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A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica

Walter Benjamin

Conceitos tradicionais: criatividade e gênio, validade eterna e estilo, forma e


conteúdo (apropriáveis pelo fascismo)

Novos conceitos na teoria da arte: não apropriáveis pelo fascismo; permitem


formulação de exigências revolucionárias na política artística.

Reprodutibilidade técnica

Obra de arte sempre foi reprodutível (reprodução manual / imitação: mestres e


discípulos).

Evolução da reprodução técnica:

 Xilogravura (Idade média, permitiu reprodução do desenho)


 Imprensa (permitiu reprodução da escrita)
 Litografia (século XIX, técnica mais precisa  permite criações sempre
novas  desenvolvimento das artes gráficas  ilustração da vida
cotidiana)
 Fotografia (o olho substitui a mão)
 jornal ilustrado contido na litografia; cinema falado contido na fotografia

Autenticidade

 Na reprodução, um elemento está ausente: o “aqui e agora” da obra de


arte, sua existência única
 História da obra (passagem do tempo): consta em sua estrutura física
(investigada por análises químicas e físicas) e em suas relações de
propriedade (tradição  reconstituição deve partir do lugar em que se
achava o original)
 A esfera da autenticidade escapa à reprodutibilidade técnica.
 Em relação ao original, 1) a reprodução técnica tem mais autonomia que
a manual (fotografia  pode acentuar certos aspectos do original,
conforme o ângulo de observação, ampliação ou câmera lenta); 2) ela
pode aproximar o indivíduo da obra.
 Novas circunstâncias desvalorizam o “aqui e agora”
 “Aura” da obra é atrofiada: a técnica de reprodução destaca do domínio
da tradição o objeto reproduzido.
 Substitui a existência única por uma existência serial
 Atualiza o objeto reproduzido (este vem ao encontro do espectador)
 Lado destrutivo: liquidação do valor tradicional do patrimônio da cultura
Destruição da aura

 A percepção humana não é definida apenas naturalmente mas também


historicamente.
 Aura: figura singular, composta de elementos espaciais e temporais;
aparição única de uma coisa distante, por mais perto que esteja.
 Fazer as coisas “ficarem mais próximas” (fenômeno das massas 
necessidade de possuir o objeto) leva à destruição da aura.
 Característica de um modo de percepção em que a capacidade de captar
o semelhante no mundo é tão aguda que graças à reprodução podemos
captar seu fenômeno único.
 Esfera sensorial tem mesma tendência que esfera teórica com a
importância crescente da estatística.

Ritual e política

 Unicidade da obra de arte é idêntica à sua inserção no contexto da


tradição
 Objeto de culto: arte servia a um ritual mágico / religioso
 Aura: nunca se destaca completamente de seu valor ritual (mesmo nas
formas mais profanas do culto do Belo)
 Doutrina da arte pela arte (arte pura, que rejeita toda função social e
qualquer determinação objetiva)  com a reprodutibilidade técnica, a arte
se emancipa de sua existência parasitária, destacando-se do ritual
 Com a destruição da aura, toda função social da arte se transforma 
passa a fundar-se na política.
 Cinema: torna obrigatória a difusão em massa (produção muito cara). O
filme é uma criação coletiva
 Cinema falado: estimulou interesses nacionais / internacionalizou a
produção cinematográfica (novos vínculos entre capitais para superar
crise econômica)

Valor de culto e valor de exposição

 Hoje vemos a oscilação entre esses dois pólos.


 Arte a serviço da magia: o que importa é que existam, e não que sejam
vistas
 Valor de culto quase obriga a manter secretas as obras de arte
 À medida em que as obras de arte se emancipam de seu uso ritual,
aumentam as ocasiões para que sejam expostas
 Pré-história: preponderância absoluta do valor de culto (obra conferida
primeiramente como instrumento mágico, somente depois como arte)
 Hoje: preponderância absoluta do valor de exposição (novas funções –
função artística como secundária).
Fotografia

 Valor de culto começa a recuar com a fotografia (sua última trincheira é o


rosto humano – culto da saudade)
 Quando o homem se retira da fotografia, o valor de exposição supera pela
primeira vez o valor de culto (Atget, ruas desertas de Paris, 1900 
orientam a recepção num sentido determinado; a contemplação livre não
é adequada.
 Nas revistas ilustradas, legendas explicativas se tornam obrigatórias.
 No cinema: seqüência determina apreensão de cada imagem.

Valor de eternidade

 Técnicas reprodutivas dos gregos: molde e cunhagem (moedas  únicas


obras fabricadas em massa)
 Os gregos foram obrigados, pelo estágio de sua técnica, a produzir
valores eternos  a mais alta das artes era a menos perfectível: a
escultura, feita a partir de um só bloco.
 Cinema: perfectibilidade / filme: mais perfectível de todas as obras

Fotografia e cinema como arte

 Muito se discutia se a fotografia é ou não arte; pouco se questionou se a


invenção da fotografia não teria alterado a própria natureza da arte.
 Num esforço por conferir ao cinema o valor de “arte”, os primeiros
teóricos tentavam atribuir-lhe elementos vinculados ao “culto”

Cinema e teste

 Fotografar um quadro: o objeto fotografado é uma obra de arte; a


reprodução não é.
 Fotografar num estúdio um acontecimento fictício: o objeto reproduzido
não é obra de arte, a reprodução também não é  no melhor dos casos,
a obra de arte surge através da montagem
 O ator não representa a um público qualquer, mas a uma equipe de
especialistas, que têm o direito de intervir (típico de um desempenho
esportivo / execução de um teste)
 Provas esportivas: obstáculos naturais
 Cinema: obstáculos mecanizados  a prova não é exibida, somente o
resultado (se aprovado).
 Ser aprovado significa para o ator conservar sua dignidade humana
diante do aparelho
 Massas (alienadas perante uma máquina durante sua jornada de
trabalho) enchem os cinemas para assistirem a vingança que o intérprete
executa em nome delas

