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REVISTA ENFRENTAMENTO

Ano 01, no 02, Jan./Jun. de 2007

Revolucionar
toda a vida!!
Abaixo a
sociedade de
classes!

Sim. Ou
lutamos pela
autogestão
ou lutamos
por nada!
REVISTA ENFRENTAMENTO

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Á
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Mais um Revista
03 Enfrentamento Enfrentamento
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07 Autogestão? Nildo Viana editorial.

Conselho Editorial:
Os Conselhos
Lucas Maia dos Santos
14 Operários Anton
Nildo Viana
Veralúcia Pinheiro
Pannekoek
Revista Enfrentamento, ano 01, no 02. jan./jul. de 2007.
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A Revolução revistaenfrentamento@yahoo.com.br
17 Húngara de 1956
Thomas Feixa

O Estado
19 Moderno e a
Propriedade Leila Silva
Privada Moura
MAIS UM ENFRENTAMENTO
Revista Enfrentamento
Este é mais um social é uma tendência no interior da sociedade
número da Revista capitalista, e vai ficando cada vez mais forte, pois
Enfrentamento. Hoje, a as condições para sua realização vão
situação do capitalismo aumentando. O mundo de riquezas produzido
marca uma época de hoje é suficiente para garantir a todos os seres
intensificação do humanos um bem estar geral. Isto, somando-se ao
processo de exploração fato de os desperdícios e parasitismo serão
e de aprofundamento o abolidos, então há tudo para vivermos numa
caráter sociedade igualitária e libertária num mundo de
concentracionário da abundância. Os gastos enormes com indústria
sociedade moderna. bélica, consumo supérfluo e inútil, grandes obras
Uma situação marcada sem utilidade real a não ser a ostentação de uma
pelo aumento da burguesia coisificada, seria abandonados e as
exploração e da energias desperdiçadas neste processo passariam
dominação, já que um a servir as necessidades humanas autênticas.
solicita o outro. A revolução é uma possibilidade imediata?
Assim, a autogestão social está na Sim, há esta possibilidade. A autogestão pode ser
ordem do dia. Para muitos, esta afirmação seria um processo que se desencadeará amanhã, daqui
precipitada, já que não se vislumbra nenhuma um ano, dez anos, 50 anos, ou um tempo mais
revolução proletária no mundo, a não ser nas longo. O que irá definir isso são as lutas de classes.
experiências bastante limitadas em alguns Assim, o processo histórico é marcado por
países da América Latina. inúmeras forças, tais como grandes empresas,
Sem dúvida, isto é verdadeiro. Porém, meios de comunicação, partidos, sindicatos,
mais verdadeiro ainda é a afirmação de associações, grupos informais, grupos políticos,
Bourdieu, segundo a qual pesquisa de opinião ideologias, teorias, idéias, indivíduos, que estão
pública não avisa a vinda de uma revolução. como num jogo complexo no qual existem
Também é verdadeiro que todas as grandes milhares de jogadores, alguns com maior poder,
revoluções proletárias não foram previstas. A outros com maior quantidade, e milhões de
Comuna de Paris, A Revolução Russa de 1905, jogadores indecisos. No jogo da luta de classes,
A Revolução Russa de 1917, A Revolução alguns jogadores, os dominantes, manipulam,
Alemã de 1919, entre diversas outras cooptam, dominam, exploram. Outros auxiliam
experiências, inclusive as mais recentes revoltas neste processo, se vendendo e se destruindo seja
e rebeliões, além de tentativas de revolução, tal por migalhas ou por uma fatia considerável do bolo
como no Maio de 1968 na França, As Lutas do mais-valor global. Alguns resistem e lutam
Operárias na Polônia em 1980; A Rebelião heroicamente contra tudo isto e a maioria sofre o
Argentina de 2002, A Comuna de Oaxaca no drama da indecisão e da falta de iniciativa. Assim,
México ano passado. Nenhum destes eventos, todos estão envolvidos e neste intrincado jogo,
mais radicais ou menos radicais, foi previsto. A todo indivíduo, idéia, ação, reflexão, apontam para
previsão da revolução é obstaculizada não só uma ou outra tendência. Desta forma, qualquer
pela aparente calmaria que esconde a iniciativa a favor da autogestão social é um passo
insatisfação e o potencial revolucionário que para sua concretização, aumentando a tendência de
olhos empiricistas jamais podem enxergar, sua realização. A Revista Enfrentamento faz parte
como também por seu rebento surpreendente e deste jogo e o seu lado é bem claro. Da mesma
extraordinário que deixam as pessoas de forma, os textos aqui presentes expressam esta
consciência coisificada totalmente atônitas, sem opção pela Revolução Autogestionária. Este é mais
chão mental onde pisar. um enfrentamento, mais um deslocamento no
Assim, a possibilidade de uma espaço para que a ventania autogestionária possa
revolução autogestionária está dada. Porém, se varrer o mundo da miséria (sob todas as suas
tal possibilidade é tendencial e se é imediata, formas), da exploração e dominação, instaurando
isto é outra questão. Sem dúvida, a autogestão um mundo verdadeiramente humano.

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AUTOGESTÃO: DESEJO E POSSIBILIDADE
Lucas Maia dos Santos
cabeloufg@yahoo.com.br

Às vezes, dizermos o que uma ideologias uma naturalização dos conceitos e


determinada coisa não é, é mais eficaz do que categorias existentes em nossa sociedade.
defini-la pelo que ela propriamente é, Naturalizar, nos termos que estamos
principalmente quando o objeto da investigação considerando, é o ato, a ação de eternizar, de
é algo que não existe, ou melhor, algo que introjetar relações históricas considerando-as
ainda-não-existe. Falar de algo possível nos invariavelmente necessárias à reprodução de
coloca duas questões que devem ser analisadas uma dada organização social. A naturalização é
bem de perto. Em primeiro lugar, surge a um dos fenômenos fundamentais para
limitação de conseguirmos pensar além de nossa compreendermos a aceitação de determinadas
experiência ou além das categorias do mundo relações sociais por grupos e classes sociais
que nos rodeia. E em segundo lugar, devemos distintos. Note que aqui não estou buscando
levar em consideração quais são os valores explicar os porquês, as determinações que fazem
expressos em nossas análises. com que as relações de subordinação e
Como pensar uma organização social que exploração se perpetuem, pois aí muitas outras
não seja pautada em critérios mercantis? É determinações entram em jogo, tais como: o
possível um mundo além da mercadoria, do estado, a ideologia, os valores, as organizações
dinheiro e do estado? É possível uma forma de de comunicação etc. Racionalizar é aceitar como
organização cuja essência não seja assentada na invariável, o variável; cotidiano, banal, o
hierarquia, na autoridade, na alienação do essencial; natural, o histórico; enfim, retilíneo, o
trabalho? Existirá uma sociedade cujas cidades ondulado. Ou seja, a naturalização impede o
não sejam fragmentadas, repletas de periferias pensamento de abstrair a realidade, de analisá-
degradadas? De bairros operários? De bairros da la, de compreendê-la. É necessário, portanto,
burguesia? Haverá uma sociedade cuja não nos desvincularmos de nossa realidade
totalidade das relações não seja mediada pela social, nem de seus conceitos inextrincáveis,
mercadoria? É possível pensar em uma forma de mas pelo contrário, compreender que esta
organização societária cuja relação dominante realidade social e os conceitos que lhes são
não seja: “eu tenho, por que comprei?”, é inerentes são determinados historicamente.
possível pensar, nestes termos, numa sociedade, Deste modo, é fundamental analisar a
na qual não haja o político profissional, o burocracia, os proprietários, a mais-valia, os
proprietário, o trabalhador (operário, camponês, operários, camponeses, desempregados etc. e
desempregado etc.), o administrador, o gerente? suas relações recíprocas, pois esta é a
Todas estas questões demonstram materialidade de nosso mundo. Entretanto, é
somente uma coisa, os conceitos e categorias fundamental também, compreender que estes
com os quais instrumentalizamos nosso conceitos são produtos da nossa realidade
pensamento são um produto genuíno de nossa histórica e que esta é permeada de contradições
sociedade. Naturalizar o que na realidade é uma que lhes sustentam, que lhes transformam e que
produção social é um fenômeno muito comum. lhes apontam sua dissolução. Analisar as
Se eu nasci numa sociedade determinada, dinâmicas sociais que movimentam nossa
estruturada de uma determinada maneira, sociedade é um começo para compreendermos
organizada segundo princípios precisos, com as possibilidades que estão dadas.
valores característicos e meus pais contam que Analisemos agora o segundo aspecto que
quando eram crianças já era assim, e os pais considero fundamental para pensarmos o
deles contaram para eles que era assim quando possível: os valores. É intrínseco aos seres
eram crianças, nada mais natural do que humanos valorar os objetos, as instituições, as
considerar que é assim que é, por que sempre foi relações, os próprios indivíduos etc. Os artistas
assim. Isto se dá também em outros espaços de valoram sua arte, os professores valoram suas
socialização, em nossa sociedade, por exemplo, aulas, os engenheiros suas pontes, os deístas seu
a escola, a igreja, o local de trabalho etc. são deus, os idólatras seus ídolos. Da mesma forma
espaços institucionais que produzem com suas os “não-artistas” valoram a arte, os alunos, a
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aula, os “não-engenheiros” a ponte, os ateus, re-produção no pensamento de uma realidade
deus e os “não-idólatras” os ídolos. Porém, de possível em nossa sociedade e concreta numa
outra maneira. Ou seja, valorar é um sociedade revolucionada.
prolongamento dos seres humanos a tudo o que No primeiro caso, devemos concebê-la,
nos concerne, a tudo o que nos rodeia. tal como fizeram Marx e Engels na Ideologia
Deste modo, o que importa é qual valor Alemã, quando definiram o comunismo como o
estamos ou não atribuindo à determinada coisa, movimento real da sociedade que abole o atual
relação etc. assim, segundo penso, a autogestão estado de coisas. Ou seja, o comunismo, cujo
é valorada basicamente de duas maneiras. Ou a fundamento é a autogestão, não é o futuro, mas
valoramos a partir da perspectiva do existente, sim o movimento autogerido e auto-organizado
portanto ela é impossível ou indesejável, ou a que põe fim às relações de classe.
valoramos a partir da via do possível, portanto Em termos concretos, só podemos
ela é não só realizável, mas desejável. No conceber a autogestão num movimento cujos
primeiro caso, naturalizamos nossa realidade princípios organizativos, teóricos, éticos (no
histórica por conveniência ou por impotência e sentido da ética humanista tal como Erich
no segundo, exercitamos o pensamento a Fromm define em Análise do Homem) e
instrumentalizar-se com categorias do ainda- revolucionários sejam a autogestão. Ou seja, ela
não-existente, do possível e percebemos a é o meio e o fim da revolução. Se seus objetivos
realidade como histórica e transitória. e métodos não são autogeridos e auto-
No final, mais do que organizados, ela estará invariavelmente fadada à
a pergunta se a autogestão é conservação, ou em outras palavras, à
possível, devemos perguntar reprodução diferenciada ou idêntica ao
se queremos ou não a existente, à ordem atual.
autogestão. Deste modo, a Se afirmamos que as coisas se dão desta
pergunta de como vamos maneira, resta, e é o que importa, encontrar as
administrar uma cidade de determinações que explicam por que ocorrem
10 milhões de habitantes, de assim. Na ética autoritária, segundo a qual “os
A Libertação do
Pensamento
quem vai administrar o fins justificam os meios”, o que importa é
trânsito, a escola, a igreja chegar-se ao comunismo, mesmo que seja sobre
etc. é um subterfúgio que expressa determinados morticínios os mais brutais, divisão hierárquica
valores e que busca fugir à pergunta central: dentro dos locais de trabalho e no restante da
queremos a autogestão? Se sim, devemos sociedade, existência de uma burocracia
considerar em linhas gerais o que concebemos onipotente e incontrolável etc. Ou seja, se no
por esta palavra. Mais do que mera palavra, processo a hierarquia, autoridade, poder,
signo, autogestão é conceito que expressa uma violência, privilégios permanecem, por mais que
realidade possível. Que realidade é esta? O que é os objetivos sejam a revolução, o comunismo, a
autogestão? autogestão; a autoridade, privilégios, hierarquias
Estas duas questões nos conduzem a adquiridos passam a ser defendidos, pois passam
problemas de difícil solução, que não se a ser interesses de grupos, classes e indivíduos.
resolvem simplesmente com o manejo de Chegamos assim, por exemplo, ao fim da
categorias abstratas e teóricas. Trata-se na revolução russa em 1921, à edificação das
realidade de uma mudança global em todos os burocracias partidárias e sindicais etc. O século
níveis das relações sociais. Mudanças de ordem 20 é o testemunho mais vivo destas
econômica, política, cultural, comportamento “revoluções”.
sexual, educativo etc. Ou seja, na nossa Se no primeiro caso, a autogestão é o
sociedade, autogestão deve ser concebida de três processo que degenera esta sociedade, no
formas: a) como um processo revolucionário segundo, é o projeto consumado. Falar dele, é
que aniquila a sociedade atual. Processo este que em grande parte especulação, pois as
já deve conter em si os fundamentos do que possibilidades históricas são tantas que a própria
busca construir; b) como a sociedade produzida dinâmica imprevisível, portanto viva, da história
balizada em outras formas de relações sociais não nos permite avaliar com precisão o que é a
calcadas em princípios organizativos sociedade autogerida. Mesmo assim, alguns
radicalmente diversos, na qual a alienação, indicativos podem ser lançados ao vento.
exploração, autoridade, hierarquia, poder etc. Levando em consideração as experiências
sejam abolidos; e c) como um conceito, ou seja, históricas dos movimentos revolucionários e as
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produções teóricas sobre eles, podemos colocar Neste sentido, meu trabalho não deve ser
em pauta alguns elementos que nos permitem alienado, ou seja, tanto o produto, quanto o
especular mais sobre o que ela não deve ser do processo de trabalho deverá ser de meu inteiro
que ela realmente deva ser. conhecimento, sendo, portanto minha
Em primeiro lugar, ela não é objetivação. Meu trabalho deve ser a minha
administração, principalmente administração das realização, deve ser minha externalização. Não
instituições desta sociedade. Podemos definir como meio para sobreviver, mas como fim,
administração, de maneira lata, como sendo objetivo de se viver.
uma técnica de organizar fluxos de informações, Poderíamos elencar aqui um sem número
pessoas e objetos dentro de uma organização de conceitos e categorias que expressem uma
burocrática, podendo ser privada ou estatal. O realidade ainda-não-existente. Isto é para mim
objetivo de administrar é fazer com que a pensar o possível a partir do existente. E é deste
organização funcione de maneira objetiva, modo que entramos na terceira forma de
ordenada, funcional, hierarquizada. A ação de concebermos a autogestão, ou seja, como um
administrar pressupõe o sujeito que administra; conceito. E ele expressa sempre uma realidade.
esse administrador é imbuído de poder e Como conceito, autogestão refere-se tanto à
autoridade concedidos pela organização. Se este realidade posta em nossa sociedade, portanto
burocrata é “justo”, “bom”, “mau” ou “injusto” como um processo de destruição, aniquilamento,
pouco importa, pois sua função é ordenar os negação, mas ao mesmo tempo expressa uma
fluxos de informações, pessoas e objetos dentro realidade ainda-não-existente, sendo desta
da organização. O administrador é a maneira construtivo, positivo, propositivo.
personificação do “separado”, tal como Guy Fique claro desde já que não se trata de
Debord definia na sua Sociedade do Espetáculo. duas realidades separadas, a forma de exposição
Em outras palavras, é a velha divisão social do serve somente para aclarar as idéias e apresentar
trabalho cuja raiz é o poder (econômico, didaticamente o que é a autogestão. Trata-se na
simbólico, político). Desta maneira, a autogestão realidade de processos que ocorrem
é o aniquilamento da administração. Representa simultaneamente. Ela não é primeiramente
o fim da divisão social do trabalho, sendo, destrutiva e em seguida construtiva. É sim
portanto, o fim da hierarquia e do poder. Antes destrutiva e construtiva ao mesmo tempo,
de mais nada, autogerir é a criação de novas negativa e positiva simultaneamente! Ou seja,
relações sociais. no próprio ato de destruir a sociedade burguesa,
Autogerir significa o domínio da vida delineia-se a construção da sociedade
como um todo. Se em nossa sociedade, vendo autogerida.
meu tempo de vida em troca de um salário, que Deste modo, insisto, a pergunta correta
permita sobreviver para continuar vendendo não é se a autogestão é possível, mas sim se a
meu tempo. Numa organização autogerida, o desejamos ou não. E no final, há um milhão de
tempo não é vendido, mas organizado para a perguntas sobre o que fazer com um milhão de
própria vida. O tempo deixa de ser o padrão de coisas. Tudo está por fazer. E é preciso fazê-lo.
medida do valor para ser o princípio da
construção de vida.

