parte principal da sala de visitas. 0 tapete quase fazia cécegas nos meus tornozelos. Fechado num canto, um piano de cauda, tendo ao lado, num vaso comprido de prata, sobre uma faixa de veludo cor de péssego, uma rosa solitéria amarela. Havia muita mobilia boa, grande quantidade de almofadées no chao, alguns com borlas douradas ¢ outros sem qualquer enfeite. Uma sala agradavel, que no com- portava objetos rudes. Num canto sombrio, uma larga fizenda adamascada cobria um diva, daqueles bons para entrevistar uma datildgrafa. Era o tipo de sala onde as pessoas se sentam com as pernas cruzadas sobre o assento, sorvem absinto através de torres de agticar, falam alto com vozes afetadas ou simplesmente ficam jogando conversa fora. Um lugar onde tudo poderia acontecer, menos trabalho." Como Philip Marlowe, o detetive criado por Chandler, observa, o lar, além de prover abrigo, é também um cone, Sua aparéncia evidencia o que ele € e como as pessoas devem comportar-se, ou ndo. As idéias sobre o lar variam entre culturas e entre perfodos, mas em qualquer tempo e em qual- quer lugar haverd provavelmente um consenso sobre como deve ser um lar, o que é certo eapropriado para ele e o que estd fora de lugar. 181 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Aolade: méquina de costura “Nova Familia” Singer, 1858. Apis 0 fracasso da maquina “Familia”, 2 Singer apcesentou rapidamente ‘um novo modelo para © mercado doméstico. Abaixo, & esquerda: méquina de costura Esquilo, 1858. Outra tentativa, mais fantasiosa, de tomar a méquina de costura um objeto domeéstico, esquilo foi escolhido devidoa sua frugalidade ce prudéncia Abaixo, a direita: miquina de costura com querubim, 1858. ‘No final dadécada de 1850, na corrida pare cviar méquinas de costura domésticas, surgiu no mercado ‘grande variedade de méquinas omamentais como esta. 135 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. olhar se quisermos ver o futuro de nossa terra [...] © st. Barrett, em White- chapel, descobriu que a satide ea longevidade dos judeus, cujas mulheres nao stem para trabalhar, eram comparavelmente superiores as da populagio crista, cujas mulheres trabalhavam sem dar atengio adequada a sua fungio de mies. Nao se conclui que uma cépia estereotipada dos habitos dos judeus seria de- ificar a visio do imperador da Alemanha sejavel, mas isso pode explicar e jus de que, para a criagio de uma raga viril, seja de soldados, seja de cidadios, é ‘essencial que a atengio das mies de um pafs se dirija principalmente aos trés K rej. —Kinder, Kiiche, Kirche (do alemao: filhos, cozinha, Embora a explicagio do general deixasse de lado os fatores muito mais relevantes da desnutrigdo € da pobreza, a idéia de que um cuidado mater- nal deficiente era a raiz do problema estava muito difundida. Tomaram-se varias medidas para melhorar a condigao fisica da raga, entre elas refei- (Bes gratuitas e inspecdes médicas nas escolas, e tentativas de melhorar as condigées de moradia, mas a maior énfase estava na melhora dos padroes de maternidade e das condicdes domésticas. Criaram-se escolas para en- sinar as mes a cumprir melhor suas responsabilidades e davam-se ligdes bisicas de higiene ¢ trabalhos domésticos nas escolas.%* Os pais eram es- timulados a ver suas responsabilidades sob uma nova luz; um livro sobre administragdo do lar, publicado em 1910, declarava: 0 fardo da responsabilidade ou o privilégio de promover o progresso L...] re- pousa sobre aquelas pessoas que se propdem ser ou que ja so pais (...] O cui dado dos pais e a administragio inteligente do lar esto assim intimamente re- lacionados com a evolugio fisica da raga, bem como com seu desenvolvimento moral. Portanto, eles devem assumir uma importincia crescente para garantir 0 pleno desenvolvimento das potencialidades da geragio em crescimento ¢ promover o progresso racial. Qualquer propenstio a depreciar a dignidade ou a nada e, solapar a influéncia dessas instituigGes deve ser cuidadosamente exai se necessdrio, duramente reprimida.*” Subjacentes a declaragdes como essa estavam as crengas de que a familia era a base da nacao e de que o dever de aperfeigoar suas condigdes estava nas mis dos pais, em particular das maes. O treinamento para set mae podia ter ou nio efeito pratico sobre o bem-estar, mas a preocupacio 159 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ‘Acima, @ esquerda: escrivaninha de gerente ‘com design omamentado, us, meados da década de 1920. De W. H. Leffingwell, The fie Appliance Marua, 1926, P. 734 ‘Acima,& direta: ‘escrivaninha de tampo plano com tampa dobrivelc.1935-Uma solugZode compromisso para presenara confidencialidade sem permitiro actimulo desnecessaro de papéis sobre amesa. DeV. E. Jackson, Moder Office ‘Applianes, Londres, 1936. ‘Aolado: méquina de catalogago em um escritério norte- lamericano,c. 1915 A mulheresté sentada numa cadeira de madeira dotipo aprovado para trabalhadores de escrito. De W.H. Leffingwell, Scientific Office Management, Chicago, 1917, p. 108. 181 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is 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Ce &e O@ OO Oc e e@ @e- 0c O0 eH Oe & Ce 0 O@ CO O@e 0 @ e®@ @e- 0c 0 eB @e Ge e @ @O Oo 0 @ e@ @- 0c 0 eB Be Ce 0 O@ CO Oo 0 @ ®@ @e- 0&0 eB Oe e Co 0 @ CO @e 0 @ e®@ @e 00 eH Be eo @e 0 @ CO @e 0 @

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