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LOUCURA “DOENÇA OU PRECONCEITO IDEOLÓGICO?


Dr.Wagner Paulon
2008

Acho que "loucura" hoje é mais uma questão de ponto de vista da sociedade do
que propriamente uma "doença", quer dizer, todas aquelas pessoas
consideradas "hostis às formas tradicionais de conduta" são taxadas de "loucas"
ou são tratadas como tal.

Para explicar melhor minha opinião, desejo transcrever alguns trechos do livro
Nova Consciência (Luis Carlos Maciel, Eldorado, 2)8 págs. 1973) no qual é
trajado o assunto num artigo intitulado. Muito Louco. Bicho: "O celebre poema
Howl, de Allen Ginsberg, considerado na década dos 50 uma espécie de
manifesto da beat generation, é em sua última parte uma saudável saudação ao
poeta Carl Solomon, que se encontrava internado no hospício de Rockland. A
experiência da insanidade mental é, certamente, uma experiência radical, uma
situação-limite que ainda não foi devassada como devia. Em seu poema,
Ginsberg traça a trajetória trágica de sua geração, da angústia às drogas e,
destas ao hospício. Solomon é seu personagem típico, herói dessa trajetória
moderna".

Segundo Luis Carlos Maciel, os mais atingidos pela "doença mental" são todas
aquelas pessoas que ousam desafiar as regras do establishment, e este, por sua
vez, tenta silenciá-lo através de "tratamentos psiquiátricos", que são marcados
pelos meios mais violentos de nossa época. "Ê uma pena"-- escreve LCM -- "que
testemunhos pessoais sobre o processo não apareçam com freqüência. É chato
para qualquer um confessar que já andou meio louco ou foi tratado como tal. A
moralidade estabelece, de maneira mais ou menos definitiva, que quem foi
internado num hospício perdeu para sempre o título humano. E os que
escaparam às garras da doença devem tentar recuperá-los través do silêncio.
Mais uma vez, aqui, a desumanidade dos preceitos e preconceitos evita que se
lance luz sobre alguns aspectos mais significativos da existência humana. Em
assunto tão proibido, poucos tiveram a coragem de dar seu depoimento".

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Essa falta de testemunho é provocada pelo terror adquirido pelo paciente ou ex-
paciente durante sua internação, aos choques elétricos, às comas de insulina e
tudo o mais, e ele, naturalmente com medo de voltar àquele inferno, recusa-a
fazer qualquer declaração a respeito.

LCM transcreveu ainda o depoimento de Solomon, que atravessou um


tratamento de 50 comas de insulina e conta tudo em detalhes: "Cedo a coma
confirma todos os medos do paciente" — escreve Solomon. "O que começou
com um sono drogado transforma-se de maneira orgânica em um dos
milhões de universos psicofísicos que se devem atravessar antes de ser
acordado por sua dose de glicose. A coma destrói a memória do paciente
enquanto a glicose engorda até a deformação".

Solomon conta sua experiência com mais detalhes em seu documento “ Report
from the Asylum”, de indiscutível importância, onde são analisadas as relações
entre o louco e a sociedade, não do ponto de vista psiquiátrico, mas do ponto de
vista do doente.

A psiquiatria enumera os vários tipos de doenças mentais, fazendo distinções,


enredando-se freqüentemente em suas próprias definições na hora de fazer um
diagnóstico concreto. O fato é que o choque elétrico é usado para todas elas,
como meio de cura. Os psiquiatras dizem que o choque cura, mas não sabem
por que cura.

"Vi com clareza" — escreve Seymour Krim — "que insanidade e psicose não
podem ser mais respeitadas como definições que tenham um sentido, mas são
apenas usadas por alguns indivíduos que detêm o poder social, para tratar
maneiras de se comportar de pessoas que são estranhas, ameaçadoras e
obscuras para eles". Krim também passou um certo tempo internado. Escritor da
beat generation, teve uma violenta crise de depressão. Tentou o suicídio,
tomando uma dose excessiva de barbitúricos. Encontrado ainda com vida, foi
levado pára um hospital, onde foi salvo. Ainda meio drogado, foi levado do
hospital para um hospício. Ficou lá quatro meses, brigando e reclamando como
todo mundo o seu direito "à insegurança da liberdade".
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Quando o soltaram, sua primeira atitude foi escrever um ensaio: The Insanity
Beat. "Mais radical que Solomon — escreve LCM — "endossando plenamente
as conclusões de Artaud, Krim vai afirmando de saída que a insanidade, hoje, é
uma questão de definição e não de fato. A palavra loucura, diz ele, só pode ser
usada literariamente, não teve nada a ver com ciência; insanidade é uma
concepção legal anacrônica e tão rígida quanto uma peça de Ibsen; e mesmo o
moderno termo antisséptico psicose parece-lhe tão suspeito de preconceito
ideológico que deve ser mantido "à distância de um braço, como um rato morto".

Luis Carlos Maciel recebeu muitas cartas de psiquiatras, cartas cheias de termos
científicos, e outras coisas. Naturalmente esses psiquiatras e psicólogos não
entenderam o sentido de seus artigos, que vê o problema do ponto de vista
muito mais social do que científico.

O próprio Luis Carlos Maciel escreve a respeito: "Só recebi dois tipos de cartas:
as de médicos psiquiatras ou psicólogos, isto é,“de especialistas da matéria”, e
as de ex-pacientes de sanatórios, isto é, de pessoas que sofreram a "matéria" na
carne. O conteúdo das cartas revela algo da natureza humana. Todos os
psiquiatras que escreveram arrasaram meus artigos; todos os seus os ex-
pacientes me enviaram palavras de simpatia e, principalmente, gratidão...
Algumas de suas cartas (dos psiquiatras e psicólogos) estão escritas como
desesperadas defesas de profissão que, a julgar por elas. teria sido enxovalhada
pelos meus artigos".

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