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O QUE É AUTOGESTÃO?
Nildo Viana
nildoviana@terra.com.br

Dirigidos por nossos pastores, encontramo‐ fins leva a uma pré-determinação no que se
nos apenas uma vez em companhia da liberdade: no refere aos meios.
dia do seu enterro. C) Controle Operário: Segundo Guillerm
Karl Marx e Bourdet, o controle operário significa um
passo adiante em relação à co-gestão, mas ainda
não é autogestão, pois o controle operário surge
A autogestão, para uns, é um “método de
como produto de uma intervenção conflitual que
gestão de empresas” e, para outros, é uma
arranca concessões para os trabalhadores,
“forma política” que assume o comunismo, ou
embora se limite a exercer-se sob pontos
seja, a “democracia direta”. A primeira
específicos que não questionam o salariato. Para
concepção deixa entrever a possibilidade de
Brinton, a proposta de “controle operário”
existir autogestão no interior da sociedade
apresentada por diversos grupos políticos
capitalista e a segunda apresenta a idéia de que é
(principalmente leninistas e trotskistas) expressa
possível haver comunismo sem autogestão, já
a vontade de apresentarem-se como mais
que esta é reduzida a uma mera “forma política”
democráticos e fazem isto buscando nos iludir
e, sendo assim, não é a essência do comunismo e
com a afirmação de que o leninismo sempre
por isto este poderia utilizar outras “formas
defendeu tal proposta. Para ele, o controle
políticas”. Entretanto, tal como pretendemos
operário, ao contrário da autogestão, não
demonstrar no decorrer deste trabalho, estas
significa que a classe operária irá gerir a
concepções são equivocadas, pois não
produção e sim que ela irá “supervisionar”,
conseguem expressar o verdadeiro sentido da
“inspecionar” ou verificar as decisões tomadas
autogestão.
por “instâncias exteriores” ao processo
Antes de mais nada, tal como fizeram A.
produtivo, tal como o estado ou o partido.
Guillerm e Y. Bourdet, é útil distinguir o
D) Cooperativa: Segundo Guillerm e
conceito de autogestão de outras palavras que
Bourdet, “esquematicamente, pode-se, com
muitos pensam ter o mesmo significado.
efeito, convir que (...), as cooperativas têm
Autogestão não possui o mesmo significado que
‘vegetado’ sempre sob formas locais, a tal ponto
“participação”, “co-gestão”, “controle operário”
que esta limitação se tornou seu sinal distintivo.
ou “cooperativismo”. Vejamos o significado
Por isso, para designar a generalização dos
destas palavras:
sistemas de cooperativas, far-se-á mister uma
A) Participação: Participação não
palavra nova. O termo autogestão deve assumir
significa autogestão, pois ela significa participar
o papel” Guillerm e Bourdet (1976, p. 19-20).
de algo já existente, ou seja, de uma atividade
Acontece que, no interior da sociedade
que possui estrutura e finalidade próprias.
capitalista, as cooperativas não determinam seus
Segundo Guillerm e Bourdet, o participante é
fins, pois o mercado e o estado sempre
como um flautista numa orquestra: participa se
interferem nas finalidades de uma cooperativa e
misturando individualmente a um grupo que lhe
não só nos fins como, em menor grau, também
é preexistente.
nos meios.
B) Co-Gestão: A co-gestão é uma
Em síntese, a participação, o controle
tentativa de integrar a criatividade e a iniciativa
operário, a co-gestão e as cooperativas podem
operária no processo produtivo capitalista (com
existir no interior do modo de produção
o objetivo de aumentar a produtividade e,
capitalista e são assimiláveis por ele. O
conseqüentemente, a extração de mais-valor
capitalismo envolve todas estas manifestações e
relativo - ou mais-valia relativa) e que permite a
as colocam sob sua direção, direta ou
participação dos trabalhadores apenas no
indiretamente. Não existem nem podem existir
processo de produção, nos meios e não nos fins.
“ilhas de autogestão” cercadas pelo mar do
Mas mesmo essa co-gestão nos meios é
capitalismo. A autogestão só pode existir em
limitada, pois a definição por outros sobre os
locais isolados por um curto período de tempo e