O intérprete cinematográfico

 Ator de cinema exilado de si mesmo


 Estranheza do intérprete diante do aparelho  estranheza do homem
diante de sua imagem no espelho (romantismo)
 Imagem destacável e transportável
 Intérprete tem consciência de que é controlado por uma massa invisível
 Capital cinematográfico: caráter contra-revolucionário (estimula o culto do
estrelato e estimula a consciência corrupta das classes, tomada pelo
fascismo como consciência de classe)
 Arte contemporânea: mais eficaz quanto mais se orientar em função de
sua reprodutibilidade, e quanto menos colocar em seu centro a obra
original.
 Obra teatral: ator entra no papel
 Ator de cinema: atuação descomposta (não percebe o contexto total em
que está inserida sua ação)
 Ator cinematográfico representa a si mesmo

Exposição perante a massa

 Crise da democracia  crise nas condições de exposição do político


profissional
 Democracia: expõe políticos de forma imediata diante de certos
representantes
 Novas técnicas permitem exposição para um publico ilimitado:
parlamentos se atrofiam, junto com o teatro.
 Objetivo (do ator e do político): tornar mostráveis determinadas ações de
modo que todos possam controla-las e compreendê-las
 Vencedores: campeão, astro e ditador

Exigência de ser filmado

 Ampliação da imprensa: um número crescente de leitores começou a


escrever (“Carta dos leitores”)  anulam-se as diferenças entre autor e
leitor
 Cinema russo: auto-representação
 Europa Ocidental: exploração capitalista do cinema impede aspiração do
homem moderno de ver-se reproduzido.
 Indústria cinematográfica estimula a participação das massas através de
concepções ilusórias (explora a aspiração por novas condições sociais)
 Expropriação do capital cinematográfico: exigência prioritária do
proletariado
 Forma de arte amadurecida: intersecção entre três linhas evolutivas. 1)
técnica atua sobre certa forma de arte (álbuns fotográficos – passar as
folhas rapidamente com o polegar). 2) Formas de arte tradicionais tentam
produzir efeitos que serão obtidos sem esforços pelas novas formas de
arte (dadaístas: conceito do choque). 3) Transformações sociais
acarretam mudanças na estrutura da recepção, que serão utilizadas pela
nova forma de arte (Panorama do Imperador, em Berlim: formação de
público – recepção coletiva)

Pintor e cinegrafista

 Natureza ilusionista do cinema não está no fazer, mas na montagem


 Pintor = mágico (preserva distancia)
 Cinegrafista = cirurgião (opera)
 Imagem do pintor é total; imagem do cinegrafista é fragmentada 
permite penetrar a realidade (opõe-se à aceitação contemplativa)

Recepção dos quadros

 Massa: retrógrada diante de Picasso, progressista diante de Chaplin


 Distância entre critica e público: desfruta-se o que é convencional, sem
criticá-lo; critica-se o que é novo, sem desfruta-lo (significação social
reduzida de uma arte)
 Cinema: reações individuais são condicionadas pelo caráter coletivo
dessa reação
 Contemplação de quadros por um grande público evidenciava a crise da
pintura
 Pintura não é passível de recepção coletiva: público não tinha como
organizar-se nos salões, tinha de recorrer ao escândalo para emitir seu
julgamento.

Camundongo Mickey

 Cinema: substitui espaço de ação consciente por outro de ação


inconsciente  permite a experiência do inconsciente ótico (psicanálise:
experiência do inconsciente pulsional)
 A percepção coletiva do público se apropria dos modos de percepção
individual do psicótico ou do sonhador  o “mundo dos que dormem”
deixa de ser privado (por meio da criação de personagens do sonho
coletivo, como o Mickey / explosão terapêutica do inconsciente)

Dadaísmo

 Objetivo: tornar as obras impróprias para utilização contemplativa


 Aniquilavam a aura de suas criações (estigmatizadas como reprodução)
 Ao recolhimento opõe-se a distração
 Dadaísmo provocava escândalo (assegurava distração intensa)
 Exigência básica: suscitar a indignação pública
 Atingia, pela agressão, o espectador: esteve a ponto de recuperar a
qualidade tátil
 Favoreceu a demanda pelo cinema: valor de distração fundamentalmente
de ordem tátil (mudança de lugares e ângulos que golpeiam o
espectador)
 Tela: imagem fixa (permite contemplação) / cinema: imagem que se move
(não permite)
 Dadaísmo e cinema baseiam-se no efeito de choque

Recepção tátil e recepção ótica

 Para as massas, a obra de arte é objeto de diversão (distração) ; para o


conhecedor, objeto de devoção (recolhimento)
 Arquitetura: recepção coletiva (dispersão). Dupla forma de recepção: tátil
(se efetua pelo hábito) e ótica (contemplação).
 Cinema: recepção tátil (distração) prevalece sobre a ótica

Estética da guerra

 Grades comícios, grande desfiles, espetáculos esportivos e guerreiros: a


massa vê seu próprio rosto
 Multidões são melhor captadas pelo aparelho do que pelo olho humano
 Massa: forma de comportamento humano especialmente adaptada ao
aparelho
 Fascismo: estetização da vida política.
 Ponto de convergência: a guerra
 Somente a guerra pode mobilizar os meios técnicos, preservando suas
relações de produção
 Futurismo: “a guerra é bela”
 Guerra imperialista: discrepância entre poderosos meios de produção e
sua utilização insuficiente no processo produtivo (desemprego e falta de
mercados)
 “Revolta da técnica”
 Resposta do comunismo: politização da arte

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