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em confronto com o capital e desta luta um dos No processo de produção do mais-valor
dois vencerá, ocorrendo a destruição da há um duplo caráter: de um lado, é um processo
experiência autogestionária ou a generalização de trabalho caracterizado pela exploração e
da autogestão a nível nacional e posteriormente alienação do trabalhador; de outro, é um
mundial. processo de valorização dos meios de produção.
Mas podemos dizer também que as Só a força de trabalho acrescenta valor às
definições acima deixam entrever que não existe mercadorias, pois os meios de produção apenas
muita diferença entre todos estes termos, pois transmitem seu valor ao produto-mercadoria
todos eles possuem algo em comum: em todas fabricado.
essas formas de “participacionismo” permanece A evolução do modo de produção
exterior aos trabalhadores a determinação dos capitalista transforma esta relação. Com o
fins e uma “co-determinação” no que se refere desenvolvimento e acumulação dos meios de
aos meios. Por conseguinte, o termo co-gestão produção há a desvalorização da força de
engloba todos os outros termos e, sendo assim, trabalho e a valorização dos meios de produção.
ele é suficiente para marcar a diferença entre a Os meios de produção foram valorizados pela
autogestão e as outras formas de gestão que se força de trabalho e por isso se tornam, com o
dizem “democráticas”. desenvolvimento do capitalismo, um dispêndio
Mas o que é a autogestão? Como ela pode cada vez maior para o capitalista.
surgir e se expandir mundialmente? Em Com isso o capitalista investe cada vez
primeiro lugar, devemos reconhecer que é mais nos meios de produção e cada vez menos
impossível compreender a autogestão e a na força de trabalho. Assim, como só a força de
possibilidade histórica de sua concretização sem trabalho produz mais-valor, surge a tendência
compreendermos o solo onde ela pode brotar, ou para haver a queda da taxa de lucro médio. O
seja, o modo de produção capitalista. aumento de produtividade busca evitar esta
O Capital, Relação de Produção queda, já que aumenta a extração de mais-valor
Todo modo de produção possui uma relativo. Entretanto, isto cria uma nova
determinação fundamental que é expressa pelo tendência à baixa da taxa de lucro médio, pois o
conceito de relações de produção e que serve de aumento do mais-valor relativo significa que a
fundamento para todas as outras relações força de trabalho acrescentou mais valor ainda à
sociais. Marx demonstrou que a relação de mercadoria e isto torna mais dispendioso os
produção (determinação fundamental) do meios de produção.
feudalismo é a servidão: “em vez do homem Esta é a tendência declinante da taxa
independente, encontramos aqui toda a gente média de lucro. O capitalismo, através de seus
dependente, servos e senhores, vassalos e agentes, cria também contra tendências e busca
suseranos, laicos e clérigos. Esta dependência fazer isto de várias formas, tal como através do
caracteriza tanto as relações de produção quanto aumento da interferência do estado no processo
todas as outras esferas da vida social, às quais de produção e distribuição ou da expansão do
serve de fundamento”. A relação de produção consumo, entre outras.
capitalista expressa o fundamento da sociedade Autogestão, Relação de Produção
capitalista. O capital não é só “meios de O modo de produção capitalista, como
produção” mas é, fundamentalmente, uma vimos, se caracteriza pelo domínio do trabalho
relação social, uma relação de produção. morto sobre o trabalho vivo. Esta relação de
As relações de produção capitalistas se dominação do trabalho morto sobre o trabalho
baseiam na extração de mais-trabalho sob a vivo através da produção de mais-valor é a
forma de mais-valor (ou, segundo linguagem determinação fundamental do capitalismo.
corrente, mais-valia). O proprietário dos meios Torna-se necessário, então, descobrir qual é a
de produção, o capitalista, compra a força de determinação fundamental do modo de produção
trabalho do produtor e paga por ela o valor comunista1.
necessário para sua reprodução enquanto força A determinação fundamental do modo de
de trabalho. A força de trabalho, porém, produz produção comunista só pode ser a autogestão.
mais do que o necessário para sua reprodução e
este valor a mais acrescentado à mercadoria e
1
apropriado pelo capitalista é o que se chama João Bernardo utiliza a expressão “lei fundamental”
mais-valor. Bernardo (1975), mas, como a idéia de lei é questionável
do ponto de vista da dialética materialista, utilizamos a
expressão hegeliana de determinação fundamental.
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Isto significa, entre outras coisas, que a nível de verdadeiros “conceitos”, que foram
autogestão não é apenas a “forma política” reificados e passaram a ser, na ideologia da
(democracia direta) do comunismo e nem mero burocracia, uma etapa necessária na história. O
“método de gestão das empresas”. A autogestão que Marx colocou é que a sociedade comunista,
é uma relação de produção que se generaliza e tal como surge do capitalismo, atravessa duas
se expande para todas as outras esferas da vida fases, o que significa que são duas fases do
social. A autogestão inverte a relação entre comunismo e não que uma delas seja de
trabalho morto e trabalho vivo instaurada pelo “passagem” para ele. As colocações de Marx
capitalismo e, assim, instaura o domínio do sobre a permanência do trabalho assalariado e a
trabalho vivo sobre o trabalho morto. existência de um estado de transição se referem
A autogestão significa que os próprios a esta primeira fase do comunismo.
“produtores associados” dirigem sua atividade e Entretanto, é necessário colocar que Marx
o produto dela derivado. Abole-se, assim, o reformulou as suas teses sobre a primeira fase
estado, as classes sociais, o mercado, etc., já que do comunismo. Marx e Engels (1978) haviam
com a autogestão abole-se a divisão social do colocado que nesta primeira fase deveria haver a
trabalho. Conseqüentemente, abole-se a divisão “estatização dos meios de produção”, e é aí que
entre “economia”, “política”, etc. se pode falar em “estado de transição”.
Autogestão e Período de Transição Acontece que, após a experiência da Comuna de
Se a autogestão é uma relação de Paris, ele reformulou esta tese, tal como
produção, ou seja, a determinação fundamental demonstra o seu artigo sobre a comuna e os
do modo de produção comunista, e que por isso “posfácios” ao Manifesto Comunista. Para
abole a chamada “lei do valor”, então, qual é o Marx, a classe operária não pode se apossar do
sentido que tem o discurso sobre o “período de estado, pois deve destruí-lo e em seu lugar
transição”? Questionar a necessidade de um implantar o “autogoverno dos produtores”, ou
“período de transição” entre o capitalismo e o seja, a autogestão Marx (1986). Tal como
comunismo significa, segundo o fizeram os proletários durante a Comuna, deve-
pseudomarxismo, desconhecer que a tese da se abolir o exército permanente e a burocracia
“fase de transição” é uma conquista do estado.
irrenunciável do “socialismo científico”, que Outra colocação que Marx reformulou é a
supera todo e qualquer utopismo. Entre o de que na primeira fase da sociedade comunista
capitalismo e o comunismo existe um período de todos deveriam receber salários equivalentes ao
transição chamado socialismo. Neste período, o dos operários, o que pressupõe a permanência
estado dirige a economia através de um plano e do trabalho assalariado, só que funcionando sob
se mantêm o dinheiro, o trabalho assalariado e outra forma. Posteriormente, ele afirmou que os
até mesmo a “lei do valor”. trabalhadores receberiam bônus comprovando o
Deixando de lado a discussão sobre o trabalho executado: “Do que se trata aqui não é
sentido da palavra utopia, podemos dizer que, na de uma sociedade comunista que se desenvolveu
verdade, “sonho irrealizável” é a idéia de um sobre sua própria base, mas de uma que acaba
“período de transição” entre capitalismo e de sair precisamente da sociedade capitalista e
comunismo. A ideologia da transição é contrária que, portanto, apresenta ainda em todos os seus
ao que o próprio Marx colocou e, por aspectos, no econômico, no moral e no
conseguinte, não se pode dizer que tal idéia está intelectual, o selo da velha sociedade de cujas
presente em Marx e utilizar este “argumento de entranhas procede. Congruentemente com isto,
autoridade” para sustentar tal tese. nela o produtor individual obtém da sociedade -
O que Marx “realmente disse”? As depois de feitas as devidas deduções -
colocações de Marx sobre a passagem do precisamente aquilo que deu. O que o produtor
capitalismo ao comunismo que o deu à sociedade constitui sua cota individual de
pseudomarxismo se utiliza para sustentar tal tese trabalho. Assim, por exemplo, a jornada social
são duas: a) a permanência do trabalho de trabalho compõe-se da soma das horas de
assalariado; b) a existência de um “estado de trabalho individual; o tempo individual de
transição” no socialismo. Mas, antes de tudo, trabalho de cada produtor em separado é a parte
devemos dizer que Marx não utilizava as noções da jornada social do trabalho com que ele
de “período de transição” e de “socialismo”. contribui, é sua participação nela. A sociedade
Essas noções foram criadas pela tradição entrega-lhe um bônus consignando que prestou
bolchevique e similares e foram erigidas ao tal ou qual quantidade de trabalho (depois de
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descontar o que trabalhou para o fundo comum), relação social que se caracteriza pelo fato do
e com este bônus ele retira dos depósitos sociais trabalhador não ter controle de seu trabalho e,
de meios de consumo e parte equivalente à por conseguinte, ser controlado pelo não-
quantidade de trabalho que deu à sociedade sob trabalhador que, assim, toma posse do produto
uma forma, recebe-a desta sob uma outra forma do seu trabalho. Desta forma, o trabalhador
diferente” Marx (s/d, p. 213). perde o controle do produto do seu trabalho e do
Entretanto, o sistema de bônus não é a produto deste e cria aquele que irá controlar o
mesma coisa que o salariato. O salário é pago seu trabalho e se apropriar do produto dele. Isto
em papel-moeda (dinheiro), que é um “meio de ocorreu em todos os modos de produção
troca universal” e pode ser, por isso, acumulado classistas da história - modo de produção
e utilizado para comprar meios de consumo e escravista antigo, modo de produção feudal,
produção e/ou força de trabalho. O bônus modo de produção tributário, etc. - e atinge o
proposto por Marx era trocável apenas por seu ponto culminante no modo de produção
meios de consumo e por isso não tem nada a ver capitalista. O domínio dos não-produtores sobre
com o dinheiro, o trabalho assalariado e a “lei os produtores na época capitalista coloca a
do valor”. Por conseguinte, a primeira fase do autogestão como tendência histórica de
comunismo já seria marcada pela abolição do superação da alienação.
estado, do trabalho assalariado, do dinheiro, etc., A partir da definição de alienação acima
e pela instauração da autogestão social ou, exposta vê-se que ela é sinônima de
segundo a linguagem de Marx, da livre heterogestão e antônimo de autogestão. Assim
associação dos produtores. se observa que a “ideologia da vanguarda”
Marx colocou que o trabalho se (Lênin, Kautsky) é um elogio da alienação, pois,
generalizaria durante a primeira fase do se o proletariado não dirige o seu processo de
comunismo, mas sem ligação com o salariato e libertação e é dirigido por sua “vanguarda”, ele
sim com o sistema de bônus. Nesta fase também irá perder o produto de sua atividade
predomina o princípio “de cada um segundo sua revolucionária, ou seja, a sua libertação, e este
capacidade a cada um segundo seu trabalho”. Na produto será apropriado pela sua “vanguarda”. A
segunda fase predomina o principio “de cada um ideologia da vanguarda diz que é através da
segundo sua capacidade a cada um segundo suas alienação que se conquista a desalienação. Isto,
necessidades”. entretanto, não é verdade, pois o caminho da
Acontece que estas propostas estão alienação só pode ocorrer via desalienação, ou
superadas historicamente, pois elas foram seja, somente controlando o seu processo de
produzidas tendo por base o capitalismo da libertação, através da autogestão de suas lutas, é
época de Marx, ou seja, do século 19. Com o que o proletariado poderá conquistar sua
posterior desenvolvimento das forças produtivas libertação.
não há mais motivos para a existência do A Autogestão das Lutas Operárias
princípio “a cada segundo o seu trabalho” e do O capitalismo surge no interior do
sistema de bônus. O desenvolvimento das forças feudalismo através do movimento do capital
produtivas, na Europa ocidental e nos demais comercial que leva ao predomínio do capital
países capitalistas superdesenvolvidos, já atingiu industrial e assim se torna o modo de produção
um nível tão elevado que a revolução dominante. Se o capitalismo surge
autogestionária terá que transformá-las para “economicamente” no feudalismo, o mesmo não
possibilitar a autogestão e sua utilização de ocorre com o comunismo. O capital, relação de
acordo com as necessidades humanas. Isto se produção capitalista, significa o domínio do
torna, na atualidade, válido até para os países trabalho morto sobre o trabalho vivo, das forças
capitalistas subordinados (“terceiro mundo”). produtivas acumuladas sobre a força produtiva
Por conseguinte, não há mais a necessidade de ativa, enfim, da classe capitalista sobre a classe
existir “duas fases” no comunismo e a chamada operária. O comunismo, ao contrário, se
“transição” do capitalismo ao comunismo se caracteriza pelo domínio do trabalho vivo sobre
realiza no período revolucionário que ao o trabalho morto e surge não de um
terminar, com a vitória do proletariado, instaura “desenvolvimento econômico” e sim da ação
a autogestão social. revolucionária do proletariado. A sociedade
O Problema da Alienação comunista existe potencialmente no interior da
A história da humanidade é marcada pelo sociedade capitalista através da luta operária. A
predomínio da alienação. A alienação é uma autogestão das lutas operárias é o “embrião” do
Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 10
comunismo. Se o conteúdo do socialismo (ou
comunismo) é a autogestão, então é na sua
primeira forma de manifestação, na luta
operária, que ela se revela como possibilidade
histórica. A autogestão das lutas operárias
produz, no seu confronto com o capital, os
coletivos de autogestão como os conselhos de
fábrica, conselhos de bairros, etc., e cria-se,
assim, uma “dualidade de poderes”: o poder
político burguês, ou seja, o estado capitalista, de
um lado, e os coletivos autogeridos, os
conselhos revolucionários, de outro. A vitória do
proletariado leva à generalização da autogestão
e a instauração do modo de produção comunista
e a sua derrota significa a reprodução do modo
de produção capitalista.
A autogestão, portanto, é uma relação
social que nasce com a autogestão das lutas
operárias e se universaliza e invade o conjunto
das relações sociais e, assim, decreta a morte do
capitalismo e inaugura o modo de produção
comunista.
Artigo publicado originalmente na Revista Ruptura,
Ano 03, num. 04, Janeiro de 1996.

BIBLIOGRAFIA

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BERNARDO, J. Para Uma Teoria do Modo de Produção Comunista. Porto, Afrontamento, 1975
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Engels. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
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MARX, K. Crítica ao Programa de Gotha. in: MARX, K. e ENGELS, F. Obras Escolhidas. 2a edição, São Paulo,
Alfa-Omega, S/D.

Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 11


OS CONSELHOS OPERÁRIOS
Anton Pannekoek
A classe operária em luta tem necessidade com obediência, e poder repreendê-los de vez
duma organização que lhe permita compreender em quando. Bater-se pela liberdade, é participar
e discutir, através da qual possa tomar decisões e com todos os seus meios, é pensar e decidir por
fazê-las concretizar, e graças à qual possa fazer si mesmo, é tomar todas as responsabilidades
conhecer as ações que empreende e os objetivos enquanto pessoa entre camaradas iguais. É
que se propõe atingir. evidente que pensar por si mesmo, decidir do
Evidentemente, isso não significa que que é verdadeiro e do que é justo, constitui para
todas as grandes ações e as greves gerais devam o trabalhador que tem o espírito fatigado pelo
ser dirigidas a partir de um órgão central, nem labor quotidiano, uma tarefa árdua e difícil, bem
que elas devam ser definidas numa atmosfera de mais exigente que se ele se limitar a pagar e a
disciplina militar. Tais casos podem produzir-se, obedecer. Mas a única via que conduz à
mas a maior parte das vezes as greves gerais liberdade. Fazer-se libertar pelos outros, que
explodem espontaneamente, num clima de fazem desta libertação um instrumento de
combatividade, solidariedade e paixão, para domínio, é simplesmente substituir os antigos
responder a algum mau golpe do sistema patrões por novos.
capitalista ou para apoiar camaradas. Tais greves Para atingir o seu objetivo – a liberdade –
propagam-se como um fogo na planície. os trabalhadores deverão poder dirigir o mundo;
Durante a primeira Revolução russa, os deverão poder utilizar as riquezas da terra de
movimentos de greve conheceram uma sucessão maneira a torná-la acolhedora para todos. Eles
de altos e baixos. Os que tiveram mais êxito não poderão fazê-lo enquanto não souberem
foram muitas vezes aqueles que não tinham sido bater-se por si próprios.
decididos antecipadamente, enquanto que A revolução proletária não consiste
aqueles que tinham sido provocados pelos exclusivamente em destruir o poder capitalista.
comitês centrais estavam em geral votados à Ela exige também que o conjunto da classe
derrota. operária saia da sua situação de dependência e
Para se reunir uma força organizada, os ignorância para aceder à independência e
grevistas em ação têm necessidade dum espaço construir um mundo novo.
de entendimento. Eles não podem atacar a A verdadeira organização de que os
poderosa organização do poder capitalista se não operários têm necessidade no processo
apresentarem, pelo seu lado, uma organização revolucionário é uma organização na qual cada
fortemente estruturada, se não formarem um um participa, corpo e alma, tanto na ação como
bloco sólido unindo as suas forças e desejos, se na direção, na qual cada um pensa, decide e age
eles não agirem na simultaneidade. Porque mobilizando todas as suas faculdades - um bloco
quando milhares ou milhões de operários não unido de pessoas plenamente responsáveis. Os
formam mais que um corpo unido, eles apenas dirigentes profissionais não têm lugar numa tal
podem ser dirigidos por funcionários que agem organização. Bem entendido será necessário
em seu nome. E temos visto que estes obedecer: cada um deverá conformar-se às
representantes se tornam então os donos da decisões para cuja formulação ele próprio
organização e deixam de encarnar os interesses contribuiu. Mas a totalidade do poder
revolucionários dos trabalhadores. concentrar-se-á sempre nas mãos dos próprios
Como pode a classe operária, nas suas operários.
lutas revolucionárias, reunir as suas forças numa Poderemos alguma vez realizar uma tal
poderosa organização sem se atolar no lamaçal organização? Qual será a sua estrutura? Não é
da burocracia? Responderemos a esta questão de todo necessário definir-lhe a forma, pois a
pondo uma outra: quando os operários se história já a produziu: ela nasceu da prática da
limitam a pagar as suas quotas e a obedecer aos luta de classes. Os comitês de greve são a sua
dirigentes, poder-se-á dizer que eles lutam primeira expressão, o protótipo. Quando as
verdadeiramente pela sua liberdade? greves atingem uma certa importância, torna-se
Lutar pela liberdade, não é deixar os impossível que todos os operários participem na
dirigentes decidir em seu lugar, nem segui-los mesma assembléia. Escolhem, portanto os

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delegados que se reagrupam num comitê. Este apropriada para a classe operária revolucionária.
comitê não é senão o corpo executivo dos Este modelo devia ser imediatamente adotado
grevistas; estando constantemente em ligação em 1917; os sovietes de soldados e de operários
com eles e devendo executar as decisões dos constituíram-se através de todo o país e foram a
operários. Cada delegado é revogável em verdadeira força motora da revolução.
qualquer momento e o comitê não pode nunca A importância revolucionária dos sovietes
tornar-se um poder independente. Desta verificou-se de novo na Alemanha, quando em
maneira, o conjunto dos grevistas tem 1918, depois da decomposição do exército,
assegurado ser unido na ação conservando o sovietes de operários e de soldados foram
privilégio das decisões. Em regra geral, os criados segundo o modelo russo. Mas os
sindicatos e os seus dirigentes encarregam-se da operários alemães, que tinham sido habituados à
direção dos comitês. disciplina de partido e de sindicato e para quem
Durante a revolução russa, quando as os fins políticos imediatos eram modelados a
greves se desencadeavam duma maneira partir dos ideais social-democratas da república
intermitente, nas fábricas, os grevistas escolhiam e da reforma, designaram os seus dirigentes
delegados que se organizavam em nome de toda sindicais e líderes de partido à cabeça destes
uma cidade, ou ainda da indústria ou dos conselhos. Eles tinham sabido bater-se e agir
caminhos de ferro de toda uma província, a fim corretamente por si próprios, mas tiveram pouca
de provocar uma unidade no combate. A sua segurança e escolheram chefes possuídos de
primeira tarefa era discutir questões políticas e ideais capitalistas - o que destrói sempre as
assumir funções políticas, porque as greves eram coisas. Assim, não é surpreendente que um
essencialmente dirigidas contra o czarismo. Aí “congresso de conselhos” decida abdicar em
se discutia, em detalhe, a situação presente, os favor dum novo parlamento, cuja eleição devia
interesses de todos os trabalhadores e os seguir-se o mais breve possível.
acontecimentos políticos. Os delegados faziam Vemos claramente como o sistema dos
constantemente a ponte entre a assembléia e as conselhos não pode funcionar senão quando se
respectivas fábricas. Pelo seu lado, os operários encontra em presença de uma classe operária
participavam em assembléias gerais nas quais revolucionária. Enquanto os operários não
discutiam as suas mesmas questões, tomavam tiverem a intenção de prosseguir a revolução,
decisões e muitas vezes designavam novos não devem criar sovietes. Se os operários não
delegados. Socialistas competentes eram são suficientemente avançados para descobrir a
escolhidos como secretários; a sua função era de via da revolução, se se contentam em ver os seus
aconselhar servindo-se dos seus conhecimentos dirigentes encarregarem-se de todos os
mais vastos. Estes sovietes funcionavam muitas discursos, meditações e negociações visando à
vezes como forças políticas, espécie de governo obtenção de reformas no interior do sistema
primitivo, cada vez que o poder czarista se capitalista, os parlamentos, os partidos e os
encontrava paralisado e que os dirigentes congressos sindicais - ainda chamados
desorientados lhes deixavam o campo livre. Eles parlamentos operários porque eles funcionam
tornaram-se assim o centro permanente da segundo o mesmo principio - lhes bastam
revolução; eram compostos pelos delegados de amplamente. Pelo contrário, eles põem todas as
todas as fábricas quer elas estivessem em greve suas energias ao serviço da revolução, se
ou em funcionamento. Não podiam prever participam com entusiasmo e paixão em todos
tornar-se alguma vez um poder independente, os acontecimentos, se pensam e decidem, por
pois os respectivos membros nos sovietes eram eles próprios todos os detalhes da luta porque
muitas vezes mudados; por vezes era o próprio ela será obra deles, neste caso, os conselhos
soviete que era inteiramente substituído. Sabiam operários são a forma de organização de que têm
por outro lado que todo o seu poder estava nas necessidade.
mãos dos trabalhadores; não podiam obrigá-los Isto implica igualmente que os conselhos
a entrar em greve e os seus apelos não eram operários não podem ser constituídos por grupos
seguidos se não coincidissem com os revolucionários. Estes últimos não podem senão
sentimentos instintivos dos operários que sabiam propagar essa idéia, explicando aos seus
espontaneamente se estavam em situação de camaradas operários que a classe operária em
força ou de fraqueza, se a hora era de paixão ou luta se deve organizar em conselhos. O
de prudência. Assim o sistema dos sovietes nascimento dos conselhos operários acompanha
mostrou qual era a forma de organização mais quase sempre a primeira ação de caráter
Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 13
revolucionário; a sua importância e funções como rebentos de um tronco morto. Durante a
cresce à medida que se desenvolve a revolução. revolução francesa, a nova classe capitalista, os
Num primeiro tempo, eles podem não passar de cidadãos, os homens de negócios e os artesãos
simples comissões de greve, constituídas para construíram, em cada cidade e aldeia,
lutar contra os dirigentes sindicalistas, sempre assembléias comunais e tribunais, ilegais na
que as greves ultrapassam as intenções destes época, e que não faziam outra coisa que usurpar
últimos e os grevistas recusam acompanhá-los as funções dos funcionários reais, tornados
por mais tempo. impotentes. E enquanto em Paris os delegados
As funções dessas comissões tomam mais dessas assembléias elaboravam a nova
amplitude com as greves gerais. Os delegados constituição, os cidadãos através de todo o país
de todas as fábricas são então encarregados de faziam a verdadeira constituição promovendo
discutir e decidir sobre todas as condições de reuniões políticas e construindo organizações
luta; eles devem tentar transformar as forças políticas que deveriam, posteriormente, ser
combativas dos operários em ações refletidas, e legalizadas.
ver como elas poderão reagir contra as medidas Do mesmo modo, na revolução proletária,
governamentais, as atuações Exército e da a nova classe ascendente deve criar as suas
canalha capitalista. Durante a greve, as decisões novas formas de organização que, pouco a
serão tomadas pelos próprios operários. Todas pouco, ao longo do processo revolucionário,
as opiniões, vontades, disponibilidades e virão tomar o lugar da antiga organização
hesitações das massas não fazem mais que um política estatal. Enquanto que nova forma de
todo no interior da organização conselhista. Esta organização política, o conselho operário toma
torna-se o símbolo, o intérprete do poder dos finalmente o lugar do parlamentarismo, forma
trabalhadores; mas também não é mais do que o política do regime capitalista.
porta-voz que pode ser revogado a todo o Teóricos capitalistas e social-democratas
momento. De organização ilegal e clandestina pensam ver na democracia parlamentar o
da sociedade capitalista, ela torna-se, pouco e perfeito modelo da democracia, conforme aos
pouco, uma verdadeira força política e princípios da justiça e da igualdade. Na
econômica, a qual o governo passa desde então a realidade, não se trata senão de uma maneira de
ter em conta. mascarar a dominação capitalista que se ri de
A partir do momento em que o toda a justiça e de toda a igualdade. Somente o
movimento revolucionário adquire um poder tal sistema conselhista constitui a verdadeira
que o governo fica seriamente afetado, os democracia operária.
conselhos operários tornam-se órgãos políticos. A democracia parlamentar é uma
Numa revolução política, eles encarnam o poder democracia abjeta. O povo não pode escolher os
operário e devem tomar todas as medidas seus delegados e votar senão uma vez todos os
necessárias para enfraquecer e vencer o quatro ou cinco anos; e que ele se livre de não
adversário. Tal como uma potência em guerra, escolher o homem conveniente! Os eleitores só
têm de montar guarda no conjunto do país, a fim poderão exercer o seu poder no momento do
de não perder de vista os esforços levados a voto; o resto do tempo, eles são impotentes.
cabo pela classe capitalista para reunir as suas Os delegados designados tornam-se os
forças e vencer os trabalhadores. Eles devem, dirigentes do povo; decretam as leis, formam os
por outro lado, ocupar-se de certos negócios governos, e ao povo compete apenas obedecer.
públicos que eram antes geridos pelo estado: a Em regra geral, a máquina eleitoral está
saúde e a segurança pública, assim como o curso concebida de tal forma que apenas os grandes
interrompido da vida social. Eles têm por fim, partidos capitalistas, poderosamente equipados,
de tomar nas mãos a produção, o que representa têm possibilidades de ganhar. É muito raro que
a tarefa mais importante e árdua da classe grupos de verdadeiros opositores do regime
operária em situação revolucionária. obtenham quaisquer lugares.
Nenhuma revolução social começou como Com o sistema dos sovietes; cada
uma simples mudança de dirigentes políticos delegado pode ser revogado a qualquer
que, depois de ter conquistado o poder, momento. Os operários não estão, apenas e
procedem às mudanças sociais necessárias com constantemente, em contacto com os seus
o auxílio de novas leis. A classe em ascensão delegados, participando nas discussões e
sempre construiu, antes e durante a luta, as decisões; estes não passam de porta-vozes
novas organizações que emergiram das antigas temporários das assembléias conselhistas. Os
Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 14
políticos capitalistas gostam de denunciar a questões e escolhem os seus delegados nas suas
função “desprovida de caráter” do delegado que unidades de produção.
é por vezes obrigado a emitir opiniões que não Contudo não seria exato dizer que o
são as suas. Eles esquecem que é precisamente parlamentarismo, forma política do capitalismo,
porque não existem delegados perenes que não está baseado na produção. De fato a
apenas são designados para esse posto organização política é sempre modelada
indivíduos cujas opiniões são conformes às dos segundo o caráter da produção, base da
trabalhadores. sociedade. A representação parlamentar que se
A repressão parlamentar parte do decide em função do lugar de habitação pertence
princípio que o delegado ao parlamento deve ao sistema da pequena produção capitalista, na
agir e votar segundo a sua própria consciência e qual cada homem é suposto possuir a sua
convicção. Se lhe acontece pedir opinião aos pequena empresa. Nesse caso, existe uma
seus eleitores, é unicamente porque ele pretende relação entre todos os homens de negócios da
dar imagem de prudente. Incumbe a ele e não ao circunscrição: eles comerciam entre eles, vivem
povo a responsabilidade das decisões. O sistema como vizinhos, conhecem-se uns aos outros, e
dos sovietes funciona por um princípio inverso: por conseqüência designam um delegado
os delegados limitam-se a exprimir as opiniões parlamentar. Vimos já que esse sistema se
dos trabalhadores. revelou o melhor para representar os interesses
As eleições parlamentares agrupam os de classe no interior do capitalismo.
cidadãos segundo a sua circunscrição eleitoral - Por outro lado, vimos claramente hoje
quer dizer, segundo os seus locais de habitação. porque os delegados parlamentares deviam
Assim, indivíduos de profissões ou classes tomar o poder político. A sua tarefa política não
diferentes e que apenas têm em comum o fato de passava de uma parte ínfima da obra da
serem vizinhos, são reunidos artificialmente sociedade. A mais importante, o trabalho
num grupo e representados por um único produtivo, incumbia a todos os produtores
delegado. separados, cidadãos como homens de negócios;
Nos conselhos, os operários são ela exigia quase sempre toda a sua energia e
representados nos seus grupos de origem, cuidados. Logo que cada indivíduo se ocupava
segundo fábrica, oficina ou complexo industrial dos seus pequenos negócios, a sociedade
em que trabalham. Os operários de uma fábrica portava-se bem. As leis gerais, condições
constituem uma unidade de produção; formam necessárias, mas de fraco alcance, podiam ser
um todo a partir do seu trabalho coletivo. Em deixadas a cargo de um grupo (ou profissão)
período revolucionário, encontram-se, portanto, especializado, os políticos. O inverso é
imediatamente em contacto para trocar os seus verdadeiro no que respeita à produção
pontos de vista: vivem nas mesmas condições e comunista. O trabalho produtivo coletivo torna-
possuem interesses comuns. Devem agir se tarefa de toda a sociedade, diz respeito a
concertadamente; cabe-lhes decidir se a fábrica, todos os trabalhadores. Toda a energia e
enquanto unidade, deve estar em greve ou em cuidados não estão ao serviço de trabalhos
funcionamento. A organização e a delegação dos pessoais, mas da obra coletiva da sociedade.
trabalhadores nas fábricas e oficinas são, Quanto aos regulamentos que regem essa obra
portanto a única forma possível. coletiva, eles não podem ser deixados entre as
Os conselhos são, ao mesmo tempo, a mãos de grupos especializados, porque
garantia da subida do comunismo no processo dependem do interesse vital do conjunto dos
revolucionário. A sociedade é fundada na trabalhadores.
produção, ou, mais corretamente, a produção é a Existe uma outra diferença entre os
própria essência da sociedade, e por sistemas parlamentar e conselhista. A
conseqüência, a marcha da produção determina democracia parlamentar concede um voto a cada
a marcha da sociedade. As fábricas são unidades homem adulto - e por vezes a cada mulher -
de trabalho, células que constituem a sociedade. invocando o direito supremo e inviolável de
A principal tarefa dos organismos políticos todo o indivíduo pertencer à raça humana -
(organismos dos quais depende a marcha da como dizem tão bem os discursos cerimoniais.
sociedade) está estreitamente ligada ao trabalho Nos sovietes, pelo contrário, apenas os
produtivo da sociedade. Por conseqüência, os trabalhadores estão representados. Pode-se
trabalhadores nos seus conselhos discutem essas concluir daqui que o sistema conselhista não é

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realmente democrático, pois que exclui as outras Engels tinha escrito que o estado
classes da sociedade? desaparecerá com a revolução proletária; que o
A organização conselhista encarna a governo dos homens sucederia a administração
ditadura do proletariado. Há mais de meio das coisas. Nessa época não era ainda possível
século, Marx e Engels explicaram como a encarar claramente como a classe tomaria o
revolução social devia conduzir à ditadura do poder. Mas temos hoje a prova da justiça desse
proletariado, e como essa nova expressão ponto de vista. No processo revolucionário, o
política era indispensável à introdução de antigo poder estatal será destruído e os órgãos
modificações necessárias na sociedade. Os que virão tomar o seu lugar, os conselhos
socialistas que apenas pensam em termos de operários, terão certamente durante algum
representação parlamentar procuraram desculpar tempo ainda poderes políticos importantes a fim
ou criticar essa infração à democracia e injustiça de combater os vestígios do sistema capitalista.
que consiste, segundo eles, em recusar o direito Contudo, a sua função política reduzir-se-á
de voto a certas pessoas sob o pretexto que elas gradualmente a uma simples função econômica:
pertencem a classes diferentes. Podemos ver a organização do processo de produção coletiva
hoje como o processo de luta de classes dos bens necessários à sociedade.
engendra naturalmente órgãos dessa ditadura: os
sovietes. Texto publicado originalmente em abril de 1936 e extraído de:
Nada há de injusto em que os conselhos, http://www.marxists.org/portugues/pannekoek/1936/04.htm

órgãos de luta de uma classe operária


revolucionária, não contenham representantes da
classe inimiga. Numa sociedade comunista
nascente não há lugar para os capitalistas; eles Anton Pannekoek
devem desaparecer e desaparecerão. Quem quer
que participe no trabalho coletivo é membro de
uma coletividade e participa nas decisões. O que
resta dos antigos exploradores e ladrões não tem
voto no controle da produção.
Existem outras classes da sociedade que
não podem nem ser assimiladas aos
trabalhadores nem aos capitalistas. São os
pequenos lavradores, artesãos independentes, os
intelectuais. Nas lutas revolucionárias, eles
oscilam entre a direita e a esquerda, mas no
conjunto eles não são verdadeiramente
importantes porque têm pouco poder. São
essencialmente as suas formas de organização e
objetivos que são diferentes. A tarefa da classe
operária em luta será aliciá-los ou neutralizá-los
- se isso é possível sem se desviar dos seus
verdadeiros fins - ou ainda, se necessário,
combatê-los resolutamente; ela deverá decidir a
melhor maneira de os tratar, com firmeza, mas
também com equidade. Na medida em que o seu
trabalho é útil e necessário, eles encontrarão o
seu lugar no sistema de produção e poderão,
assim, exercer a sua influência a partir do
princípio que todo o trabalhador tem um voto no
controle do trabalho.

Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 16


A REVOLUÇÃO HÚNGARA DE 1956
Thomas Feixa

Budapeste, 23 de outubro de 1956. Budapeste, Györ, Miskolc ou Pecs parece


Organizada pelo Círculo Petofi, um grupo de confirmar a pertinência de um projeto
estudantes e intelectuais húngaros, uma revolucionário ao mesmo tempo radical e
manifestação em solidariedade aos poloneses igualitário. Os acontecimentos de Budapeste,
põe fogo no barril de pólvora. Quem são os modelos para o desencadeamento de uma
insurgentes? Segundo o jornal Le Figaro, revolução democrática, constituem, segundo
militantes cuja intenção era a de restaurar uma Lefort, a primeira revolução anti-totalitária e
“democracia” à moda ocidental, seguindo as leis abrem a perspectiva de um socialismo que se
do capitalismo. A máquina de propaganda do opõe à ideologia leninista e todas as suas
Partido Comunista Francês não tinha a intenção variantes.
de mostrar o contrário, pois para ela os Revolução sem vanguardas
instigadores do levante de Budapeste eram Assim como a revolução russa de
agitadores contra-revolucionários. Os crimes do fevereiro de 1917, a insurreição húngara opera
stalinismo certamente já haviam sido espontaneamente. O poder monolítico do
reconhecidos, mas eram atribuídos a uma partido-Estado decompõe-se em poucos dias,
personalidade perturbada. O Pravda também diante de um conjunto de movimentos rebeldes,
explicara que “o culto da personalidade é um “centrífugos” e autônomos. Essa revolução
abscesso superficial no órgão perfeitamente são socialista, “de múltiplos focos”, segundo
do partido”, o proletariado e a revolução Castoriadis e Lefort, desenvolve-se distante de
permanecem no poder, não apenas na União qualquer vanguarda revolucionária, e contra a
Soviética, mas também em todas as própria idéia de uma subordinação a eventuais
“democracias populares”. Como o proletariado “profisisionais” da revolução. Sendo assim, ela
na Hungria poderia, então, voltar-se contra si reabilita as formas políticas de luta radical: a
mesmo? greve geral e a criação de conselhos autônomos
Vejamos agora a originalidade das operam sobre uma plataforma de democracia
análises feitas por Socialismo ou Barbárie, um direta.
periódico comunista tido como marginal, mas Ela também se choca contra a fórmula do
cuja influência estará, por exemplo, fortemente partido revolucionário defendida por Lênin e por
presente em maio de 1968. “Órgão crítico de Trotski: a de uma organização autoritária e
orientação revolucionária” (é o subtítulo do centralizadora, na qual as decisões são tomadas
periódico), Socialismo ou Barbárie foi co- por uma elite sábia e restrita. A insurreição
fundado em 1949 por dois dissidentes do húngara ilustra a autonomia dos movimentos
trotskismo, Claude Lefort e Cornelius revolucionários, fazendo jus à auto-emancipação
Castoriadis. A partir de dezembro de 1956, ele do proletariado, idéia preciosa a Karl Marx. E é
dedicou quatro edições à elucidação do evento aqui onde se encontra o coração do marxismo
húngaro, utilizando textos, convocatórias e heterodoxo de Socialismo ou barbárie. A
palavras de ordem difundidas por insurgentes, despeito do que pensaria o autor de Que fazer?,
estudantes e operários. a “consciência socialista”, longe de nascer de
Para Castoriadis, é antes de tudo uma sabedoria exclusiva a uma elite ou
imprescindível “dissipar o nevoeiro da vanguarda, é produto de uma experiência
propaganda (que utiliza de todos os meios para coletiva de combate em prol da inversão da
dissimular a realidade sobre a revolução ordem estabelecida.
húngara), para mostrar as verdadeiras tendências A partir do dia 25 de outubro de 1956, a
proletárias e socialistas dessa revolução”. As estimativa de Lefort é de que “a Hungria está
análises áridas e confidenciais de Socialismo ou povoada de conselhos, cujo poder passa a ser o
Barbárie parecem partilhar dos objetivos e único, além do exército vermelho”. Em suma, a
práticas dos insurgentes húngaros. A revolução atividade espontânea e radical dos insurgentes
dos conselhos operários, que toma forma em ilustra sua criatividade política e resulta na

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instituição de conselhos operários. Esses aos capitalistas”. Para Castoriadis, a revolução
conselhos não constituem formas políticas húngara assemelha-se a um anticapitalismo real,
transitórias: ao contrário, eles tendem a que atinge as próprias relações de produção e
substituir a lógica centralizadora do Estado pela não se satisfaz, por meio do socialismo, com a
sua lógica democrática. abolição do regime de propriedade privada. De
O “socialismo dos conselhos” acordo com Lefort, o regime stalinista permitiu
Quem fala de socialismo de conselho que os operários húngaros compreendessem algo
refere-se, simultaneamente, ao controle dos essencial: “a exploração não é resultado da
representantes, à vontade de repudiar toda presença de capitalistas privados, mas da
tendência oligárquica, à esperança de impedir divisão, feita nas próprias fábricas, entre aqueles
toda autonomização do poder. A adoção do que decidem tudo e aqueles que apenas
mandato imperativo – que foi considerado inútil obedecem”. A estatização dos meios de
por todas as constituições republicanas francesas produção – ou sua nacionalização – não
e cujo princípio não é aceito por nenhuma conseguiria conferir uma característica socialista
grande formação política, inclusive em seu à produção. Tal erro acabaria por encobrir a
funcionamento interno – constitui um dos realidade de um sistema de exploração nunca
pilares do conselhismo. Ele visa impedir a antes visto, que em 1956 foi desmantelado pelos
dissociação entre uma minoria dirigente e uma insurgentes húngaros.
maioria executante. Em oposição ao mandato A revolução de Budapeste provocou
representativo, ele instaura a revogabilidade fissuras em uma construção tida como
permanente de todo mandatário: o representante invulnerável. Ela proporcionou uma invenção
é encarregado de aplicar as instruções daqueles democrática sem precedentes e sem relação
que o elegeram. Já o sistema de mandato alguma com o que Castoriadis chamava de
representativo lhe concede uma independência nossas “oligarquias liberais”. Contra o
total: uma vez eleito, ele torna-se a voz da totalitarismo, a revolução. Tal oposição põe em
Nação, e não mais a de seus mandatários. xeque toda uma historiografia conservadora.
No dia 28 de outubro, o Conselho de Aquela que, de François Furet a René Rémond,
Szegel passa a reivindicar a autogestão operária. confunde “gulag” com fenômeno
Outros conselhos ou comitês de fábrica (que revolucionário.
continuam a proliferar) seguem a mesma Tradução: Márcia Macedo
trajetória. Em 2 de novembro, a Federação da marcinhamacedo@gmail.com
Juventude proclama: “Nós não devolveremos a
terra aos grandes proprietários, nem as fábricas

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O ESTADO MODERNO E A PROPRIEDADE PRIVADA
Leila Silva de Moura

“O governo é instituído sob a condição não permite, facilmente, a compreensão e


e com o fim de os homens poderem ter discussão de como surge o Estado e quais suas
propriedade e garanti‐las.” principais e reais funções na sociedade
John Locke capitalista. O mito do Estado para o bem
comum passa, então a caracterizar o Estado
O conceito de estado, hoje, tem sido moderno impedindo, portanto a reflexão, por
desenvolvido na maioria dos centros parte da sociedade, sobre o real
acadêmicos como sendo um sistema de comprometimento entre o Estado e a
instituições democráticas, que reflete a propriedade privada. A propriedade privada,
diversidade de valores e de interesses na “dádiva de Deus”, “resultado do Trabalho” é,
sociedade e permite que sejam dispostas nesse sentido, o elemento central que
acomodações entre eles, em que proporciona a proporcionou o desenvolvimento do
estrutura para um liberalismo genuinamente Capitalismo no Ocidente, legitimamente,
político e, por isso, adequado a ocorrência do assegurado pelo Estado liberal.
pluralismo, segundo Bellamy (1992) em O artigo 5° da Constituição brasileira
Liberalismo e Sociedade Moderna. Os estudos declara que todos são iguais perante a lei, sem
referentes à análise política, portanto, distinção de qualquer natureza, garantindo-se
priorizam temas voltados aos conceitos de aos brasileiros e estrangeiros, residentes no
pluralidade, igualdade, liberdade, país, a inviolabilidade do direito à vida, à
legitimidade, democracia, cidadania, liberdade, à igualdade, à segurança e à
representatividade entre outros, que, não propriedade. Esses direitos se fundamentaram
fazem, senão traduzir, permanentemente, a na medida em que se consolida o Estado
tendência liberal na sociedade moderna. moderno no Ocidente e quase sempre, no
As diversas definições de Estado sistema capitalista brasileiro, o direito à
construídas, atualmente, contemplam, num propriedade, bem como a sua segurança, se
sentido amplo, um caráter multidimensional sobrepõe aos demais direitos assegurados na
do papel estatal, apresentando um Estado que Constituição.
procura atender o maior número possível de O Estado moderno funda-se, portanto,
demandas sociais. O debate acerca das sob uma estrutura conceitual básica da visão
relações entre o Estado e as esferas privadas é burguesa onde consiste na idéia de igualdade
deixado de lado, dando lugar a discussões e jurídica, liberdade e do individualismo,
estudos abstratos e cada vez mais específicos, elementos estes originários da crescente
na maioria dos estudos acadêmicos. O Estado racionalidade na busca da autonomia da
é visto como um elemento neutro e a serviço burguesia. O racionalismo, nesse sentido, foi e
da sociedade, mas, ao mesmo tempo, a sua é a peça fundamental para o desenvolvimento
relação com o Capital revela outros interesses da legitimidade, da hegemonia da burguesia,
que permeiam a ação estatal. As teorias de forma econômica e política, na sociedade
políticas que definem o papel do Estado, tanto Ocidental moderna. Esse racionalismo, ou
na perspectiva liberal, tanto na perspectiva melhor, a razão utilitária transforma a visão de
marxista, direta ou indiretamente, mundo, onde tudo passa a ser elemento de
relacionaram a origem e função do Estado conquista, de descoberta, e, sobretudo, de
com a manutenção e segurança da propriedade exploração e apropriação com o lema de
privada. A imagem construída do Estado civilizar o homem incivil, ou seja, este deve
moderno ofusca os interesses de alguns ser civilizado em todo o canto do mundo. E,
grupos sociais privilegiados por este estado, nesse sentido: “o homem vai se libertar da
como a burguesia, pois a construção de uma escuridão e o mundo vai se tornar harmônico
grandiosa e “inquestionável” ideologia social e igualitário”, onde não haverá mais escravos,
Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007
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mas homens livres como Hegel acreditava. É cada indivíduo. “Onde não há Estado há uma
a razão emancipadora que trás a liberdade, guerra perpétua de cada homem contra seu
segundo as construções teóricas ideológicas, vizinho, na qual cada coisa é de quem a
ou seja, é a liberdade para acumular capital apanha e conserva pela força o que não é
sem as amarras do pecado da usura no propriedade nem comunidade, mas incerteza”.
catolicismo e dos antigos costumes feudais. Hobbes (2004, p. 184)
Isto propicia a produção e reprodução da Os bens precisam ser assegurados e
propriedade privada, através da exploração do distribuidos e somente o Estado pode
trabalho, em nome da Civilização e proporcionar segurança através da força
Modernidade. legítima. “O trabalho de um homem também é
Em Hobbes o Estado é, essencialmente, um bem que pode ser trocado por
absolutista e não liberal, mas sua teoria é benefícios.(...) A distribuição dos materiais
herdada, em parte, como base conceitual para dessa nutrição é a constituição ´do que é
uma reconstrução teórica baseada nos meu`, do ´do que é teu`, e do ´do que é seu`.
interesses da classe burguesa: um Estado Numa palavra é a propriedade. É da
liberal para a segurança da liberdade e da competência do poder soberano em todas as
propriedade. No Estado de Hobbes, o público espécies de Estado”. Hobbes (2004, p. 184)
e o privado passam a se relacionar com o Para Thomas Hobbes, em Leviathan, o
Estado como sendo frutos de um mesmo Pacto Social significa o fim de um Estado de
interesse alicerçado pelo Estado “o ato da Natureza definido por ele como um Estado de
associação encerra um acordo recíproco do Guerra, constante, entre indivíduos que
público com seus particulares” Hobbes (1977, buscam a sobrevivência, vivem isolados,
p. 33). Esse relacionamento entre o público e solitários num mundo sombrio e tenebroso,
o privado se desenvolve, em Hobbes, tendo o para um Estado de Paz, pois “se alguém
Estado como representante dos anseios acerca planta, semeia, constrói ou possui um lugar
da segurança, passa a se envolver em questões conveniente, é provavelmente de esperar que
particulares, e a liberdade passa a se confundir outros venham preparados com forças
com limites. Nesse sentido, a própria conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não
liberdade em que o Estado proporciona para apenas do fruto de seu trabalho, mas também
cada pessoa é limitada. A instauração da paz, de sua vida e de sua liberdade” Hobbes (2004,
liberdade, igualdade e segurança da vida e p. 97).
propriedade através da constituição de um O Estado de Paz é, então,
corpo político, originado por um Pacto Social proporcionado pelo Estado, constituído pelo
ou Contrato Social, constitui a essência da Pacto Social. Segundo Hobbes, “Estado
teoria contratualista, ou seja, o Contrato instituído é quando uma multidão de pessoas
Social é a base da legitimidade da autoridade concordam e pactuam que a qualquer homem
política. A relação entre a teoria do Pacto ou assembléia de homens a quem seja
Social, do Estado e da propriedade em Hobbes atribuído pela maioria o direito de representar
caracteriza o papel do Direito na proteção da a pessoa de todos eles(...) tal como se fossem
propriedade “onde não há Estado, não há seus próprios atos e decisões a fim de viverem
propriedade”. Hobbes (2004, p. 111) em paz uns com os outros e serem protegidos
Os bens surgem, em primeiro lugar, dos restantes homens” Hobbes (2004, p. 132).
como dádiva de Deus. Esses bens, segundo Em Hobbes, o Estado de Natureza
Hobbes, são a nutrição, animais, vegetais e coexiste com as Leis da Natureza (naturais ou
minerais. E, em segundo lugar, do trabalho e morais), puramente divinas, estas são a
esforço do homem, e no Estado de Natureza própria razão atribuídas por Deus para todos
esses bens não estavam assegurados a cada os homens. Esta razão é fundamentalmente a
um que os possui, pois esse estado se Lei de Natureza. Ao resumir todos os
caracteriza em constante estado de guerra. O princípios estabelecidos, pela Escritura
trabalho, aqui é a legitimidade da posse de Divina, dessa Lei de Natureza tem-se o
bens particulares e o Estado cumpre a função seguinte corolário: não deves fazer a outro o
de protegê-los e distribuí-los. Nesse sentido, o que não quiserdes que seja feito a ti. É a partir
Estado foi constituido, através de um Pacto dessa construção teórica acerca da Lei de
Social, para assegurar e distribuir os bens a Natureza que Hobbes desenvolve a origem do
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Pacto Social ou Contrato Social, pois a partir A tese de que a segurança da
do momento em que indivíduos são dotados propriedade é função do Estado também faz
do sentimento de esperança e medo, devido à parte da linha teórica de John Locke, para ele,
violação das Leis de Natureza, pactuam a constituição de uma organização política se
originando o consentimento de transferência desenvolveu através do Pacto Social.
da força e faculdade de cada um a outrem, John Locke, em O segundo tratado
onde serão submetidos a um poder maior. sobre o Governo Civil, discorre sobre a
Nesse sentido, o Pacto que origina um origem do Estado e suas funções, destacando-
poder maior e legítimo, se consagra. Isso o como organização política, em que surge,
ocorre, segundo Hobbes, em Do cidadão, primordialmente, para a preservação da
devido a existência de: “uma associação propriedade privada: “o maior e principal
constituída somente pela mútua ajuda, não objetivo, portanto dos homens se reunirem em
proporciona a segurança que os homens comunidades, aceitando um governo comum,
procuram ao se reunirem e concordarem no é a preservação da propriedade” Locke (2003,
que diz respeito ao exercício das leis naturais p. 92).
(...) Deve ser feito algo mais para que os Para Locke o povo tem o direito de
homens que consentiram, visando o bem escolher seus representantes, no intuito de
comum, em ter paz e mutuamente ajudar uns preservação da vida, da segurança e da
aos outros, sejam contidos pelo medo Hobbes propriedade, ou seja, é a liberdade de escolha,
(2004, p. 85). é a legitimação do sufrágio e formação de um
Segundo Hobbes, não existe a Estado alicerçado no poder Legislativo, sendo
propriedade privada no Estado de Natureza, este primordial para a consolidação do Bem
pois: “numa multidão que não fora ainda Comum. Para ele, o estabelecimento de uma
reduzida a uma única pessoa, (...) permanece sociedade organizada em Estado tem como
válido aquele estado de natureza no qual todas principal objetivo a preservação da
as coisas são de uso comum, não havendo propriedade. Nesse sentido, o Estado não
lugar para meum e o tuum, que chamamos possui direitos de tomar para si qualquer
domínio e propriedade. Isso ocorre porque propriedade do povo sem o seu
ainda não existe a segurança “ Hobbes (2004, consentimento, pois quebraria o seu próprio
p. 91). fundamento de origem. O grande interesse da
Hobbes, no entanto, não explica burguesia está, então, consolidado nessa
claramente o que vem a ser o fruto do trabalho teoria, ou seja, o Estado como protetor de seu
citado por ele como um dos elementos de capital, seus bens, enfim sua propriedade
interesse de cada indivíduo que devem ser privada. Para John Locke, “o povo, tendo
resguardados pelo poder político constituído reservado para si o direito de escolha de seus
pelo Pacto Social, porém pode ser representantes como guardiões da
compreendido, devido essa lacuna, como um propriedade, não poderia exercê-lo a não ser
bem privado. Por outro lado, o fruto do livremente. (...) para o bem da comunidade”
trabalho abordado na teoria de John Locke é Locke (2003, p. 149).
constituído no próprio Estado de Natureza, no Segundo Locke, os homens
entanto, é definido, nitidamente, como sendo abandonaram a liberdade do Estado de
os próprios bens/propriedades dos Natureza para preservação da vida, a liberdade
particulares. e a propriedade, esses, então são os fins da
O Contrato Hobbesiano pode ser sociedade e do governo. É, nesse sentido, o
definido como o princípio norteador do governo civil ao garantir a proteção da
sistema capitalista, ou seja, o Contrato é de propriedade não poderá nunca apropriar-se
caráter irrevogável e é ele que regula o dela sem o consentimento de seu dono:
comportamento das relações sociais. O “Quem detém o poder não pode tirar de
Contrato, portanto, representa a autoridade do qualquer homem sua propriedade ou parte
Direito e é a garantia de segurança da dela sem o seu consentimento; ora se a
propriedade. O Estado preserva e protege os preservação da propriedade é o objetivo e que
pactos contratuais através da utilização de seu motiva os homens a se associarem” Locke
poder legitimado pelo Direito e pelo uso da (2003, p. 102).
força física.
Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 21
No Estado de Natureza de Locke, o de seu trabalho, também pertence somente a
homem já possui sua propriedade, pois ela é ela. Com isso, a propriedade privada, assim
um atributo humano natural como fruto do como a liberdade e a razão são inatos ao
trabalho, também natural, e para sua homem e ninguém, portanto, tem o direito a
preservação institui-se, através do Pacto deles apropriar-se. E, em conseqüencia, o
Social, o Estado como protetor de algo inato: Pacto Social institui o Estado para a
a propriedade. preservação dos elementos inerentes ao
O corpo político, segundo John Locke, homem. O corpo político organizado surge,
surge, através do Pacto, não de uma reunião ou melhor, é constituído para assegurar a cada
de pessoas em um Estado constante de guerra, indivíduo seu Direito Natural: a vida, a
como em Hobbes, mas de um estado onde há liberdade e, também, a propriedade.
o constante receio de um eminente perigo Segundo este autor o homem nasce com
contra a vida, a liberdade e, principalmente, à direito a perfeita liberdade e gozo ilimitado de
propriedade, portanto, o Estado surge como todos os direitos e privilégios da lei da
um poder protetor de algo já consagrado e natureza, tanto quanto qualquer outro homem
natural no ser humano, porém ainda ou grupo de homens, e tem, nessa natureza, o
desconhecido como inerente ao homem, ou direito não só de preservar a sua propriedade –
seja, a razão e a liberdade e a própria isto é, a vida, a liberdade e as posses – contra
propriedade, que segundo ele resulta do os danos e ataques de outros homens, mas
trabalho humano. “Ao nascermos, já somos também de julgar e punir as infrações dessa
livres e racionais, embora não tenhamos de lei pelos outros, conforme julgar da gravidade
fato o exercício da razão ou da liberdade” da ofensa, até mesmo com a própria morte.
(Locke: 2003: 55). O Direito Natural passa a se constituir
O Estado de Natureza, em Locke, é o Direito legalizado pelo poder político se
Estado em que os homens convivem segundo tranformando em principal elemento social,
a razão, onde não há autoridade superior numa constituida sociedade civil. As leis,
comum para julgá-los. Pode ser caracterizado então, servirão para punir, até pela pena de
como um Estado de Paz, boa vontade, morte, os que abandonam os princípios da
cooperação mútua e preservação, enquanto natureza humana e a reparar aquele que sofreu
que no Estado de Guerra há a inimizade, a algum dano. Nessa análise Locke de forma
malícia, a violência e destruíção recíproca. mais ousada traduz os anseios liberais de
Este se caracteriza segundo Locke, como o proteção à propriedade através das leis, ou
uso da força intencional contra outrem, sem seja, do Estado. A seguinte citação, portanto,
que haja uma instância maior para se apelar, é demonstra essa tendência: “Endendo, pois,
dessa forma que se configura o Estado de por poder político o direito de elaborar as leis,
Guerra. incluindo a pena de morte e portanto as
Segundo Locke, mesmo no Estado de demais penalidades menores, no intuito de
Natureza a propriedade particular está regular e conservar a propriedade, e de utilizar
presente, pois Deus deu o mundo em comum a força da comunidade para garantir a
a todos os homens, porém deu-o para o execução de tais leis e para protegê-la de
desfrute do diligente e racional que faz uso do ofensas externas. E tudo isso visando só ao
trabalho. Como em Hobbes, o trabalho é o bem da comunidade” Locke (2003, p. 22).
alicerce para o direito de posse. “a ordem de O conceito de liberdade como também
Deus para dominar concedeu autoridade para o de propriedade, portanto, são os eixos
a apropriação; e a condição da vida humana, norteadores da teoria de John Locke. Esses
que exige trabalho e material com que elementos são os princípios básicos da vida
trabalhar, necessariamente introduziu a humana que devem ser garantidos e
propriedade privada”. Locke (2003, p. 42) preservados na sociedade civil. Segundo ele:
A defesa da propriedade privada, em “Todo homem nasce com dois direitos
Locke, é exaustivamente alicerçada na teoria básicos: primeiro, o direito à liberdade para a
da criação divina e no trabalho. A propriedade pessoa, sobre a qual ninguém mais goza de
particular é, antes de tudo, a própria pessoa, poder, cabendo só a ele próprio dispor dela
só a ela cabe o direito de si mesmo, seu livremente; em segundo lugar, o direito
trabalho pertence a ela mesma, como o fruto privilegiado sobre qualquer pessoa, de herdar,
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com os irmãos, os bens do progenitor” Locke Natureza de Hobbes, que prega este estado
(2003, p. 131-132). como um cenário de conflito constante entre
Rousseau em Discurso sobre a origem pessoas imbuídas de paixão e inveja.
e os fundamentos da desigualdade entre os Contrapõe Locke, ao defender um estado
homens, constrói sua teoria sobre a origem da humano sem a necessidade e existência de
desigualdade. Para ele não existiu no Estado propriedade particular e, muito menos, a
de Natureza a propriedade privada, pois noção do que vem a sê-lo. A propriedade
“nesse estado primitivo não tendo nem casas, privada nasce com a formação da sociedade
nem cabanas, nem propriedades de qualquer civil. “O verdadeiro fundador da sociedade
espécie, cada um se abrigava em qualquer civil foi o primeiro que, tendo cercado um
lugar e, freqüentemente, por uma única noite” terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e
Rousseau (1996, p. 247). encontrou pessoas suficientemente simples
Para Rousseau, o homem ao se para acreditá-lo” Rousseau (1997, p. 259).
constituir em sociedade civil fez desaparecer o O fim do Estado de Natureza se deu:
Estado de Natureza e com ela a igualdade. “desde o instante em que um homem sentiu
Isso ocorre quando o homem deixa de ser necessidade do socorro de outro, desde que se
nômade e sente a necessidade de possuir percebeu ser útil a um só contar com
residência fixa e bens, surgem, então, as provisões para dois, desapareceu a igualdade,
comunidades, ou seja, a sociedade civil e com introduziu-se a propriedade, o trabalho
ela a desigualdade, pois uns passam a possuir tornou-se necessário, (...) logo se viu a
bens e outros não, passando a se sujeitarem escravidão e a miséria germinarem e
àqueles proprietários, como escravos: crescerem com as colheitas” Rousseau (1997,
“Introduziu-se a propriedade, o trabalho p.265).
tornou-se necessário (...) logo se viu a Nesta obra, Rousseau procura
escravidão e a miséria germinarem e fundamentar a origem do Estado através do
crescerem com as com as colheitas” Rousseau desenvolvimento da sociedade orgnizada. Sua
(1996, p. 265). perspectiva, porém leva em conta o princípio
Ele procura compreender o Estado de da desigualdade, isto é, a acumulação de bens
Natureza e como se deu a passagem desse que surge à partir da propriedade particular,
estado para a constituição da socidedade civil, inaugurando a desigualdade, e dessa
bem como a origem da propriedade privada e, desigualdade; a violência, o roubo, onde o que
consequentemente, a origem da desigualdade se temia era o ataque de uns contra os outros.
social. Nesse sentido: “o rico, forçado pela
O homem no Estado de Natureza é ágil necessidade, acabou concebendo o projeto (...)
e forte, porém, não possui sentimentos de em seu favor às próprias forças daqueles que o
paixão, inveja e ciúmes, pois como qualquer atacavam, fazer de seus adversários seus
animal, tem como preocupação suas defensores, inspirar-lhes outras instituições
necessidades físicas, pois “os únicos bens que que lhes fossem tão favoráveis quanto lhe era
conhece no universo são a alimentação, uma contrário o direito natural. Tal foi ou deveu
fêmea e o repouso; os únicos males que teme, ser a origem da sociedade e das leis que
a dor e a fome” Rousseau (1997, p. 246). deram novos entraves ao fraco e novas forças
No Estado de Natureza, segundo ao rico” Rousseau (1997, p. 268-269).
Rousseau, o homem não possui propriedade e Em Discurso sobre a origem e os
nem faz idéia dela, pois não existe, neste fundamentos da desigualdade entre os
Estado, casas, cabanas e nem propriedades de homens, Rousseau nega todo arcabouço
qualquer espécie. Não conheciam a vaidade, a teórico da abordagem burguesa sobre o Estado
consideração, a estima ou o desprezo; como voltado para o Bem comum, construindo,
não possuiam a noção do teu e do meu. Com a audaciosamente e de forma brilhante, a teoria
integração das pessoas, devido ao aumento da da desigualdade através do surgimento da
população e da necessidade de segurança sociedade civil e da propriedade privada.
perante os incidentes naturais se desenvolve o Ao desenvolver sua teoria da
progresso do espírito humano, a noção de desigualdade, Rousseau apresenta um Estado
propriedade particular e a desigualdade. Nesse que procura proteger os bens particulares, pois
sentido, é contrário à teoria de Estado de foi fundado para tal função, mantendo
Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 23
“aguilhoado” os que não possuem bens e estão a serviço da classe dominante. E essas
dando continuidade à desigualdade. Rousseau teses vêm reforçar a dominação ideológica
procura se contrapor às conjecturas teóricas, sobre a classe dominada que passa a acreditar
anteriormente, trabalhadas acerca dos no mito do Estado como um organismo em
conceitos de Estado de Natureza e sua relação prol do Bem Comum.
com a propriedade privada e sua relação com Segundo Karl Marx, o Estado moderno
o Estado. Rousseau, no entanto, em O foi construído historicamente, de forma
contrato social se aproxima das principais determinada que se desenvolveu como corpo
teorias liberais que explicam a origem do político à medida que os progressos da
Estado moderno sem levar em conta os moderna indústria se desenvolviam, nesse
interesses políticos e econômicos de classe sentido, ampliam e aprofundam o
que o desenvolveu para atingirem seus fins. antagonismo de classe entre o capital e o
Ignora, parcialmente, sua própria tese, trabalho, é assim, portanto, que nascem o
anteriormente escrita, da desigualdade social, proletário e o burguês. A organização social
onde nela classifica o Estado como resultado modifica-se “de força pública organizada para
de um projeto de grupos que queriam manter a escravização social, de máquina do
o poder, desenvolvendo, assim, a teoria do despotismo de classe” Marx (1998, p. 70).
Soberania Popular e da Vontade Geral. Essa perspectiva teórica diversa acerca
O Estado visto como uma organização da natureza do Estado procura descaracterizar
do Bem Comum foi e é lema de discursos o Estado como um corpo político neutro em
políticos, do senso comum e no meio busca do bem comum. As diferenças da
acadêmico desde o fim do regime feudal. conceituação teórica de Estado moderno e da
Hegel ao abordar o tema do Estado via este propriedade dos escritores analisados e em
como elemento determinante na sociedade Marx e Engels atingem marco diferencial na
civil, sendo esta condicionada por ele. Marx teoria política. Nessa visão o Estado moderno
critica a teoria de Hegel que teria, neste caso, é uma construção histórica em defesa dos
se contentado com as aparências, numa interesses de classe. Em A ideologia Alemã,
perspectiva filosófica do Direito assim como o Marx e Engels (1998, p. 74) definem os
pensamento abstrato e superabundante do conceitos de Estado e propriedade
Estado. Hegel ao abordar o Direito procura relacionando-os como interdependentes, ou
enfatizar a posse como o primeiro elemento seja, segundo eles com a emancipação da
de relação jurídica e para Marx a posse não propriedade privada em relação à
antecede a organização social: “Não existe comunidade, o Estado adquiriu uma existência
posse anterior à família e às relações de particular ao lado da sociedade civil e fora
senhor e servo, que são relações muito mais dela, mas este Estado não é outra coisa senão
concretas ainda. Ao contrário, seria justo dizer a forma de organização que os burgueses dão
que existem famílias, tribos, que se limitam a a si mesmos por necessidade, para garantir
possuir, mas não tem propriedades”. Marx reciprocamente sua propriedade e os seus
(1996, p. 41). interesses, tanto externa quanto internamente.
Para Marx, o Estado, o Direito público Essa característica, portanto, do Estado
e o Direito privado se acham governados moderno, é construída com uma análise
pelas relações econômicas. Deste modo, seria histórica por Marx em A Guerra Civil na
a sociedade civil que determinaria a forma do França, onde procura relacionar a burguesia e
Estado. Ele procura desmistificar o papel do o surgimento do Estado moderno. “À medida
Estado como a instituição voltada para o Bem que os processos da moderna indústria
Comum. desenvolviam, ampliavam e aprofundaram o
Para Karl Marx, o “Estado não é outra antagonismo de classe entre o capital e o
coisa senão a forma de organização que os trabalho, o poder do Estado foi adquirindo
burgueses dão a si mesmos por necessidade cada vez mais o caráter do poder nacional do
para garantir sua propriedade e seus capital sobre o trabalho, de força pública
interesses” Marx & Engels (1998, p. 74). organizada para a escravização social, de
É nesse sentido que Marx caracteriza as máquina do despotismo de classe. Depois de
teses dos pensadores liberais anteriores acerca cada revolução, que assinala um passo adiante
do Estado como um material daqueles que na luta de classes, revelam-se com traços cada
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vez mais nítidos o caráter puramente repressor a moldar os próprios interesses de um Estado
do poder do Estado” Marx (1986, p. 70). e até subordiná-los aos seus completamente.
O Estado, para Marx, portanto, é o Montesquieu exemplifica essa relação, ao
instrumento pelo qual os indivíduos de uma afirmar que “A Inglaterra sempre subordinou
classe dominante fazem valer seus interesses os interesses políticos aos de seu comércio”
comuns. Montesquieu (1997, p. 15).
Segundo Marx, no Direito privado O debate sobre a relação entre o Estado
exprimem-se as relações de propriedade e a propriedade privada proporciona a
existentes como sendo o resultado de uma desmistificação da construção ideológica de
Vontade Geral, também outra ilusão, pois: um Estado voltado essencialmente para o Bem
“Essa mesma ilusão dos juristas explica que, Comum. Com uma análise teórica e uma
para eles e para todos os códigos jurídicos, é observação da realidade pode-se compreender
meramente casual que, por exemplo, os a existência de um grande contraste entre a
indivíduos entrem em relações entre si, por imagem construída do Estado para o Bem
contrato, e que, a seus olhos, relações desse Comum e a realidade, em que parte da
gênero passem como sendo daqueles que Sociedade é completamente desigual em
podem subscrever ou não, segundo sua direitos e se encontra à margem dos
vontade, e cujo conteúdo repousa inteiramente benefícios “assegurados” pela Constituição e
na vontade arbitrária e individual das partes por esse Estado “Benfeitor”. O discurso
contratantes” Marx (1998, p. 76). A político liberal procura através do
propriedade privada se torna mais legítima e mascaramento da realidade formar uma
protegida no Estado moderno. Essa imagem de um Estado representativo, em que
propriedade privada é assegurada através da o cidadão exerce a democracia, mas não
lei e multiplicada através da divisão do define, claramente, o que vem a ser o cidadão.
trabalho e da Mais-Valia, pois é através do O conceito de cidadão quase sempre é difuso
trabalho do proletariado que surge a na teoria política. Ser cidadão é participar da
acumulação de capital do burguês: “A representação política, votando e se elegendo?
propriedade privada nasce e se desenvolve por Ser cidadão é cumprir com as obrigações e
força da necessidade da acumulação contínua, deveres sociais? Ou ser cidadão, em primeiro
no início, a conservar a forma da comunidade lugar é ser consumidor e possuir
para se aproximar, no entanto, cada vez mais, propriedades? As ações dos poderes
da forma moderna da propriedade privada em executivo, legislativo e judiciário, ou seja, do
seu desenvolvimento posterior” Marx (1998, Estado brasileiro, cada vez mais
p. 80). comprometidos com os interesses
Ao analisar a dominação legitimada da econômicos, permitem, portanto,
burguesia em defesa da propriedade privada, reconstruções teóricas sobre o papel do
Marx explica que somente em nome dos Estado, reafirmando a própria tese dos
direitos gerais da sociedade pode uma classe teóricos liberais da teoria política clássica, de
especial reivindicar para si a dominação geral. que o Estado foi instituído para a proteção da
No sistema capitalista, portanto, os propriedade, vida e liberdade dos
interesses comerciais pela acumulação tendem proprietários.
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Revista Enfrentamento – no 02, jan./jul. 2007 25

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